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Processo nº 481/00 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por P..., S.A., sendo recorrido o Ministério Público, foi proferido acórdão, em 7 de Dezembro de 2001 – acórdão nº 547/2001
–, no qual se decidiu julgar inconstitucional, por violação do princípio da legalidade da sanção, decorrente dos nºs. 1 e 3 do artigo 29º e do nº 1 do artigo 30º da Constituição, aplicável ao direito de mera ordenação social, a norma do nº 4 do artigo 670º (em conjugação com o corpo do preceito) do Código do Mercado de Valores Mobiliários, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº
142-A/91, de 10 de Abril, em consequência do que se concedeu provimento ao recurso, devendo o acórdão recorrido ser reformado em conformidade com esse juízo de inconstitucionalidade.
Notificado, o magistrado recorrido interpôs recurso para o plenário, nos termos do artigo 79º-D da citada Lei nº 28/82.
Em seu entender, gerou-se um conflito jurisprudencial justificativo desta iniciativa, uma vez que o acórdão nº 574/95, de 18 de Outubro de 1995, pronunciou-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante daquele artigo 670º.
Sendo, na opinião da entidade requerente, normativamente irrelevante, do ponto de vista jurídico-constitucional, o tipo da concreta contra-ordenação cometida pelos arguidos, num e noutro processo, o certo é que os dois arestos pronunciaram-se, em termos essenciais e contraditórios, sobre a mesma norma sancionatória, a constante do corpo do referido artigo 670º, onde reside o estabelecimento dos limites abstractos da coima aplicável às contra-ordenações em causa, cuja desproporção implica violação dos princípios constitucionais, como o Tribunal verificou no mais recente dos acórdãos citados.
E, com efeito, no acórdão nº 574/95 (junto por cópia aos autos), negou-se provimento ao recurso ao julgar-se não inconstitucional a norma do nº 15º do citado artigo 670º.
2. - O ora relator lavrou nos autos despacho, aos 21 de Dezembro de 2001, não admitindo o recurso.
Entendeu-se, então, não se verificarem os pressupostos do tipo de recurso em causa por não se estar em face da mesma norma.
A este propósito, escreveu-se:
“O artigo 79º-D da Lei do Tribunal Constitucional prevê, no seu nº 1, recurso para o plenário deste Tribunal se por este for julgada a questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade “em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções”, recurso esse que
é obrigatório para o Ministério Público quando intervenha no processo como recorrente ou, como é o caso, como recorrido.
É, por conseguinte, inquestionável a legitimidade do Ministério Público, no caso em análise, não obstante a mesma ser discutível noutras situações, maioritariamente decididas em sentido negativo (caso, v.g., do acórdão nº 57/99 e 198/99, inéditos). Resta saber se há fundamento para o recurso, o qual há-de ser constituído por duas decisões contraditórias das secções no julgamento de uma questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de uma dada norma jurídica (como se ponderou no acórdão nº 729/95, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Maio de 1996). Ora, é certo que ambos os arestos apoiam-se, em parte, no corpo normativo preambular que define a medida sancionatória: “Constituem contra-ordenações puníveis com coima de 500.000$00 a 300.000.000$00 as infracções definidas nos números seguintes, quer resultem da violação de regulamentos emanados do Ministro das Finanças ou da C.M.V.M. em cumprimento ou para execução desses mesmos preceitos: ...” No entanto, com base nestes limites abstractos das coimas, a lei prevê tipificações distintas, como é o caso do nº 4 do artigo, apreciado em conjugação com aquela primeira parte e objecto do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão nº 547/2001, ou o do convocado acórdão nº 574/95, cujo objecto incidiu sobre o nº 15 do mesmo artigo 670º, recaindo sobre outra conduta aí tipificada. Ou seja, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, não se desenha uma situação integradora da previsão do artigo 79º-D: não se está perante a mesma norma, objecto de decisões do Tribunal Constitucional tomadas em sentido divergente. Não estando em causa a generalidade e a abstracção caracterizadoras da norma jurídica, em sentido material entendida, nem tão pouco o conceito formal e funcional que o Tribunal tem considerado para aqueles efeitos, constata-se a presença de duas conceituações normativas distintas, de conteúdos (parcialmente) diversos, pese, embora, a norma sancionatória (comum) constante do corpo do artigo 670º, pelo que, contrariamente ao defendido pelo Ministério Público, entende-se não se congregarem os pressupostos do recurso previsto no artigo
79º-D da Lei nº 28/82.”
3. - Notificado, vem agora o representante do Ministério Público junto deste Tribunal reclamar para o Plenário daquele despacho.
Na tese que professa, considera-se existir identidade normativa entre as situações apreciadas pelos acórdãos recorrido e fundamento, pelo que o recurso deve ser admitido.
Com efeito, observa, a norma sobre que incidiram os julgamentos contraditórios é, no plano jurídico-constitucional, constituída pelo segmento integrado pelo corpo do preceito legal em causa, o artigo 670º da CMVM, e foi sobre esse segmento que incidiram os julgamentos contraditórios.
Ora, defende, esse segmento normativo é rigorosamente comum a todas as infracções tipificadas no artigo 670º, “já que a sanção nele estatuída é aplicável qualquer que seja o tipo preenchido”, tornando-se, assim, irrelevante que num dos processos esteja em causa a infracção constante do nº 4 do preceito e noutro a tipificada no nº 15.
Para o magistrado recorrente, “a estatuição sancionatória constante do corpo do artigo (e que constitui a norma a apreciar pelo Tribunal Constitucional, sub specie constitutionis, no presente recurso) é rigorosamente idêntica e comum, funcionando do mesmo modo qualquer que tenha sido o tipo concretamente preenchido”.
4. - Se é verdade que o corpo do artigo 670º estabelece os limites da estatuição sancionatória para as contra-ordenações previstas nos seus vários números, não é menos certo que, complementando essa parte, nestes se descrevem tipificações – ou, se se preferir, regras de conduta – as mais diversificadas, que nem por isso devem deixar de se considerarem, atentas a generalidade e a abstracção que lhes estão subjacentes, como outras tantas normas, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade.
À luz destes parâmetros de sindicabilidade e da teleologia do sistema, considera-se não procederem, salvo o devido respeito, as considerações avançadas pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto na sua reclamação para o Plenário do Tribunal Constitucional.
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir o requerido, mantendo-se o despacho reclamado, que não admitiu o recurso para o Plenário, previsto no nº 1 do artigo 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Lisboa,5 de Fevereiro de 2002- Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Artur Maurício Guilherme da Fonseca Maria Helena rito Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa