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Proc. nº 641/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. S..., S.A impugnou judicialmente a liquidação de Contribuição Industrial e da Derrama relativos ao exercício de 1987 perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, invocando, em síntese, erro na determinação do rendimento colectável por não lhe terem sido considerados como custos de exercício as reintegrações de bens do activo imobilizado corpóreo reavaliados, no montante de
41 039 321$00, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho.
2. Por decisão daquele Tribunal, de 9 de Outubro de 1991, a impugnação judicial veio a ser julgada improcedente.
3. Inconformada com a assim decidido a impugnante recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 8 de Julho de 1999, veio a julgar o recurso improcedente. Ponderou, porém, aquele Tribunal:
“(...) A questão que é objecto do recurso é a de saber se as amortizações efectuadas pela impugnante, no exercício de 1987, no valor de 41.039.321$00, relativas a bens do seu activo imobilizado corpóreo reavaliadas ao abrigo do Decreto-Lei nº nº 219/82, de 2 de Junho, podem ser consideradas como custos daquele exercício, apesar de os bens referidos já estarem totalmente amortizados e de já ter decorrido o período máximo da sua vida útil previsto na Portaria nº 737/81, de
29 de agosto. No entanto, constata-se que aquele Decreto-Lei nº 219/82, foi emitido pelo Governo, ao abrigo da sua competência legislativa própria, então prevista no art. 201º, nº 1, al. a), da Constituição, na redacção originária. Já na redacção inicial da Constituição, se incluíam na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República as matérias que tinham a ver com a incidência dos impostos. Na verdade, no art. 106º, nº 2, da CRP, estabelecia-se que os «impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes». A lei que aqui se faz referência é uma lei em sentido próprio, emanada da Assembleia da República, como se concluía do art. 167º, nº 1, al. o), da CRP, na redacção originária, em que se incluía na reserva relativa de competência da Assembleia da República a criação de impostos e sistema fiscal. Embora nesta norma apenas se refira a criação de impostos e sistema fiscal, deverá entender-se que aquele art. 106º constituía uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva. Por isso, todos os elementos referidos naquele art. 106º, nº 2, estão abrangidos nesta reserva. O Decreto-Lei nº 219/82, vem regular o regime das reintegrações e amortizações que são componentes do custos atendíveis para efeitos de determinação do lucro tributável de Contribuição Industrial (art.s 22º, 26º, nº 7, 30º, 31º e 32º do Código da Contribuição Industrial). Este lucro é a base de incidência deste imposto (art. 1º do mesmo Código), pelo que as normas que prevêem a forma como é calculado constituem normas de incidência objectiva, estando, como tal, sujeitas ao regime previsto no citado art. 106º, nº 2 da CRP. Em matérias reservadas à Assembleia da República, o Governo só podia legislar validamente mediante autorização daquela (art.s 168º, nº 1, e 201º, nº 1, alínea b), da Constituição, na redacção inicial). Por isso tendo o Governo emitido o Decreto-Lei nº 219/82 se que existisse autorização legislativa que o autorizasse a legislar sobre as matérias englobadas na incidência da Contribuição Industrial, as normas deste diploma que se reportam a tais matérias são organicamente inconstitucionais, não podendo ser aplicadas pelos Tribunais (art. 207º (204º na redacção de 1997) e 280º (na redacção inicial, a que corresponde o 277º nas redacções posteriores) da CRP. Estão nessas condições, designadamente, as normas dos art.s 2º, nº 3, 3º, nºs 1 e 2, 4º, nº 2 e 6º, nºs 1 e 2, deste Decreto-Lei nº 219/82, que servem de suporte à pretensão da recorrente de ver consideradas como custos para efeitos de determinação do lucro tributável de Contribuição Industrial as quantias respeitantes a reintegrações de bens totalmente reintegrados, não previstas no Código da Contribuição Industrial, e cujo período de vida útil ultrapassou o período máximo admitido na Portaria para que remete este mesmo Código, no nº 1 do seu art. 30º. Por isso, este Tribunal não pode deixar de considerar tais normas como organicamente inconstitucionais, por violação do preceituado nos referidos art.s
106º, nº 2 e 167º, nº 1, al. o), da Constituição, na redacção inicial, e recusar a sua aplicação”.
4. É desta decisão que vem interposto pelo representante do Ministério Público naquele Tribunal, ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea a) da Lei nº. 28/82, de
15 de Novembro, o presente recurso obrigatório de constitucionalidade, por a decisão recorrida se ter recusado aplicar, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, as normas dos artºs. 2º, nº 3, 3º, nºs 1 e 2,
4º, nº 2 e 6º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 219/82, de 2 de Junho, por violação dos artºs. 106º. nº. 2 e 167º. nº. 1 da al. o) da Constituição”.
5. Já neste Tribunal foi o Ministério Público notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“1º - Os princípios da legalidade tributária e da reserva de lei fiscal, embora impliquem que deva necessariamente constar da lei editada ou autorizada pela Assembleia da República a definição dos elementos ou pressupostos referentes a determinação da matéria colectável para certo imposto, não postergam a possibilidade de, na definição de tal matéria, o legislador se socorrer de conceitos abertos ou indeterminados (recebidos de certos sectores do ordenamento jurídico) ou de certos aspectos, de índole estritamente técnica, serem regulamentados através de normação secundária, editada pelo Governo.
2º - Não se situa no âmbito da reserva de lei atinente à definição e delimitação da matéria colectável, em sede de contribuição industrial, o estabelecimento das regras técnicas a que deve obedecer a elaboração da conta dos resultados do exercício e a determinação da existência de ganhos e perdas, já que tal matéria diz respeito ao direito das sociedades comerciais, só indirecta ou reflexamente se podendo repercutir na determinação do lucro tributável da sociedade.
3º - As normas constantes dos artºs 2º, 3º e 4º do Decreto-Lei nº. 219/82, ao disporem sobre actualização de valores patrimoniais expressos no balanço da sociedade, facultando-lhe dar uma nova expressão contabilística a certos bens, como decorrência da inflação e do alongamento da sua eventual contribuição útil para o processo produtivo (apesar de já completamente reintegrados) não podem qualificar-se como tendo natureza fiscal, não estando consequentemente abrangidas pela reserva de lei fiscal.
4º - As normas constantes do nºs 1 e 2 do artigo 6º do Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, ao preverem o “regime e efeitos fiscais da reavaliação”, realizada nos termos das disposições legais precedentes, não tem carácter inovatório, face à remissão constante, desde logo, do preceituado no nº 1 do artigo 30º do CCI, que remete para portaria a fixação de regras técnicas em função das quais as amortizações e reintegrações podem ser tidas como custos ou perdas do exercício – não representando consequentemente intromissão ilegítima no âmbito da reserva da lei fiscal.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
6. Por parte da recorrida não foi apresentada, dentro do prazo legal, qualquer alegação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação.
7. É o seguinte o teor dos preceitos em que se inserem as normas que constituem objecto do recurso:
'Artigo 2º Valores base da reavaliação
1 – (...)
2 – (...)
3 – Encontrando-se os bens já totalmente reintegrados, tenham ou não sido anteriormente reavaliados, mas possuam ainda aptidão para poderem utilmente desempenhar a sua função técnico-económica e sejam ainda efectivamente utilizados no processo produtivo da empresa, a reavaliação terá por base os valores referidos nos nºs. 1 e 2 deste artigo, conforme o caso.
4 – (...)
5 – (...)
Artigo 3º Coeficientes de desvalorização monetária
1 – Os valores resultantes da reavaliação serão obtidos pela aplicação aos referidos nºs. 1 e 2 do artigo 2º dos coeficientes de desvalorização monetária constantes da Portaria nº. 351/82, de 3 de Abril, tendo em consideração o ano a que se reporta a última reavaliação efectuada ou o ano de aquisição ou do registo contabilístico mais antigo, conforme o caso.
2 – Os coeficientes de desvalorização monetária a aplicar aos valores referidos nos nºs. 4 e 5 do artigo 2º serão os correspondentes aos anos que, nos termos da
última parte do número anterior, constarem da contabilidade da empresa originária.
Artigo 4º Correcção das reintegrações acumuladas
1 – (...)
2 – No caso de bens totalmente reintegrados a que alude o nº. 3 do artigo 2º, as reintegrações acumuladas actualizadas nos termos do número anterior serão corrigidas com base na taxa média de reintegração que resultar da soma do período de vida útil já decorrido com o período adicional de utilização futura.
Artigo 6º Regime e efeitos fiscais da reavaliação
1 – O regime das reintegrações dos bens reavaliados ao abrigo deste diploma regular-se-á pelas regras estabelecidas na Portaria nº. 737/81, de 29 de Agosto.
2 – Não se considerará como custo para efeitos fiscais o produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação.
3 – (...)
4 – (...)”.
8. A 1ª Secção deste Tribunal foi recentemente chamada a pronunciar-se sobre a constitucionalidade das normas que agora constituem objecto de recurso, tendo proferido o acórdão nº 451/01 (ainda inédito) em que se concluiu pela sua não inconstitucionalidade. Ponderou, então, o Tribunal Constitucional:
“(...)
3 - Como é sabido, pelo Decreto-Lei nº. 442-B/88, de 30 de Novembro, o Governo aprovou o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), assim concluindo a Reforma Fiscal de 1988-89, dispondo o artigo 2º desse diploma que o Código (do IRC) entrava em vigor em 1 de Janeiro de 1989, o que veio efectivamente a acontecer. No artigo 11º desse decreto-lei, sob a epígrafe “Reintegrações resultantes de reavaliações”, dispunha-se que “o regime da aceitação como custos, para efeitos de determinação da matéria colectável de IRC, das reintegrações resultantes das reavaliações efectuadas ao abrigo de legislação de carácter fiscal é, com as necessárias adaptações, o disposto nessa legislação (...)”. Vale isto para dizer que relativamente aos rendimentos auferidos pela ora Recorrente no exercício iniciado em 1 de Janeiro de 1989 se aplicam as regras constantes do Código do IRC, diploma que expressamente prevê - no Capítulo III respeitante à determinação da matéria colectável das pessoas colectivas e outras entidades residentes que exerçam, a título principal, a actividade comercial, industrial ou agrícola - o regime das reintegrações e amortizações (artigos 27º a 32º), remetendo para decreto regulamentar a definição das taxas de reintegração e amortização da quota anual que pode ser aceite como custo do exercício (cfr., em especial, o nº. 1 do artigo 29º do Código do IRC). Diga-se ainda – como nota – que esta solução legislativa de remissão para decreto regulamentar para definição das taxas de reintegração e amortização não
é uma inovação do Código do IRC. Antes, aparece “decalcada” da abolida (cfr. artigo 3º do Decreto-Lei nº. 442-B/88, de 30 de Novembro, com a epígrafe
“Impostos abolidos”) contribuição industrial, já que no artigo 30º Código da Contribuição Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei nº. 45 103, de 1 de Julho de
1963 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº. 503-B/76, de 30 de Junho), se dispunha que “as reintegrações e amortizações serão tidas como custos ou perdas do exercício de harmonia com o disposto na portaria do Ministro das Finanças que fixa as respectivas taxas”. No âmbito de vigência do Código da Contribuição Industrial, a regulamentação do artigo 30º efectuou-se através das Portarias nº. 21 867, de 12 de Fevereiro de
1966 e nº. 737/81, de 29 de Agosto, este último actualizado pelas Portarias nº.
990/84, de 29 de Dezembro e nº. 85/88, de 9 de Fevereiro (regulamentação fiscal das reintegrações e amortizações). Com a entrada em vigor do Código do IRC - atendendo a que “as reintegrações e amortizações desempenham um papel estratégico em termos de política económica e de gestão empresarial”, que, “num ambiente caracterizado por elevado progresso tecnológico, (...) devem ser encaradas numa perspectiva dinâmica enquanto factores decisivos para o crescimento e expansão das empresas e, por essa via, do próprio investimento” – que fixou os princípios e regras básicas da política fiscal das reintegrações e amortização – o desenvolvimento técnico do regime das reintegrações e amortizações foi, como já acima se disse, remetido para decreto regulamentar, a saber: o Decreto Regulamentar nº. 2/90, de 12 de Janeiro (cfr. respectivo preâmbulo). O artigo 23º do Decreto Regulamentar nº. 2/90, de 12 de Janeiro, dispõe:“O disposto no presente decreto regulamentar aplica-se para efeitos de IRC e de IRS relativamente aos períodos de tributação iniciados a partir de 1 de Janeiro de
1989, (...), em que a liquidação ainda não tenha sido feita à data da sua publicação, devendo ainda ter-se em conta o seguinte: a) (...) b) (...) c) (...) d) (...) e) (...) f) (...) g) As taxas de reintegração e amortização constantes das tabelas anexas são aplicáveis apenas aos elementos cuja entrada em funcionamento se verifique a partir de 1 de Janeiro de 1989, aplicando-se aos entrados em funcionamento anteriormente as constantes das tabelas anexas à Portaria nº. 737/81, de 29 de Agosto, com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Portarias nºs.
990/84, de 29 de Dezembro, e 85/88, de 9 de Fevereiro”. Por força do acima disposto e tratando-se de bens do activo imobilizado corpóreo da recorrente já entrados em funcionamento antes de 1 de Janeiro de 1989, não é aplicável o Decreto Regulamentar 2/90, de 12 de Janeiro. Por outro lado, importa sublinhar que o regime jurídico da reavaliação de activos corpóreos das empresas não aparece delineado em sede de Código da Contribuição Industrial ou de Código do IRC, antes em legislação avulsa, de que são exemplo os Decretos-Leis nº. 126/77, de 2 de Abril, 430/78, de 27 de Dezembro, 24/82, de 30 de Janeiro, 219/82, de 2 de Junho, nº. 399-G/84, de 28 de Dezembro, nº. 118-B/86, de 27 de Maio, nº. 111/88, de 2 de Abril e nº. 49/91, de
25 de Janeiro (este último de harmonia com a reforma fiscal que introduziu em Portugal o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas). Ora, no caso dos autos, o acórdão recorrido recusou a aplicação de algumas normas constantes desta legislação extraordinária, mais precisamente do Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, com fundamento na alegada inconstitucionalidade orgânica do diploma; nele se segue jurisprudência anterior do STA, alegadamente na esteira de jurisprudência do Tribunal Constitucional
“(...) que aponta no sentido da inconstitucionalidade orgânica, por violação da regra e princípio consagrado pelo artº. 106º nº2 da CRP dos diplomas legais que, ao arrepio da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, porventura criem impostos, determinem a incidência, a taxa, os benefícios e as garantias dos contribuintes (...)”. No mesmo acórdão se diz que tal jurisprudência do STA “veio a concluir, perante a inequívoca constatação de que o invocado diploma legal, o citado DL nº.
219/82, de 2 de Junho, porque emitido pelo Governo ao abrigo e no exercício da sua competência legislativa própria, então prevista no artº. 201º nº. 1 al. a) da CRP, ao regular o regime das reintegrações e amortizações para efeito de determinação do lucro tributável, lucro que é a base de incidência da Contribuição Industrial e, mutatis mutandis, do aqui questionado IRC, sem que, para tanto, dispusesse da necessária autorização legislativa que o habilitasse a legislar sobre tais matérias que, em última instância, prevendo a forma de cálculo do imposto devido, integram normas de incidência objectiva, como tal sujeitas à apontada regra e limitação do referido artº. 106º nº 2 da CR(...)”. E prossegue:
“Veio a concluir, dizíamos, pela inconstitucionalidade orgânica, por violação dos referidos artºs. 106º nº 2 e 167º nº 1 al. o) da CRP e, consequentemente, pela recusa da sua aplicação ao caso (...)”
4 - De acordo com o estipulado no Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, a reavaliação de bens do activo imobilizado corpóreo pode incidir sobre bens já reintegrados – bens cujo período máximo de vida útil já tenha decorrido, mas possuam aptidão para serem efectivamente utilizados no processo produtivo da empresa – sendo que, em tal caso, a sua amortização pode ser considerada como custo de exercício para efeitos de impostos sobre o rendimento das pessoas colectivas. Ora, por entender que a qualificação das reintegrações e amortizações como custos ou perdas para efeitos fiscais é matéria relativa à “incidência objectiva” do imposto, considerou o Supremo Tribunal Administrativo que o Governo necessitava da competente autorização parlamentar para emitir o Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, autorização legislativa essa que não foi concedida (e, quiçá, nem requerida). Este entendimento não é, desde logo, partilhado pelo recorrente, que considera que a hipótese dos autos suscita antes a questão de saber se será possível ao legislador, em sede de determinação da matéria colectável – lançar mão de
“conceitos indeterminados ou abertos, que remetam para outros institutos
(acolhendo conceitos próprios de outros ramos do ordenamento jurídico), ou permitindo a regulamentação de certos aspectos, de índole estritamente técnica, através de normação (secundária) editada por decreto-lei, ou mesmo regulamento, do Governo”, questão a que responde favoravelmente. De facto, acrescenta que “não pode inferir-se do princípio da legalidade tributária que todos os aspectos, mesmo de índole estritamente técnica,
“secundária” ou executiva atinentes à elaboração da conta de ganhos e perdas (e seus possíveis reflexos no apuramento da situação tributária da empresa, no domínio da contribuição industrial) tenham necessariamente de constar de lei, não sendo incompatível com o princípio da legalidade que diploma de índole regulamentar possa executar o conteúdo normativo da norma remissiva (sem, todavia, formular critérios autónomos), não podendo por isso ser considerado como um ilegítimo regulamento integrativo “praeter legem” ou como edição de normação contida no âmbito da reserva de lei”. De acordo com este enquadramento, a enumeração das reintegrações e amortizações susceptíveis de serem consideradas custos para efeito de determinação da matéria colectável em sede de IRC é um dos (vários) aspectos do regime jurídico
(fiscal) das reintegrações e amortizações abrangido pela remissão do artigo 29º, nº. 1 do Código do IRC que – insiste-se – remete para decreto regulamentar a definição do regime das reintegrações e amortizações.
5 - Como se evoca nas alegações do recorrente, o Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre a aludida recusa de aplicação por alegada inconstitucionalidade orgânica do diploma que prevê o regime jurídico fiscal das reintegrações e amortizações de bens do activo imobilizado corpóreo. No acórdão nº. 236/2001, in Diário da República, II Série, de 18.07.2001, o Tribunal Constitucional concluiu “(...) pela não inconstitucionalidade orgânica das normas dos artigos 7º, nº.2 e 8º, nºs. 1, alínea b), e 2, alínea b), do Decreto-Lei nº. 49/91, de 25 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei nº. 360/91, de 28 de Setembro”. Disse-se no referido acórdão:
“(...) O princípio da legalidade em matéria fiscal não impede que determinados aspectos do regime estritamente técnicos sejam objecto de regulamento (ou de decreto-lei), nomeadamente por remissão expressa da lei parlamentar (ou de decreto-lei autorizado). Na verdade, as questões especificamente contabilísticas, relacionadas com o cálculo e a determinação das despesas e do lucro da empresa, apresentam uma complexidade técnica dificilmente compatível com o grau de clareza que a lei fiscal, para exercer eficazmente a sua função de garantia, deve revestir, para além de que não compete ao direito fiscal regular todos os aspectos contabilísticos das sociedades comerciais (cf., neste sentido, CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal, vol. I, 1982, p. 74 e ss.; SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 1998, p. 32 e ss.; e, ainda, JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, 1972, pp. 63, nota 2, 175, nota 2 e 176, onde o Autor, a propósito do regime das isenções, admite ser
“perfeitamente lícito deixar depois à administração a possibilidade de, mediante regulamento ou mesmo simples acto administrativo individual, concretizar ou conceder ou não aqueles e fixar a quota tributária dentro dos limites legais”; quanto à relevância das “leis comerciais” nas “questões tributárias”, cf. SALDANHA SANCHES, A qualificação da obrigação tributária, 1995, p. 305 e ss.; cf., por último, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 756/95 – D.R., II, de
27 de Março de 1996 -, onde o Tribunal considerou constitucionalmente legítima a utilização de conceitos indeterminados em matéria fiscal). Assim, é constitucionalmente admissível que a lei fiscal remeta para diplomas regulamentares a definição de determinados aspectos técnicos de regime que exprimem apenas um saber no qual o Direito se apoia e que não exige qualquer decisão valorativa. É o que acontece quando o artigo 29º, nº. 1, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (norma que, de resto, não integra o objecto do presente recurso de constitucionalidade), remete para decreto regulamentar (...) a definição do regime das reintegrações e amortizações'. A jurisprudência acabada de citar – à qual se adere na íntegra, não se descortinando razões para abandonar – estruturada em função do Decreto Regulamentar nº. 2/90, de 12 de Janeiro, vale naturalmente também para o caso do Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, em apreço no presente recurso A qualificação das reintegrações e amortizações como custos de exercício resulta expressamente dos artigos 27º e 32º do Código do IRC. O Decreto-Lei nº. 219/82, de 2 de Junho, explicita apenas que as reintegrações e amortizações de bens do activo imobilizado corpóreo reavaliadas após o decurso do período de vida útil dos elementos reavaliados são também custos para efeitos fiscais (a considerar em sede de determinação da matéria colectável). Este último diploma não só não cria nenhuma nova categoria de custos para efeitos fiscais, como não trata da definição de qualquer tipo de deduções à matéria colectável. Não é, ao contrário do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, diploma que regule sobre a incidência objectiva do imposto, limitando-se a integrar numa categoria já prevista de custos os valores atribuídos às reintegrações e amortizações de bens do activo imobilizado corpóreo reavaliados, utilizando critério de natureza puramente técnica (contabilística)”.
9. É esta jurisprudência - a que aqui se adere - que, por manter inteira validade, agora há que reiterar.
III. Decisão:
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso, determinando a reforma do acórdão recorrido de acordo com o presente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida