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Processo n.º 771/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Nos autos de expropriação litigiosa, por utilidade pública urgente, para construção da obra “Scut do Grande Porto – VRI Sublanço – Nó do Aeroporto/IP4 – Nó do Aeroporto”, em que figuram como expropriante, Estradas de Portugal EPE e expropriado A., promove-se a expropriação da parcela n.º 29, com a área de 1139 m2.
Foi proferida decisão arbitral que atribuiu à parcela expropriada o valor de €34.279,34.
O Expropriado e a Expropriante recorreram da decisão arbitral, tendo sido proferida sentença que, julgou improcedente o recurso interposto pela Expropriante e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo Expropriado, tendo fixado a indemnização pela expropriação em €44.147,64.
Desta decisão recorreu a Expropriante para o Tribunal da Relação do Porto que por acórdão proferido em 14 de maio de 2012 julgou improcedente a apelação.
A Expropriante recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, nos seguintes termos:
[…]
§1. Entende-se, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, que o douto aresto procedeu à aplicação de normas ordinárias em termos contrários à Lei Fundamental.
§2. Está em causa a aplicação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações e o facto do douto acórdão ter reconhecido aos expropriados uma indemnização por expropriação de plano resultante da aprovação do Plano Diretor Municipal de Matosinhos.
E, subsidiariamente, por causa da aplicação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.ºs 10 e 12 do Código das Expropriações ao não ter o douto acórdão aplicado o fator corretivo previsto no artigo 26.º, n.º 10 CE quando a parcela, para ter capacidade construtiva, dependia de uma decisão administrativa que revisse ou alterasse o Plano Diretor Municipal de Matosinhos.
§3. Assim, nos termos do artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, indica-se o seguinte:
a) O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 280.º, n.º1, al. b) CRP, a aliena b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro;
b) Pretende-se que o Tribunal aprecie:
(i) a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 23.º, n.º1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, por violação do princípio da igualdade e artigo 13.º, n.º 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18.º, n.º 2 e 3 CRP e princípio da justa indemnização e artigo 62.º, n.º 2 CRP quando, não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a execução da obra que justifica a expropriação, reconhece uma indemnização por expropriação do plano ao expropriado, quando a mesma está vedada aos demais proprietários de prédios em zona verde ou de proteção nos termos gerais do direito;
(ii) a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, por violação do princípio da igualdade e artigo 13.º, n.º 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18.º, n.º 2 e 3 CRP e princípio da justa indemnização e artigo 62.º, n.º 2 CRP quando imputa à entidade expropriante a obrigação de indemnização por expropriação do plano que ocorreu com a aprovação do Plano Diretor Municipal de Matosinhos, responsabilidade do Município de Matosinhos.
Subsidiariamente,
(iii) a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 al. c) e 26.º, n.ºs 10 e 12 do Código das Expropriações, por violação do princípio da igualdade e artigo 13.º, n.º 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18.º, n.º 2 e 3 CRP e princípio da justa indemnização e artigo 62.º, n.º 2 CRP quando não aplica o fator corretivo de 15%, nos termos do artigo 26.º, n.º 10 CE, equiparando assim o valor económico da parcela a um terreno não condicionado, estando a capacidade construtiva daquele dependente da alteração do Plano Diretor Municipal.
c) Foi violado o princípio da igualdade e o artigo 13.º, bem como o princípio da proporcionalidade e o artigo 18.º, n.º 2 e 3 e o princípio da justa indemnização e o artigo 62.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa;
[…].
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
A Recorrente pretende que se fiscalize a constitucionalidade:
- dos artigos 23.º, n.º1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, quando interpretados com o sentido de que não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a execução da obra que justifica a expropriação, reconhece-se uma indemnização por expropriação do plano ao expropriado, quando a mesma está vedada aos demais proprietários de prédios em zona verde ou de protecção nos termos gerais do direito;
- dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 als. a) e c) e 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, interpretados de modo a imputar-se à entidade expropriante a obrigação de indemnização por expropriação do plano que ocorreu com a aprovação do Plano Diretor Municipal de Matosinhos, responsabilidade do Município de Matosinhos;
- dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 2 al. c) e 26.º, n.ºs 10 e 12 do Código das Expropriações, interpretados de modo a não aplicar-se o fator corretivo de 15%, nos termos do artigo 26.º, n.º 10 CE, equiparando assim o valor económico da parcela a um terreno não condicionado, estando a capacidade construtiva daquele dependente da alteração do Plano Diretor Municipal.
Relativamente aos dois primeiros critérios explicitados, constata-se ao ler a decisão recorrida que os mesmos não correspondem ao seu pensamento, por que partem de um falso pressuposto – a de que o Tribunal recorrido entendeu que se encontrava a verificar da correção do arbitramento de uma indemnização por expropriação do plano.
Na verdade, o acórdão da Relação do Porto não entende que a indemnização arbitrada vise compensar a diminuição do valor do terreno expropriado resultante da aprovação do Plano Diretor Municipal que o destinou a zona verde, sustentando antes que essa indemnização respeita ao ato de expropriação. Este aresto, para verificar a correção da indemnização arbitrada pelo tribunal da 1.ª instância, socorreu-se do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, tendo concluído que “…na esfera da tutela da norma – art. 26.º/12 do Código das Expropriações – não se contempla a responsabilidade das entidades administrativas pelo ato de modelação e ordenamento do território, com consagração no plano diretor municipal…”.
Não existindo uma coincidência entre o enunciado destes dois critérios propostos à fiscalização de constitucionalidade pelo Recorrente e a ratio decidendi do acórdão recorrido, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do recurso nesta parte.
Relativamente à última questão de constitucionalidade, o Recorrente pretende impugnar não um qualquer critério geral e abstrato que a decisão recorrida tenha utilizado para fundamentar as suas opções, mas sim a própria decisão de naquele caso concreto não aplicar um fator corretivo de 15%, nos termos do artigo 26.º, n.º 10, do Código das Expropriações. O que é questionado é o resultado da aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto, pelo que o recurso nesta parte carece manifestamente de um cunho normativo que o integre nas competências do Tribunal Constitucional no domínio da fiscalização concreta.
Por estas razões não deve o recurso ser conhecido, emitindo-se decisão sumária nesse sentido, conforme permite o artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
A expropriante reclamou desta decisão, apresentando as seguintes razões:
1. De acordo com a douta decisão não existe coincidência entre o enunciado dos dois critérios submetidos à fiscalização da constitucionalidade e a ratio decidendi do acórdão.
2. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, existe coincidência e fundamento para admitir o presente recurso, pois o que está em causa é a aplicação do n.º 12 do artigo 26.º CE feita pelo Tribunal e respetivas consequências jurídicas.
3. Inter alia, afirma o acórdão do Tribunal da Relação que:
“... para efeito de aplicar o critério do n.º 12 do artigo 26.º é que a classificação do plano não cause prejuízos para o expropriado” — cfr. p. 31.
“.... cumpre apurar em que medida o expropriado foi beneficiado com a classificação da parcela no domínio do plano e fazer o correto ajuste em sede de processo de expropriação, sob pena de se verificar uma dupla avaliação ou dupla indemnização” — cfr. p. 33;
“O critério previsto no art. 26.º, n.º 12 Código das Expropriações, apesar de constituir uma ‘outra face das expropriações do plano’ visa obter a justa indemnização a atribuir ao expropriado, por efeito do ato expropriativo”.
Concluindo,
“... na esfera de tutela da norma – art. 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações – não se contempla a responsabilidade das entidades administrativas pelo ato de modelação e ordenamento do território, com consagração no plano diretor municipal, motivo pelo qual a interpretação proposta pelo recorrente não tem consagração na lei, pelo que, não se verifica a inconstitucionalidade da norma com o fundamento invocado”
4. O Tribunal a quo interpreta o artigo 26.º, n.º 12 admitindo que a sua hipótese e consequência conferem à indemnização uma função análoga à devida por uma expropriação por plano, só que no âmbito da relação jurídica expropriativa.
5. Ora, o pedido de fiscalização concreta prende-se com a interpretação do artigo 26.º, n.º 12 realizada pelo Tribunal a quo que admite a aplicação de critérios de avaliação em função de um destino juridicamente proibido à data da DUP pelos instrumentos de gestão territorial em vigor. O Tribunal a quo interpretou o artigo 26.º, n.º 12 CE enquanto critério autónomo de avaliação dos solos distinto do disposto no artigo 25.º CE, cuja aplicação não depende da verificação de um nexo de causalidade entre a classificação operada pelo Plano Diretor Municipal e a expropriação.
6. A questão de expropriação por plano é uma consequência da avaliação por parâmetros não admitidos pelo Plano Diretor Municipal, ou seja, não é o critério normativo, antes a consequência de uma hipótese normativa interpretada pelo Tribunal.
7. O presente pedido liga-se indissociavelmente àquele aresto judicial, nele colhendo o seu fundamento, mas podendo igualmente por ele ser prejudicado.
8. Devem, por isso mesmo, e sobretudo em matérias tão técnicas e com tão pouca consolidação judicial como a matéria de expropriações, ser lidos de forma ajustada os requisitos de que depende o conhecimento do recurso ou o conhecimento global do recurso pelo Tribunal Constitucional.
9. Nestes termos o que se colocou, e coloca, à apreciação do Tribunal resume-se no seguinte: um solo condicionado, como se encontrava a parcela terá um valor real e de mercado que não poderá ser superior ao destino económico admitido e permitido pelo instrumento de gestão territorial em vigor à data da DUP.
11. Posto isto, a fiscalização normativa é fundada não só em função dos fundamentos da conclusão do silogismo judicial firmada no acórdão, in casu a aplicação do artigo 26.º, n.º 12, mas também as consequências dessa mesma aplicação atento o sentido normativo da norma face ao caso concreto.
12. Isto porque afirmar que o sentido normativo do artigo 26.º, n.º 12 não corresponde ao alegado e motivado no recurso interposto para o Tribunal Constitucional representa um apego ao elemento literal dos fundamentos da sentença, quando a norma e sua aplicação redunda em efeitos interpretativos que, por si só, reconhecem uma indemnização para lá do que seria reconhecido fora do processo expropriativo.
13. Este é o busílis da questão e do âmbito de aplicação do artigo 26.º, n.º 12 Código das Expropriações, nomeadamente a interpretação que do mesmo se faça enquanto “outra face das expropriações do plano” sic página 34, agora por efeito do ato expropriativo.
14. O Tribunal a quo não compreendeu o alcance da nossa crítica: a questão não está em determinar a responsabilidade subjetiva da entidade responsável pelo plano (cfr. p. 34), mas em reconhecer ao expropriado um mecanismo compensatório por força de um ato que nada tem a ver com a execução do plano diretor municipal. Ou seja, o artigo 26.º, n.º 12 interpretado no sentido dado pelo Tribunal extrapola os limites da responsabilidade subjetiva previstos naquela norma ao prever que, independentemente das motivações que levaram à classificação do solo e respetiva restrição construtiva, basta a mera expropriação — seja para que motivo for — para se deslindar um mecanismo de correção de que só um expropriado (e não um qualquer administrado) pode beneficiar. Aqui está a interpretação e o sentido normativo censurável, que é secundado pelo Tribunal a quo e que é objeto de recurso para o Tribunal Constitucional.
15. Tanto assim é que, na página 35, o Acórdão expressamente equaciona os instrumentos previstos na lei geral para as expropriações por plano, afirmando, na negativa, que a inexistência de prova de compensação ou indemnização pressupõe, ainda que a expropriação não seja fundamento ou consequência da classificação do PDM, a utilização do artigo 26.º, n.º12 como cláusula autónoma de avaliação do solo.
16. A integração de conceitos económicos e de formação de expectativas depende da sua relevância jurídica. E como se sabe, as expectativas em regra não são objeto de tutela. Como vimos o conceito de justa indemnização pressupõe a determinação do valor do solo à data da DUP. Pelo que será em função de um determinado momento temporal e do que poderá a ocorrer com alguma segurança a partir desse momento que serão relevadas ou desconsideradas as expectativas económicas. Mas estas terão sempre que ser objetivadas pois, no limite, só provado um dano é que poderá haver indemnização equivalente. Assim, um terreno florestal, tal como se encontrava à data da DUP, não pode sem mais ser avaliado como solo apto para construção se nenhum facto ou circunstância se opuser à vinculação situacional em que se encontrava a parcela à data da expropriação.
17. O valor económico e a expectativa de dar à parcela um destino diferente do efetivo e do admitido pelos instrumentos de gestão territorial em vigor apenas terá relevo jurídico se for previsível que à data da DUP o aproveitamento juridicamente admitido poderia ser alterado. Ou seja, se existissem factos e circunstâncias que permitam concluir com certeza — e não como resultado de uma mera especulação — que a expropriação viria impedir a rentabilização do solo para outros fins num futuro próximo. O solo não está vocacionado para construção por simples ordem natural das coisas, antes resulta do reconhecimento jurídico de tal possibilidade. E este reconhecimento é a pedra basilar da determinação do valor económico do solo. O valor da certeza e o princípio da igualdade não podem estar reféns de especulações imobiliárias, nem de eventos incertos e indeterminados, pois, se assim não fosse, o contrário também deveria poder valer. Ou seja, se fosse previsível a alteração de um destino económico construtivo para outros fins, então a indemnização deveria poder ser calculada tendo por referência um solo para outros fins. Isto porque a expectativa, por não ser um direito, depende sempre da conclusão de um processo com vista à aquisição deste.
18. Reiterando o acima alegado, o direito não tutela expectativas, tutela direitos. Só excecionalmente é que aquelas relevam juridicamente, sendo que em processo expropriativo, por imposição legal, o valor do solo é aquele que a parcela tinha e era expectável ter à data da DUP. Não podem ser tidas em conta circunstâncias ou fatores que não sejam possíveis de objetivar e individualizar na esfera jurídica do expropriado. Ter a pretensão de, ou a expectativa de ... não são interesses que mereçam a tutela do direito. A aléa inerente ao futuro não se compadece com o fim e a natureza da justa indemnização, sob pena de ser uma indemnização nefelibata. Mais do que uma natureza económica, a indemnização é essencialmente jurídica.
19. Quando referimos expectativa, não estamos a falar de uma mera pretensão ou esperança do expropriando, uma vez que as expectativas de facto não são tuteláveis juridicamente. Terá que se provar a existência de uma efetiva expectativa jurídica, pois só estas são tuteladas pelo direito.
20. A expropriação em sentido clássico implica a imposição de um sacrifício na esfera jurídica patrimonial do expropriado, em favor de um interesse público relevante, que se traduz na ablação do direito de propriedade. Uma vez que a atuação da entidade pública é lícita, exige a nossa ordem jurídica que o sacrifício imposto ao expropriado seja objeto de uma compensação com vista a torná-lo indemne. Vale aqui o princípio da igualdade, segundo o qual a indemnização é o instrumento que permite restabelecer a igualdade perante encargos públicos entre expropriados e não expropriados.
21. Logo, a indemnização pretende repor a situação patrimonial do expropriado à data da DUP, por ser em função desta data que se determina o valor da parcela. O que sucederá a partir daqui é da álea do adquirente, pois o sucesso ou fortuna são tão certos como o falhanço ou a pobreza. Aliás, a ter-se em conta o caráter puramente económico da indemnização – negando a sua componente jurídica — teríamos forçosamente que relevar todos os factos e fatores subsequentes à DUP (aliás como impõe o artigo 566.º, n.º 3 CC), para sorte ou azar do expropriado. Reduzir o conteúdo da indemnização a um conceito puramente económico assente em expectativas subjetivas promove a arbitrariedade, incerteza jurídica e mais determinante, a iniquidade. Pois quando mais temerário ou estapafúrdio for a expectativa do expropriado, maior será a indemnização, ainda que o sacrifício à data da DUP seja equivalente ao expropriado conformado com a vinculação situacional da sua parcela. Isto independentemente de existir qualquer processo ou previsibilidade (à data da DUP) de vir a ser reconhecido ius aedificandi para o prédio expropriado.
Pelo exposto, é nosso modesto entendimento, que deve ser conhecido o objeto do recurso na sua integralidade, uma vez que existe coincidência entre os pontos (i) e (ii) do nosso requerimento e a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Fundamentação
O Recorrente discorda da decisão reclamada apenas na parte em que não conheceu das questões enunciadas nos pontos (i) e (ii) do requerimento de interposição de recurso, por entender que as interpretações normativas aí questionadas integram a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Contudo, da leitura da decisão recorrida verifica-se que esta não reconhece ao expropriado o direito a uma indemnização por expropriação do plano, não qualificando como tal a indemnização prevista no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, pelo que a fiscalização da constitucionalidade das interpretações normativas enunciadas pela Recorrente, no requerimento de interposição de recurso, não reveste qualquer utilidade, atento o cariz instrumental do recurso de constitucionalidade, na fiscalização concreta.
É certo que o Recorrente na reclamação apresentada procura corrigir a formulação por si adotada no requerimento de interposição de recurso, tentando explicar qual era verdadeiramente o critério adotado pela decisão recorrida que pretendia ver submetido à apreciação do Tribunal Constitucional. Contudo, como tem sido entendimento constante deste Tribunal, o Recorrente ao definir, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende sindicar, delimita, em termos irremediáveis e definitivos, o objeto do recurso, não lhe sendo consentida qualquer modificação ulterior, com exceção duma redução do pedido.
Por estes motivos deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por Estradas de Portugal EPE.
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Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 31 de janeiro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro