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Processo n.º 817/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 
             Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
  
 A - Relatório
 
  
 
             1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do 
 art. 78º.-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, da 
 decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, que decidiu 
 não conhecer do recurso de constitucionalidade.
 
  
 
             2 – Fundamentando a sua reclamação, alega o reclamante:
 
  
 
 «1º
 O MMº Juiz Conselheiro/Relator proferiu a fls. __ dos autos, douta decisão onde 
 decidiu pelo não conhecimento do Recurso por parte deste Tribunal superior. 
 
  
 
 2º
 O fundamento em que assentou a decisão de rejeição do recurso do MMº Senhor Juiz 
 relator, foi a não invocação da inconstitucionalidade antes da “reclamação” 
 apresentada pela Recorrente ao Presidente do Tribunal da relação do Porto de 
 fls. __ dos autos. 
 
  
 
 3º
 Nos presentes autos, o Recorrente recorreu da decisão proferida pelo Tribunal 
 Judicial de 1.ª Instância para o Tribunal Superior consagrando o direito ao 
 Recurso, que cada cidadão e em especial os cidadãos que são partes num processo 
 judicial, têm. 
 
  
 
 4º
 Aquela rejeição pelos fundamentos invocados para a mesma e porque nem estes, nem 
 aquela, foram objecto de prévia comunicação ao Recorrente por forma a que sobre 
 uma e outra coisa pudesse pronunciar-se, constitui para o Recorrente uma decisão 
 surpreendente e até imprevisível, ou seja, uma verdadeira decisão “surpresa”. 
 
  
 
 5º
 Mesmo a considerar-se que não existe qualquer dever de “audiência prévia” para a 
 eventual aplicação do art. 420º do C.P. Penal. 
 
  
 
 6º
 Na medida em que aquela ideia subjacente à rejeição quase liminar do recurso, 
 traduz uma violação do principio, também com assento constitucional do Direito 
 ao recurso. 
 
  
 Ora, 
 
  
 
 7º
 O recorrente foi surpreendido quer com a decisão de “manifestamente 
 improcedente” proclamada pelo Tribunal da Relação do Porto. 
 
  
 
 8º
 Quer com a respectiva e elevada condenação em “multa” de 6 UCs (5. 576,00) a que 
 foi sujeito. 
 
  
 
 9º
 Consequentemente só na Reclamação apresentada fls. __ dos autos pelo recorrente, 
 pode o mesmo pronunciar-se e desse modo suscitar a questão da 
 constitucionalidade da norma que fundamentou tal rejeição. 
 
  
 
 10º
 Ou seja, não podia o Recorrente colocar ao Tribunal “a quo” a questão da 
 constitucionalidade – por não lhe ser exigível a antecipação de tal solução – 
 rejeição do recurso e condenação em elevada taxa de justiça – dado a mesma ser 
 obviamente surpreendente e inesperada (para o recorrente). 
 
  
 
 11º
 Sendo-lhe por isso licito suscitá-la nos termos em que o fez, ou seja, no 
 momento processual imediatamente posterior e através da dedução da Reclamação 
 apresentada contra aquela decisão que lhe rejeitou o Recurso interposto e o 
 condenou em elevada taxa de justiça. 
 
  
 
 12º
 Pois, repete-se, a rejeição do recurso, por manifesta improcedência, não era 
 solução que podia ser antecipadamente prevista pelo Recorrente. 
 
  
 
 13º
 Dá que, não podia o recorrente ter suscitado o problema de constitucionalidade 
 da dita norma para momento anterior. 
 
  
 Por outro lado, 
 
  
 
 14º
 A multa aplicada pelo Tribunal da Relação, configura a aplicação de pesada 
 sanção a quem se atrever a discordar de uma decisão judicial tomada em primeira 
 instância... 
 
  
 
 15º
 Também aí, não foi o recorrente ouvido da intenção do Tribunal de 2ª. Instância 
 da intenção em condena-lo no pagamento de uma tão avultada sanção. 
 
  
 
 16º
 Também essa decisão foi “surpreendente” para o Recorrente. 
 
  
 
 17º
 Sabe o recorrente que o sentido funcional que o Tribunal Constitucional tem 
 atribuído à exigência legal de suscitar a inconstitucionalidade durante o 
 processo, tem em vista dar oportunidade ao tribunal recorrido de se pronunciar 
 sobre a questão de modo que o Tribunal constitucional venha a decidir em 
 
 “segunda instância”. 
 
  
 
 18º
 Devendo, portanto, em princípio, a questão de constitucionalidade ser suscitada 
 antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido. 
 
  
 
 19º
 Ora, e salvo o devido respeito, foi isto exactamente o que o recorrente fez. 
 
  
 
 20º
 Como supra se evidenciou e os autos demonstram o recorrente logo após ter sido 
 confrontado com a surpreendente decisão que lhe rejeitou o Recurso interposto 
 nas condições supra explanadas e que os autos bem demonstram, 
 
  
 
 21º
 Apresentou a devida Reclamação – o que é o meio processual próprio para nas 
 circunstâncias reagir em primeira linha contra aquela rejeição de Recurso por 
 banda do Tribunal da Relação do Porto – onde fundamentou e explicou os 
 fundamentos da sua inconformidade com o douto despacho reclamado e onde pela 
 primeira vez se tornou necessário e oportuno invocar a dita 
 inconstitucionalidade. 
 
  
 
 22º
 Daí que, salvo o devido respeito, cumpriu, atempadamente e quando a questão de 
 Direito se colocou, os pressupostos bastantes e suficientes à interposição do 
 Recurso – ao qual tem inalienável direito – para este colendo Tribunal – arts. 
 
 70º n.º 1 al. b) e g), 72º n.º 2 e 75º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro na sua 
 actual redacção. 
 
  
 
  
 
 23º
 Não pode por isso, nos presentes autos, salvo o devido e merecido respeito, 
 fazer-se recair sobre a parte (o Recorrente), o ónus de suscitar uma questão de 
 constitucionalidade normativa “antes” que essa questão surja. 
 
  
 
 24º
 Tanto basta como supra se afirmou e aqui se repete para dar como verificado o 
 requisito constante do n.º 2 do art. 72º da citada Lei 28/82 de 15 de Novembro. 
 
  
 Sem prescindir, 
 
  
 
 25º
 Mesmo que assim não fosse convém atender que existem casos excepcionais, 
 particulares, em que o Recorrente não tenha tido oportunidade para suscitar a 
 questão de constitucionalidade, e tal Recurso de constitucionalidade é 
 admissível, sem que sobre tal questão tenha havido uma anterior decisão do 
 Tribunal “a quo” – “vide gratiae” neste sentido os Acs. n.º 232/94, Acs. do 
 Tribunal Constitucional, vol. 27º, pág. 1119, Ac. n.º 43/99/T. Const. D.R. – II 
 Série pág. 4494, Ac. n.º 559/98, Acs. do Tribunal Constitucional, Ac. n.º 
 
 74/2000, de 10 de Fevereiro, in BMJ, n.º 490, Março 2000. 
 
  
 
 26º
 Ou dito de outro modo: no caso sub judice, considerando que a decisão do 
 Tribunal da Relação configurou uma decisão “surpresa” (para o Recorrente), o 
 Recorrente tanto poderia (ou só poderia) invocar a questão da 
 inconstitucionalidade na reclamação apresentada, como fez, ou no requerimento de 
 interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional. 
 
  
 
 27º
 Por tudo isto, e sendo de um ou de outro modo, entende o Recorrente que a douta 
 decisão reclamada deverá ser reformada e, ou, alterada por forma a que seja 
 determinado a admissão do recurso interposto para este Tribunal Constitucional 
 nos termos do disposto no art. 76º, 77º e 78º da dita Lei nº 28/82 de 15 de 
 Novembro. 
 
  
 NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS JUÍZES 
 CONSELHEIROS, SE REQUER SEJA DADO PROVIMENTO À PRESENTE RECLAMAÇÃO, 
 REFORMANDO-SE E, OU, REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECLAMADA, SUBSTITUINDO-SE TAL 
 DOUTO DESPACHO POR OUTRO QUE DETERMINE A ADMISSÃO DO RECURSO INTERPOSTO 
 ORDENANDO-SE A IMEDIATA SUBIDA DO MESMO, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS 
 CONSEQUÊNCIAS.».
 
  
 
             3 – O Procurador-Geral Adjunto respondeu dizendo ser a “reclamação 
 manifestamente improcedente”, por “a argumentação do reclamante em nada abala[r] 
 os fundamentos da decisão reclamada, no que toca è evidente inverificação dos 
 pressupostos do recurso”.
 
  
 
             4 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:
 
  
 
             «1 – A., melhor identificado nos autos, invocando o disposto na 
 alínea b) do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual 
 versão (LTC), recorre para o Tribunal Constitucional pretendendo ver sindicada a 
 constitucionalidade da norma tirada do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 420.º 
 do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de optar pela 
 rejeição do recurso, por manifesta improcedência, e consequentemente condenação 
 em sanção pecuniária, sem a prévia audição do interessado em termos deste poder 
 alegar o que tiver por conveniente, sobre uma anunciada e previsível 
 condenação”.
 
  
 
             2 – Com interesse para o caso sub judicio há a relatar:
 
             2.1 – Por Acórdão de 16 de Abril de 2008, o Tribunal da Relação do 
 Porto julgou o recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, “manifestamente 
 improcedente” nos termos do disposto no artigo 420.º, n.º 1, do Código de 
 Processo Penal (CPP), fazendo acrescer à taxa de justiça devida a sanção 
 prevista no n.º 4 da referida norma, a qual se fixou em 6 Ucs.
 
             2.2 – Notificado desse aresto, o recorrente deduziu a reclamação de 
 fls. 459 e ss, requerendo ao Tribunal da Relação que:
 
  
 
        “A) Seja conhecido e declarado o supra mencionado vício consistente na 
 contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, em consequência 
 proceder-se à reforma da douta decisão, a qual deverá ser substituída por outra 
 que, julgando o Recurso procedente – pelos motivos invocados – conduza à 
 absolvição do Recorrente, com todas as devidas e legais consequências;
 
        B) Seja conhecida e declarada a inconstitucionalidade do regime 
 instituído nas ditas normas dos n.ºs 1 e 4 do artigo 420.º do Código de Processo 
 Penal, quando interpretadas no sentido de optar pela rejeição do recurso, por 
 manifesta improcedência, e consequente condenação em sanção pecuniária, sem a 
 prévia audição do interessado em termos deste poder alegar o que tiver por 
 conveniente sobre tal intenção do Tribunal e previsível condenação, por violação 
 dos Princípios do Direito ao Recurso, do Contraditório, ou o denominado due 
 process of law, o princípio da proibição da indefesa o qual está contido no 
 direito de Acesso à Justiça e aos Tribunais, consagrados nos arts. 2.º e 20.º da 
 CRP”.
 
             2.3 – Tal reclamação foi indeferida por aresto de 25 de Junho de 
 
 2008.
 
             2.4 – Na sequência, foi interposto, nos termos supra referidos, o 
 presente recurso de constitucionalidade, o qual, por integrar uma situação 
 abrangida pelo teor da norma do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e atento o 
 disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passará a ser decidido nos 
 seguintes termos.
 
  
 
             3.1 – Vem o presente recurso interposto ao abrigo da alínea b) do 
 artigo 70.º, n.º 1, da LTC.
 Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se necessário, a mais do 
 esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma impugnada tenha sido 
 aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que a 
 inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo. E este 
 requisito deve ser entendido, segundo a jurisprudência constante deste Tribunal 
 
 (veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 352/94, in Diário da República II Série, de 
 
 6 de Setembro de 1994), “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido 
 feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, 
 
 “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma 
 questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido 
 pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de 
 recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal 
 recorrido pudesse e devesse ter apreciado (ver ainda, por exemplo, o Acórdão n.º 
 
 560/94, Diário da República, II, de 10 de Janeiro de 1995, e ainda o Acórdão n.º 
 
 155/95, in Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995).
 
 É por isso que se entende que não constituem já momentos processualmente idóneos 
 aqueles que são abrangidos pelos incidentes de arguição de nulidades, pedidos de 
 aclaração e de reforma, dado terem por escopo não a obtenção de decisão com 
 aplicação da norma, mas a sua anulação, esclarecimento ou modificação, com base 
 em questão nova sobre a qual o tribunal não se poderia ter pronunciado (cf., 
 entre outros, os acórdãos n.º 496/99, publicado no Diário da República II Série, 
 de 17 de Julho de 1996, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 33º vol., p. 663; 
 n.º 374/00, publicado no Diário da República II Série, de 13 de Julho de 2000, 
 BMJ 499º, p. 77, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 47º vol., p.713; n.º 
 
 674/99, publicado no Diário da República II Série, de 25 de Fevereiro de 2000, 
 BMJ 492º, p. 62, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 45º vol., p. 559; n.º 
 
 155/00, publicado no Diário da República II Série, de 9 de Outubro de 2000, e 
 Acórdãos do Tribunal Constitucional, 46º vol., p. 821, e n.º 364/00, inédito).
 Por outro lado, é pacífica a jurisprudência deste Tribunal no sentido de não se 
 impor que o recorrente suscite, durante o processo, a questão de 
 constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal 
 Constitucional, quando a aplicação da norma (ou de uma sua interpretação) em 
 causa seja imprevisível, ou seja, quando a decisão recorrida se configure como 
 uma decisão-surpresa.
 
        Contudo, como se afirmou no Acórdão n.º 186/03, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, tal “não é seguramente o caso em que a decisão 
 aplica uma norma com um sentido que desde logo emerge da própria letra do 
 preceito que a contém, como também a situação em que um tal sentido é acolhido 
 por jurisprudência pacífica ou  maioritária”.
 
         Dito de outro modo, não pode considerar-se insólita ou surpreendente uma 
 decisão que, mediante uma interpretação declarativa do texto legal, faça 
 aplicação de uma norma potencial e previsivelmente mobilizável para a resolução 
 do caso concreto, porquanto instituinte de um possível desfecho para uma 
 determinada controvérsia.
 E isto porque, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a 
 aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de 
 conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e 
 de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da 
 
 (in)validade da norma em face da lei fundamental.
 Digamos, então, que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do 
 direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua 
 conformidade constitucional.
 Por outro lado, tem este Tribunal estabelecido que «“Suscitar a 
 inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal 
 perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de 
 constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que 
 
 (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um 
 segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem 
 suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte 
 o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a 
 norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de 
 uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao 
 acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa 
 decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa 
 determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 
 
 37/97, 680/96, 663/96 e 18/96, este publicado no Diário da República, II Série, 
 de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para 
 formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de 
 constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro 
 que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma ou de uma sua 
 interpretação (...)” – cf. o Acórdão n.º 618/98, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, e os acórdãos para os quais remete.
 Semelhantes exigências decorrem do facto deste Tribunal, por mor das suas 
 particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex 
 constitutionis, não poder assumir-se como uma instância de amparo, não sendo, 
 assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou 
 do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta 
 aplicação do direito efectuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar 
 ao acto judicial de “aplicação” a violação (directa) dos parâmetros 
 jurídico-constitucionais. 
 Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do 
 julgamento efectuado in concreto pelo tribunal a quo, havendo que distinguir, 
 para efeitos de definição do objecto do recurso de constitucionalidade, as 
 situações em que se controverte a concreta decisão, considerada como resultado 
 de um momento de aplicação dos preceitos legais – a isso se reconduzindo as 
 situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade 
 de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que 
 realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo 
 julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…); 
 
 [designadamente] a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e 
 fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação 
 jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS 
 LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de 
 constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal 
 Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, p. 8) –, daquelas em 
 que está essencialmente em causa o momento normativo da concreta realização do 
 direito, traçado pela determinação do critério jurídico à luz do qual deve ser 
 valorado o problema, escapando ao controlo do Tribunal a qualificação e a 
 valoração da matéria de facto que com aquele momento converge no juízo 
 decisório.
 Nestes termos, considerar se está em causa a constitucionalidade de um critério 
 normativo ou a correcção do juízo decisório na qualificação fáctico-jurídica que 
 o possibilitou não será, de certo, um problema que se resolva pela estrita 
 consideração da semântica que o enuncia, outrossim, e principaliter, pelo tipo 
 de controlo que o Tribunal Constitucional é chamado a realizar, conhecendo das 
 questões que contendam, num plano intensivo-vertical, com a validade do critério 
 normativo aplicado, e, por falta de legitimidade, não tomando conhecimento das 
 que se refiram, num plano extensivo-horizontal, à correcção do juízo aplicativo 
 na recondução de uma questão de facto à norma tida por aplicável em face da 
 determinada relevância jurídica do caso.
 
  
 
             3.2 – Projectando os referidos critérios no caso sub judicio, e 
 começando por fazer referência ao cumprimento deste último requisito 
 explicitado, denota-se que a requerida sindicância, em sede de juízo de 
 inconstitucionalidade, vai, essencialmente, dirigida à decisão judicial, no que 
 se tange ao juízo subsuntivo das circunstâncias específicas do caso nela 
 efectuado ao quadro normativo vigente, e não, directamente, ao critério 
 normativo enunciado no artigo 420.º do Código de Processo Penal.
 
             De facto, a pretensão impugnatória do recorrente não se dirige 
 directamente contra a referida norma, mas sim contra a aplicação que da mesma 
 foi feita, traduzida na circunstância de a Relação ter ajuizado o recurso como 
 
 “manifestamente improcedente”, e, decorrentemente, de haver tirado a conclusão 
 de o “rejeitar”.
 Mas, mesmo que, assim, não se entendesse e se considerasse estar-se perante uma 
 questão de constitucionalidade normativa, não podia o recorrente ter-se por 
 dispensado do ónus de suscitar a constitucionalidade da norma do artigo 420.º, 
 n.os 1 e 4, do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de dispensarem 
 a prévia audição do recorrente.
 
         De facto, não pode olvidar-se que a rejeição do recurso, por manifesta 
 improcedência, se configurava, nos termos da lei processual, como uma das 
 possíveis vias de decisão do problema concreto, pelo que, em face da 
 susceptibilidade do Tribunal da Relação fazer aplicação do artigo 420.º do 
 Código de Processo Penal, devia e podia o recorrente ter antecipado a suscitação 
 do problema de constitucionalidade para um momento anterior ao da prolação da 
 decisão final de mérito, colocando o Tribunal a quo perante o dever de 
 fiscalizar a constitucionalidade do regime legal antes de o aplicar.
 
         Valendo este raciocínio para a previsão que possibilita a rejeição do 
 recurso em conferência, o mesmo pode dizer-se da aplicação do preceituado no n.º 
 
 4 da norma sindicanda, uma vez que a mobilização desta norma se prefigura, nos 
 termos legais, como uma consequência do julgamento de rejeição do recurso.
 
         Deste modo, cabia ao recorrente, em face do entendimento que perfilha, 
 ter confrontado o Tribunal a quo com a invalidade sub species constitutionis do 
 regime legal aplicável, e, consequentemente, com a necessidade – no seu 
 entendimento, constitucionalmente imposta – de o Tribunal notificar as partes 
 para se pronunciarem sobre a previsível aplicação do artigo 420.º do Código de 
 Processo Penal.
 
         O que sai reforçado, na esteira do que se disse, pelo facto do Tribunal 
 da Relação ter mobilizado o artigo 420.º do Código de Processo Penal em estrita 
 correspondência com o seu sentido textual, que, como é sabido, não impõe 
 qualquer dever de “audição prévia”, donde não poder considerar-se “imprevisível” 
 ou “insólita” a sua aplicação declarativa.
 
  
 
             4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não 
 tomar conhecimento do objecto do recurso.
 
             Custas pelo Recorrente com taxa de justiça que se fixa em 8 (oito) 
 Ucs».
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             5 – Como decorre da decisão reclamada, a primeira razão, nela 
 aventada, para não conhecer do recurso de constitucionalidade foi a de que o 
 recorrente sindicava a constitucionalidade da decisão em si própria e não a da 
 norma aplicada.
 
             O incumprimento do ónus de adequada suscitação da questão de 
 constitucionalidade mostra-se, aí, expressamente, assumido, só como uma outra 
 razão alternativa para a solução do não conhecimento do recurso de 
 constitucionalidade.
 
             Ora, o reclamante, apenas, contesta a correcção deste segundo 
 fundamento da decisão sumária, deixando incólume aqueloutro. 
 
             Sendo esse juízo, aqui, de repetir, impõe-se, desde logo, o 
 indeferimento da reclamação.
 
             De qualquer jeito, não se vê que as considerações tecidas pela 
 reclamante consigam abalar, de forma concludente, a bondade da fundamentação 
 espraiada a propósito do pressuposto processual do ónus de adequada suscitação 
 da questão de constitucionalidade, sendo certo, até, que a decisão sumária as 
 antecipou.
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional 
 decide indeferir a reclamação.
 
             Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 UCs.
 
  
 Lisboa, 18 de Dezembro de 2008
 
  
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos