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Processo n.º 620/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamada B., a primeira vem reclamar, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho do Supremo Tribunal de Justiça de 21/06/2012 que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 751-752).
2. A ora reclamante apresentou requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, ao abrigo das alíneas b) e f) do artigo 70.º da LTC, do «Acórdão de fls. e da (…) decisão de aclaração do Acórdão (…)» nos termos seguintes (cfr. fls 739 a 742):
«(…) Notificada que foi de sábio Acórdão de fls., e bem assim da não menos sábia decisão de Aclaração de Acórdão aqui também de fls.,
Não se conformando, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o que faz ao abrigo das alíneas b) e f) do n. º1 do artigo 70. º da LTC, e com os seguintes fundamentos:
i. Veio o sábio Tribunal considerar procedente parcialmente o recurso de revista, reafirmado em sede de pedido de Aclaração e Reforma de Acórdão, condenando a Ré A. a pagar à Autora B. a quantia que vier a apurar-se em incidente de liquidação como sendo aquela em que aumentou o valor do prédio referido nos autos, em resultado da incorporação da piscina que o Supremo Tribunal de Justiça identificou no seu sábio Acórdão, com o limite máximo de 10.000,00 euros.
ii. Entende a então Recorrida, aqui Recorrente, salvo o devido respeito, de que o sábio Acórdão coloca em causa a constitucionalidade e aplicação legal das normas adjectivas, designadamente dos artigo 659º n.º 3 do CPC, 729.º n.ºs 1 e 2, e art. 722º n.º 3 desse mesmo Diploma.
iii. A Autora nos autos nunca veio alegar, nem fazer a devida prova da conclusão a que chegou o sábio Acórdão e da sua Aclaração, aliás como se extrai de sentença de 1.ª Instância e Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
iv. Nunca foi objecto de alegação, de qualquer prova, nem se pronuncia, quer o Tribunal de l.ª instância, quer o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a matéria específica agora objecto de consideração.
v. A norma constitucional estabelece a independência dos tribunais (art. 203º CRP), e a sua acção em conformidade com a norma adjectiva.
vi. Pelo que, ou se conclui pela inconstitucionalidade das normas mencionadas, e aí não há obrigatoriedade do Tribunal vir a obedecer, ou então estamos perante uma aplicação ilegal dessas normas adjectivas, violando o espírito constitucional.
vii Pelo que a sábia decisão proferida pelo Tribunal a quo, no também seu sábio Acórdão, coloca em causa a constitucionalidade do artigo 659º n.º 3 do CPC e artigo 729º n.ºs 1 e 2 do CPC, bem como do artigo 722º n.º 3 do mesmo Diploma, questão suscitada em sede de requerimento de Aclaração e pedido de Reforma do Acórdão, e que afinal aqui se reafirma.
viii. Assim sendo, e face ao aqui alegado, cumprido que se verifica o conteúdo do artigo 75-A da LTC, deve ser admitido o presente recurso, e em conformidade seguir os seus trâmites até final. (…)».
3. A A. e recorrida nos autos veio dizer o seguinte (cfr. fls. 748 e 749):
«I. - Alega a, ora, Recorrente que o Acórdão proferido por V. Exas., Sábios Conselheiros, coloca em causa a constitucional idade e aplicação legal das normas adjectivas, designadamente dos artigos 659º, n.º 3, 729º, n.º 1 e 2 e 722º, n.º 3 todos do C.P.C..
Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
II. - O Acórdão proferido assentou na matéria constante dos autos e que serviu de objecto de prova.
III. - A piscina, em causa, encontra-se incorporada no solo e tal facto resulta claramente dos factos e provas constantes dos autos.
IV. - Entende, por isso, a ora, Recorrida que não assiste qualquer razão à Ré e Recorrente e, como tal,
V. - O Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça não coloca em causa a constitucional idade dos artigos 659º, n.º 3, 729º, n.º 1 e 2 e 722º, n.º 3 todos do C.P.C.
Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser indeferido, com as inerentes consequências. »
4. O Supremo Tribunal de Justiça, em 21/06/2012, proferiu despacho de não admissão do recurso para este Tribunal com o seguinte fundamento (cfr. fls. 751-752):
«(…) Notificada do acórdão de t1s.673 a 713 que, na parcial procedência da revista,
condenou a ré A. a pagar à autora B. a quantia que vier a apurar-se em incidente de liquidação como sendo aquela em que aumentou o valor do prédio referido na alínea e) em resultado da incorporação da piscina mencionada em o), com o limite máximo de 10 000,00 euros, veio aquela mesma ré/recorrida (fls.718) «nos termos do disposto nos arts. 731º e 732º do CPCivil, requerer a reforma do acórdão », imputando-lhe a «nulidade definida na segunda parte da alínea d) do art. 668º, nº 1 do CPCivil, pois fundamenta a sua |…| decisão em matéria não objecto de prova em sede de matéria de facto, e afinal em factos não invocados pelas partes ». E conclui que o acórdão «deve ser reformulado em consonância com a matéria factual existente e carreada para os autos, e não em fundamentação a que afinal o tribunal não poderia dar como assente sem mais, nem como provada, e muito menos substituindo-se às partes alegar em lugar delas, com base em fotografia parcial de um espaço (piscina), em documento não utilizado para tal prova e, repete-se, nunca invocada».
Em acórdão de fls. 733 e 734 foi indefer|ida| a pretendida reforma do acórdão.
A recorrente vem agora, a fls. 739, interpor recurso para o Tribunal Constitucional «ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do art. 70º da LTC».
O que as indicadas normas dispõem é que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais
(b) que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
(f) que apliquem norma cuja legalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e).
Ora acontece que, em nenhum momento durante o processo a recorrente sustentou a inconstitucionalidade das normas que agora indica como sendo aquelas cuja inconstitucionalidade suscitara, as dos arts. 659º, n.º 3, 729º, n.º 1 e 2 e 722º, n.º 3 do CPCivil.
Ou seja, em nenhum momento até à prolação do acórdão de fls. 673 a 713, no qual o Supremo Tribunal de Justiça materializou o seu poder decisório, a recorrente colocou este mesmo Tribunal no ónus de se pronunciar sobre uma tal questão (e o acórdão de fls. 733 e 734 é apenas uma reapreciação por este Tribunal do seu poder decisório antes esgotado).
Logo,
o recurso não é admissivel e não se admite - art. 76º, n.º 2 da LTC (…)».
5. Inconformada, a recorrente e ora reclamante reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da LTC, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 756 a 760):
«(…)
i. Veio a Ré, entretanto Recorrente a interpor o devido recurso para o Tribunal Constitucional.
ii. O que fez invocando as alíneas b) e f) do artigo 70º da LTC.
iii. Ora vem o Supremo tribunal de Justiça, no seu sábio Despacho de não admissibilidade do recurso, a concluir de que, em nenhum momento durante o processo, sustentou a inconstitucionalidade.
iv. Mais afirmando que em nenhum momento a recorrente colocou este mesmo Tribunal no ónus de se pronunciar sobre tal decisão.
v. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a Recorrente estar mais em desacordo, pois não o podia fazer antes, já que viu duas decisões, a de 1.ª Instância, e a de Tribunal da Relação de Lisboa, dar-lhe razão nas questões em apreço, limitando-se essa Instâncias ao alegado pelas partes, e à matéria objecto de prova.
vi Foi só é sede de recurso de revista, por parte da Autora nos autos, que o Supremo Tribunal de Justiça decidiu como o fez.
vii. O sábio Acórdão do recurso de revista, foi de todo inesperado e imprevisto, não sendo exigível que a agora Recorrente antevisse a possibilidade da interpretação e aplicação das normas referidas de modo a impor-lhe o ónus de alegar a inconstitucionalidade antes da respectiva decisão.
viii. Mais seria até inimaginável que o Tribunal a quo fundamentasse a sua decisão em algo nunca alegado pelas partes, e sem qualquer prova produzida sobre a matéria em questão.
ix. Ora não conhecendo a Ré e agora Recorrente a decisão, nem a dita, não conhecendo a matéria em apreço por nunca ter sido alegada, nem objecto de prova, nunca poderia ter invocado a violação de qualquer norma, em sede de avaliação da sua constitucionalidade, perante essa violação, conforme posteriormente entendido.
x. Tal só podia acontecer, como aconteceu, no requerimento de Aclaração do Acórdão, o que a Recorrente fez, indicando claramente as normas que considerava violadas, e por isso, posteriormente, objecto de pronúncia de constitucionalidade no que diz respeito ao seu conteúdo e aplicação no sábio Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
xi. Como a Recorrente não podia 'adivinhar', e nem mesmo imaginar o teor de sábia decisão, só em sede de Aclaração podia vir a mencionar o que entendia ser a violação dos artigos 659º n.º 3, 729º n.º 1 e 2 e 723º n.º 3 do CPC, como o fez.
xii. Aliás no conteúdo do sábio Despacho de que agora se reclama da não admissão do recurso interposto, vem o Supremo Tribunal de Justiça desde logo a não considerar o Acórdão de fls. 733 e 734, por considerar apenas ser uma reapreciação por aquele Tribunal do seu poder decisório que considera antes esgotado.
xiii. Logo não pode o Supremo Tribunal de Justiça, salvo o devido respeito que é muito, considerar esgotado o seu poder decisório em Acórdão cuja fundamentação seria inimaginável, face à norma adjectiva a que estava vinculado, não considerando a invocação da violação da referidas normas em sede de Aclaração (único meio então disponível), e depois queira sabiamente concluir que nunca a Recorrente sustentou a violação dessas mesmas normas em sede de constitucionalidade.
xiv A Ré e agora Recorrente invoca normas cuja ilegalidade suscitou quanto à sua aplicação, ainda que só no momento que lhe estava disponível, em termos processuais (alínea f) do artigo 70º da LTC).
xv. E se até se podia aceitar por lapso a indicação da alínea b) do artigo 70º da LTC, o que não necessariamente se possa concluir sem mais, ainda assim está suficiente, e bem definido o objecto do recurso, quando se indica a já mencionada alínea f) desse mesmo artigo.
Nestes termos, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências,
Deve proceder a presente Reclamação, corrigindo-se o sábio Despacho do Tribunal a quo, sendo admitido o recurso interposto, e em conformidade seguir os seus trâmites até final. (…)».
6. A A. e recorrida respondeu nos termos seguintes (cfr. fls. 769-770):
«(…)
I - A Reclamação apresentada, salvo o devido respeito, não tem qualquer fundamento legal.
Com efeito,
II - Nenhuma inconstitucionalidade ocorreu e nunca a Recorrente a alegou,
III - Apenas quando o Acórdão final foi proferido e que não a satisfez é que se lembrou de que haviam sido infringidos preceitos constitucionais, que não foram!!!
IV - Este recurso e agora a reclamação, mais não são que uma tentativa desesperada da Ré e Recorrente!!!
V - O Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça não coloca em causa a constitucionalidade dos artigos 659º, n.º 3, 729º, n.º 1 e 2 e 722º, n,º 3 todos do C.P.C,. pelo que,
VI- Deve a presente reclamação ser indeferida, mantendo-se o já decidido.
7. A reclamação para este Tribunal foi admitida pelo Supremo Tribunal de Justiça em 6/09/2012 (cfr. fls. 772).
8. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pelo indeferimento da reclamação, nos termos e com os fundamentos seguintes (cfr. fls 777-778):
«1. A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que concedeu parcial provimento à revista pedida por B., autora na acção em que aquela figurava como Ré.
2. Não tendo o recurso sido admitido, reclamou para este Tribunal.
3. No requerimento de interposição de recurso referem-se os artigos 659.º, n.º 3, 729.º, n.ºs 1 e 2 e 722.º, n.º 3, todos do CPC e o artigo 203.º da Constituição.
4. No entanto, a recorrente não identificou minimamente qual a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, desconhecendo-se assim, em absoluto, qual o objecto do recurso.
5. A recorrente diz que suscitou a questão de inconstitucionalidade no pedido de reforma do acórdão.
6. Ora, esse já não é o momento próprio para suscitar a questão, não tendo a recorrente demonstrado – apenas afirmado na presente reclamação – que estava perante uma decisão surpresa que a dispensava do cumprimento do ónus da suscitação prévia.
7. Por outro lado, mesmo que assim não fosse, vendo o pedido de reforma, constata-se que ali não vem suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade. Aliás, nessa peça, não vem mencionado, sequer, qualquer princípio ou preceito constitucional.
8. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação. «(…)
9. Por Acórdão n.º 499/2012, de 24 de outubro, desta Secção, foi a reclamante notificada para, querendo, se pronunciar sobre a possibilidade de não admissão do recurso por ausência de critério normativo, respondendo nos termos seguintes:
«i. Desde logo não pode a Reclamante estar mais em desacordo com o douto parecer do Ministério Público, que invoca não ter aquela identificado minimamente qual a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada.
ii. Sendo que, segundo o douto parecer do Ministério Pública, se desconhecia qual o objeto do recurso.
iii. Desde logo estabelece o artigo 71° da Lei da Organização, Funcionamento Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 1 5 de Novembro), de que o âmbito de um recurso para o Tribunal Constitucional é restrito à questão de inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada.
iv. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, tal já havia sido suscitado claramente no pedido de aclaração do sábio Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
v. Ali se invoca a violação dos artigos 659° n.º 3 do CPC, e bem assim 729° n.º 1 do mesmo Diploma.
vi. No recurso entretanto interposto para o sábio Tribunal Constitucional, mais uma mesma vez se coloca em causa que, o não menos sábio Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça viola as normas legais entretanto já indicadas, para além, e por derivação delas a do artigo 722° n.º 3 do CPC.
vii. Veja-se a propósito o que ali foi invocado, e que salvo o devido respeito, aqui se repete:
«A Autora nos autos nunca veio alegar, nem fazer a devida prova da conclusão a que chegou o sábio Acórdão e da sua Aclaração, aliás como se extrai de sentença de 1ª Instância e acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Nunca foi objeto de alegação, de qualquer prova, nem se pronuncia, quer o Tribunal de 1a instância, quer o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sobre a matéria específica agora objeto de consideração.
A norma constitucional estabelece a independência dos tribunais (art. 203° CRP), e a sua ação em conformidade com a norma adjetiva.
Pelo que, ou se conclui pela inconstitucionalidade das normas mencionadas, e aí não há obrigatoriedade do Tribunal vir a obedecer, ou então estamos perante uma aplicação ilegal dessas normas adjetivas, violando o espírito constitucional.
Pelo que a sábio decisão proferida pelo Tribunal a quo, no também seu sábio Acórdão, coloca em causa a constitucionalidade do artigo 659° n.º 3 do CPC e artigo 729° n.ºs 1 e 2 do CPC, bem como do artigo 722° n.º 3 do mesmo Diploma, questão suscitada em sede de requerimento de Aclaração e pedido de Reforma do Acórdão, e que afinal aqui se reafirma.»
viii. Ora caí por terra o douto argumento do Ministério Público, quando no seu não menos douto parecer, vem concluir que não se identificou minimamente a dimensão normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, ou que se desconhecia o objeto do recurso.
ix. Mais se estranha outro douto argumento do parecer do Ministério Público, quando ali conclui, que a Recorrente não demonstrou que estava perante uma decisão surpresa, que o dispensava do cumprimento do ónus da suscitação prévia.
x. Ora vamos ver se entendemos, e se o Ministério Público verificou os autos ou o conteúdo, quer do recurso quer da reclamação da sua não admissão.
xi. A Recorrente veio a ter contra si interposta uma ação, em que o objeto é o pedido de um indemnização, à data, num valor de 281.223,04 euros.
xii. O Tribunal de 1ª Instância veio a condenar a aqui Recorrente nos seguintes termos.
Condenar a ré a indemnizar a autora em montante a liquidar em execução de sentença, correspondente ao aumento do valor do prédio da ré, introduzido pela realização das instalações e obras referidas nas alíneas F) a P) do despacho de condensação da matéria de facto, que a autora não possa levantar sem detrimento do mesmo, mas não superior ao respetivo custo, e nunca superior a € 58.723,04.
xiii. Perante esta decisão veia a aqui Recorrente a interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe veio a dar a plena razão, absolvendo-a do pedido, e assim corrigindo integralmente a anterior sentença.
xiv. Nunca foi objeto de discussão se uma piscina indicado nos autos podia ou não ser mandada retirar do terreno propriedade da aqui Recorrente, nunca foi feita qualquer prova, sem foi tal um quesito objeto do despacho saneador.
xv. Perante o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não conhecia a Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, face a recurso interposto pela parte contrária e Autora nos autos, não se ativesse ao princípio processual de respeitar o alegado pelas partes e pelos factos fixados pelo tribunal recorrido.
xvi. Vindo a inovar, quando conclui que a dita piscina está incorporada no solo, não podendo ser retirada, e por isso também conclui pela condenação da aqui Recorrente no pagamento de quantia até ao limite máximo de 10.000,00 euros.
xvii. Matéria nunca discutida nas outras instâncias, e fundamentada, imagine-se, numa fotografia com imagem parcial da mencionada piscina.
xviii. Não se pode aceitar que o Direito tenha tamanha insegurança, violando a norma legal, e colocando em causa a constitucionalidade das normas já aqui indicadas, e em requerimento de recurso e respetiva reclamação por não admissão, e também invocadas no pedido de Aclaração.
xix. Cabe ao Tribunal Constitucional zelar pela legalidade do Estado de Direito, e pelo cumprimento das suas normas, sejam elas adjetivas ou substantivas.
xx. A verdade é que não podia a Recorrente vir invocar qualquer inconstitucionalidade ou violação da norma legal adjetiva antes de conhecer a inovação do conteúdo do sábio Acórdão e respetiva Aclaração do Supremo Tribunal de Justiça.
xxi. A Recorrente havia conhecido uma sentença onde tal questão não se aplicava, como entendendo não poder a invocada piscina ser retirada do terreno propriedade daquela, bem como um acórdão que lhe dava ganho total e absolvição do pedido.
xxii. A Recorrente não conhecia, face ao anterior, que o sábio acórdão do STJ podia violar a norma adjetiva, aliás imperativa, e assim, aí sim, colocar em causa a inconstitucionalidade da norma, ou a sua ilegalidade por violação.
xxiii. Pelo que contrário ao que o douto parecer do Ministério Público pretende fazer crer, não tinha a Recorrente o poder de adivinhação que lhe permitisse antes invocar qualquer inconstitucionalidade ou violação de normas, perante uma aplicação ilegal dessas normas adjetivas, violando assim o espirito constitucional.
xxiv. A Recorrente demonstrou claramente estar perante uma decisão surpresa, aliás inimaginável, face às fases anteriores do processo e suas consequências processuais, e por isso não poderia invocar qualquer inconstitucionalidade ou violação por aplicação ilegal da norma adjetiva, antes de ter conhecimento do sábio Acórdão do STJ, e da sua Aclaração, ainda que aqui, ao requerê-la, já o tenha invocado (ver artigo xxi do respetivo requerimento).
xxv. Aliás, salvo o devido respeito, o pedido de Aclaração mais não é do que a procura de entendimento do Acórdão do STJ, e não qualquer requerimento de onde, para além de se suscitar o que não foi entendido, também se suscitasse quaisquer outras questões.
xxvi. Mas ainda assim, como demonstrado, já aí se suscitava já a violação e aplicação ilegal das normas mencionadas.
xxvii. Pelo que, salvo o devido respeito, que é muito, não colhe qualquer dos argumentos utilizados no douto parecer do Ministério Público, porque:
Foi indicada a norma que se quer ver apreciada, e a sua aplicação ilegal que se faz nos presentes autos no sábio Acórdão do STJ, no que diz respeito aos artigos 659° n.º 3, 729° n.º 1 e 2 e 722° n.º 3 do CPC.
Não poderia a Recorrente invocar antes a inconstitucionalidade e a ilegalidade por aplicação das normas em causa, por só ter conhecimento dessa aplicação em sede de Acórdão do STJ, e respetiva Aclaração.
Sendo que mesmo assim invocou a Recorrente essa violação já no respetivo requerimento pedido de Aclaração do sábio Acórdão do STJ.
xxviii. A recorrente entende que lhe assiste plena razão, devendo ser admitido o recurso por devidamente fundamentada quanto à norma emanada da LTC.
xxix. Quanto à substância da sua razão, não pode a recorrente deixar de invocar o voto vencido da Exma. Senhora Conselheira-Relatora do Acórdão do STJ, que assim entendeu existir também essa violação das normas mencionadas.
xxx. Finalmente se dirá que a recorrente veio invocar no seu recurso, normas cuja ilegalidade suscitou, logo que lhe foi possível, e conhecedora dessa violação em termos processuais, tendo por isso mencionado como seu fundamento, a alínea f) do artigo 70º da LTC.
Nestes termos, deve manter-se o requerido anterior, procedendo a Reclamação apresentada, nos seus precisos termos até final.».
Cabe apreciar e decidir nos termos do n.º 3 do artigo 77.º da LTC.
II – Fundamentação
10. A ora reclamante reclama para a conferência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça por discordar do decidido quanto à inadmissibilidade do recurso interposto para este Tribunal.
10.1 A ora reclamante interpõe recurso para este Tribunal com fundamento nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
10.2 A ora reclamante discorda da decisão que não admitiu o recurso para este Tribunal com fundamento no facto de a reclamante em nenhum momento durante o processo ter sustentado a inconstitucionalidade das normas indicadas no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal (cfr. ii e vii) – os artigos 659.º, n.º 3, 729.º, n.º 1 e 2, e 722.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (CPC) – por entender que o «Acórdão de recurso de revista, foi de todo inesperado e imprevisto, não sendo exigível que a agora Recorrente antevisse a possibilidade da interpretação e aplicação das normas referidas de modo a impor-lhe o ónus de alegar a inconstitucionalidade antes da respectiva decisão.», pelo que «só em sede de Aclaração podia vir a mencionar o que entendia ser a violação dos artigos 659º n.º 3, 729º n.º 1 e 2 e 723º n.º 3 do CPC, como o fez» (cfr. fls. 756 e 757, vii e xi).
10.3 E a ora reclamante discorda ainda da decisão que não admitiu o recurso para este Tribunal por entender que «invoca normas cuja ilegalidade suscitou quanto à sua aplicação, ainda que só no momento que lhe estava disponível, em termos processuais (alínea f) do artigo 70º da LTC).» «E se até se podia aceitar por lapso a indicação da alínea b) do artigo 70º da LTC, o que não necessariamente se possa concluir sem mais, ainda assim está suficiente, e bem definido o objecto do recurso, quando se indica a já mencionada alínea f) desse mesmo artigo» (cfr. fls. 759, xiv e xv).
10.4 E a ora reclamante, notificada quanto à possibilidade de não admissão do recurso por ausência de critério normativo, pelo Acórdão n.º 499/2012, de 24 de outubro, entende que a questão de inconstitucionalidade e de legalidade foi por si suscitada no pedido de aclaração do Acórdão do STJ, no qual alega invocar «a violação dos artigos 659.º, n.º 3, do CPC, e bem assim 729.º, n.º 1 do mesmo Diploma» (cfr. iv e v, fls. 787), o que reitera no ponto xxvii da sua resposta (a) a c), cfr. fls. 793).
11. Não assiste razão à reclamante.
12. A ora reclamante pretende recorrer para este Tribunal ao abrigo das alíneas b) e f) do artigo 70.º da LTC.
12.1 O artigo 70.º, n.º 1, da LTC prevê que cabe recurso para este Tribunal, em secção, das decisões dos tribunais:
«(…) b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;
e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto de uma região autónoma;
(…) f) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e); (…).
12.2 Significa isto que o sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objecto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com carácter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.
12.3 Sucede que, no caso, o que a reclamante pretende é recorrer da decisão judicial em si mesma considerada, não tendo identificado, como se impunha, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa ou «critério normativo» passível de ser objecto do recurso de constitucionalidade.
A fiscalização da constitucionalidade e da legalidade da competência deste Tribunal incide sobre normas ou critérios normativos e não sobre decisões, incluindo decisões judiciais. Como se afirma no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):
«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».
12.4 Pelo que o recurso para este Tribunal não pode ser admitido por ausência de critério normativo.
13. Acresce que à ora reclamante também não assiste razão ao discordar quanto ao fundamento da não admissão de recurso para este Tribunal por entender que «invoca normas cuja ilegalidade suscitou quanto à sua aplicação, ainda que só no momento que lhe estava disponível, em termos processuais (alínea f) do artigo 70.º da LTC)» (cfr. fls. 759, xiv).
13.1 Com efeito, ainda que assim fosse, o recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, de decisões dos tribunais que, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC «(…) apliquem norma cuja ilegalidade tenha sido suscitada durante o processo com quaisquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)» do referido n.º 1, implica que se trata de ilegalidade de norma constante de ato legislativo por violação de lei com valor reforçado, de norma constante de diploma regional por violação do estatuto da região autónoma ou de ilegalidade de norma emanada de um órgão de soberania, por violação do estatuto de uma região autónoma (respetivamente, alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).
13.2 Ora o disposto nas alíneas c) a e), quanto ao fundamento nelas previsto, não tem aplicação no caso em apreço.
14. Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.
III – Decisão
15. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.