Imprimir acórdão
Processo n.º 600/01
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. A, executada nos autos de processo de execução com o n.º 35/97, interpôs a presente reclamação ao abrigo dos artigos 76º, n.º 4 e 77º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional) do despacho do Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo, exarado a fls. 260 e notificado em 11 de Junho de 2001, que não admitiu o recurso para este Tribunal, interposto em 20 de Março de 2001, onde se pretendia ver apreciada a questão da constitucionalidade do artigo 923º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
'Não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional porquanto o despacho de fls. 225 já transitou em julgado ( uma vez que o recurso dele interposto foi julgado deserto a fls. 235). Ora, apenas é admitido o recurso para o T.C. de decisões que sejam também susceptíveis de recurso ordinário o que, como se expôs supra, não aconteceu com a decisão em causa. A decisão em causa, uma vez transitada, firmou-se na ordem jurídica. Opinião contrária poria em causa a segurança e a estabilidade das situações jurídicas e ofenderia irremediavelmente o caso julgado.' A reclamante fundamenta a sua pretensão no seguintes termos:
'(...)
4 – Ora, salvo o devido respeito, não comungamos da mesma interpretação, pois a reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, da decisão referida no ponto 1 e constante a fls. 225, nos termos do artigo 70º, nº1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15 de Novembro, pois precisamente tal como refere o n.º 2 do artigo 70º, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15 de Novembro, os recursos previstos na alínea b) do nº1 do artigo 70º, apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei não o prever, o que é o caso, tal como refere a Meritíssima Juíza.
(...)
6 – Em 25/05/2000, a executada solicitou à Meritíssima Juíza, com base no artigo
589º nº1 do Código de Processo Civil, que se procedesse a segunda perícia, por total discordância, quanto ao relatório apresentado(...)
7 – Em 21/09/2000, a executada foi notificada do despacho de indeferimento de realização da segunda perícia, proferido pela à Meritíssima Juíza, a folhas 213.
8 – A reclamante interpôs Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, com subida de imediato e efeito suspensivo, do douto despacho constante a folhas
213, por discordar dos seus fundamentos, com entrada nesse tribunal em 03/10/00, folhas 215.
9 – Em 22/10/00, foi a reclamante notificada do douto despacho proferido no processo acima referido, a folhas 225, no qual era admitido o recurso requerido no ponto 8, mas sendo-lhe atribuído efeito meramente devolutivo, contrariando assim o requerido pela ora executada.
10 – Inconformada com a douta decisão, a executada reclamou atempadamente ao abrigo do artigo 688º nº1 do Código de Processo Civil para o Tribunal da Relação do Porto, da douta decisão, a fim de vir a ser atribuído o pretendido efeito suspensivo ao recurso de agravo(...).
11 – Em 22/02/01, foi a reclamante notificada do douto despacho constante a folhas 235, no qual se julgava deserto o recurso interposto a folhas 215, do processo supra citado e referido no ponto 1, por falta de alegações.
12 – A reclamante entendeu que foi cometida uma nulidade processual, tendo por isso reclamado, em 05/03/01, conforme reclamação constante a folhas 238, pois as alegações respeitantes ao recurso mencionado no ponto 8, só poderiam ser apresentadas, artigo 690º do Código de Processo Civil, após reclamação, mencionada no ponto 10, ter sido julgada no Tribunal da Relação do Porto e a seguir as partes terem sido notificadas da respectiva decisão proferida na Reclamação, baixando em seguida o processo para ser incorporado na causa principal e lavrando o juiz o despacho em conformidade com a decisão superior, artigo 689º nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, tendo sido omitida a tramitação processual aqui mencionada, não podendo por isso, o processo prosseguir a sua normal tramitação, sem o julgamento da reclamação e a existência do dito despacho proferido em conformidade com a decisão superior, e muito menos ter sido proferido o douto despacho aqui objecto de reclamação de nulidade, mencionado no ponto 11.
13 – Em consequência do acima explanado, em 09/03/01, a executada foi notificada do despacho proferido pela Meritíssima Juíza, (...) no qual não determinou a subida da Reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, aqui referida no ponto
10, em virtude de considerar que esta se encontra irremediavelmente prejudicada, pois o recurso interposto foi considerado deserto por falta de alegações.
14 – Em 09/03/2001, a executada foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação de nulidade apresentada a folhas 218 e aqui referida no ponto 12.
15 – Como foi negada à executada a subida da presente reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, referida no ponto 10 e visto que, o artigo 70º nº3 da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, Lei 28/82 de 15 de Novembro e suas alterações, preceitua que as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, são equiparadas a recursos ordinários, a reclamante entende, consequentemente, ser agora o momento processual adequado, para a interposição de recurso para o mui douto Tribunal Constitucional.'
2. Notificado para se pronunciar, respondeu o representante do Ministério Público neste Tribunal da seguinte forma:
'A presente reclamação configura-se como claramente improcedente, já que: a. a decisão que se pretende impugnar através do recurso interposto para este Tribunal – o despacho do Juiz de 1ª Instância que admitiu o agravo interposto pela ora reclamante, fixando-lhe um regime de subida diferida – tem carácter e natureza meramente provisórios (já que a fixação de tal efeito ao recurso de agravo não vincula o tribunal superior, que pode livremente alterá-lo ou corrigi-lo) não constituindo, desse modo, objecto idóneo da fiscalização da constitucionalidade cometida ao Tribunal Constitucional; b. a questão da constitucionalidade suscitada – atinente exclusivamente à norma que define o regime de subida dos agravos interpostos na acção executiva – configura-se, perante a ulterior evolução dos factos, como inútil, já que o recurso em causa veio a ser julgado deserto por falta de alegação tempestiva do agravante, com base na invocação de outra norma – a constante do artigo 291º, n.º1 [querendo com certeza referir-se ao n.º 2] do CPC – absolutamente estranha ao âmbito do recurso de fiscalização concreta interposto. Ora, como é manifesto, inexiste interesse processual em discutir o regime de subida de um recurso que – com base noutro despacho e em autónomo fundamento jurídico – já se mostra julgado deserto. Nestes termos, somos de parecer que – por inverificação dos pressupostos de recurso de constitucionalidade interposto – deverá improceder a presente reclamação.' Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Como reiteradamente se tem afirmado (cfr., v.g., os Acórdãos n.ºs 24/99 e
496/99, o primeiro publicado no Diário da República [DR], II Série de 11 de Março de 1999, e o outro ainda inédito), as reclamações só devem ser deferidas quando delas resulte uma indevida preterição do direito a reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade decidida numa qualquer ordem de tribunais. Assim, mesmo que a razão invocada pelo tribunal reclamado para a tal obstar não deva ser confirmada por este Tribunal, não se segue que a reclamação deva logo merecer provimento, justamente porque o que está em causa não é a fundamentação da decisão da inadmissibilidade do recurso de constitucionalidade, mas sim a admissibilidade ou inadmissibilidade deste.
4. Ora, tendo em conta que o recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor visava a norma da alínea c) do nº 1 do artigo 923º do Código de Processo Civil, que fixa o regime de subida residual para os agravos em processo de execução ordinário, e que uma tal questão não pode já ser discutida no processo (ao menos no seu presente estado), por o agravo cujo regime se discutia ter sido julgado deserto por falta de alegações – decisão essa a que o recurso pretendido interpor para o Tribunal Constitucional não pode obstar, porque sempre seria insusceptível de se repercutir nela, fundada que foi em norma diversa (o artigo 291º, n.º 2 do Código de Processo Civil), pode concluir-se que se não pode conhecer do recurso. Como se escreveu no Acórdão n.º. 216/91, DR, II Série, de 14 de Setembro de 1991
(transcrevendo o que se escreveu no Acórdão n.º 322/90, publicado na mesma série do jornal oficial de 15 de Março de 1991, a propósito do interesse no conhecimento dos recursos):
'Tal interesse só não existirá se a decisão da questão de constitucionalidade, que constitui objecto do recurso, não poder influir de todo na decisão da questão de fundo – o que é coisa que bem se compreende se se tiver em conta que o recurso de constitucionalidade desempenha sempre uma função instrumental
[cfr., neste sentido, os Acórdãos n.ºs 208/86, 250/86 e 275/86 (DR, II Série, de
3 de Novembro, 21 de Novembro e 12 de Dezembro de 1986) e, por último, o Acórdão n.º 86/90, por publicar].' No mesmo sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão n.º 169/92 (DR, II Série, de 18 de Setembro de 1992), onde se reafirmou que:
'...o Tribunal Constitucional tem dito repetidamente que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, só devendo, por isso, conhecer-se das questões de constitucionalidade, se a sua decisão puder influir utilmente na questão de fundo.' Ora, ao invocar o trânsito em julgado da decisão que julgara deserto o agravo, ao que a Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Torre de Moncorvo aludira, afinal, era a isto mesmo, sendo irrelevante que tenha acrescentado que só 'admitido o recurso para o T.C. de decisões que sejam também susceptíveis de recurso ordinário' (o que é o inverso do que se dispõe no n.º 3 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e que só se pode atribuir a lapso). Tanto basta, como é óbvio, para se dever indeferir a presente reclamação: a decisão do recurso de constitucionalidade, qualquer que viesse a ser, era insusceptível de se poder projectar utilmente nos presentes autos, pelo que nunca haveria que conhecer do recurso (e, note-se, não por inutilidade superveniente, pois no momento em que o recurso de constitucionalidade foi interposto já sobreviera a decisão que julgara deserto o recurso de agravo cujo regime se pretendia discutir e já fora indeferida a reclamação de nulidade arguida a tal decisão). E, se assim era, não pode agora deixar de se indeferir a presente reclamação, sem, sequer, ter de apurar se acrescem outras ordens de razões para fundamentar tal indeferimento da reclamação. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pela reclamante, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Fevereiro de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa