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Proc. nº 598/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrida A, foi proferida decisão
(fls. 137 a 140) que recusou aplicação à norma do artigo 5º do Decreto nº
381/72, de 9 de Novembro, 'na interpretação que se traduzisse em considerar nela estabelecida uma irrestrita e temporalmente indefinida precaridade das relações laborais constituídas com as guardas de passagem de nível substitutas, susceptível de precludir a aquisição do estatuto de trabalhadores permanentes e a consequente antiguidade', com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da segurança no emprego, constante do art. 52º, alínea b), da Constituição.
2. É desta decisão que vem interposto pelo representante do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso obrigatório de constitucionalidade, para apreciação da conformidade com a Constituição daquela interpretação normativa do disposto no artigo 5º do Decreto nº 381/72, de 9 de Novembro, à que a decisão recorrida recusou aplicação.
3. Já neste Tribunal foi o Ministério Público notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'1º - É inconstitucional a norma constante do artigo 5º do Decreto nº 381/72, de
9 de Outubro, na interpretação que se traduza em considerar nela estabelecida uma irrestrita e temporalmente indefinida precaridade das relações laborais constituídas com as guardas de passagem de nível substitutas, susceptível de precludir a aquisição do estatuto de trabalhadores permanentes e a consequente antiguidade, por tal implicar violação do princípio constitucional da segurança no emprego.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida'.
4. Notificada para responder, querendo, às alegações do recorrente, a recorrida declarou subscrever as alegações do Ministério Público.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal Constitucional não é inteiramente nova na jurisprudência deste Tribunal que, no Acórdão nº 280/00 (publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Outubro de 2000), teve já oportunidade de decidir que o preceito em causa, na dimensão normativa que agora vem questionada, era materialmente inconstitucional, por violação do princípio da segurança no emprego, constante do artigo 52º, alínea b), da Constituição da República Portuguesa de 1976
(depois, artigo 53º). Ponderou, então, o Tribunal Constitucional, depois de resumir o regime laboral aplicável, antes da entrada em vigor da Constituição de 1976, às empresa concessionárias de serviços públicos, como era o caso da CP:
'Diga-se desde já que não está aqui em causa a validade formal do diploma regulamentar questionado, mas antes a questão da conformidade material da norma constante do seu artigo 5º, na interpretação questionada, com os princípios constitucionais da Lei Fundamental entrada em vigor em 25 de Abril de 1976.
7. – Nesta perspectiva, a norma do artigo 5º, com tal interpretação, permite que as empresas abrangidas no âmbito do diploma, entre as quais a CP, utilizem, irrestrita e indefinidamente, para substituição das guardas de passagem de nível nas suas ausências (doença, descansos semanais, etc.), pessoal feminino contratado diariamente para o efeito. Ora, mesmo admitindo que esta situação não repugnava ao regime laboral geral em vigor na época - o que não interessa agora apreciar -, o certo é que, com o início de vigência da Constituição de 1976, deu-se nova relevância aos direitos dos trabalhadores através da inclusão (primeiro, dentro dos direitos e deveres económicos e, depois, nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) da garantia da segurança no emprego e do direito à organização do trabalho em condições dignificantes, além de outros direitos que não interessa referir, o que desde logo implica não poder ter-se por constitucionalmente admissível uma contratação diária que se prolongue por vários anos. Na verdade, uma contratação diária irrestrita e de duração global indefinida é a negação de qualquer segurança no emprego, uma vez que terminado o período laboral nenhuma garantia existe de que o contrato continue a poder executar-se:
é a flexibilização laboral no seu expoente máximo. Um tal tipo de contratação laboral contende necessariamente com o princípio da segurança no emprego, com o qual se pretende assegurar ao trabalhador o máximo de estabilidade no emprego, apenas podendo a relação laboral, em princípio, cessar por despedimento com justa causa apurada em processo com as necessárias garantias de defesa ou por razões objectivas relacionadas ou com o trabalhador ou com a empresa. Por outro lado, uma situação de contratação diária que se prolongue no tempo não pode constituir uma forma de organização do trabalho em termos socialmente dignificante. De facto, a trabalhadora não pode saber com um mínimo de antecipação em que termos se vai desenvolver a sua prestação laboral, estando submetida a uma verdadeira ‘discricionaridade’ da entidade empregadora. De qualquer modo, a norma em causa integrando-se num diploma (o Decreto n.º381/72, de 9 de Outubro de 1972) pré-constitucional, é materialmente inconstitucional se violar norma ou princípios constitucionais da Lei Fundamental de 1976. Ora, é manifesta a contradição existente entre a questionada interpretação da norma do artigo 5º e o princípio constitucional da segurança no emprego constante do artigo 52º, alínea b) e depois do artigo 53º da Constituição da República Portuguesa (versão de 1976 e de 1982, respectivamente). Tanto basta para que se negue provimento ao presente recurso, com confirmação da decisão recorrida'.
É esta jurisprudência, para cuja fundamentação se remete, que, por manter inteira validade, agora há que reiterar.
III Decisão Por tudo o exposto, decide-se: a) julgar inconstitucional a norma do artigo 5º do Decreto nº 381/72, de 9 de Outubro, na interpretação que se traduzisse em considerar nela estabelecida uma irrestrita e temporalmente indefinida precariedade das relações laborais constituídas com as guardas de passagem de nível substitutas, susceptível de precludir a aquisição do estatuto de trabalhadores permanentes e a consequente antiguidade, por violação do princípio da segurança no emprego, constante do artigo 52º, alínea b), da Constituição da República Portuguesa de 1976 (depois, artigo 53º); b) em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando, nesta parte, a decisão recorrida. Lisboa, 12 de Dezembro de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa