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Procº nº: 787/2001.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Tendo o Licº O... proposto, no Tribunal de comarca de Vimioso, acção executiva contra A ... e mulher, V..., foi tal acção indeferida liminar e parcialmente, com fundamento em que se pedia a execução de determinado montante não contemplado no título executivo - uma sentença judicial.
Agravando para o Tribunal da Relação do Porto, foi negado provimento ao recurso por acórdão de 12 de Junho de 1997 e, formuladas reclamações, por três vezes, todas elas indeferidas, veio aquele Tribunal de 2ª Instância a condenar o exequente como litigante de má fé, o que sucedeu por acórdão de 2 de Junho de 1998.
De tal condenação recorreu o exequente para o Supremo Tribunal de Justiça, que mandou baixar os autos àquele Tribunal de 2ª Instância, a fim de o dito exequente ter oportunidade de se defender.
Observado o determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça, novamente veio a Relação do Porto, em acórdão de 23 de Março de 1999, a condená-lo como litigante de má fé, o que motivou o exequente a, de novo, recorrer para aquele Supremo, o qual, por acórdão de 9 de Dezembro de 1999, revogou a condenação, tendo ainda decidido não tomar conhecimento do pedido de indemnização de Esc. 1.000.000$00 formulado pelo exequente contra os executados, por isso que entendeu que se tratava de uma questão nova, não sendo legalmente possível «enxertar» uma acção de indemnização num recurso de agravo.
Foram, pelo exequente, suscitados pedidos de aclaração e de rectificação do aresto lavrado pelo Supremo Tribunal de Justiça, pedidos esses que vieram a ser desatendidos. O exequente ainda arguiu nulidades do mesmo acórdão, as quais foram indeferidas por acórdão de 6 de Junho de 2000.
Desta última decisão arguiu o exequente a respectiva nulidade.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Outubro de 2000, não tomou conhecimento da arguição.
Disse-se nesse aresto:-
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ A reclamação ora apresentada pelo agravante não merece ser conhecida, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal, mercê do preceituado nos artºs 666º, nº 1, 716º, 749º e 762º, nº 1, todos do Cód. Proc. Civ. E, também, por ter transitado em julgado o acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Dezembro de 1999, que julgou o agravo - artº 677º do CPC. Da decisão que decide um recurso apenas se admite que se peça a rectificação de erros materiais, a sua aclaração, o suprimento de nulidades e a reforma quanto a custas e multas (V. nº 2 do artº 666º do CPC). Uma vez decidida a arguição de nulidades que tenha sido suscitada fica definitivamente esgotado o poder jurisdicional do tribunal que proferiu a decisão. A decisão susceptível de ser rectificada, esclarecida ou arguida de nula, nos termos do disposto no artº 666º, nº 2, do CPC, é a que julga a causa, e não a que conhece dos pedidos de rectificação, esclarecimento ou arguição de nulidades, sob pena de tal procedimento nunca mais ter fim (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 13-12-90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 17º, pags. 298 e segs).
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Do acórdão de que parte se encontra transcrita arguiu o exequente nulidade.
Sobre essa arguição debruçou-se o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 13 de Dezembro de 2000, onde se escreveu:-
“No acórdão de fls. 389 e segs., dos autos, embora este Supremo Tribunal tenha revogado a condenação do agravante O ... por litigância de má-fé, objecto do recurso, decidiu não tomar conhecimento do insólito e descabido pedido de indemnização formulado por esse recorrente contra os agravados, no final da sua alegação de recurso.
Após um infundado pedido de aclaração e rectificação desse ac. de fls. 389, que foi naturalmente desatendido, o mesmo foi alvo de uma reclamação do agravante, que lhe imputou nulidades. A respectiva arguição foi desatendida pelas razões que foram amplamente explicadas ao recorrente no ac. de fls. 435 e segs. dos autos. Contra este acórdão reclamou o agravante, imputando-lhe nulidades. Decidiu este Supremo Tribunal pelo ac. de fls. 483 de 17-10-2000, com os fundamentos nele expressos, sobretudo por estar esgotado o seu poder jurisdicional, [que] tal reclamação era inadmissível, pelo que dela não tomava conhecimento.
Desprezando as decisões deste Supremo Tribunal e o respeito que lhe
é devido e ao nosso sistema judicial, com uma inaceitável teimosia, o agravante Afonso voltou a reclamar, agora contra o ac. de fls. 483, imputando-lhe nulidades. Mas sucedendo que o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal se encontra esgotado no presente recurso de agravo, decide-se, não tomar conhecimento de mais esta reclamação do agravante Afonso e de o condenar nas custas deste incidente, a que se fixa a taxa de justiça de duas unidades de conta.
E porque este Supremo Tribunal nada mais tem a decidir no presente recurso de agravo, que se julga findo, ordena-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação”.
Na sequência do assim decidido, os autos foram, em 25 de Janeiro de 2001, remetidos ao Tribunal da Relação do Porto.
Ainda assim, o exequente apresentou ao Supremo Tribunal de Justiça vários requerimentos, nos mesmos tendo aposto o Conselheiro Relator despachos nos quais se dizia que nada havia a ordenar, pois que de há muito estava esgotado o poder jurisdicional daquele Supremo.
O último desses despachos, proferido num requerimento apresentado pelo exequente em 12 de Junho de 2001 e que se intitulava
“RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA” (de anterior despacho prolatado em 22 de Maio de
2001), rezava assim:-
“Por acórdão há muito transitado em julgado, este Supremo Tribunal decidiu que estava esgotado o seu poder jurisdicional no âmbito do recurso de agravo identificado no presente papel. Assim e repetindo mais uma vez o que se tem entendido, nada mais tem que se conhecer e ordenar no recurso que findou, pelo que o processo há muito seguiu para o Tribunal da Relação do Porto.
12- JUN - 01”.
O transcrito despacho foi notificado ao exequente por intermédio de carta registada expedida em 15 de Junho de 2001.
Naquele requerimento (o apresentado em 12 de Junho de
2001) dizia-se, «em conclusão», em determinados passos:-
“I Salvo melhor entendimento, a reclamação para a conferência é o meio processual adequado para expor as razões pelas quais o reclamante discorda da opinião expressa através do douto despacho do Venerando Juiz Cons. Relator de 22 de Maio que repete o de 19 de Abril de 2001.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... II O reclamante considera que os artigos 677.º e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com a interpretação subjacente ao procedimento que conduziu ao douto despacho de 22 de Maio de 2001, como aos anteriores despachos tempestivamente reclamados, são inconstitucionais por violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
2. No entender do reclamante, os artigos 677.º e 668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com a interpretação que subjaz ao procedimento que conduziu ao douto despacho de 22 de Maio de 2001, são incompatíveis com os artigos 2º e
13.º, n.º 1, 18.º e 20.º da Constituição.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................”
Em 2 de Julho de 2001, o exequente apresentou no Supremo Tribunal de Justiça requerimento (que teria sido expedido, segundo alega, em 28 de Junho anterior), onde disse:-
“O ..., recorrente nos autos acima identificados, não se conformando com o procedimento que conduziu ao douto despacho de 12 de Junho de 2001 inserido a fls. 1 da reclamação, entrada no Supremo Tribunal de Justiça nesse mesmo dia, do douto despacho de 22 de Maio de 2001, reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 700.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89 de 7 de Setembro;
- Pretende-se que seja apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 677.º e
668.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com a interpretação que subjaz ao procedimento que conduziu ao douto despacho do Venerando Juiz Cons. Relator de
12 de Junho de 2001;
- Essas disposições, com a interpretação que subjaz ao procedimento que conduziu ao douto despacho de 12 de Junho de 2001, são incompatíveis com os artigos 2.º,
13.º, n.º 1, 18.º e 20.º da Constituição;
- A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nas reclamações apresentadas ao abrigo do artigo 700.º, n.º 3, entradas em 12 de Junho e 22 de Maio de 2001;
- A inexistência de acórdão que se pronuncie sobre essa questão de inconstitucionalidade não é devida a facto imputável ao requerente. Salvo melhor entendimento, o recurso deve ter efeito suspensivo e subir nos próprios autos. Nestes termos, requer a V.Exa. que se digne admitir o presente recurso e fazê-lo subir com o efeito próprio, seguindo-se os demais termos”.
Em 31 de Outubro de 2001 o indicado Conselheiro Relator proferiu o seguinte despacho:-
“No ac. de fls. 389 e segs., do recurso de agravo 719/99 da 6[ª] Sec., embora este Supremo Tribunal tenha revogado a condenação do agravante O
... como litigante de má-fé, decidiu não tomar conhecimento do insólito e descabido pedido de indemnização formulado por esse recorrente contra os agravados, no final da sua alegação de recurso.
Após um infundado pedido de aclaração e de rectificação desse ac. de fls. 389 que foi naturalmente desatendido, o mesmo foi alvo de uma reclamação do agravante, que lhe imputou nulidades, A arguição destas foi desatendida pelas razões que foram amplamente explicadas ao recorrente, no ac. de fls. 435 e segs., do referido processo. Contra este ac. reclamou o agravante, imputando-lhe nulidades. Decidiu este Supremo Tribunal pelo ac. de fls. 483, dos mesmos autos, de 17-10-00, com os fundamentos nele expressos que, por estar esgotado o seu poder jurisdicional, tal reclamação era inadmissível, pelo que dela não tomava conhecimento.
Desprezando as decisões deste Supremo Tribunal e o respeito que lhe
é devido, numa inacreditável teimosia, o agravante Afonso voltou a reclamar agora contra o ac. de 17-10-00, imputando-lhe nulidades.
Assim, por estar esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal nesse recurso de agravo decidiu-se, mais uma vez não tomar conhecimento de mais essa reclamação do agravante. O que lhe foi comunicado.
Depois, por estar esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal, conforme informação de fls. 118, dos presentes autos, o referido processo onde se processou o identificado agravo baixou ao Tribunal da Relação do Porto em 25 de Janeiro de 2001.
Apesar disso o agravante O.... não deixou de enviar requerimentos respeitantes a esse processo para este Supremo Tribunal e em todos lhe foi informado o que há muito sabia, estar esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal quanto a esse recurso que aqui findou.
Não obstante, em 2 de Julho de 2001, apresentou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, que não pode aqui ser atendido, precisamente por já estar esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal no processo a que respeita. E, caso não estivesse, há muito que estaria esgotado o prazo para interposição desse recurso.
Notifique ao requerente”.
A ordenada notificação ocorreu mediante o envio ao exequente, em 31 de Outubro de 2001, de carta registada.
Em 19 de Novembro de 2001 o exequente apresentou, ao abrigo do artº 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, reclamação para o Tribunal Constitucional.
2. Tendo tido vista dos autos, o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal opinou no sentido de a vertente reclamação ser manifestamente improcedente.
Cumpre decidir.
3. Como deflui do mui extenso relato supra efectuado, uma das razões que levaram à não admissão do recurso intentado interpor para este Tribunal do despacho lavrado em 12 de Junho de 2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça fundou-se, justamente, na circunstância de há muito estar esgotado o prazo para a sua interposição.
Ir-se-á analisar este particular.
Como se viu, aquele despacho foi notificado ao reclamante por intermédio de carta registada expedida em 15 de Junho de 2001, tendo o requerimento de interposição de recurso dado entrada no Supremo Tribunal de Justiça em 2 de Julho seguinte.
Foi alegado que tal requerimento teria sido expedido em
28 de Junho de 2001, embora dos autos não resulte qualquer prova cabal nesse sentido [cfr. documento anexo (fotocópia) à peça processual consubstanciadora da reclamação ora em apreço, da qual se não extrai a data daquela expedição].
Porém, a corresponder à realidade a invocação do reclamante, o requerimento de interposição do recursos teria sido atempado [cfr. artigos 254º, nº 2, e 150º, nº 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, e artº 75º, nº 1, da Lei nº 28/82].
A partir dessa suposição, ser-se-á levado a considerar que o despacho em apreço, no tocante à extemporaneidade do recurso, não merecerá aceitação.
Isso, porém, não é bastante para conduzir ao deferimento da reclamação.
4. Como reiteradamente se tem afirmado (cfr., a título exemplificativo, os Acórdão deste Tribunal números 24/99 - publicado na 2ª Série do Diário da República de 11 de Março de 1999 - e 496/99, ainda inédito), as reclamações só devem ser indeferidas quando delas resulte uma indevida preterição do direito a reapreciação, pelo Tribunal Constitucional, de uma questão de constitucionalidade decidida em qualquer ordem dos tribunais, pelo que, ainda que a razão invocada pelo tribunal onde foi prolatado o despacho de não admissão do recurso não deva ser confirmada por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, daí não se segue que a reclamação deva logo merecer provimento, já que o que está em causa não é a fundamentação da decisão da inadmissibilidade do recurso, mas sim a admissibilidade ou a inadmissibilidade deste.
Ora, o que se passou, in casu, foi que, aquando da peça processual intitulada de “RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA” do despacho antecedentemente proferido em 22 de Maio de 2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, aí não foi suscitada de modo processualmente adequada a questão da inconstitucionalidade de uma alegada interpretação normativa dos artigos 677º e 668º, nº 3, do diploma adjectivo civil.
Efectivamente, o ora reclamante nunca, minimamente, enunciou qual fosse a interpretação que tinha por violadora de normas ou princípios constitucionais, pois que se limitou a dizer que ela era a que subjazia ao «procedimento que conduziu» à prolação do despacho de 12 de Junho de
2001.
Tem, desta arte, que se convir que um tal modo de dizer
é, de todo em todo, uma forma processualmente inadequada de suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa reportada a uma dimensão interpretativa de dado ou de dados preceitos jurídicos.
Este Tribunal tem repetidamente sustentado (cfr., por todos, o Acórdão nº 178/95, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º Volume, 1118 e segs.) que, ao suscitar a questão de inconstitucionalidade de uma certa interpretação ou dimensão normativa, sobre o recorrente recai o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do preceito que considera desconforme com a Lei Fundamental, o que impõe que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido em termos de, se este órgão de administração de justiça o vier a julgar inconstitucional, o poder enunciar na decisão que proferir, de sorte a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser ele incompatível com o Diploma Básico.
Ora, o reclamante nunca sequer especificou qual a interpretação dos artigos 677º e 668º, nº 3, do Código de Processo Civil que considerava ter sido levada a efeito e, como tal, aplicada pelo despacho recorrido, limitando-se, como se disse, a remeter para a interpretação que subjazia ao procedimento que conduziu ao proferimento desse despacho.
O que vale por dizer que não foi, pelo reclamante, cumprido o ónus a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, e isto independentemente da questão de saber se, face aos seus termos (e, inter alia, por se não tratar de uma decisão de um tribunal que funciona colectivamente), do despacho que se queria impugnar caberia recurso para este Tribunal.
5. A isto acresce que a questão de inconstitucionalidade que o ora reclamante hipoteticamente (e diz-se «hipoteticamente», pois que tal se concebe tão só para efeitos meramente argumentativos) pretenderia submeter à análise deste Tribunal era manifestamente falha de fundamento, já que, como aliás decorre da jurisprudência que, a propósito, tem sido seguida por este
órgão de administração de justiça, estando transitada uma decisão de um tribunal e, em consequência, esgotado o seu poder de cognição, ao mesmo não é lícito reapreciar questões, pelo que nunca seria censurável, do ponto de vista da sua compatibilidade com a Constituição, a aplicação de normas adjectivas que isso mesmo comandem e que foram suporte jurídico de despachos do jaez do proferido, no caso, pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
6. Em face do exposto, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa,5 de Fevereiro de 2002 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa