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Processo nº 761/01 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - O Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores requereu, nos termos do nº 2 do artigo 278º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 57º e seguintes da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização preventiva da constitucionalidade da norma do artigo 13º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional nº 28/2001, sobre o “Regime Jurídico da Atribuição do Acréscimo Regional ao Salário Mínimo, do Complemento Regional de Pensão e da Remuneração Complementar Regional”.
O mencionado diploma, aprovado pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores em 14 de Novembro de 2001, foi enviado ao Gabinete do Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, onde deu entrada no dia 27 do mesmo mês, sendo o requerimento com o pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade recebido no Tribunal Constitucional, no dia 4 de Dezembro seguinte.
Considera a entidade requerente que a citada norma do artigo 13º viola o disposto no nº 6 do artigo 112º da Constituição da República.
2. - A norma em sindicância integra-se em diploma que se propõe fixar o aludido “regime jurídico”.
Consoante se lê da respectiva nota preambular, no ano
2000, os Decretos Legislativos Regionais nºs. 1/2000/A, 2/2000/A e 3/2000/A, todos de 12 de Janeiro, criaram na Região Autónoma, os regimes jurídicos da atribuição do acréscimo regional ao salário mínimo no valor de 5%, ao complemento regional de pensão e à remuneração complementar regional, a conceder, respectivamente, aos trabalhadores por conta de outrem, aos pensionistas e aos agentes da administração regional e local, com rendimentos inferiores aos estabelecidos como valor de incidência do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), não beneficiando, como tal, do desagravamento fiscal instituído pelo Decreto Legislativo Regional nº 2/99/A, de
20 de Janeiro.
Procura-se, com essa iniciativa legislativa, por um lado, “atenuar a diferença do nível do custo de vida nos Açores em relação ao continente, designadamente os derivados do custo da insularidade, e, por outro lado, diminuir as desigualdades resultantes do baixo valor das remunerações ou pensões auferidas por uma faixa de população residente nos Açores, traduzindo-se numa medida de justiça social”.
Verificou-se, na verdade, decorrido mais de um ano após a entrada em vigor daqueles três diplomas legais, ser necessário proceder “a uma significativa alteração de alguns dos normativos referentes ao complemento regional de pensão e remuneração complementar regional, por forma a contemplar as lacunas e as dúvidas suscitadas pela implementação daqueles regimes”, o que veio, em parte e para 2001, a ter lugar nos termos do artigo 16º do Decreto Legislativo Regional nº 8/2001/A, de 21 de Maio, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma dos Açores para 2001.
O novo texto, agora aprovado, propõe-se condensar, num só, aqueles três decretos legislativos, “conferindo-lhe(s) a estabilidade jurídica que a sua actual inclusão no decreto do orçamento lhe(s) retirava, e a sua comum natureza de solução para a compensação dos custos da insularidade recomenda[v]a”.
E nele se introduz uma “nova regra de garantia para as actualizações anuais do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional”.
O expediente técnico assim encontrado consubstancia o questionado artigo 13º (no qual a referência a um nº 1 se deve atribuir a lapso), integrado no Capítulo V – Disposições Fiscais – sob a epígrafe
“Actualização de montantes”, do seguinte teor:
“Os montantes do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional a que se referem o nº 1 do artigo 6º [o complemento regional de pensão
é de 6.400$00 (31,92 euros)] e o nº 1 do artigo 11º [o montante mensal da remuneração complementar regional é de 9.100$00 (45,39 euros)], do presente diploma, respectivamente, são actualizados anualmente mediante resolução do Conselho do Governo Regional, com efeitos a 1 de Janeiro de cada ano, tendo em conta, designadamente, os valores previstos para a inflação, não podendo, no entanto, aquelas actualizações ser[em] inferiores ao aumento percentual que vier a ser fixado para o índice 100 da escala remuneratória do regime geral da função pública.”
3. - É esta a norma que, na tese professada pelo Ministro da República para a Região Autónoma dos Açores, padece de inconstitucionalidade, por violação do disposto no nº 6 do artigo 112º da Constituição, no segmento normativo em que esta disposição impede que a lei confira a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, modificar qualquer dos seus preceitos.
E, aduzem-se, a este respeito, os seguintes fundamentos, que se passam a descrever, sintetizadamente:
a) o aludido normativo permite a modificação de dois preceitos integrantes do diploma – (futuro) decreto legislativo regional – por meio de um acto jurídico-público que não reveste natureza legislativa:
a-1) seja porque, no sistema constitucional de repartição de competências entre os órgãos de governo próprio da Região, o Governo Regional não dispõe de poder legislativo (nº 1 do artigo 232º da Constituição);
a-2) seja na medida em que, independentemente da natureza das resoluções do Governo Regional – as quais podem assumir em geral, a natureza de actos regulamentares (não independentes), mas também de actos políticos ou de simples actos administrativos –, a Constituição enumera taxativamente as categorias de actos legislativos que admite, reconduzindo estes
às leis, decretos-leis e aos decretos legislativos regionais (nº 1 do artigo
112º);
b) a proibição dos regulamentos delegados – ou seja, aqueles em que a lei delega a possibilidade de revogação dessa ou de outra lei
–, doutrinariamente defendida, mais do que um limite ao poder regulamentar, constitui um limite ao próprio poder legislativo: a actual norma do nº 6 do artigo 112º (correspondente à do nº 5 do artigo 115º, na redacção anterior à IV Revisão Constitucional) proíbe os diplomas legislativos de autorizarem a sua revogação, modificação, interpretação ou integração ou de suspenderem a sua eficácia através de acto não legislativo, designadamente por via de regulamento, sob pena de incorrerem no vício de inconstitucionalidade material (para utilizar o discurso do acórdão deste Tribunal nº 389/89, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Setembro de 1989, por sua vez suportado em jurisprudência constitucional antecedente);
c) ao autorizar-se o Conselho do Governo Regional a modificar dois preceitos de um decreto legislativo regional, de modo a alterar os quantitativos aí estabelecidos, não se está a proceder a uma tarefa de execução ou de complementação da lei. Nem se deslegalizam os montantes em referência, uma vez que “não se determina o abaixamento do grau hierárquico do disposto no nº 1 do artigo 6º e no nº 1 do artigo 11º, qualificando as normas neles contidas como regulamentares”; nem tão pouco se procede a um reenvio normativo, porque, se assim fosse, o referido artigo 13º teria de limitar-se a remeter para a Administração a emanação de regulamentos executivos ou complementares relativamente à disciplina fixada pela própria lei em que se insere e a verdade é que ele “eleva a resolução do Conselho do Governo Regional
à força e à função de lei”;
d) na verdade, para a entidade requerente, a intervenção do Conselho “revela o exercício de uma liberdade de conformação e uma dimensão política próprias da função legislativa”:
d-1) concede-se ao Executivo uma margem de decisão tal que de nenhum modo se pode dizer ser automática a actualização prevista ou corresponder ao exercício de um poder vinculado, como seria próprio de um regulamento de execução;
d-2) ao mandar ter em conta os valores previstos para a inflação, o alcance do preceito só significa que o valor de actualização não pode dissociar-se completamente dos valores previstos para a taxa de inflação mas não obriga à fixação de uma percentagem de actualização dos montantes em causa coincidente com esses valores, “antes permitindo que os montantes do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional sejam actualizados acima ou abaixo da inflação prevista”;
d-3) de resto, o Conselho pode recorrer a outros critérios de actualização, sejam eles critérios de natureza financeira, política ou outra, como o emprego do vocábulo designadamente legitima concluir;
d-4) enfim, “o limite fixado na última parte do preceito
– no qual se impedem actualizações inferiores ao aumento percentual fixado para o índice 100 da escala remuneratória do regime geral da função pública –, constitui apenas um limite mínimo, nada impedindo o Conselho do Governo Regional de fixar valores sensivelmente mais elevados do que os previstos para a actualização do valor correspondente ao índice 100 ou do que os previstos para a inflação”.
4. - O Presidente do Tribunal Constitucional ordenou, por despacho de 4 do corrente, a notificação do Presidente da Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma dos Açores, nos termos e para os efeitos dos artigos
54º a 56º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre decidir.
II
1. - O nº 6 do artigo 112º da Constituição dispõe que
“[n]enhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”.
O preceito, sem equivalente no texto originário da Constituição, corresponde ao nº 5 do artigo 115º, introduzido com a Revisão Constitucional aprovada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, que o integrou nos princípios gerais da parte do texto dedicado à organização do poder político.
Ter-se-á pretendido, por esta via, não só dar satisfação
à necessidade então experimentada de introduzir uma melhoria de sistematização da matéria (como observam, em anotação, António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas, in Constituição da República Portuguesa. Textos e comentários à Lei nº 1/82, Lisboa, s/d pág. 117), como , em síntese, resolver, no sentido da proibição, a questão frequentemente suscitada à data e muito controversa, relativa à interpretação da lei (em sentido lato entendida) mediante actos normativos não legislativos, tais como os regulamentos.
Experimentava-se, então, no entendimento seguido por vários parlamentares, a necessidade de, com a introdução da regra incorporada no nº 5, estabelecer um critério preciso e equilibrado que, nomeadamente, acudisse
às exigências de preservação da defesa da própria autoridade do Estado e da autoridade do direito (como, por exemplo, decorre das intervenções dos Deputados Jorge Miranda, Luís Nunes de Almeida, Margarida Salema e Sousa Tavares, publicados no Diário da Assembleia da República, II Série, Suplemento ao nº 19, de 25 de Novembro de 1981).
2. - Com o nº 5 do artigo 115º da Constituição veio, nomeadamente, firmar-se o princípio da tipicidade dos actos legislativos, com a consequente “proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor da lei” (nestes termos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 510) e, bem assim, a consagração do sentido de que as leis não podem autorizar que as suas próprias interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação sejam levadas a efeito por outro acto que não seja uma outra lei.
E, na verdade, por mais árdua que possa ser a densificação semântica do preceito, tem-se por certo que, em primeira linha, visou-se evitar que a lei confira a actos não legislativos o poder de, com eficácia externa, a interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar, no seu todo ou em algumas das suas partes.
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado amiudadamente sobre a norma constitucional em causa, com soluções nem sempre coincidentes uma vez que essencialmente dependentes dos mais diversos circunstancialismos concretos.
Pôde a entidade requerente citar alguns desses arestos que, por inegável pertinência, aqui se citarão. Assim, os acórdãos nºs. 203/86,
354/86, 19/87, 1/92 e 262/97, respeitantes a regulamentos interpretativos
(publicados no Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, 11 de Abril de 1987, 31 de Março de 1987, I Série-A, de 20 de Fevereiro de 1992 e 1 de Julho de 1997, respectivamente); os acórdãos nºs. 303/85, 34/86, 389/89 e
869/96, sobre regulamentos modificativos, publicados no Diário citado, II Série, de 10 de Abril de 1986, 13 de Maio de 1986, 13 de Setembro de 1989, e I Série-A, de 3 de Setembro de 1996, respectivamente; o acórdão nº 189/85, sobre regulamentos suspensivos, no mesmo Diário, I Série, de 31 de Dezembro de 1985; os acórdãos nºs. 458/93 e 743/96 (Diário da República, I Série-A, de 17 de Setembro de 1993 e de 18 de Julho de 1996, respectivamente), que se referem a actos de natureza não regulamentar, como sejam os actos regimentais e os actos jurisdicionais (“assentos”); os acórdãos nºs. 308/94, 224/95 e 194/99, incidentes sobre a não aplicação do nº 5 do artigo 115º e do novo nº 6 do artigo
112º às relações entre actos regulamentares (publicados no mesmo jornal oficial, II Série, de 29 de Agosto de 1994, 28 de Junho de 1995 e 6 de Agosto de 1999, respectivamente).
Da leitura destes lugares jurisdicionais – que, entre outros, se citam – retira-se uma constante doutrinária, a que interdita uma lei que permita a sua própria alteração por acto sem natureza legislativa, sob pena de ser materialmente inconstitucional, como se condensou no citado acórdão nº
303/85.
A norma constitucional, por conseguinte, dirige-se ao conteúdo do acto legislativo e não à competência e forma dos actos normativos, ou seja, proíbe os diplomas legislativos de autorizarem a sua revogação, modificação, interpretação, integração ou de suspenderem a sua eficácia através de acto não legislativo, designadamente por via de regulamento (como se frizou no acórdão nº 389/89), sob pena de incorrerem no vício de inconstitucionalidade material.
3. - Os Decretos Legislativos Regionais nºs. 1/2000/A,
2/2000/A e 3/2000/A, todos de 12 de Janeiro, foram votados pela Assembleia Legislativa Regional dos Açores sob expressa invocação do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 227º da Constituição da República e da alínea c) do nº 1 do artigo 31º do Estatuto Político-Administrativo da Região (na redacção aprovada pela Lei nº 61/98, de 27 de Agosto), ou seja, no âmbito dos poderes legislativos desse órgão de governo próprio da Região.
Como já se deixou consignado, intentou-se, por essa via, reduzir os custos da insularidade, seja mediante a introdução de um acréscimo ao salário mínimo nacional, de modo a não penalizar tão profundamente os trabalhadores que auferem menores salários – e assim se fazendo justiça remuneratória –, seja beneficiando, com a criação de um complemento mensal de pensão, os cidadãos pensionistas e reformados com residência permanente no território da Região, desse modo desagravando as desigualdades provenientes da diferenciação de nível de custo de vida em relação ao Continente, seja, finalmente, mediante a consagração de um mecanismo remuneratório complementar, dotado de similar finalidade, de modo a abranger um determinado universo de destinatários vinculados à Administração Pública, regional e local, da Região Autónoma.
Assim é que, pelo primeiro dos diplomas em referência – o Decreto Legislativo Regional nº 1/2000/A – se estabeleceu um acréscimo de 5% aos valores da remuneração mínima mensal garantida, fixados por lei geral da República, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2000 (tal como os demais diplomas), aplicável quer aos trabalhadores do serviço doméstico quer aos dos restantes sectores, como dispõem os artigos 1º e 2º do texto.
Por sua vez, através do segundo dos diplomas citados – o Decreto Legislativo Regional nº 2/2000/A – os aposentados da função pública, reformados por velhice ou invalidez e os que aufiram pensão social (cfr. o seu artigo 6º), passam a beneficiar, face à penalização por eles suportada tendo em conta as desigualdades oriundas das diferenças de nível de custo de vida relativamente ao Continente, de um complemento mensal de pensão, de acordo com o seu artigo 1º, de montante atribuído e determinado em conformidade com o estatuído nos artigos 2º e 3º, aplicando-se-lhes a actualização do índice 100 da escala das carreiras do regime geral da função pública (artigo 4º).
Mediante o terceiro dos diplomas referidos – o Decreto Legislativo Regional nº 3/2000/A – criou-se, por seu turno, uma remuneração complementar, de que passaram a beneficiar, de acordo com os seus artigos 1º a
4º, os funcionários, agentes e contratados a prazo, da Administração pública regional e local da Região, cuja retribuição seja igual ou inferior à do índice
380 (das carreiras do regime geral), introduzindo-se, assim, um meio de desagravamento fiscal de etiologia semelhante: de modo “a assegurar a melhoria das condições de vida dos residentes nos Açores e, ao mesmo tempo, promover maior competitividade e a criação de emprego das empresas, fazendo baixar os custos da insularidade”.
Posteriormente, e no tocante aos dois últimos diplomas, o Decreto Legislativo Regional nº 8/2001/A, de 21 de Maio, que aprovou o Orçamento para a Região Autónoma dos Açores relativo ao ano de 2001, veio actualizar, para esse ano, no nº 1 do seu artigo 16º, os montantes do complemento mensal de pensão e da remuneração complementar em 6,5%, sendo arredondados para a centena de escudos imediatamente superior, do mesmo passo que o nº 2 do mesmo preceito alterou o disposto nos artigos 1º, 2º, 3º, 5º e 7º do Decreto Legislativo Regional nº 2/2000/A – alargando, nomeadamente, o universo dos respectivos destinatários e o montante do complemento de pensão –, introduzindo o nº 3 modificações no texto do Decreto Legislativo Regional nº
3/2000/A, relativas, essencialmente, à correspondente base de incidência, ao elenco dos beneficiários e à determinação do montante da remuneração complementar.
4. - Com a iniciativa legislativa ora posta, parcialmente, em causa, pretendeu-se, como já houve oportunidade de aludir, criar um novo “regime jurídico”, não apenas valorizado com as melhorias técnicas que a execução prática dos diplomas entretanto sugeriram, mas igualmente apto a permitir uma desejável condensação num só diploma do disposto nos três decretos legislativos regionais, assim o recomendando a estabilidade jurídica desejável e “a comum natureza de solução para a compensação dos custos da insularidade”.
Simultaneamente, intentou-se introduzir, assentes essas comuns premissas, “uma nova regra de garantia para as actualizações anuais do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional”.
Como se deixou dito, este objectivo do legislador encontra-se materializado no controvertido artigo 13º.
Mediante o mecanismo aqui previsto, as actualizações anuais do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional passam a depender de resolução do Conselho do Governo Regional, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de cada ano.
Segundo o mesmo preceito, esse Conselho fixará as actualizações anuais daqueles montantes, tendo em conta, designadamente, os valores previstos para a inflação, sendo certo que, de qualquer modo, não podem as actualizações “ser inferiores ao aumento percentual que vier a ser fixado para o índice 100 da escala remuneratória do regime geral da função pública”.
5. - É neste módulo que reside a dúvida, de matriz jurídico-constituicional, equacionada pelo Ministro da República.
Será compatível com os parâmetros de constitucionalidade
– maxime com o disposto no nº 6 do artigo 112º da Lei Fundamental – a intervenção prevista na norma em causa do Conselho do Governo Regional, intervenção essa que, na tese da entidade requerente, revela o exercício de uma liberdade de conformação e uma dimensão política próprias de função legislativa?
III
O Ministro da República considera que, com o Decreto nº
28/2001, não se verifica propriamente uma deslegalização dos montantes do complemento regional de pensão e da remuneração complementar regional, uma vez que não se determina o abaixamento do grau hierárquico do disposto no nº 1 do artigo 6º e no nº 1 do artigo 11º, de modo a qualificarem-se como regulamentares as normas nele contidas. Pelo contrário, o disposto no artigo 13º do Decreto é que elevaria a resolução do Conselho do Governo Regional “à força e à função de lei”.
Com a deslegalização há como que uma degradação da matéria regulada por lei, que se dispensa de intervir na regulamentação respectiva, “rebaixando formalmente o grau normativo”.
Mas, após a Revisão de 1982, o texto constitucional não permite que, sempre que o legislador discipline certo domínio da vida, a própria lei “se rebaixe”, de modo a determinar que a matéria sobre a qual incide possa ser ulteriormente regulada, diferentemente, por um acto normativo de dignidade formal inferior, como, designadamente, regulamentos do Executivo. Uma lei assim implicaria não só um abaixamento de grau hierárquico mas, indo mais além, comportaria uma função autorizante, permitindo ao poder regulamentar intervir na disciplina material que ela própria tinha assumido.
Pois bem, o artigo 13º, nesta perspectiva, configura um expediente técnico, encontrado pelo legislador regional, para obter, com inegável economia de processos, a actualização periódica (anual) dos montantes em referência, bastando-se com uma resolução a emitir por um órgão previsto no Estatuto Político-Administrativo da Região, a quem se concede larga margem decisória: atenderá, entre outros factores de ponderação que entenda dever utilizar, aos valores previstos para a inflação, com a limitação decorrente da parte final do preceito, segundo a qual terá de considerar um limite mínimo, o de as actualizações não poderem ser inferiores ao aumento percentual que vier a ser fixado para o índice 100 da escala remuneratória do regime geral da função pública.
No entanto, esta heterovinculação do Conselho fica-se por aqui: nada impede que ele tome igualmente em conta outros valores, sejam de natureza financeira, social e política ou outra – e não será despiciendo ter em conta a inserção sistemática desse Conselho na orgânica do poder político regional –, podendo, inclusivamente, fixar valores abaixo ou acima do índice de inflação previsto (apenas terá de o sopesar), sujeitando-se, tão só, quanto aos mínimos, à limitação referida, não se encontrando objectivados factores de fixação dos máximos, que bem podem flutuar ao sabor de critérios de oportunidade de vária natureza.
Ora, na medida em que a norma em sindicância não é meramente executiva, uma vez que é ela que prevê a fixação periódica dos limites máximos dos montantes das actualizações dos complementos regionais de pensão e das remunerações complementares regionais, assim fazendo parte da disciplina central da matéria, viola o disposto no nº 6 do artigo 112º da Constituição da República.
IV
Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 13º do Decreto da Assembleia Legislativa Regional dos Açores nº 28/2001, sobre o “Regime Jurídico da Atribuição do Acréscimo Regional ao Salário Mínimo, do Complemento Regional de Pensão e da Remuneração Complementar Regional”, aprovado por aquele órgão, em 14 de Novembro de 2001, para ser assinado como decreto legislativo regional, por violação do disposto no nº 6 do artigo 112º da Constituição da República, no segmento normativo em que esta disposição impede que a lei confira a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, modificar qualquer dos seus preceitos.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2001 Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José Manuel Cardoso da Costa ( votei naturalmente o acórdão, na base da interpretação “declarativa”, que nele se acolhe, da norma sindicada. Mas fica-me, em todo o caso, a dúvida de saber se a mesma norma não poderia ser objecto de uma interpretação mais estrita e restrita, tal que só habilitava o Governo Regional a uma simples “actualização monetária” do valor das prestações em causa).