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Processo n.º 857/11
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrida a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido pelo 2º Juízo da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul, em 22 de setembro de 2011 (fls. 222 a 226), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída dos artigos 5º e 8º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS), quando interpretada no sentido de determinar a “obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores em caso de exercício exclusivo da profissão de solicitador em regime de contrato subordinado com vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, concluindo pela cumulação obrigatória de inscrição na falta de exercício cumulativo de atividades”, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2. Notificado para o efeito, o recorrente veio proferir alegações das quais se podem extrair as seguintes conclusões:
«1. Ao interpretar as normas contidas nos artigos 5º e 8º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS), aprovado pela Portaria nº 487/83, de 27 de abril, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 623/88, de 8 de setembro, pela Portaria nº 884/94, de 1 de outubro e pelo Despacho nº 22665/2007, de 7 de setembro de 2007, dos Ministros da Justiça e do Trabalho e da Solidariedade Social, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 188 de 28 de setembro de 2007, no sentido de imporem a obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) em caso de exercício exclusivo da profissão de solicitador em regime de contrato subordinado com vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, concluindo pela cumulação obrigatória de inscrição na falta de exercício cumulativo de atividades, violou o Tribunal Central Administrativo Sul o princípio da igualdade ínsito no artigo 13° da CRP, criando uma situação de discriminação face ao regime de segurança social aplicável aos trabalhadores independentes.
2. O recorrente é trabalhador por conta de outrem, exercendo a profissão de solicitador em regime de contrato de trabalho subordinado ao serviço da Caixa Económica Montepio Geral, encontrando-se sujeito ao regime de segurança social próprio dos trabalhadores bancários;
3. Não exercendo em acumulação qualquer outra atividade, nem exercendo a profissão de solicitador em regime de trabalhador independente, entende o recorrente que não lhe deve ser imposta a respetiva inscrição, como contribuinte, na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores já que a obrigatoriedade de cumulação de inscrições em diversos regimes de segurança social tem como pressuposto, nos termos do disposto no artigo 8° n. 1 e 2 do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores o exercício cumulativo de atividades, sujeitas, cada uma delas, a inscrição obrigatória, o que, no caso vertente, não se verifica.
4. A aplicação à situação vertente da obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, com fundamento no reconhecimento da autonomia específica do Regime Privativo de Segurança Social dos Advogados e Solicitadores, determinando este que a obrigatoriedade de inscrição na CPAS se mantém nos casos de vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, viola claramente o princípio constitucional da Igualdade, conduzindo a um tratamento igual de situações desiguais — exercício exclusivo da profissão de solicitador por conta de outrem em regime de contrato individual de trabalho e exercício cumulativo de atividades que determinam a cumulação de inscrições obrigatórias nas respetivas Caixas de Previdência, que não podem ser tratadas de igual forma.
5. Crê-se que a diferença de tratamento — que os artigos 5° e 8° do RCPAS, na interpretação sob censura, postula -, face ao regime acolhido para os trabalhadores independentes — não é, compreensível nem se encontra materialmente justificado por forma a permitir a compatibilidade com aquele princípio constitucional, ofendendo, nessa perspetiva o princípio da igualdade.» (fls. 255 e 256)
3. Devidamente notificado para o efeito, a recorrida apresentou contra-alegações das quais se podem extrair as seguintes conclusões:
«1ª O Recorrente para praticar os atos próprios de solicitador tem de estar inscrito na Câmara dos Solicitadores, independentemente da forma como a exerce: se por conta própria se por conta de outrem.
2ª E ao ter de estar inscrito na Câmara dos Solicitadores, o Recorrente tem, nos termos legais (art. 5. °, n.º 1 do RCPAS), de estar inscrito, igualmente, na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
3ª Por sua vez, ao estar inscrito na CPAS o Recorrente tem, obrigatoriamente, de pagar as correspondentes contribuições (cf. art. 74º, n.º 1 do RCPAS).
4ª Não tem aplicação ao caso “sub judice” o regime geral de segurança social dos trabalhadores independentes previsto no Decreto-Lei n.º 328/93, de 25.09, invocado pelo Recorrente para fundamentar a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Acórdão recorrido aos artigos 5. ° e 8.° do Regulamento da CPAS.
5ª Pois, nos termos do artigo 13.° do Decreto-Lei n.º 328/93, de 25.09, os advogados e solicitadores foram expressamente excluídos do referido regime de segurança social dos trabalhadores independentes.
6ª Sendo, por isso, o regime aplicável ao caso “sub judice” o da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, que é autónoma em relação ao regime de segurança social dos trabalhadores independentes, mantendo o seu regime jurídico e a sua forma de gestão privativa (cf. art. 126. ° da Lei n.º 32/2002, de 20.12).
7ª Pelo que é apenas dentro do regime jurídico da CPAS que teria de ser encontrada, como foi, a solução legal para o presente caso.
8. E o Regulamento da CPAS não comporta a hipótese de isenção de contribuições aos advogados e solicitadores que, por exercerem a sua atividade profissional como trabalhadores por conta de outrem, estão sujeitos, obrigatoriamente, a outro regime de segurança social.
9 Pelo que o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido não importa a inconstitucionalidade material dos artigos 5.º e 8. ° do Regulamento da CPAS quando confrontados com o artigo 13.° da CRP.
10ª Pois, o artigo 13. ° da CRP não proíbe «... diferenciações de tratamento baseados, designadamente, numa distinção objetiva de situações» (Cfr. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 127).
11ª Ou, como tem sido jurisprudência unanime do Tribunal Constitucional, «que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente.» (Ac. N.° 437/2006 do TC).
12ª E, no caso “sub judice”, ao contrário do que o Recorrente alega, o regime jurídico da CPAS é o único regime aplicável, sem quebra de justiça e igualdade, a todos os Advogados e Solicitadores.
13ª Pelo que exercendo, o Recorrente, a profissão de solicitador, independentemente da forma como a exerce, é o regime jurídico da CPAS (Regulamento da CPAS) o único que confere um igual tratamento a todos aqueles que exercem a mesma profissão.
14ª De resto, se se concluísse por absurdo, e sem conceder, como defende o Recorrente, que «... a diferença de tratamento — que os artigos 5.° e 8.° do RCPAS na interpretação sob censura, postula — face ao regime acolhido para os trabalhadores independentes — não é compreensível nem se encontra materialmente justificado...» mesmo neste caso, o regime de segurança social que deveria prevalecer seria o da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores, uma vez que é o regime específico para quem exerce a profissão de solicitador.
15ª E não o regime de segurança social aplicável aos trabalhadores bancários.
16ª Pelo que, a haver isenção do pagamento de contribuições, teria de ser no âmbito do regime dos trabalhadores bancários ou no âmbito do regime de segurança social aplicável aos trabalhadores por conta de outrem.
17ª Assim, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na interpretação dada aos artigos 5. ° e 8.° do Regulamento da CPAS pelo Acórdão recorrido, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.» (fls. 265 a 267)
II – Fundamentação
4. A interpretação normativa que vem reputada de inconstitucional, pelo recorrente, é extraída dos seguintes preceitos legais, que constam do RCPAS, aprovado pela Portaria n.º 487/83, de 27 de abril, e subsequentemente alterado pela Portaria n.º 623/88, de 08 de setembro, e pela Portaria n.º 884/94, de 01 de outubro:
“Artigo 5º
(Inscrições ordinárias)
1 – São inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados inscritos na Ordem dos Advogados e todos os solicitadores inscritos na Câmara dos Solicitadores, desde que não tenham mais de 60 anos de idade à data da inscrição.
(…)”
Artigo 8º
(Princípio da cumulação de inscrições obrigatórias)
1 – A obrigatoriedade de inscrição na Caixa dos Advogados e Solicitadores mantém-se nos casos de vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, desde que resulte do exercício cumulativo de atividades que determinem uma e outra inscrição.
2 – A cumulação de atividades determina a inscrição para cada uma delas, mantendo-se as respetivas situações autonomizadas quando correspondam a diferentes regimes de incidência contributiva.”
Em suma, o recorrente entende que a sua sujeição a inscrição obrigatória na CPAS configura uma aplicação inconstitucional daqueles preceitos, por atentatórios do princípio da igualdade (artigo 13º da CRP), na medida em que o regime geral vigente para os demais trabalhadores independentes – que, à data da constituição da situação jurídico-administrativa em apreço nos autos, constava do Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de setembro (note-se que, entretanto, entrou em vigor um novo regime jurídico, regido pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro) – permitiria uma isenção da obrigação de contribuir para o regime de segurança social relativo à atividade independente, quando o contribuinte exercesse, simultaneamente, uma atividade por conta de outrem sujeita a um regime obrigatório de proteção social. Com efeito, nos termos do supra referido Decreto-Lei n.º 328/93, determinava-se que:
“Artigo 13º
Advogados e solicitadores
Os advogados e solicitadores que, em função do exercício de atividade profissional, estejam integrados obrigatoriamente no âmbito pessoal da respetiva caixa de previdência, mesmo quando a atividade em causa seja exercida na qualidade de sócios ou membros das sociedades referidas na alínea b) do artigo 6.º, são excluídos do regime dos trabalhadores independentes.”
“Artigo 30º
(Isenção da obrigação de contribuir)
Em caso de acumulação do exercício de atividade por conta de outrem abrangida por regime obrigatório de proteção social com o exercício de atividade por conta própria, é reconhecido aos trabalhadores o direito à isenção da obrigação de contribuir em função desta atividade, nos termos e nas condições previstos no presente diploma.”
Artigo 39º
(Isenção no caso de acumulação de atividade independente
com atividade por conta de outrem)
O reconhecimento do direito à isenção da obrigação de contribuir prevista no artigo 30.º depende da verificação das seguintes condições:
a) Exercício da atividade por conta própria em acumulação com atividade por conta de outrem, determinante do enquadramento obrigatório noutro regime de proteção social que cubra a totalidade das eventualidades obrigatoriamente abrangidas pelo regime regulado neste diploma;
b) O valor médio das remunerações consideradas nos últimos seis meses para o outro regime ser igual ou superior ao valor da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei ou, em alternativa, o duodécimo do rendimento da atividade exercida por conta própria, declarado ou para efeitos fiscais no ano anterior àquele em que é requerida a isenção, ser inferior a 50% do valor da remuneração mínima mensal garantida por lei.”
Assim sendo, deve começar por notar-se que é o próprio diploma legislativo que fixa o regime geral de proteção social dos trabalhadores independentes que exceciona o regime especial aplicável aos advogados e solicitadores (cfr. artigo 13º do Decreto-Lei n.º 328/93).
Importa pois averiguar se a fixação desse regime especial briga com o princípio da igualdade, ou seja, se a sujeição dos indivíduos que exercem atividades de solicitadoria por conta de outrem à obrigação de contribuição para a CPAS contende com o princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP), por comparação com aqueles indivíduos que, exercendo uma atividade por conta de outrem, também exercem uma atividade por conta própria e que, portanto, podem usufruir de uma isenção de contribuição para o respetivo sistema de proteção social relativo a esta última atividade.
Se bem que, no § 5 das suas alegações, o recorrente venha aludir, pela primeira vez, a um alegado tratamento igual de situações diferenciadas – que residiria na sujeição a inscrição obrigatória tanto de solicitadores em regime de trabalho por conta de outrem como de solicitadores por conta própria – certo é que nem a decisão recorrida aplicou a norma extraída dos artigos 5º, n.º 1, e 8º, n.º 1, do RCPAS, nesse sentido, nem tão pouco o recorrente fixou o objeto do presente recurso nesses termos, no momento em que o interpôs. Não pode, portanto, vir agora em sede de alegações alterar o objeto do recurso já interposto.
Com efeito, a circunstância de o recorrente ter fixado o objeto do presente recurso na norma extraída dos artigos 5º, n.º 1, e 8º, n.º 1, do RCPAS, quando interpretado no sentido de ser fixada uma “obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores em caso de exercício exclusivo da profissão de solicitador em regime de contrato subordinado com vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, concluindo pela cumulação obrigatória de inscrição na falta de exercício cumulativo de atividades”, impede que possa ser formulado um juízo comparativo entre a posição dos solicitadores que, cumulativamente a uma atividade por conta de outrem, exerçam a atividade de solicitadoria por conta própria e aqueles que só o façam por conta de outrem. Pelo contrário, o modo como o recorrente configurou o presente recurso implica que, na sua perspetiva, aquela interpretação normativa viole o princípio da igualdade, “tendo presente a solução prevista no regime geral de segurança social dos trabalhadores independentes no artigo 30º do Decreto-Lei 328/93, de 25 de setembro” (fls. 238).
É precisamente dessa interpretação normativa – e apenas dessa – que se curará.
5. É por demais conhecida a jurisprudência consolidada neste Tribunal – e seguida unanimente pela doutrina – acerca da natureza jurídico-constitucional do princípio da igualdade que assenta numa verdadeira igualdade material que não invalida - e antes impõe – um tratamento diferenciado de situações objetivamente diferenciadas (entre inúmeros outros, ver os Acórdãos n.º 39/88, n.º 188/90, n.º 1167/96, n.º 98/2001 e n.º 437/2006, todos disponíveis in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Assim sendo, o princípio da igualdade proíbe o arbítrio, ou seja, impede as diferenciações que se revelem desprovidas de um critério racional, suscetível de ser devidamente sustentado em outros valores constitucionalmente protegidos.
Ora, desde logo se verifica que o exercício da atividade de solicitadoria não é objetivamente comparável ao exercício da esmagadora maioria das atividades prosseguidas pelos trabalhadores independentes, na medida em que carece de uma prévia inscrição na Câmara dos Solicitadores (artigo 75º, n.º 1, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores - ECS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, de acordo com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), ficando os titulares daquela habilitação administrativa sujeitos ao poder disciplinar exercido pelos órgãos competentes da Câmara dos Solicitadores [artigos 4º, alínea g), e 132º e seguintes do ECS]. Além disso, é a própria lei que determina que a inscrição como solicitador implica a pertença a um regime específico de proteção social que é assegurado pela CPAS (artigo 113º do ECS).
Por conseguinte, em primeiro lugar, pode destrinçar-se a situação específica dos solicitadores face aos demais trabalhadores independentes em função da existência de um regime de regulação jurídico-administrativa (como tal, de natureza pública) do acesso e do exercício da atividade de solicitadoria. Em função das exigências de proteção do interesse público que envolvem o exercício da solicitadoria, os solicitadores encontram-se sujeitos a várias restrições de acesso àquele exercício, designadamente, quando não disponham de idoneidade moral, designadamente quando tenham sido alvos de sanções penais ou disciplinares graves, quando estejam abrangidos pelo regime de incompatibilidades legalmente fixado ou tenham sido declarados insolventes (artigo 78º do ECS). Acresce que só os solicitadores com inscrição em vigor na Câmara dos Solicitadores podem praticar atos próprios da profissão (artigo 99º do ECS), gozando de direitos como o de requerer por escrito ou oralmente, em qualquer tribunal ou serviço público, o exame de processos, livros ou documentos que não tenham caráter reservado ou secreto, bem como a passagem de certidões, sem necessidade de exibir procuração (artigo 100º do ECS), o direito de comunicar, protegidos pelo sigilo profissional (artigo 110º do ECS), com os seus constituintes, mesmo quando estes se encontrem detidos ou presos (artigo 100º, n.º 3, do ECS), bem com o direito de atendimento preferencial nas secretarias judiciais e outros serviços públicos (artigo 100º, n.º 4, do ECS).
Daqui decorre que os solicitadores gozam de um conjunto de prerrogativas legais que os distinguem, de modo flagrante, dos demais trabalhadores independentes. Tais prerrogativas não visam, predominantemente, o benefício direto dos indivíduos que exercem aquela atividade, antes se destinando a salvaguardar o interesse público objetivo da prossecução da atividade de solicitadoria, que o legislador entendeu como essencial ao bom funcionamento do sistema de acesso à Justiça, tão reclamado pelo princípio do Estado de Direito Democrático.
Ora, de certo modo, a garantia de um sistema sólido e efetivo de proteção social dos indivíduos que exercem a atividade de solicitadoria afigura-se essencial à própria independência e autonomia técnica dos solicitadores no exercício das suas funções (103º do ECS). Caso os solicitadores corressem um risco de desproteção em caso de impossibilidade de exercício da sua função (por doença, por acidente ou por aposentação), ficaria seriamente comprometida a sua independência e autonomia técnica, na medida em que aqueles poderiam vir a ficar cativos dos interesses económicos que são prosseguidos pelos respetivos constituintes. Por conseguinte, o princípio da igualdade não proíbe – antes reclama – que os solicitadores fiquem sujeitos a um regime de inscrição obrigatória na CPAS, mesmo quando estejam simultaneamente inscritos num sistema obrigatório de proteção social decorrente da sua atividade como trabalhadores por conta de outrem, na medida em que a sua específica vinculação a deveres deontológicos de interesse público permite distingui-los dos demais trabalhadores independentes.
Em segundo lugar, a situação jurídica dos solicitadores, relativamente ao seu sistema específico de proteção social, também se distingue dos demais trabalhadores independentes na medida em que, conforme o próprio recorrente admite nas suas alegações, a CPAS – que foi criada pelo Decreto n.º 36.550, de 22 de outubro de 1947 – corresponde a um sistema específico de proteção social essencialmente assente num modelo contributivo. Ou seja, a autonomia e solidez financeira daquela Caixa de Previdência depende, maioritariamente, das contribuições que os seus beneficiários asseguram. Como tal, não pode igualmente traçar-se um paralelismo rigoroso entre os demais trabalhadores independentes e os solicitadores, na medida em que os primeiros podem dispor de sistemas de proteção social baseados em outras fontes de financiamento, que vão além das contribuições dos respetivos beneficiários.
Assim sendo, atenta a especificidade da função exercida e a necessidade de proteção do interesse público, não se afigura que o tratamento diferenciado dos solicitadores face aos demais trabalhadores independentes configure uma violação desrazoável e injustificada do princípio da igualdade (artigo 13º, n.º 1, da CRP), razão pela qual se conclui pela não inconstitucionalidade da interpretação normativa extraída dos artigos 5º e 8º do RCPAS e acolhida pela decisão recorrida.
III – Decisão
Nestes termos e pelos fundamentais expostos, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 5º e 8º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (RCPAS), quando interpretada no sentido de determinar a “obrigatoriedade de inscrição na Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores em caso de exercício exclusivo da profissão de solicitador em regime de contrato subordinado com vinculação simultânea a outro regime de inscrição obrigatória, concluindo pela cumulação obrigatória de inscrição na falta de exercício cumulativo de atividades”;
b) não conceder provimento ao presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – Pedro Machete - João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura -Joaquim de Sousa Ribeiro.