 Imprimir acórdão
 Imprimir acórdão   
			
Processo nº 1136/2006.
 Plenário.
 Relator: Conselheiro Bravo Serra 
 
                                                                         
 
  
 I
 
  
 
                 1. Em 21 de Dezembro de 2006 um grupo de quarenta e oito 
 Deputados à Assembleia da República em efectividade de funções pertencentes ao 
 Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata veio deduzir perante este 
 Tribunal, ao abrigo dos números 4 e 6 do artigo 278º da Constituição, pedido de 
 fiscalização abstracta preventiva da constitucionalidade das seguintes normas 
 constantes dos, também seguintes, preceitos do Decreto da Assembleia da 
 República nº 94/X, diploma que, revestindo a forma de lei orgânica, aprovou a 
 Lei das Finanças das Regiões Autónomas e revogou a Lei Orgânica nº 13/98, de 24 
 de Fevereiro, diploma esse aprovado em 30 de Novembro de 2006 e enviado para 
 promulgação do Presidente da República em 15 de Dezembro de 2006: –
 
  
 
 – “Artigo 3º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias a 
 seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da 
 prevalência hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões 
 Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na 
 conjugação dos artigos l61º, alínea b), 168º, n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 
 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da Constituição da República Portuguesa 
 
 (CRP), em consequência do desrespeito pelo disposto nos artigos 97º, n.º 2, do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA) e 105º, 
 n.º 2, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira 
 
 (EPARAM), e ainda por violar o princípio contido no artigo 227º, n.º 1 alínea j) 
 da CRP”;
 
  
 
 – “Artigo 7º, n.º 5, e 37º, n.ºs 2 a 7, por, contrariando as disposições 
 constitucionais e estatutárias a seguir mencionadas, violar, desde logo, o 
 princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos 
 Político-Administrativos das Regiões Autónomas em face das restantes leis, mesmo 
 as de valor reforçado, ínsito na conjugação dos artigos 161º, alínea b), 168º, 
 n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da CRP, 
 em consequência do desrespeito pelo disposto no artigo 118º, n.º 2, do EPARAM, e 
 ainda por violar o princípio contido no artigo 227º, n.º 1 alínea j) da CRP”;
 
  
 
 – “ Artigo 35º, por, contrariando as disposições constitucionais e estatutárias 
 a seguir mencionadas, violar, desde logo, o princípio constitucional da 
 prevalência hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões 
 Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na 
 conjugação dos artigos 161º, alínea b), 168º, n.º 6 alínea f), 226º, 280º, n.º 2 
 alínea c), e 281º, n.º 1 alínea d), da CRP, em consequência do desrespeito pelo 
 disposto no artigo 117º do EPARAM, e ainda por violar o princípio contido no 
 artigo 227º, n.º1 alínea j) da CRP”;
 
  
 
 – “Artigos 19º, n.º1, 37º, n.ºs 2 a 7, 38º, n.ºs 2 e 3, e 66º, por violação do 
 princípio do Estado de Direito democrático e do princípio da confiança nele 
 
 ínsito, contidos nos artigos 2º e 9º da CRP, e do regime autonómico regional 
 previsto no artigo 6º, nº 1, da CRP”;
 
  
 
 – “Artigo 36º, por violação do princípio da solidariedade nacional previsto nos 
 artigos 225º, n.º 2, 227º, n.º1 alínea j), e 229º, n.º 1, da CRP”;
 
  
 
 – “Artigos 2º ‘in fine’ e 57º, por violação da reserva de Estatuto prevista no 
 artigo 227º, n.º1 alínea h), da CRP”;
 
  
 
 – “Artigo 62º, n.º1, por violação da competência legislativa exclusiva das 
 Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas prevista nos artigos 232º, n.º1, 
 e 227º, n.º1 alínea i), da CRP.”
 
  
 
                 Em síntese, os requerentes estribam o seu pedido nas seguintes 
 considerações: –
 
  
 
                 – os estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas 
 têm, constitucionalmente, como se extrai da alínea c) do nº 1 do artigo 280º e 
 da alínea d) do nº 1 do artigo 281º, um e outro da Lei Fundamental (ao 
 atribuírem ao Tribunal Constitucional competência para apreciar decisões dos 
 tribunais que recusem aplicação de normas constantes de diplomas emanados de 
 
 órgão de soberania com fundamento em ilegalidade por violação de estatuto de uma 
 Região Autónoma e para declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade 
 dessas normas ou de normas emanadas de órgãos regionais, com base naquela 
 violação), superioridade relativamente às restantes leis, ainda que estas 
 revistam a forma de leis de valor reforçado, pelo que tais estatutos, no plano 
 da hierarquia das leis, se sobrepõem às demais – à excepção das leis de revisão 
 constitucional –, posicionando-se, assim, entre estas e a Constituição;
 
  
 
                 – deste modo, a contraditoriedade de uma lei ordinária e um 
 estatuto de Região Autónoma constitui “uma ilegalidade e mesmo uma 
 inconstitucionalidade, pelo menos quando se trate de norma estatutária com 
 directa habilitação constitucional”, pois que isso representa uma violação do 
 
 “princípio constitucional da prevalência hierárquica dos Estatutos em face das 
 restantes leis”, razão pela qual deverá o Tribunal Constitucional conhecer do 
 vertente pedido; 
 
  
 
                 – em face do que se prescreve no nº 2 do artº 97º, no nº 2 do 
 artº 105º, no artº 117º e no nº 2 do artº 118º, todos do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), são estas 
 disposições de considerar como violadas pelos seguintes artigos do Decreto nº 
 
 94/X: –
 
  
 
 – 3º, ao não consagrar algum “princípio destinado a garantir aos órgãos de 
 governo próprio da Região os meios necessários à prossecução das suas 
 atribuições, bem como a disponibilidade dos instrumentos adequados à promoção do 
 desenvolvimento económico e social e do bem-estar e da qualidade de vida das 
 suas populações”; 
 
  
 
 – 7º, nº 5, e 37º, números 2 a 7, ao minimizarem “a obrigação de o Estado 
 suportar os custos das desigualdades derivadas da insularidade” e ao remeterem 
 
 “para a fórmula de cálculo das transferências orçamentais”, já que isso implica 
 
 ”uma diminuição das verbas a transferir por via do Orçamento do Estado” e “a 
 redução significativa das receitas de IVA, bem como do Fundo de Coesão”;
 
  
 
 – 35º, no ponto em que dele se extrai que a permissão de o Estado garantir 
 pessoalmente os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas, se converte em 
 proibição;
 
  
 
                 – a par da violação das indicadas normas do EPARAM verifica-se 
 também violação das alíneas i) e j) do nº 1 do artigo 227º da Constituição, 
 visto que da leitura do nº 3 do artigo 229º desta, desligada do demais nela 
 consagrado, não pode resultar que a matéria atinente às relações financeiras 
 entre a República e as Regiões Autónomas está excluída da matéria estatutária, 
 antes resultando da articulação daqueles preceitos que é acolhido 
 constitucionalmente o princípio de harmonia com o qual os estatutos das Regiões 
 Autónomas definem a matéria respeitante à autonomia financeira regional e, ao 
 fazê-lo, à definição aí consagrada têm de se subordinar as restantes leis, aqui 
 se incluindo as leis de finanças das Regiões Autónomas;
 
  
 
                 – e isso porque, tendo em atenção que a autonomia financeira das 
 Regiões constitui uma das mais importantes vertentes da sua autonomia, 
 integrando mesmo o núcleo fundamental do seu acervo material, a matéria a ela 
 respeitante não poderia ser amputada ou subalternizada nos estatutos, antes se 
 impondo necessariamente que aí seja conferido o respectivo tratamento, só 
 ficando a cargo da lei de finanças das Regiões Autónomas a concretização dos 
 princípios e normas definidoras da dita autonomia e no que concerne às relações 
 financeiras entre o Estado e as Regiões, lei esta que haverá de respeitar as 
 normas estatutárias;
 
  
 
                 – tendo em conta que, quando a Constituição prevê directamente a 
 regulação de certas matérias nos estatutos das Regiões Autónomas, as normas 
 destes que concretizem aquela previsão constitucional hão-de ser tidas, do ponto 
 de vista constitucional, como materialmente estatutárias, terá de entender-se 
 que da conjugação do nº 3 do artigo 229º com a alínea j) do nº 1 do artigo 227º, 
 ambos da Constituição, se extrai que foi intento do legislador constituinte 
 subordinar a lei de finanças das Regiões Autónomas às normas estatutárias que 
 regem a definição da matéria relativa à disposição das receitas fiscais cobradas 
 ou geradas naquelas Regiões, bem como a uma participação nas receitas 
 tributárias do Estado e à distribuição de outras receitas que lhes sejam 
 atribuídas;
 
  
 
                 – nesta parametrização, porque o nº 2 do artº 118º do EPARAM se 
 conforma com a Constituição, concretizando o que nesta se prescreve na alínea i) 
 do nº 1 do seu artigo 227º, os normativos das outras leis que contrariem aquele 
 nº 2 igualmente violam esta última disposição;
 
  
 
                 – os artigos 19º, nº 1, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, 
 e 66º do Decreto nº 94/X, ao restringirem de forma significativa para a Região 
 Autónoma da Madeira as receitas de IVA (com uma diferença, para 2007, 
 comparativamente com 2006, de € 3.790.000, e mesmo tendo em conta a compensação 
 prevista), as transferências orçamentais (com uma diferença, para 2007, 
 comparativamente com 2006, de € 34.000.000) e do Fundo de Coesão (com uma 
 diferença, em 2007, em relação a 2006, de cerca de 50%), e ao imporem a entrada 
 em vigor em 1 de Janeiro de 2007, vêm criar graves entorses ao regular 
 funcionamento democrático dos órgãos de governo próprio daquela Região, 
 violando, por essa forma, os princípios do Estado de direito democrático, da 
 confiança e do regime autonómico insular, previstos nos artigos 2º, 9º e 6º, nº 
 
 1, da Constituição, pois que, tendo os actuais titulares dos órgãos de governo 
 próprio da Região Autónoma da Madeira sido eleitos em Outubro de 2004 e com 
 mandato até 2008, estando vinculados aos seus programas de Governo, elaborados 
 em face do quadro jurídico então vigente, perspectivando as previsões 
 financeiras resultantes desse quadro, a mudança das regras deste constante, a 
 meio do mandato, não pode deixar de ser visualizada como ofensa dos assinalados 
 princípios, retirando a um governo regional legitimado pelo voto popular os 
 meios financeiros para fazer cumprir o seu programa;
 
  
 
                 – decorrendo dos artigos 225º, nº 1, 227º, nº 1, alínea j), e 
 
 229º, nº 1, todos da Constituição, o princípio da solidariedade nacional, e não 
 estabelecendo a Lei Fundamental qualquer limitação a tal princípio, nem 
 autorizando uma lei ordinária a derrogá-lo, o artº 36º do Decreto 94/X, ao 
 proibir que o Estado assuma as dívidas das Regiões Autónomas, viola esse mesmo 
 princípio, o qual impõe que, em função das circunstâncias de cada momento, possa 
 o Estado ponderar sobre a assunção, ou não, das indicadas dívidas;
 
  
 
                 – os artigos 2º, parte final – ao estabelecer que o âmbito de 
 aplicação da lei aprovada pelo Decreto nº 94/X abrange a matéria relativa ao 
 património regional –, e 57º – ao dispor que as Regiões Autónomas dispõem de 
 património próprio e autonomia patrimonial, nos termos da Constituição, dos 
 estatutos político-administrativos e da legislação aplicável – violam a chamada 
 reserva de estatuto consagrada na alínea h) do nº 1 do artigo 227º da 
 Constituição, pois não cabe à lei de finanças das Regiões Autónomas, ainda que 
 de forma remissiva, regular a matéria do património regional, visto tal matéria 
 só poder ser objecto de tratamento estatutário;
 
  
 
                 – o nº 1 do artº 62º do Decreto nº 94/X, ao reger a matéria de 
 transferência das atribuições e competências necessárias ao exercício do poder 
 tributário conferido às Regiões Autónomas, remetendo a definição de umas e 
 outras para decreto-lei, invade matéria de competência exclusiva das Assembleias 
 Legislativas das citadas Regiões, violando, pois, o nº 2 do artigo 232º e a 
 alínea i) do nº 1 do artº 227º, um e outro da Constituição.
 
  
 
  
 
                 2. Pronunciando-se sobre o pedido, nos termos dos artigos 54º e 
 
 56º, números 1 e 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Presidente da 
 Assembleia da República veio apresentar resposta na qual, após efectuar o 
 
 «historial» dos procedimentos que conduziram à aprovação do Decreto nº 94/X,  em 
 súmula, defendeu: –
 
  
 
                 – dar por reproduzidos os argumentos que foram utilizados no 
 parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e 
 Garantias da Assembleia da República sobre o recurso interposto por alguns 
 Deputados pertencentes ao Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata 
 relativamente ao despacho de admissão da Proposta de Lei nº 97/X;
 
  
 
                 – que, após a introdução de um número 3 ao anterior artigo 231º 
 da Constituição (hoje artigo 229º), levada a efeito pela Lei Constitucional nº 
 
 1/97, de 20 de Setembro, vieram a ser aprovadas a Lei nº 13/98, de 24 de 
 Fevereiro – Lei de Finanças das Regiões Autónomas – e a Lei nº 130/99, de 21 de 
 Agosto, que procedeu à revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma da Madeira aprovado pela Lei nº 13/91, de 21 de Agosto, vindo este a 
 conter, no nº 2 do seu artº 118º, “uma cláusula de não retrocesso” das verbas a 
 transferir do Orçamento de Estado para aquela Região, o que se não passou 
 relativamente ao articulado constante do Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma dos Açores;
 
  
 
                 – que na Lei de Finanças das Regiões Autónomas (que, após a 
 Revisão Constitucional de 1997, constituiu o cumprimento do dever jurídico do 
 Parlamento “de produzir legislação sobre as finanças das Regiões Autónomas”), 
 que é da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República 
 e deve revestir a forma de lei orgânica, é “perceptível a sua função de unificar 
 a regulação financeira” entre o Estado e aquelas Regiões, assim se “procurando 
 evitar a proliferação de regras diferenciadoras”;
 
  
 
                 – que, com invocação da necessidade de evitar défices 
 orçamentais excessivos que decorrem das obrigações do Tratado da União Europeia 
 e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, já se efectuaram revisões da primitiva 
 Lei de Financiamento das Regiões Autónomas, como sucedeu com a Lei Orgânica nº 
 
 2/2002, de 28 de Agosto, diploma este sobre o qual incidiu o Acórdão do Tribunal 
 Constitucional nº 567/2004, no qual se concluiu pela não desconformidade com a 
 Constituição, quer do artº 85º da Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto (Lei de 
 Enquadramento Orçamental), pela não violação do princípio da solidariedade, quer 
 do introduzido artº 48º-A da Lei nº 13/98, pela não violação da reserva de 
 estatuto;
 
  
 
                 – que, dadas a natureza e regra de competência para emissão da 
 Lei de Financiamento das Regiões Autónomas, não se entende ser possível que um 
 estatuto de uma Região Autónoma possa, por via “de uma petrificação normativa” 
 dele constante, efectuar “uma ablação jurídica” da competência parlamentar, uma 
 vez que, “se da alínea t) do artigo 164.º da Constituição da República 
 Portuguesa, bem como do n.º 3 do seu artigo 229º, resulta que as matérias 
 respeitantes ao regime e às relações financeiras das Regiões Autónomas estão na 
 reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República”, não se 
 pode deixar de sustentar o exercício de competência do órgão parlamentar para a 
 edição do diploma em causa, do modo como foi levado a efeito.
 
  
 
                 Junta com a resposta foi enviada fotocópia do expediente 
 relacionado com o envio da proposta de lei de finanças das Regiões Autónomas, do 
 recurso de admissão dessa proposta apresentado por alguns Deputados do Grupo 
 Parlamentar do Partido Social Democrata, o parecer da Comissão de Assuntos 
 Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias da Assembleia da República, o 
 relatório e parecer da Comissão de Orçamento e Finanças da mesma Assembleia 
 sobre a Proposta de Lei nº 97/X, e exemplares dos Diários da Assembleia da 
 República números 10 – II Série-A, de 18 de Outubro de 2006 –, 16 – I Série, de 
 
 2 de Novembro de 2006 –, 14 – II Série, de 8 de Novembro de 2006 –, 17 – II 
 Série-A, de 16 de Novembro e 2006 –, 20 – I Série, de 16 de Novembro de 2006 –, 
 
 24 – I Série, de 2 de Dezembro de 2006 – e 103 – I Série, de 30 de Junho de 1997 
 
 –.  
 
  
 
  
 II
 
  
 
  
 
                 3. O Decreto da Assembleia da República nº 94/X resultou de uma 
 proposta de lei elaborada pelo Governo (a proposta nº 97/X), cuja exposição de 
 motivos pode ser verificada na II Série-A do Diário da Assembleia da República, 
 nº 10, de 18 de Outubro de 2006 (cfr., ainda, os objectivos enunciados na 
 intervenção do Ministro de Estado e das Finanças perante o Parlamento, 
 intervenção essa disponível no Diário da Assembleia da República, I Série, nº 
 
 20, de 16 de Novembro de 2006).
 
  
 
                 Sobre a admissão dessa proposta recaiu recurso interposto por 
 alguns Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata.
 
  
 
                 A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e 
 Garantias da Assembleia da República, por parecer aprovado com os votos a favor 
 do Partido Socialista, contra do Partido Social Democrata e do Partido Comunista 
 Português, e a abstenção do Partido Popular CDS-PP e do Bloco de Esquerda, 
 pronunciou-se no sentido de ser considerado improcedente o recurso (cfr. citados 
 Diário e Série, nº 12, de 28 de Outubro de 2006), vindo o Plenário do 
 Parlamento, em 31 de Outubro de 2006, a tomar posição consonante com a proposta 
 constante do parecer.
 
  
 
                 Submetida a votação na generalidade no dia 15 de Novembro de 
 
 2006, a proposta nº 97/X foi aprovada com votos a favor do Partido Socialista, 
 contra do Partido Social Democrata, do Partido Comunista Português, do Bloco de 
 Esquerda e do Partido Os Verdes, e com a abstenção do Partido Popular CDS-PP 
 
 (cfr. indicadas publicação e Série, nº 20, de 16 de Novembro de 2006).
 
  
 
                 Em reunião plenária de 30 de Novembro de 2006 foi votado, em 
 votação global e pela maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções 
 
 (com 119 votos a favor, 91 contra e nove abstenções), o texto final apresentado 
 pela Comissão de Orçamento e Finanças relativo à proposta nº 97/X (cfr. aludidas 
 publicação e Série, nº 24, de 2 de Dezembro de 2004).  
 
  
 
  
 
                 4. Os preceitos questionados nos presentes autos apresentam a 
 seguinte redacção: –
 
  
 Artigo 2º
 
  
 
 Âmbito
 
  
 Para efeitos do disposto no artigo anterior, a presente lei abrange as matérias 
 relativas às receitas regionais, ao poder tributário próprio das Regiões 
 Autónomas, à adaptação do sistema fiscal nacional, às relações financeiras entre 
 as Regiões Autónomas e as autarquias locais sedeadas nas Regiões Autónomas, bem 
 como ao património regional. 
 
  
 
  
 Artigo 3º 
 
  
 Princípios 
 
  
 A autonomia financeira das Regiões Autónomas desenvolve-se no respeito pelos 
 seguintes princípios: 
 
                 a) Princípio da legalidade; 
 
                 b) Princípio da estabilidade das relações financeiras; 
 
                 c) Princípio da estabilidade orçamental; 
 
                 d) Princípio da solidariedade nacional; 
 
                 e) Princípio da coordenação; 
 
                 f) Princípio da transparência; 
 
                 g) Princípio do controlo. 
 
  
 
  
 Artigo 7º 
 
  
 Princípio da solidariedade nacional 
 
 1 – (...) 
 
 2 – (...) 
 
 3 – (...) 
 
 4 – (...) 
 
 5 – A solidariedade nacional para com as Regiões Autónomas traduz-se nas 
 transferências do Orçamento do Estado previstas nos artigos 37.º e 38.º. 
 
 6 – (...) 
 
  
 
  
 Artigo 19º 
 
  
 Imposto sobre o valor acrescentado 
 
  
 
 1 – Constitui receita de cada circunscrição o imposto sobre o valor acrescentado 
 cobrado pelas operações nela realizadas, de acordo com os critérios definidos 
 nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 347/85, 23 de Agosto. 
 
 2 – (...) 
 
  
 
  
 
                 [Anote-se que, nos termos da alínea b), do artº 14º do Decreto 
 nº 94/X é considerada circunscrição o território do continente ou de uma região 
 autónoma, consoante o caso] 
 
  
 
  
 Artigo 35º
 
  
 Garantia do Estado 
 
  
 Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas 
 Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado. 
 
  
 
  
 Artigo 36º 
 
  
 Proibição da assunção de compromissos das Regiões 
 Autónomas pelo Estado 
 
  
 Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir 
 responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir os 
 compromissos que decorram dessas obrigações. 
 
  
 
  
 Artigo 37º
 
  
 Transferências orçamentais 
 
  
 
 1 – (...) 
 
 2 – O montante anual das verbas a inscrever no Orçamento do Estado para o ano t 
 
 é igual às verbas inscritas no Orçamento do Estado para o ano t-1 actualizadas 
 de acordo com a taxa de actualização definida nos termos dos números seguintes. 
 
 3 – A taxa de actualização é igual à taxa de variação, no ano t-2, da despesa 
 corrente do Estado, excluindo a transferência do Estado para a Segurança Social 
 e a contribuição do Estado para a Caixa Geral de Aposentações, de acordo com a 
 Conta Geral do Estado. 
 
 4 – No caso de a taxa de variação definida no número anterior exceder a 
 estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no ano t-2, 
 do PIB a preços de mercado correntes, a taxa de actualização referida no n.º 2 
 será a estimativa do Instituto Nacional de Estatística da taxa de variação, no 
 ano t-2, do PIB a preços de mercado correntes. 
 
 5 – No ano de entrada em vigor da presente lei, o montante das verbas a 
 inscrever no Orçamento do Estado para o ano t é igual ao montante inscrito no 
 ano t-1 multiplicado pelo factor 1,5. 
 
 6 – A repartição deste montante pelas Regiões Autónomas, que tem em conta as 
 respectivas características estruturais e inclui um factor fixo relativo ao 
 impacto sobre a receita do imposto sobre o valor acrescentado decorrente da 
 aplicação do n.º 1 do artigo 19.º, é feita de acordo com a seguinte fórmula: 
 Sendo: 
 i=0,27 e i=0,73 ponderadores correspondentes, respectivamente, à Região Autónoma 
 da Madeira e à Região Autónoma dos Açores. 
 TR,t – Transferência orçamental para a Região Autónoma no ano t. 
 TRA,t – Transferência orçamental para as Regiões Autónomas no ano t, calculado 
 de acordo com o disposto no n.º 2 deste artigo. 
 PR,t-2 – População da Região Autónoma no ano t-2 segundo os últimos dados 
 divulgados pelo INE à data do cálculo; 
 PRA,t-2 – Soma da população das Regiões Autónomas no ano t-2; 
 P65R,t-2 – População da Região Autónoma no ano t-2 com 65 ou mais anos de idade 
 segundo os últimos dados divulgados pelo INE à data do cálculo; 
 P65RA,t-2 – Soma da população das Região Autónomas com 65 ou mais anos de idade 
 no ano t-2; 
 P14R,t-2 – População da Região Autónoma no ano t-2 com 14 ou menos anos de 
 idade, segundo os últimos dados divulgados pelo INE à data do cálculo. 
 P14RA,t-2 – Soma da população das Regiões Autónomas no ano t-2 com 14 ou menos 
 anos de idade; 
 IURA – Soma dos índices de ultra periferia. 
 DLR – Menor distância entre a Região Autónoma e o continente português. 
 DLRA – Soma das menores distâncias entre cada uma das Regiões Autónomas e o 
 continente português. 
 n.º ilhas – Número de ilhas com população residente na Região Autónoma. 
 n.º ilhas – Número total de ilhas com população residente nas Regiões Autónomas. 
 
 
 EFR,t-4=Rácio entre receitas fiscais da Região Autónoma e Produto Interno Bruto 
 a preços de mercado, preços correntes, no ano t-4. 
 EFRA,t-4=Soma dos indicadores de esforço fiscal. 
 
 7  – As transferências do Orçamento do Estado processam-se em prestações 
 trimestrais, a efectuar nos cinco primeiros dias de cada trimestre. 
 
  
 
  
 Artigo 38.º
 
  
 Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas 
 
  
 
 1 – (...) 
 
 2 – O Fundo de Coesão dispõe em cada ano de verbas do Orçamento do Estado, a 
 transferir para os orçamentos regionais, para financiar os programas e projectos 
 de investimento, previamente identificados, que preencham os requisitos do 
 número anterior e é igual a uma percentagem das transferências orçamentais para 
 cada Região Autónoma definidas nos termos do artigo anterior. 
 
 3 – A percentagem a que se refere o número anterior é: 
 
 20% quando 12,5% quando 5% quando 0% quando Sendo: 
 PIBPCR t-4 – Produto Interno Bruto a preços de mercado correntes per capita na 
 Região Autónoma no ano t-4. 
 PIBPCNt-4 – Produto Interno Bruto a preços de mercado correntes per capita em 
 Portugal no ano t-4. 
 
  
 
  
 Artigo 57.º 
 
  
 Remissão 
 
  
 As Regiões Autónomas dispõem de património próprio e autonomia patrimonial, nos 
 termos da Constituição, dos estatutos político-administrativos e da legislação 
 aplicável. 
 
  
 
  
 Artigo 62.º 
 
  
 Transferência das atribuições e competências para as Regiões Autónomas 
 
  
 
 1 – As atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder 
 tributário conferido às Regiões Autónomas, nos casos em que estas considerem que 
 a descentralização permite corresponder melhor aos interesses das respectivas 
 populações e se efectue a regionalização de serviços do Estado e correspondentes 
 funções, são definidas por decreto-lei. 
 
 2 – (…) 
 
 3 – (...) 
 
  
 Artigo 66º 
 
  
 Entrada em vigor 
 
  
 
                 A presente lei entra em vigor em 1 de Janeiro de 2007. 
 
  
 
  
 III
 
  
 
  
 
                 5. Como deflui do «relato» acima efectuado, a fundamentação 
 carreada ao pedido ancora-se, essencialmente, em três ordens de razões.
 
  
 
                 De uma banda, surpreendem os requerentes a ofensa de preceitos 
 constantes dos estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas, e do 
 Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira em particular, 
 por parte de determinados normativos (os insertos nos artigos 3º, 7º, nº 5, 35º 
 e 37º, números 2 a 7) do Decreto nº 94/X e, por essa via, violarem o princípio 
 constitucional da prevalência dos estatutos sobre as restantes leis ordinárias, 
 ainda que revistam a forma de leis com valor reforçado, princípio esse que se 
 extrairá da conjugação dos artigos 161º, alínea b), 168°, nº 6, alínea f), 226º, 
 
 280º, nº 1, alínea c), e nº 2, alínea d), todos da Constituição. 
 
  
 
                 De outra, entendem haver violação directa da Constituição por 
 parte: - 
 
  
 
                 – dos artigos 19º, nº 1, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, 
 e 66º do Decreto nº 94/X, que ofenderão os princípios da confiança, decorrente 
 do Estado de direito democrático, e do regime autonómico regional, previstos nos 
 artigos 2º, 6º, nº1, e 9º da Lei Fundamental; 
 
  
 
                 – do artº 36º do aludido Decreto, por ofensa do princípio da 
 solidariedade nacional consagrado nos artigos 225º, nº 2, 227º nº 1, alínea j), 
 e 229º, nº 1, do Diploma Básico; 
 
  
 
                 –  dos artigos 2º, parte final, e 57º do referido Decreto, por 
 ofensa da reserva de estatuto estabelecida na alínea h) do nº 1 do artigo 227º 
 da Constituição; 
 
  
 
                 – do artº 62º, nº 1, do Decreto em causa, por ofensa da 
 competência exclusiva das Assembleias Legislativas Regionais prevista nos 
 artigos 232º, nº 1, e 227°, nº 1, alínea i) da Lei Fundamental. 
 
  
 
                 Por fim, perspectivam que os já citados artigos 3º, 7º, nº 5, 
 
 35º e 37º, números 2 a 7, do Decreto, a par da assinalada ofensa dos estatutos 
 político-administrativos das Regiões Autónomas, e do Estatuto 
 Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira em particular, violam, de 
 per si, o princípio consagrado na alínea j) do nº 1 do artigo 227º da 
 Constituição.
 
  
 
                 Impõe-se, consequentemente, equacionar, perante uma tal postura, 
 esses problemas. 
 
  
 
  
 
                 6. Colocadas, assim, as linhas básicas do vertente pedido, 
 volva-se a atenção para a questão conexionada com a invocada violação 
 constitucional por via da ofensa dos estatutos político-administrativos das 
 Regiões Autónomas e, em particular, com o Estatuto Político-Administrativo da 
 Região Autónoma da Madeira (Lei nº 13/91, de 5 de Junho, revista pela Lei nº 
 
 130/99, de 21 de Agosto). 
 
  
 
                 De um primeiro passo, não se pode passar em claro que nos 
 situamos perante um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade 
 formulado ex vi da parte final do nº 4 do artigo 278º da Constituição.
 
  
 
                 Não se escamoteia, aliás como resulta do relatado, que os 
 requerentes não intentam, directamente, questionar a por si descortinada 
 violação dos estatutos das Regiões Autónomas em geral e, em particular, de 
 certas normas do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, 
 justamente porque entendem que essa violação acarreta, ela própria, uma ofensa 
 da Constituição.
 
  
 
                 Simplesmente, para se enfrentar a aduzida ofensa directa da Lei 
 Fundamental – e só esta poderá ser analisada num pedido do jaez do presente – 
 mister se torna dar resposta a uma outra questão, qual seja a de saber se a 
 regulação constante de uma lei do ordenamento infra-constitucional – ainda que 
 se trate de regulação vertida numa lei com valor reforçado — que contrarie 
 preceitos estatutários pode ser submetida ao escrutínio da sua 
 constitucionalidade por este Tribunal por, dessa sorte, infringir o princípio da 
 prevalência das normas estatutárias que decorre da Constituição. 
 
  
 
                 Um raciocínio como o seguido neste específico ponto pelos 
 requerentes, poderia conduzir a que se considerasse que, nas situação e 
 particularismo em espécie, o que se pretenderia desenhar seria o intento de 
 apreciação de vícios que decorreriam de uma ofensa indirecta da Lei Fundamental, 
 ou seja: por se violarem, por parte de outras leis (em sentido material), regras 
 estatutárias, ter-se-ia igualmente por violada a Constituição, pela 
 ultrapassagem do referenciado princípio da prevalência das normas estatutárias. 
 
  
 
                 Ora, nessa base, haverá de ter em conta que a Constituição 
 desenha muito especificamente, no que toca à fiscalização normativa, os poderes 
 cometidos a este Tribunal, distinguindo a cognição das situações de apreciação 
 dos vícios de inconstitucionalidade e da ilegalidade. Assim, no que se prende 
 com a apreciação abstracta, aquela Lei Fundamental distingue claramente os casos 
 de fiscalização da inconstitucionalidade e da ilegalidade, esta, no particular 
 que agora releva, com fundamento na violação de estatuto de uma Região Autónoma 
 e de violação dos direitos de uma Região consagrados no seu estatuto 
 
 [confrontem-se as diversas alíneas do nº 1 e a alínea g) do artigo 281°]. No que 
 respeita à fiscalização concreta, de igual modo são distinguidas 
 constitucionalmente as situações de constitucionalidade e de legalidade [vide 
 alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 280º e alíneas b), c) e d) do nº 2]. 
 
  
 
                 E, sendo assim, se a ofensa em crise se prender de modo directo 
 com o desrespeito de normas ou princípios estatutários ou de direitos 
 consagrados nos estatutos das Regiões Autónomas, mesmo aceitando, como se 
 aceita, que esses estatutos detêm valor supra legislativo confrontadamente com a 
 demais legislação ordinária comum (e ressalvando-se aqui as leis de Revisão 
 Constitucional), isso não implica que haja uma ofensa directa da Constituição; 
 essa ofensa posta-se, antes, como indirecta ou mediata. 
 
  
 
                 Ora, concernentemente a uma situação desse género, os poderes 
 cognitivos deste Tribunal tão somente se circunscrevem à apreciação da questão 
 de ilegalidade que aí se desenha, e não à da inconstitucionalidade indirecta ou 
 mediata que eventualmente lhe subjaz e se possa colocar.
 
  
 
                 Isso significa, em conclusão, que o sistema português de 
 fiscalização normativa não comporta um tipo de fiscalização preventiva em que é 
 solicitada a apreciação de vícios com base numa parametricidade que acarreta a 
 interposição de disposições estatutárias.
 
  
 
                 Neste contexto, no que se prende com a aventada ofensa de 
 preceitos constantes dos estatutos político-administrativos das Regiões 
 Autónomas e, em particular, do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma da Madeira, por parte dos artigos 3º, 7º, nº 5, 35º e 37º, números 2 a 
 
 7, todos do Decreto nº 94/X, entende o Tribunal que se não deve conhecer do 
 objecto do pedido.
 
  
 
                 Isto, porém, não inculca que as referidas disposições não devam 
 ser analisadas, mas desta feita com enfoque na invocada violação directa dos 
 poderes constitucionalmente atribuídos às Regiões Autónomas e do princípio 
 precipitado na alínea j) do nº 1 do artigo 227º do Diploma Básico.
 
  
 
  
 
                 7. Isto posto, iniciar-se-á a apreciação da questão submetida a 
 este Tribunal pela imputação, efectivada pelos requerentes, de vícios assacados 
 aos artigos 2º, parte final, 19º, nº 1, 36º, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 
 e 3, 57º, 62º, nº 1, e 66º, todos do Decreto nº 94/X, vícios que, de acordo com 
 tal imputação, implicam ofensa directa de determinadas normas e princípios 
 constantes da Constituição, sem que, para tanto, seja aduzida argumentação que 
 implique a interposição de regras estatutárias, passando-se, posteriormente, à 
 análise dos artigos 3º, 7º, nº 5, 35º (que sofrerá tratamento seguido à análise 
 do artº 36º) e 37º, números 2 a 7, do Decreto, com fundamento na ofensa da 
 alínea j) do nº 1 do artigo 227º da Lei Fundamental. 
 
  
 
  
 
                 8. De acordo com o prisma dos requerentes, os artigos 19º, nº 1, 
 
 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, e 66º prescreverão em contrário aos 
 princípios da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático 
 consagrado no artigo 2º do Diploma Básico, e do regime autonómico regional, 
 previsto nos artigos 6º, nº 1, e 9º, também do mesmo Diploma, atentas as razões 
 acima enunciadas.
 
  
 
                 
 
                 8.1. No que se prende com a alegada violação do princípio da 
 confiança, afigura-se que um tal vício não é descortinável.
 
  
 
                 Na verdade, mesmo aceitando-se que, do confronto da revoganda 
 Lei nº 13/98, de 24 de Fevereiro, e com o processamento do Imposto sobre o Valor 
 Acrescentado decorrente do anterior despacho do Ministro das Finanças, dos 
 normativos ora em crise resulte uma redução dos montantes a transferir e a 
 perceber pela Região Autónoma da Madeira, indo essa circunstância afectar o 
 cumprimento do programa do Governo Regional em funções, nem por isso se deverá 
 concluir no sentido que concluem os requerentes.
 
  
 
                 É certo que o princípio da confiança, como tem sido defendido 
 pela jurisprudência deste Tribunal, postula “uma ideia de protecção da confiança 
 dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que 
 implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas 
 expectativas que a elas são juridicamente criadas”, pelo que “a normação que, 
 por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva 
 
 àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito 
 têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, 
 terá de ser entendida como não consentida pela Lei Básica” (cfr., a título 
 meramente exemplificativo, o Acórdão nº 303/90 in Acórdãos do Tribunal 
 Constitucional, 17º volume, 65 a 95).
 
  
 
                 Em consequência, impõe-se perguntar se, em face de uma normação 
 como a ora sub iudicio, e da qual decorrerá uma diminuição do montante de verbas 
 a transferir e a perceber para e pelos órgãos de poder próprio da Região 
 Autónoma da Madeira, isso acarretará, relativamente a esses órgãos, eleitos por 
 sufrágio geral e democrático e com base num programa proposto ao eleitorado, 
 para cuja elaboração se contou com a manutenção do ordenamento jurídico vigente 
 ao tempo dessa elaboração, um manifesto abalar dos acima citados mínimo de 
 certeza e segurança na indicada manutenção.
 
  
 
                 Desde logo não se pode olvidar que, ainda que sejam reais as 
 considerações fácticas efectuadas pelos requerentes, o reflexo dos normativos de 
 que neste ponto se cura incide no desenvolvimento de uma actividade 
 eminentemente política.
 
  
 
                 Essa actividade, por natureza, como é comummente aceite, tende a 
 desenvolver mudanças na sociedade que deve servir e implica, necessariamente, 
 modificações legislativas, com elas devendo e podendo contar, quer quem, por 
 força do desenvolvimento dessa actividade, veio a ocupar a titularidade dos 
 
 órgãos políticos a que se candidatou, quer quem, pelo sufrágio, não almejou essa 
 titularidade ou a titularidade maioritária, e isso mesmo que aquelas 
 modificações legislativas incidam sobre diplomas que, em princípio, tenham 
 vocação de vigência mais alargada. 
 
  
 
                 Não obstante o que se acaba de dizer, admite-se que se não 
 possa, sem mais, sustentar que, em face da prossecução de uma actividade 
 eminentemente política, é desde logo destituída de razão a convocação do 
 princípio da confiança. Efectivamente, se se, pensar por exemplo, nos casos em 
 que existe já uma definição de verbas inscritas em orçamento e que «contaram» 
 com as presumíveis dotações que poderiam ser alcançadas em face das disposições 
 vigentes de uma lei de financiamento das Regiões Autónomas, levar a cabo um 
 raciocínio como aquele constituiria um escamotear «cego» de determinadas 
 realidades existentes como aquelas que são argumentadas pelos requerentes.
 
  
 
                 Na realidade, se se postasse uma alteração legislativa de todo 
 imprevisível e inusitada que, ao menos na prática, desencadeasse uma entorse, 
 total ou abrupta, das expectativas na manutenção do anterior ordenamento, 
 dificilmente se poderia sustentar que, tão só com base na consideração de nos 
 situarmos no âmbito de uma actividade eminentemente política, não era possível a 
 convocação do princípio de que tratamos.
 
  
 
                 De facto, independentemente do relevo que não pode deixar de ser 
 concedido ao carácter eminentemente político da actividade em causa – e que, 
 decerto, não poderá ser visualizado de modo idêntico ao das situações em que a 
 manutenção das expectativas dos cidadãos e da comunidade em geral possa ser 
 devidamente pesada em nome da protecção do princípio da confiança – ponto é que, 
 na senda da jurisprudência deste Tribunal, as expectativas na manutenção das 
 disposições existentes (e, no que agora releva, no tocante à disponibilização de 
 meios financeiros resultantes de transferências e percepção de receitas cobradas 
 de harmonia com essas disposições) se mostrem dotadas de acentuada consistência, 
 entendida esta no sentido de não ser, em princípio, figurável a possibilidade de 
 alteração de um dado modelo legislativo que, patentemente, vá criar a já 
 referida entorse total ou abrupta.
 
  
 
                  
 
                 8.2. Ora, em primeiro lugar, não se poderá esconder – sem que 
 isso implique um juízo sobre a «bondade» dos preceitos em apreço, ponderando as 
 reais situações financeiras da República e da Região Autónoma da Madeira, até 
 porque isso sempre estaria vedado aos poderes do Tribunal, ao menos se se não 
 tornasse desde logo patentemente visível que a solução legislativa adoptada pelo 
 Decreto se apresentava como arbitrária e sem a mínima justificação – que, de 
 todo o modo, não resulta, nem sequer é invocado, que tais preceitos implicam uma 
 constrição total, desmesurada, intolerável e arbitrária das transferências e 
 percepções de receitas daquela Região, não deixando, por essa razão, de ser 
 cumprido, ainda que sem o avultamento anterior, um regime que, do ponto de vista 
 de participação nas receitas tributárias do Estado e de outras receitas que lhe 
 sejam atribuídas, respeita o regime autonómico regional.
 
  
 
                 De outro lado, a problemática atinente à redução ou constrição 
 das receitas a transferir para as Regiões Autónomas, mesmo na vigência da 
 revoganda Lei nº 13/98, de 24 de Fevereiro, tem sido impostada por diversas 
 vezes, o que conduziu, inclusivamente, à prolação de alguns arestos deste 
 Tribunal.
 
  
 
                 Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 567/2004 (publicado na 
 II Série do Diário da República de 23 de Novembro de 2004), “em lado algum do 
 texto constitucional se encontra apoio para a tese … de que o valor fixado, pelo 
 legislador ordinário, na Lei de Finanças das Regiões Autónomas [e reportava-se à 
 citada Lei nº 13/98] constitui «uma referência sólida na quantificação do dever 
 de cooperação do Estado para com os órgãos regionais», sendo a norma que permite 
 a fixação de um valor inferior incompatível com a Lei Fundamental”.
 
  
 
                 Vale isto por dizer que, dada a «historicidade» do problema, não 
 se pode considerar como dotada de consistência suficiente uma expectativa 
 ancorada numa quantificação rígida (no sentido de, ao menos, não poder ser 
 objecto de diminuição ou constrição) do valor das transferências que defluem de 
 uma vigente lei de financiamento das Regiões Autónomas.
 
  
 
                 A esta consideração são, ainda, de adicionar três outras.
 
  
 
                 A primeira reside em que, analisado o vertente pedido, fácil é 
 de verificar que os critérios rectores das formas como se processarão as 
 participações das Regiões Autónomas nas receitas tributárias do Estado e de 
 outras receitas que lhes sejam atribuídas não são postos em crise por parte dos 
 requerentes do ponto de vista da sua inadequação ou desadequação – à excepção, 
 como é óbvio, de representaram, relativamente aos transactos anos, uma 
 diminuição nos quantitativos globais. 
 
  
 
                 A segunda liga-se com o facto de não haver no pedido uma 
 concreta densificação dos efeitos da redução que advirá dos normativos agora em 
 apreço, inclusivamente quanto à repercussão do cumprimento de um programa de 
 governo, e aqui, uma vez mais, com a ressalva a que imediatamente acima se 
 aludiu.
 
  
 
                 A terceira prende-se com a circunstância de, de todo o modo, não 
 se poder olvidar a existência, no articulado do Decreto nº 94/X, de «cláusulas 
 de salvaguarda» tais como as previstas no seu artº 59º.
 
  
 
                 Ora, com base em todo o descrito circunstancialismo, impõe-se a 
 conclusão segundo a qual, aceitando-se embora que, por parte dos órgãos de 
 governo das Regiões Autónomas, houvesse expectativas na manutenção de um regime 
 de financiamento tal como aquele que resultava da vigente lei de financiamento, 
 com vista ao cumprimento dos programas políticos com que se apresentaram a 
 sufrágio – e até com as inerentes repercussões nas populações que iriam 
 desfrutar das concretizações práticas desses programas –, o que é certo é que 
 tais expectativas (ou, se se quiser, o «investimento» na confiança de manutenção 
 da legislação vigente) se não podiam revestir de uma consistência tal que 
 pudesse impedir o legislador nacional de adoptar soluções como as de que ora se 
 cura, as quais se não apresentam, pela realidade do «passado legislativo», como 
 manifestamente inusitadas e imprevisíveis e não vão, como resulta do que acima 
 se disse, afectar desmesuradamente os mínimos de certeza e segurança em que 
 essas expectativas se fundariam, sendo ainda certo que são carreadas (cfr. as 
 aludidas exposição de motivos e intervenção ministerial perante o Parlamento) 
 razões que, prima facie se não antolham como injustificadas ou sem suporte 
 material bastante.
 
  
 
                 Desta arte se é chegado à solução de que os indicados normativos 
 não ofendem o princípio da confiança inserto naqueloutro do princípio do Estado 
 de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição.
 
  
 
                 Dados os termos que, neste particular, foram utilizados pelos 
 requerentes, as razões trazidas ao pedido, neste ponto da ofensa do princípio da 
 confiança que se extrai do princípio do Estado de direito democrático, não se 
 distinguem essencialmente daquelas que, no mesmo pedido, fundam a também 
 invocada violação do «regime autonómico insular».
 
  
 
                 Tendo-se por não procedentes as aludidas razões, quanto àquele 
 princípio, haverão de ter-se identicamente como não solventes quando se enfoca a 
 ofensa do «regime autonómico insular» que, aliás, não deixa de estar inserido 
 numa concretização da ideia de Estado unitário, iluminado que deve ser também 
 pelo princípio do Estado de direito democrático.
 
  
 
  
 
                 9. Do ponto de vista dos requerentes, o artº 36º do Decreto nº 
 
 94/X ofende o princípio da solidariedade nacional – princípio esse decorrente do 
 nº 2 do artigo 225º, da alínea j) do nº 1 do artigo 227º e do nº 1 do artigo 
 
 220º da Constituição –, visto não permitir a assunção de responsabilidade, pelo 
 Estado, pelas obrigações das Regiões Autónomas.
 
  
 
                 Não se deixa de assinalar que o princípio, dito da solidariedade 
 nacional, não pode ser perspectivado por forma a dele se extrair uma só 
 direccionalidade, qual seja a da solidariedade representar unicamente a 
 imposição de obrigações do Estado para com as Regiões Autónomas, pois que, sendo 
 uma das tarefas fundamentais do Estado a de promover o desenvolvimento 
 harmonioso de todo o território nacional, tendo em conta, inter alia, o carácter 
 ultraperiférico dos Açores e da Madeira [cfr. alínea g) do artigo 9º da 
 Constituição], visando a autonomia das Regiões, a par da participação 
 democrática dos cidadãos, do desenvolvimento económico-social e da promoção e 
 defesa dos interesses regionais, o reforço da unidade nacional e dos laços de 
 solidariedade de todos os portugueses (nº 2 do artigo 225º), torna-se inequívoco 
 que, neste ponto, não poderão deixar de ser ponderados também os interesses das 
 populações do território nacional no seu todo, consequentemente aqui se 
 incluindo as próprias populações do território “historicamente definido no 
 continente europeu”.
 
                 
 
                 Mas, afora esta circunstância, analisando tão só uma perspectiva 
 direccionada para a solidariedade que deve ser prosseguida pelo Estado para com 
 as Regiões Autónomas, o que é certo é que nenhuma norma se divisa na Lei 
 Fundamental de onde decorra a imperatividade de o Estado assumir as 
 responsabilidades pelas obrigações contraídas pelas Regiões Autónomas ou ainda 
 que, consoante as circunstâncias, tenha obrigatoriamente de pesar se, numa 
 concreta situação, essa assunção pode e deve vir a ter lugar.
 
  
 
                 É que, o princípio da solidariedade, na perspectiva 
 unidireccional a que nos referimos, poderá vir a ser concretizado por muitas 
 outras formas de ajuda que não só pela assunção de responsabilidades, sendo 
 certo que do artº 36º do Decreto nº 94/X não se extrai que essas outras 
 possíveis formas estejam proscritas.
 
                 
 
                 E, justamente neste particular, não se deverá olvidar que também 
 aqui se consagram «cláusulas de salvaguarda» – cfr. artigos 42º e 43º do Decreto 
 nº 94/X – que minimizam a proibição decorrente do artº 36º.  
 
  
 
                 Não se surpreende, desta forma, um excesso ou um mero arbítrio 
 constitucionalmente claudicante em face do estabelecido na alínea j) do nº 1 do 
 artigo 227º da Lei Fundamental, sendo certo que, neste ponto, por um lado, 
 também não se podem deixar passar em claro as razões constantes, quer da 
 exposição da proposta de lei que deu origem ao Decreto em apreciação, quer dos 
 objectivos enunciados na já mencionada intervenção do Ministro de Estado e das 
 Finanças no Parlamento; por outro, que se trata aqui de responsabilidades 
 assumidas no âmbito do exercício de um poder constitucionalmente autonómico que 
 não podem, precisamente por representarem esse exercício, implicar 
 inevitavelmente a proibição de adopção de uma medida de excepcionalidade como a 
 constante do artº 36º do Decreto.
 
  
 
  
 
                 E a esta conclusão muito mais facilmente chegará ao se entender, 
 como se entende, que a asserção constante da parte inicial do artº 36º – segundo 
 a qual são ressalvadas as situações legalmente previstas – deverá ser 
 interpretada no sentido de poder vir a haver a assunção de responsabilidade 
 pelas obrigações das Regiões Autónomas, desde que uma tal possibilidade se 
 preencha por via legislativa, incidindo, pois, a proibição constante da norma em 
 causa tão só quanto ao preenchimento por via meramente político-administrativa. 
 
  
 
                 Aliás, a revoganda Lei nº 13/98, na primitiva redacção do seu 
 artº 47º, estabelecia que, a partir de 1998 deixaria de haver comparticipação do 
 Estado nos encargos financeiros das dívidas das Regiões Autónomas, sendo certo 
 que, com a revisão operada pela Lei Orgânica nº 1/2002, de 29 de Junho, aquele 
 artigo veio a ficar com uma redacção da qual se extrairá que, uma participação 
 no programa especial de recuperação das dívidas públicas regionais iria ter 
 lugar, mas só com referência a 2002, e em relação a determinados montantes aí 
 indicados.
 
  
 
  
 
                 9.1. O que é dito a este propósito quanto ao artº 36º é, mutatis 
 mutandis, aplicável ao artº 35º que, como se viu, é entendido pelos requerentes 
 como violador da mesma alínea j) do nº 1 do artigo 227º da Constituição.
 
  
 
  
 
                 É certo que  a  proibição, como regra,  da assunção, pelo 
 Estado, de compromissos financeiros das Regiões Autónomas e da prestação de 
 garantia pessoal a empréstimos a emitir por estas, coloca problemas de diferente 
 intensidade no que toca à articulação  da autonomia político-administrativa 
 regional com o princípio da solidariedade nacional. A autonomia implica a 
 responsabilidade inerente, que sai distorcida quando as obrigações resultantes 
 de um centro decisor autónomo são transferidas para outro, enquanto na prestação 
 de garantia pessoal a empréstimos a emitir se trata de cooperar ou apoiar o 
 exercício da autonomia, sem prejuízo da responsabilidade do beneficiário. Mas, 
 ainda aqui, a regra da proibição, com ressalva das situações legalmente 
 previstas, é compatível com o princípio da solidariedade nacional.
 
  
 
                 Não se descortina, pois, a imposição constitucional de obrigação 
 de prestação de garantia pessoal do Estado aos empréstimos a emitir pelas 
 Regiões Autónomas ou do poder/dever de ponderar, segundo as circunstâncias, se 
 essa garantia deve, ou não, em face da especificidade das concretas situações, 
 ser levada a efeito.
 
  
 
                 Não se negando que é sobremaneira relevante para a concessão de 
 um empréstimo, por entre o mais, a consideração de quem pode garantir ou 
 avalizar a obrigação ou as obrigações que dele decorrem, o que não deixa de ser 
 certo é que o Decreto nº 94/X contém outras vertentes prescritivas – já 
 referidas aquando da análise do artº 36º – que, acolhendo-se no princípio da 
 solidariedade, vão minimizar a proibição de prestação de garantia aos 
 empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas.
 
                  
 
                 Por outro lado, com a interpretação defendida a respeito do artº 
 
 36º do Decreto, que, como se disse, se entende ser também ser aplicável, com as 
 necessárias adaptações, ao artº 35º, este nem sequer se distinguirá 
 substancialmente, nos seus efeitos, do que se consagra no artº 29º da revoganda 
 Lei nº 13/98. 
 
  
 
                 Pelo que se é conduzido a concluir pela não violação do aventado 
 princípio quanto ao artº 35º do Decreto.
 
  
 
  
 
                 10. No que tange aos artigos 2º, parte final, e 57º do referido 
 Decreto, os quais, na visão dos requerentes, ofenderão a reserva de estatuto 
 político-administrativo das Regiões Autónomas, uma vez que prescrevem que a 
 editanda Lei de Finanças das Regiões Autónomas, abrangerá as matérias 
 respeitantes ao património regional, o que conflituaria com a alínea h) do nº 1 
 do artigo 227º da Constituição, é de evidência que, percorrendo o texto do ora 
 questionado Decreto, nele se não surpreende qualquer normativo de onde resulte a 
 regulação dos poderes de administração e disposição por parte das Regiões 
 Autónomas.
 
  
 
                 Mesmo que, com o enunciado do artº 2º, intentasse o legislador 
 que o diploma onde ele se insere efectivasse aquela regulação, o que é 
 inequívoco é que um tal hipotético intento não teve, nesse mesmo diploma, a 
 mínima concretização.
 
  
 
                 E se, porventura, ainda num tal hipotético intento, se quisesse 
 referir o legislador nacional à possibilidade de, numa futura revisão da lei de 
 finanças das Regiões Autónomas, a matéria respeitante ao património regional vir 
 aí a ser regulada, então é nítido que, numa tal situação, seriam os normativos 
 que se encontrassem no revisto diploma que se deveriam, a esse tempo, submeter 
 ao escrutínio da sua compatibilidade constitucional.
 
  
 
                 Já por outro lado, o artº 57º tão só representa uma mera 
 enunciação não prescritiva que nada adianta ao que a própria Constituição e os 
 estatutos das Regiões Autónomas, nesse particular, dispõem.
 
  
 
                 Não se tem, pelo exposto, por violada, pelos normativos em 
 apreço, a reserva de estatuto, mesmo pressupondo que o disposto na alínea h) do 
 nº 1 do artigo 227º da Constituição, ao dispor do jeito que dispõe, inculca um 
 esgotamento total da matéria tocante ao património das Regiões Autónomas. 
 
                 
 
  
 
                 11. Sustentam os requerentes que o nº 1 do artº 62º do Decreto 
 nº 94/X viola a competência exclusiva das Assembleias Legislativas das Regiões 
 Autónomas, motivo pelo qual enferma aquela disposição do vício de 
 inconstitucionalidade, por postergar o nº 1 do artigo 232º e a alínea i) do nº 1 
 do artigo 227º, um e outro da Lei Básica.
 
  
 
                 De harmonia com o nº 1 daquele artigo 232º, é da exclusiva 
 competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, no que ora interessa, 
 exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, e exercer as atribuições de 
 adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos da 
 lei-quadro da Assembleia da República.
 
  
 
                 Como se transcreveu acima, no nº 1 do artº 62º do Decreto nº 
 
 94/X estabelece-se que são definidas, por decreto-lei, as atribuições e as 
 competências necessárias ao exercício do poder tributário conferido às Regiões 
 Autónomas, nos casos em que estas considerem que a descentralização permite 
 corresponder melhor aos interesses das respectivas populações e se efectue a 
 regionalização de serviços do Estado e correspondentes funções.
 
  
 
                 No entender do Tribunal, a prescrição inserta em tal disposição 
 não implica que recaia nos órgãos da República (e, assim e mais concretamente, 
 que repouse na vontade legislativa do Governo da República) a definição de quais 
 as atribuições e competências que haverão de ser prosseguidas pelas Regiões 
 Autónomas com vista ao exercício do seu poder tributário próprio.
 
  
 
                 Na realidade, no entendimento que agora se perfilha, o que se 
 desenha em tal normativo é que haverão de ser as Regiões Autónomas a ponderar e 
 decidir, tendo em conta a sua visão sobre aquilo que entendam corresponder 
 melhor aos interesses das respectivas populações, se o desenvolvimento das 
 actividades administrativas e burocráticas se há-de processar por intermédio dos 
 serviços do Estado ou por intermédio de serviços regionalizados.
 
  
 
                 E, a optarem pela segunda via, então será por intermédio de 
 diploma emanado do Governo da República que se irá operar a transferência de 
 competências dos serviços estaduais para os serviços regionais, vindo depois 
 estes, necessariamente, a ser organizados pela forma que for determinada pelos 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.
 
  
 
                 Uma interpretação como a que agora é dada ao nº 1 do artº 62º do 
 Decreto nº 94/X significa, pois, de um lado, que, enquanto as Regiões Autónomas 
 não decidirem que a prossecução das actividades administrativas e burocráticas 
 atinentes ao exercício do poder tributário próprio que, constitucionalmente, 
 lhes compete, será levada a efeito por serviços regionalizados, ela é processada 
 pelos serviços estaduais, através dos respectivos departamentos; de outro que, 
 após terem as Regiões Autónomas optado pela regionalização daquelas actividades, 
 emitirá o Governo diploma que procederá à «transferência» dos serviços centrais 
 para os serviços regionalizados, cuja organização somente impende sobre os 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões.
 
  
 
                 Ora isto em nada contende com o exercício do poder tributário 
 próprio das Regiões Autónomas ou com a adaptação do sistema fiscal nacional às 
 especificidades regionais.
 
  
 
                 Trata-se, assim, de uma mera prescrição segundo a qual será 
 definida por decreto-lei a regionalização dos serviços com vista ao exercício do 
 poder tributário próprio regional nas situações em que as Regiões Autónomas 
 entendam que a regionalização desses serviços irá melhor servir os interesses 
 das respectivas populações. 
 
  
 
                 No fundo, mais não se consagra do que a definição, por 
 decreto-lei, do modo como se irá desenhar a futura regionalização dos serviços 
 estaduais, até então estruturados numa base hierárquica central, e que, até ao 
 momento da regionalização, têm levado a efeito a realização dos procedimentos 
 administrativos e burocráticos relativos à liquidação e cobrança dos tributos 
 que são considerados receitas próprias das Regiões, não se extraindo, assim, do 
 preceito o que quer que seja que vá «beliscar» a exclusividade, por banda das 
 Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, do tratamento da matéria 
 relacionada com o exercício do poder tributário próprio de tais Regiões.
 
  
 
                 E, consequentemente, não se lobriga ferimento do disposto no nº 
 
 1 do artigo 232º e da alínea i) do nº 1 do artigo 227º, este e aquele da Lei 
 Fundamental.
 
  
 
  
 
                 12. Resta a impostação da questão concernente à alegada violação 
 da alínea j) do nº 1 do artigo 227º da Lei Fundamental por parte dos artigos 3º, 
 
 7º, nº 5, e 37º, números 2 a 7, do Decreto nº 94/X, por violação do “princípio 
 contido no artigo 227º, n.º 1 alínea j) da CRP”.
 
  
 
                 Este preceito constitucional estabelece que as Regiões Autónomas 
 têm o poder de dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças dessas 
 Regiões, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma 
 participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um 
 princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas 
 que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas.
 
  
 
                 O princípio que, assim, é extraível da alínea j) do nº 1 do 
 artigo 227º e que é tido por violado pelos requerentes é o do asseguramento da 
 efectiva solidariedade nacional aquando do estabelecimento da participação nas 
 receitas tributárias do Estado.
 
  
 
                 E, de acordo com os peticionantes, o artº 3º do Decreto nº 94/X 
 violaria esse princípio ao não mencionar, no seu elenco, algum princípio 
 destinado a garantir aos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas os 
 meios necessários à prossecução das suas atribuições, bem como a disponibilidade 
 dos instrumentos adequados à promoção do desenvolvimento económico e social e do 
 bem-estar e da qualidade de vida das respectivas populações.
 
  
 
                 É facto que naquele artigo se não contém uma enunciação de 
 regras ou princípios de onde resulte, expressis verbis, a garantia de que os 
 
 órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas irão ser munidos dos meios 
 necessários e adequados às finalidades referidas pelos requerentes. 
 
  
 
                 Mas menos facto não é que, na enunciação nele efectivada, é 
 feita clara menção ao próprio princípio da solidariedade. 
 
  
 
                 Ora se este implica, no discurso dos requerentes, a assinalada 
 garantia, a menção dele mesmo não pode, sob pena de interna e profunda 
 contradição, deixar de integrar aquela.
 
  
 
                 Não se divisa, pelo exposto, o vício assacado pelos requerentes 
 tocantemente ao artº 3º do Decreto.
 
  
 
  
 
                 Invocam estes que o nº 5 do artº 7º do Decreto nº 94/X limita o 
 princípio da solidariedade quando postula que este é traduzido nas 
 transferências a que aludem os artigos 37º e 38º do mesmo diploma.
 
  
 
                 Em primeiro lugar, deve sublinhar-se que do normativo em questão 
 não se pode retirar que as transferências a que aludem os artigos 37º e 38º do 
 Decreto são a única forma pela qual se há-de considerar como traduzido ou 
 esgotado o princípio da solidariedade.
 
  
 
                 E, logo por aí, se seria levado à conclusão da improcedência do 
 argumento aduzido.
 
  
 
                 Mas, com maior relevo, o que é de limpidez é que, como deflui do 
 que já foi dito no presente aresto, outras várias prescrições, incluindo as que 
 se contêm no próprio artº 7º, se divisam no articulado do Decreto em análise e 
 das quais, indubitavelmente, se retira que a solidariedade – na óptica 
 unidireccional do Estado em face das Regiões Autónomas – se não esgota tão só 
 nas transferências (cfr., a título de exemplo, os artigos 5º e 39º a 43º).
 
  
 
                 Finalmente, pelo que toca ao artº 37º, números 2 a 7, do Decreto 
 nº 94/X, deve anotar-se que é facilmente verificável, dados os termos como o 
 pedido, quanto a esses normativos, se encontra formulado, que os solicitantes 
 aduzem, de uma parte, motivos que se reconduzem a uma por si descortinada ofensa 
 ao disposto no nº 2 do artº 118º do Estatuto Político-Administrativo da Região 
 Autónoma da Madeira e, de outra, razões que desaguam, substancialmente, naquilo 
 que qualificam como uma “violação grosseira dos princípios da boa fé e da 
 segurança no relacionamento institucional e do princípio da confiança no Estado, 
 situação que se agrava com a total imprevisibilidade, surpresa e inesperado, das 
 medidas adoptadas pelo Decreto em questão por contrariarem os compromissos 
 assumidos no Programa do Governo e as legítimas expectativas criadas à Região 
 Autónoma da Madeira”, e uma violação do regime autonómico insular.
 
  
 
                 Ora, quanto aos primeiros motivos, em vista do que se veio de 
 expor no antecedente ponto 6., não é aqui cabido enfrentar a questão nos moldes 
 em que foi equacionada.
 
  
 
                 Já pelo que toca às outras razões, o seu tratamento no ponto em 
 questão foi já levado a efeito nos precedentes pontos 8., 8.1 e 8.2. 
 
  
 
                 E concluindo-se neles o que se concluiu, também agora, na 
 parametrização com a alínea j) do nº 1 do artigo 227º do Diploma Básico, se 
 rematará por juízo de não desconformidade constitucional.
 
  
 
  
 IV
 
  
 
  
 
                 13. Perante o exposto, não se pronuncia este Tribunal pela 
 inconstitucionalidade das normas vertidas nos artigos 2º, parte final, 3º, 7º, 
 nº 5, 19º, nº 1, 35º, 36º, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, 57º, 62º, nº 
 
 1, e 66º, todos do Decreto da Assembleia da República registado com o nº 94/X.
 
  
 Lisboa, 12 de Janeiro de 2007
 
  
 Bravo Serra
 Gil Galvão
 Maria João Antunes
 Vítor Gomes
 Carlos Pamplona de Oliveira
 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
 
                   Maria Helena Brito (com declaração)
 
                                Maria Fernanda Palma (com declaração de voto)
 
                                           Benjamim Rodrigues (vencido em parte 
 nos termos da declaração de voto anexa)
 
                                           Mário José de Araújo Torres (vencido, 
 em parte, nos termos da declaração de voto)
 
                                        Rui Manuel Moura Ramos (vencido, em 
 parte, nos
 
                                    termos da declaração de voto junta).
 
                                               Paulo Mota Pinto (vencido, em 
 parte, nos termos da 
 
                                     declaração de voto que junto)
 Artur Maurício
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
     Votei integralmente o presente acórdão, pelos fundamentos que dele constam.
 
  
 
     Relativamente à matéria tratada nos n.ºs 9.1. e 12. do acórdão, acrescento 
 todavia, de modo muito breve, o seguinte:
 
  
 
     Em meu entender, a questão de constitucionalidade suscitada pelos 
 requerentes na parte A) do pedido quanto a certas normas do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 94/X – concretamente em relação às normas dos 
 artigos 3º, 7º, n.º 5, 35º e 37º, n.ºs 2 a 7 (páginas 4 a 20 do requerimento 
 apresentado perante este Tribunal) – prende-se afinal com a competência da 
 Assembleia da República para aprovar tais normas.
 
  
 
     Ora, a Constituição dispõe que “é da exclusiva competência da Assembleia da 
 República legislar sobre o regime de finanças das regiões autónomas” (artigo 
 
 164º, alínea t)), que “as relações financeiras entre a República e as regiões 
 autónomas são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164º” 
 
 (artigo 229º, n.º 3) e que a lei que estabelece tal regime “reveste a forma de 
 lei orgânica” (artigo 166º, n.º 2).
 
  
 
     Perante este quadro constitucional, a regulação das relações financeiras 
 entre a República e as regiões autónomas constitui matéria da reserva absoluta 
 da Assembleia da República, pelo que – como de resto se afirma na resposta do 
 Presidente da Assembleia (cfr. o n.º 2 do texto do acórdão) – “não se julga ser 
 possível que, por via estatutária, este órgão de soberania sofra uma ablação 
 jurídica na sua competência legislativa absolutamente reservada”.
 
  
 
     Ao legislar, nos termos em que o fez, sobre as finanças das regiões 
 autónomas, no Decreto em apreciação, a Assembleia da República não excedeu 
 portanto os limites da sua competência, contrariamente ao que afirmam os 
 requerentes.
 Maria Helena Brito
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
     Tal como é referido no Acórdão, entendo que não pode ser conhecida, em sede 
 de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a eventual violação de normas 
 do Estatuto das Regiões. Ainda assim, tomaria conhecimento das normas 
 sindicadas, em função da interpretação que faço do pedido e tendo em conta que 
 os requerentes invocam a violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da 
 Constituição à luz do princípio da “prevalência do estatuto”. 
 
           Considero que o argumento dos requerentes segundo o qual o conteúdo 
 das normas em crise não é da competência das leis da República, mas sim, 
 exclusivamente, do estatuto, constitui uma verdadeira questão de 
 constitucionalidade. Trata-se, na verdade, de debater o âmbito da reserva de 
 estatuto – questão nuclear da organização do poder político, relativa ao 
 relacionamento entre os órgãos de soberania e as regiões autónomas.
 
     No entanto, as normas em causa não se incluem na reserva de estatuto, 
 precisamente por dizerem respeito ao financiamento das regiões autónomas. Está 
 em causa, neste âmbito, o relacionamento entre o Estado e essas regiões. Por 
 conseguinte, não se verifica qualquer violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea 
 j), da Constituição, norma que pressupõe a definição prévia dos recursos 
 financeiros a atribuir às regiões e lhes confere, ao abrigo da autonomia, 
 competência para disporem de tais recursos.
 Maria Fernanda Palma
 
  
 
  
 
 1 – Votei vencido quanto à decisão relativa às normas constantes dos artigos 
 
 35.º, 36.º e do artigo 66.º, este quando conjugado com as normas constantes dos 
 artigos 19.º, n.º 1, 32.º, nºs 2 a 7, e 38.º, nºs 2 e 3 do Decreto da Assembleia 
 da República n.º 94/X, a que se reporta o pedido, pelas razões que sucintamente 
 se expõem.
 
  
 
     2 – Diz-se, respectivamente, nos artigos 35.º e 36.º:
 
     “Sem prejuízo das situações legalmente previstas, os empréstimos a emitir 
 pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar de garantia pessoal do Estado”
 
     e          
 
     “Sem prejuízo das situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir 
 responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem assumir os 
 compromissos que decorram dessas obrigações”.
 
  
 
     Antes de mais, importa notar que não é claro o sentido do âmbito material da 
 ressalva constante de qualquer destes preceitos. 
 
     Os seus termos tanto podem referir-se às situações concretas constituídas de 
 acordo com as leis em vigor; como às situações previstas em abstracto, sobre a 
 matéria, nas leis que estão em vigor; como, ainda, às situações enquadráveis nos 
 regimes consagrados nos artigos 42.º (protocolos financeiros) e 43.º (apoio 
 extraordinário), como, finalmente, às situações que venham a ser previstas em 
 lei futura, independentemente do seu tipo (se lei ordinária do Governo ou da 
 Assembleia da República, se lei orgânica, se lei reforçada). 
 
     É, todavia, claro, para nós, que o sentido mais ajustado aos termos verbais 
 do Decreto da Assembleia da República em causa e à teleologia dos preceitos é, 
 sem dúvida, o primeiro, sendo de notar, de resto, que o último, 
 independentemente de deixar em aberto a questão de saber a qual dos diferentes 
 tipos de lei se referiria, mais não corresponderia, no caso de lei de igual 
 valor normativo, do que a um acrescentamento futuro de uma circunstancial e 
 específica ressalva que, como tal, não careceria logicamente de ser 
 antecipadamente prevista.
 
     De registar, ainda, que, constituindo a emissão de empréstimos e a assumpção 
 de obrigações uma expressão de autonomia jurídica, no caso, de natureza 
 político-territorial e de âmbito regional, não pode deixar de aceitar-se que a 
 solução de considerar directamente vinculadas, apenas, as regiões autónomas que 
 praticam tais actos corresponde a um simples corolário dessa autonomia.
 
     Mas a questão não se coloca nesse plano. O que importa saber é se o Estado, 
 na sua veste de pessoa nacional, pode excluir, de plano, fora das “situações 
 legalmente previstas”, a possibilidade de ponderar, face às específicas ou 
 eventualmente anormais circunstâncias do caso, conceder a sua garantia pessoal 
 ou até assumir o cumprimento das obrigações em favor das regiões autónomas.
 
     Não controvertemos que o Estado possa decidir, após concreta ponderação, não 
 conceder a sua garantia pessoal aos empréstimos que as regiões autónomas possam 
 vir a emitir no futuro, como, igualmente, não pomos em causa que o Estado possa 
 decidir não assumir responsabilidade pelas obrigações das Regiões Autónomas, nem 
 assumir os compromissos que decorram dessas obrigações.
 
     O que entendemos é que, qualquer que seja o exacto sentido a conferir 
 
 àquelas expressões verbais, as normas em causa ferem diversos princípios 
 constitucionais, conjugadamente interpretados, quando entendidos de modo a 
 excluir toda a possibilidade de ponderação dos interesses regionais e nacionais 
 atinentes à matéria.
 
     Na verdade, temos para nós que decorre – do princípio do Estado de direito 
 democrático, consagrado no artigo 2.º, na sua dimensão de Estado baseado no 
 pluralismo de organização política democrática e de separação e interdependência 
 de poderes; do princípio do Estado unitário que respeita na sua organização e 
 funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da 
 autonomia das autarquias locais e da descentralização administrativa, constante 
 do artigo 6.º; do princípio de que a organização democrática do Estado 
 compreende a existência de autarquias locais, afirmado no artigo 235.º, e 
 finalmente, do princípio da autonomia das regiões autónomas e da sua 
 funcionalidade constitucional, contempladas no artigo 225.º, n.º 2, todos os 
 preceitos da Constituição, quando conjugadamente interpretados – que o Estado, 
 podendo auto-organizar-se territorialmente como quiser em diferentes pessoas 
 colectivas territoriais, desde que o faça segundo os diversos modos 
 constitucionalmente previstos (Estado pessoal titular de órgãos de soberania; 
 regiões autónomas e autarquias locais), bem como conformar nos termos que 
 entender o património inalienável ou os bens do domínio público das pessoas 
 colectivas territoriais, restringindo, desse modo, o âmbito do património de 
 tais pessoas que constitui garantia comum ou especial do cumprimento das suas 
 obrigações (cf. art. 817.º do Código Civil e 822.º do Código de Processo Civil), 
 não pode afastar, de plano ou de modo absoluto, a possibilidade de ponderação do 
 recurso aos bens jurídicos previstos em tais preceitos (garantia pessoal do 
 Estado e assumpção de dívidas das regiões por parte do mesmo), por banda das 
 regiões autónomas (tal como as autarquias locais).
 
     Lembre-se, de resto, que não existe preceito semelhante ao do artigo 35.º do 
 Decreto da Assembleia aqui em causa na Lei das Finanças Locais relativamente às 
 autarquias locais ou até para as empresas públicas, sem que se deslinde uma 
 razão material ou objectiva para a diferenciação. 
 
     A exclusão total de utilização dos bens jurídicos constantes dos artigos 
 
 35.º e 36.º constitui uma medida legislativa manifestamente desproporcionada ao 
 escopo da redução da despesa pública e do equilíbrio financeiro das regiões, 
 justificando-se apenas num eventual interesse de retirar do controlo e da 
 discussão políticas as concretas decisões que sobre tais matérias viesse a tomar 
 o Governo nacional, no caso de lhe vir a ser solicitada a sua intervenção, em 
 algumas situações.
 
     É claro que as regiões autónomas (como as autarquias locais) são, 
 constitucionalmente, pessoas colectivas territoriais diferentes entre si e em 
 relação à pessoa colectiva territorial Estado soberano, pelo que, 
 constitucionalmente, não podem deixar de ser titulares de interesses, 
 atribuições e competências diferentes. 
 
     Por outro lado, não pode desconhecer-se que, dentro de cada modo de 
 organização política, constitucionalmente previsto, e na relação entre eles, 
 vale o princípio da separação e de interdependência de poderes. 
 
     Mas apesar de serem titulares de atribuições, competências e poderes 
 constitucionais diferentes e de, nestes, deverem respeitar o princípio da 
 separação e de interdependência, todos estão adstritos, nas suas relações, a 
 agir de acordo com o princípio da solidariedade e da coesão nacionais.
 
     Nesta perspectiva, as regiões e as autarquias locais realizam o mesmo Estado 
 nacional, se bem que numa específica dimensão territorial em que o mesmo se 
 auto-organiza.
 
     É nesta perspectiva que ganha todo o sentido a prescrição constante do n.º 2 
 do artigo 225º da Constituição, segundo a qual “a autonomia das regiões visa a 
 participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a 
 promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade 
 nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses”.
 
     Ora, sendo assim, não pode o Estado soberano, sem quebra da solidariedade e 
 da coesão nacionais, permitir, por um lado, às suas pessoas colectivas 
 territoriais, em que o mesmo se organiza, o acesso a certos bens jurídicos, como 
 são os referidos nos preceitos, e, por outro lado, obstar a uma tal utilização 
 no seu máximo grau, potenciado pela sua intervenção enquanto Estado territorial 
 unitário soberano, sem que intervenha um concreto momento de ponderação das 
 situações concretas, susceptíveis de corresponder à satisfação dos interesses 
 regionais e nacionais cuja prossecução lhes está cometida, momento esse sedeado, 
 seja no Parlamento, seja no Governo.
 
     Na verdade, há-de convir-se serem muito diferentes as possibilidades de 
 satisfação das suas pretensões de obtenção de crédito quando as regiões 
 concorram a ele sozinhas ou oferecendo a garantia pessoal que o Estado assuma 
 dar. 
 
     Por outro lado, são, também substancialmente, diferentes as condições em que 
 as regiões podem contratar se os credores souberem que o Estado não exclui de 
 todo uma ponderação de poder vir a assumir a responsabilidade pelo cumprimento 
 de obrigações decorrentes de compromissos que as regiões assumam, no caso de tal 
 cumprimento se lhes vir a tornar praticamente impossível ou 
 desproporcionadamente tardio.
 
     Ora, pese, embora, estejam previstas, nos artigos 42.º e 43.º do Decreto da 
 Assembleia em causa, situações em que esse dever de solidariedade nacional se 
 pode concretizar, há-de convir-se – independentemente de a utilização do 
 instrumento previsto no primeiro preceito poder proporcionar tratamentos 
 políticos discriminatórios – poderem sobrevir muitas outras situações em que o 
 dever de solidariedade e de coesão nacionais adquire um tal grau de intensidade 
 que não pode deixar de reclamar uma atitude de concreta ponderação do Estado em 
 auxiliar, sob qualquer dos modos previstos nos artigos 35.º e 36.º, as suas 
 regiões autónomas. 
 
     O caso mais evidente será o de as regiões autónomas terem que assumir 
 dívidas para fazer face ao incumprimento das obrigações financeiras do Estado 
 para com as mesmas regiões autónomas. 
 
     Mas é possível cogitar outras, como sejam, por exemplo, circunstâncias 
 exteriores, diferentes das previstas no artigo 43.º, que incidam de tal modo 
 violentamente sobre a estrutura da base económica das regiões que estas fiquem 
 em sérias dificuldades para poder prosseguir a satisfação do essencial dos 
 interesses das respectivas populações.
 
  
 
     3 – Entendemos, ainda, que a norma do artigo 66.º, conjugado com as normas 
 constantes dos artigos 19.º, n.º 1, 32.º, nºs 2 a 7, e 38.º, nºs 2 e 3 do 
 Decreto da Assembleia da República n.º 94/X, é também inconstitucional, por 
 violação do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º 
 da Constituição, na sua dimensão de tutela da confiança.
 
     Na verdade, conquanto o princípio da tutela da confiança tenha sido 
 encarado, na jurisprudência do Tribunal Constitucional, essencialmente, na 
 perspectiva da defesa de direitos e de interesses legalmente protegidos de 
 pessoas jurídicas de natureza diferente das que estão em causa, não pode deixar 
 de inferir-se, ainda, de tal princípio do Estado de direito democrático, uma 
 exigência constitucional de tutela da confiança das pessoas colectivas públicas 
 territoriais numa não alteração, abrupta e temporalmente inadequada, da 
 legislação que, dentro dos termos em que se organizam constitucional e 
 legalmente as suas relações de poder, prevê os meios jurídicos e financeiros com 
 base nos quais elas podem levar a cabo a satisfação dos interesses regionais que 
 a Constituição e a lei põem a seu cargo.
 
     Ora, se não é de conferir a tal princípio, como se sustenta no acórdão, um 
 conteúdo tal que afaste a admissibilidade de qualquer grau de revisibilidade 
 legislativa dos critérios de repartição dos recursos financeiros advindos da 
 cobrança de IVA que tenha conexão territorial com as regiões autónomas ou dos 
 termos em que deve ser assegurado o tipo de receitas a que aludem os artigos 
 
 37.º e 38.º do Decreto da Assembleia da República em causa, que leve em conta as 
 circunstanciais dificuldades financeiras do todo nacional, não pode, todavia, 
 incluir-se, no âmbito dessa revisibilidade permitida constitucionalmente, a 
 situação em que as regiões autónomas acabaram por não poder conformar os seus 
 orçamentos para o ano de 2007 em função do nível de receitas provenientes de IVA 
 e de transferências do Orçamento do Estado que decorre da aplicação dos novos 
 critérios legais constantes dos referidos preceitos. 
 
     Na verdade, no momento em que estavam legalmente vinculadas a elaborar e 
 aprovar o seu Orçamento para o ano de 2007 e, consequentemente, a eleger, para 
 as respectivas suas populações, as necessidades regionais a satisfazer durante 
 tal ano económico, as Regiões apenas podiam desonerar-se desse dever legal 
 exactamente com cumprimento pela lei então vigente.  
 Deste modo, só com base na confiança na manutenção do regime financeiro então em 
 vigor poderiam elas elaborar o seu Orçamento, não lhes sendo lícito conformá-lo 
 em função de uma futura e profunda alteração, de conteúdo ou contornos então 
 indefinidos, dos critérios normativos então vigentes.
 Não se diga que o art. 59.º do Decreto da Assembleia, contemplando cláusulas de 
 salvaguarda, obvia ao resultado intolerável no ano económico de 2007, no que 
 tange às receitas do Fundo de Coesão. 
 Na verdade, face ao seu n.º 3, é sempre possível uma redução do Fundo de Coesão 
 relativamente aos anos anteriores, se bem que numa percentagem inferior à que se 
 mostra estabelecida no artigo 38.º
 
     As regiões vêem-se, assim, obrigadas a fazer uma aplicação retroactiva 
 daqueles preceitos e abdicar da satisfação de necessidades regionais cuja 
 pacificação tinham projectado. 
 
     Ora, traduzindo-se uma tal aplicação retroactiva, relativamente ao ano de 
 
 2007, numa diminuição substancialmente acentuada do volume de receitas, advindas 
 de tais fontes legais, e afectando essa diminuição de modo profundo e imprevisto 
 as expectativas regionais quanto ao nível efectivo das necessidades públicas 
 regionais a satisfazer, cuja eleição não poderia deixar, naquele momento, de ser 
 feita no exacto cumprimento da lei então vigente, não pode essa alteração deixar 
 de ser considerada como desproporcionada, injustificada e intolerável.
 Benjamim Rodrigues
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
     Votei vencido por entender que: (i) o Tribunal Constitucional devia ter 
 conhecido da questão de inconstitucionalidade, suscitada pelos requerentes, 
 relativa à violação da “reserva de estatuto”; (ii) padecem de 
 inconstitucionalidade, por violação dos princípios da solidariedade nacional e 
 da igualdade, as normas dos artigos 35.º e 36.º do Decreto da Assembleia da 
 República n.º 94/X, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, 
 revogando a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro; (iii) são inconstitucionais, por 
 violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito 
 democrático, as disposições conjugadas dos artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.ºs 2 a 
 
 7, 38.º, n.ºs 2 e 3, e 66.º do mesmo Decreto; e (iv) não é suportada pelo teor 
 literal do artigo 62.º, n.º 1, do referido Decreto a interpretação “conforme à 
 Constituição” que dele é feita no precedente acórdão.
 
  
 
     1. Conhecimento da questão de inconstitucionalidade, suscitada pelos 
 requerentes, relativa à violação da “reserva de estatuto”.
 
     Na Parte A) do pedido – epigrafada de “Violação do princípio constitucional 
 da prevalência hierárquica dos Estatutos Político‑Administrativos das Regiões 
 Autónomas em face das restantes leis, mesmo as de valor reforçado, ínsito na 
 conjugação dos artigos 161.º, alínea b), 168.º, n.º 6, alínea f), 226.º, 280.º, 
 n.º 2, alínea c), e 281.º, n.º 1, alínea d), da CRP, e ainda do princípio 
 contido no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP” e que se estende sob os n.ºs 
 
 8 a 76 –, os requerentes sustentam duas questão de natureza distinta: (i) a 
 questão da contrariedade (material) entre, por um lado, as disposições dos 
 artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.ºs 2 a 7, do Decreto n.º 94/X e, por 
 outro lado, disposições constantes dos Estatutos Político‑Administrativos das 
 Regiões Autónomas, designadamente o Estatuto Político‑Administrativo da Região 
 Autónoma da Madeira (EPARAM); e (ii) a questão da violação da reserva de 
 estatuto, reportada ao artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da 
 República Portuguesa (CRP), centrada na inadmissibilidade constitucional de 
 serem tratadas na Lei de Finanças das Regiões Autónomas matérias que 
 constituiriam objecto necessário de tratamento estatutário.
 
  
 
     1.1. Acompanho o precedente acórdão quando nele se decide que a primeira das 
 apontadas questões, sendo uma questão de ilegalidade, é insusceptível de ser 
 apreciada em sede de fiscalização preventiva de normas, já que a CRP (artigo 
 
 278.º) limita a intervenção do Tribunal Constitucional, neste âmbito, à 
 apreciação de questões de inconstitucionalidade. Por mais patente que se entenda 
 ser a contradição entre normas do Decreto em causa e disposições estatutárias 
 
 (designadamente a constante do artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM), trata‑se de 
 questão que o Tribunal Constitucional apenas poderá conhecer em sede de futuro 
 pedido de fiscalização abstracta sucessiva da legalidade (artigo 281.º, n.º 1, 
 alínea d), da CRP).
 
  
 
     1.2. Entendi, porém, que nenhum obstáculo existia à apreciação da questão – 
 que é manifestamente uma questão de constitucionalidade – que os requerentes 
 explicitamente suscitaram na segunda parte da secção A) do seu pedido (n.ºs 39 
 e seguintes), consistente no entendimento de que a matéria sobre que versa o 
 Decreto em causa (regulação das finanças regionais e das relações financeiras 
 entre o Estado e as Regiões Autónomas) tinha de constar dos estatutos regionais, 
 por tal ser constitucionalmente imposto.
 
     Apesar da sua extensão, cumpre transcrever as pertinentes passagens do 
 pedido, onde, a seguir à defesa da tese de que disposições do Decreto contrariam 
 
 (materialmente) disposições dos Estatutos, se aduz (sublinhados acrescentados, 
 com supressão dos sublinhados originais):
 
  
 
 “39) Mas não só: há também uma violação do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da 
 CRP.
 
 40) É que não se pode dizer que, pelo facto de o n.º 3 do artigo 229.º da CRP 
 determinar que «as relações financeiras entre a República e as regiões autónomas 
 são reguladas através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º», essa não é 
 uma matéria estatutária e, menos ainda, que as disposições dos Estatutos 
 respeitantes à autonomia financeira regional cedem perante a lei de finanças das 
 Regiões Autónomas, porque não cedem de modo algum, já que, como se demonstrará, 
 da Constituição decorre exactamente o contrário.
 
 41) É que a referida norma constitucional (artigo 229.º, n.º 3) tem de ser 
 articulada e conjugada com o disposto noutras normas constitucionais, 
 nomeadamente com a prevista no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), da CRP, segundo 
 o qual «As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os 
 seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos: (...) dispor, nos termos 
 dos estatutos e da lei de finanças das regiões autónomas, das receitas fiscais 
 nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas receitas tributárias 
 do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que assegure a efectiva 
 solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam atribuídas e 
 afectá‑las às suas despesas» (…).
 
 42) Quer isto dizer que a Constituição não afasta, pelo contrário, acolhe, o 
 princípio de os Estatutos Político‑Administrativos definirem matéria 
 respeitante à autonomia financeira regional e, ao fazê‑lo, reconhece 
 expressamente que as demais leis, incluindo a lei de finanças das Regiões 
 Autónomas, têm de se subordinar, nesta matéria, ao disposto naqueles diplomas de 
 natureza para‑constitucional.
 
 43) Não poderia ser, aliás, de outra maneira, porquanto a autonomia financeira 
 das Regiões Autónomas constitui uma das vertentes mais importantes da autonomia 
 regional.
 
 44) Autonomia significa, como é óbvio, autonomia política, legislativa, 
 financeira e administrativa, estando todas estas vertentes constitucionalmente 
 garantidas às Regiões Autónomas, pelo que todas elas devem estar reguladas nos 
 respectivos Estatutos, integrando mesmo o núcleo fundamental do seu acervo 
 material.
 
 45) Efectivamente, e além do mais, não há autonomia regional sem autonomia 
 financeira, pelo que, em nenhuma circunstância, os Estatutos poderiam ser 
 amputados ou subalternizados em relação a vertente tão relevante.
 
 46) Por assim ser, a autonomia financeira das Regiões Autónomas não pode deixar 
 de integrar, por imperativo constitucional, o âmbito material estatutário, ou 
 seja, estão em causa normas relativamente às quais não pode haver discussão ou 
 dúvidas sobre a sua natureza materialmente estatutária – cfr. artigo 227.º, n.º 
 
 1, alíneas i) e j), da CRP. 
 
 47) Com efeito, a autonomia financeira regional não se inclui no âmbito 
 estatutário apenas por integrar os poderes das Regiões, a definir nos 
 respectivos Estatutos, já que faz mesmo parte do seu núcleo fundamental – cfr. 
 artigo 227.º da CRP. 
 
 48) Na verdade, as matérias da autonomia financeira regional integram os poderes 
 das Regiões identificados no artigo 227.º da CRP (maxime alíneas i) e j) do n.º 
 
 1), pelo que as normas que a regulam – artigo 118.º, n.º 2, da EPARAM – têm, por 
 isso, imperativamente, natureza materialmente estatutária na sua dimensão 
 essencial.
 
 49) Por isso, os Estatutos Político‑Administrativos das Regiões Autónomas podem 
 e devem regular os princípios e conter as normas que balizam a autonomia 
 financeira regional, adquirindo estas a força jurídica específica dos normativos 
 estatutários – são regras para‑constitucionais e não disposições indevidamente 
 inseridas nos Estatutos, o mesmo é dizer, apenas formalmente estatutárias.
 
 50) A concretização da autonomia financeira regional, isto é, a definição dos 
 meios financeiros concretos de que dispõem as Regiões Autónomas é que são 
 definidos, por força do disposto no artigo 229.º, n.º 3, da CRP, na lei de 
 finanças das Regiões Autónomas, mas a verdade é que tal disposição não exclui, 
 nem afasta, os demais normativos constitucionais aplicáveis e a que a própria 
 lei de finanças das Regiões Autónomas tem de se subordinar.
 
 51) Ou seja, os princípios e as normas definidoras da autonomia financeira 
 regional inserem‑se no conteúdo necessário das leis estatutárias (incluem‑se na 
 reserva de Estatuto), por se reportarem aos poderes das Regiões (artigo 227.º) a 
 respectiva concretização, e sem prejuízo das demais disposições constitucionais 
 citadas, e no tocante às relações financeiras entre o Estado e as Regiões 
 Autónomas é que se encontra fora desse âmbito e deve ser regulada na lei de 
 finanças das Regiões Autónomas, que tem de se subordinar, designadamente, ao 
 disposto no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, que deu expressa execução à alínea 
 j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.
 
 52) Tanto assim é que o próprio Decreto n.º 94/X o reconhece ao definir, no seu 
 artigo 1.º, que «a presente lei tem por objecto a definição dos meios de que 
 dispõem as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira para a concretização da 
 autonomia financeira consagrada na Constituição e nos estatutos 
 político‑administrativos» (…).
 
 53) Ora, as normas estatutárias que supra se referiu como sendo 
 inconstitucionalmente contrariadas por normas do Decreto da Assembleia da 
 República ora em apreciação, a saber, o artigo 97.º, n.º 2, do EPARAA e os 
 artigos 105.º, n.º 2, 117.º e 118.º, n.º 2, do EPARAM, são normas delimitadoras 
 da autonomia financeira regional e, como tal, repete‑se, são normas 
 materialmente estatutárias e são‑no, não por mera razão de princípio ou 
 doutrinária, mas porque a Constituição o expressamente impõe, ao habilitar o 
 Estatuto a fazê‑lo (alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP).
 
 54) Certo é que, sempre e em qualquer caso, tratando‑se de normas que asseguram, 
 no plano dos princípios e das regras estruturantes, a autonomia financeira das 
 Regiões, devem, por isso, ser respeitadas pela lei de finanças das Regiões 
 Autónomas, o que, todavia, não sucedeu nos termos já atrás expostos.
 
 55) Não será despiciendo, a este propósito, referir que os artigos 105.º, 117.º 
 e 118.º do EPARAM foram aditados através da Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto 
 
 (primeira revisão ao Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da 
 Madeira), ou seja, depois da Revisão Constitucional de 1997, que aditou um novo 
 n.º 3 ao artigo 229.º da CRP, segundo o qual as relações financeiras entre a 
 República e as Regiões Autónomas são reguladas através da lei de finanças das 
 Regiões Autónomas, mas que também introduziu a alínea j) do n.º 1 do artigo 
 
 227.º, com a sua actual redacção, o que reforça precisamente a sua natureza de 
 normas delimitadoras da autonomia financeira regional, que se integram no âmbito 
 da reserva de Estatuto e, por isso, neste domínio, é aquela lei que se tem de 
 subordinar e respeitar o Estatuto e não o contrário.
 
 56) Convém esclarecer que, quando a Constituição prevê directamente a regulação 
 de certas matérias nos Estatutos, as normas destes que concretizem tais 
 determinações da Lei Fundamental são, inequivocamente, por imposição 
 constitucional, materialmente estatutárias, sendo, assim, por natureza, 
 subtraídas a qualquer controvérsia neste domínio.
 
 57) Com efeito, nos casos em que a Constituição determine a sua regulação pelos 
 Estatutos, as normas que têm execução ao determinado pela Lei Fundamental, 
 ganham materialidade estatutária, por imperativo constitucional, como é o caso 
 do n.º 2 do artigo 118.º do EPARAM, que mais não é, como já se referiu, do que a 
 concretização do previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP.
 
 58) Ninguém duvida, por exemplo, que, quando o artigo 231.º, n.º 7, da CRP 
 determina que «O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das 
 regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos 
 político‑administrativos”, tal definição se integra no âmbito materialmente 
 estatutário.
 
 59) Acresce referir que as disposições constitucionais não se excluem umas às 
 outras, antes se conjugam e se coordenam.
 
 60) Assim, se é verdade que o artigo 229.º, n.º 3, da CRP determina que «As 
 relações financeiras entre a República e as regiões autónomas são reguladas 
 através da lei prevista na alínea t) do artigo 164.º», não é menos verdade que o 
 artigo 227.º, n.º 1, alínea j), estabelece que «As regiões autónomas são pessoas 
 colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos 
 estatutos: (...) dispor, nos termos dos estatutos e da lei de finanças das 
 regiões autónomas, das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de 
 uma participação nas receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com 
 um princípio que assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras 
 receitas que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas» (…).
 
 61) Ou seja, a Constituição não se limita a dizer que as relações financeiras 
 entre o Estado e as Regiões Autónomas são reguladas na lei de finanças 
 regionais, já que, neste domínio, e como já se demonstrou, contém outras 
 disposições para além do artigo 229.º, n.º 3.
 
 62) Se assim fosse (e só em tal hipótese), estaria obviamente vedado aos 
 Estatutos a possibilidade de integrarem no seu corpo normativo matéria 
 respeitante às finanças regionais, o que, aliás, atenta à relevância essencial 
 da questão financeira para a autonomia regional, seria absurdo.
 
 63) Na verdade, o que a Constituição diz, duas vezes seguidas – no proémio do 
 n.º 1 e no corpo da alínea j) do artigo 227.º, é que aos Estatutos cabe definir 
 a matéria relativa à disposição das receitas fiscais cobradas ou geradas nas 
 Regiões Autónomas, bem como a uma participação nas receitas tributárias do 
 Estado (dotação orçamental anual) e à disposição de outras receitas que lhes 
 sejam atribuídas e afectá‑las às suas despesas, usando duas vezes a expressão 
 
 «nos termos dos Estatutos» e esses «termos» são os do artigo 118.º, n.º 2, do 
 EPARAM.
 
 64) Isto significa que foi opção deliberada do legislador constituinte 
 subordinar a lei de finanças das Regiões Autónomas, nas vertentes referidas na 
 alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, às normas dos Estatutos 
 Político‑Administrativos que deram concretização àquele comando constitucional.
 
 65) Tanto assim é que, quer a redacção do artigo 227.º, n.º 1, alínea j), quer a 
 do artigo 229.º, n.º 3, da CRP, foram ambas fixadas na revisão constitucional 
 de 1997 e, portanto, têm de ser aplicadas conjugada e coordenadamente e não de 
 forma a excluírem‑se entre si.
 
 66) Com efeito, a mesma revisão constitucional que aditou um novo n.º 3 ao 
 artigo 229.º, segundo o qual as relações financeiras entre o Estado e as Regiões 
 Autónomas são reguladas na lei de finanças regionais, foi precisamente a mesma 
 que, em simultâneo, determinou, no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), que as 
 Regiões Autónomas tivessem o poder, «a definir nos respectivos estatutos», de 
 
 «dispor, nos termos dos Estatutos e das lei de finanças das regiões autónomas, 
 das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas, bem como de uma participação nas 
 receitas tributárias do Estado, estabelecida de acordo com um princípio que 
 assegure a efectiva solidariedade nacional, e de outras receitas que lhes sejam 
 atribuídas e afectá-las às suas despesas» (…).
 
 67) Esta simultaneidade na fixação da redacção dos preceitos em questão não 
 deixa margem para dúvidas de que foi inequívoca a intenção do legislador 
 constitucional em habilitar duas leis a regular a matéria das finanças 
 regionais, conferindo, também, a uma delas – o Estatuto – o papel 
 parametrizador da lei das finanças regionais na vertente relativa à dotação 
 orçamental a atribuir pelo Estado às Regiões Autónomas (participação nas 
 receitas tributárias do Estado).
 
 68) E percebe‑se perfeitamente o porquê dessa opção constitucional, de caso 
 pensado.
 
 69) É que dessa forma se parametriza, por força da prevalência hierárquica dos 
 Estatutos em face das restantes leis, a própria lei das finanças regionais, de 
 modo a assegurar a efectiva solidariedade para com as Regiões Autónomas que a 
 Constituição impõe – cfr. artigos 225.º, 227.º, n.º 2, alínea j), e 229.º, n.º 
 
 1, da CRP.
 
 70) O legislador constitucional quis balizar a lei das finanças das Regiões 
 Autónomas às disposições estatutárias, o que é perfeitamente compreensível e 
 desejável, pois não é pensável que dispensasse os Estatutos de regular, 
 minimamente, tal matéria.
 
 71) A Constituição não quis deixar um cheque em branco ao legislador da lei das 
 finanças regionais, impondo que este observasse as normas relativas à autonomia 
 financeira regional vertidas nos Estatutos, o que, aliás, bem se compreende, 
 tendo em consideração que a autonomia financeira é uma vertente essencial da 
 autonomia regional.
 
 72) Ao prever normas como a constante no artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM, os 
 Estatutos conformam‑se com a Constituição, pelo que o desrespeito daquela 
 disposição estatutária pelo Decreto em causa é também, ao mesmo tempo, violação 
 da alínea j) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, enfermando, assim, 
 simultaneamente, de ilegalidade e de inconstitucionalidade.
 
 73) Afinal é a própria Constituição que, no artigo 227.º, n.º 1, alínea j), 
 deixa ao legislador estatutário margem para definir matérias como a disposição 
 das receitas fiscais cobradas ou geradas nas Regiões Autónomas, a participação 
 nas receitas tributárias do Estado e a disposição de outras receitas que lhes 
 sejam atribuídas e afectá‑las às suas despesas.
 
 74) E relativamente ao artigo 118.º, n.º 2, do EPARAM convém precisar que este 
 se limita a concretizar a determinação constitucional prevista no artigo 227.º, 
 n.º 1, alínea j), porque do que se trata, no caso deste normativo estatutário, é 
 de se definir a participação da Região Autónoma da Madeira nas receitas 
 tributárias do Estado (dotação orçamental anual), dessa forma se garantindo a 
 autonomia financeira regional.
 
 75) Ora, se a Constituição determina, repetidamente, no proémio do n.º 1 e no 
 corpo da alínea j) do artigo 227.º, que os Estatutos estão habilitados a definir 
 matéria respeitante à autonomia financeira regional, e, ao mesmo tempo, 
 estabelece, no artigo 229.º, n.º 3, que as relações financeiras entre Estado e 
 as Regiões são reguladas na lei de finanças das Regiões Autónomas, é porque quis 
 expressamente subordinar aquela lei às disposições estatutárias, que, 
 obviamente, prevalecem no plano da hierarquia das fontes.”
 
  
 
     Afigura‑se‑me patente que os requerentes, de forma explícita e reiterada, 
 suscitaram uma questão de constitucionalidade (violação da reserva de estatuto), 
 que o Tribunal Constitucional podia e devia ter apreciado no âmbito do presente 
 processo.
 
  
 
     1.3. Devo, no entanto, adiantar que, conhecendo da questão, o meu actual 
 entendimento – sempre sem prejuízo de eventual reponderação – vai no sentido da 
 sua improcedência, pelas razões expressas no Acórdão n.º 567/2004 (que 
 subscrevi), designadamente no seu n.º 12, onde se concluiu que:
 
  
 
     “Ora, fora da reserva de estatuto está necessariamente «o regime de 
 finanças das regiões autónomas» – alínea t) do artigo 164.º da Constituição –, 
 e nomeadamente a matéria das «relações financeiras entre a República e as 
 regiões autónomas» – n.º 3 do artigo 229.º da Constituição –, que é matéria 
 reservada à competência legislativa da Assembleia da República e deve constar da 
 Lei de Finanças das Regiões Autónomas. Tal opinião é também expressa no Acórdão 
 n.º 162/99, seguindo Gomes Canotilho e Vital Moreira.
 
     Assim, não se verifica a apontada inconstitucionalidade, por violação da 
 reserva de estatuto, das suas normas ou do princípio da repartição de 
 competência entre o Estado e as regiões autónomas, das normas que se referem às 
 transferências do Estado para as regiões; nem, pelas razões já apontadas 
 anteriormente, das que se referem à possibilidade de limitação ao endividamento 
 líquido regional.”
 
  
 
     2. Inconstitucionalidade das normas dos artigos 35.º e 36.º do Decreto da 
 Assembleia da República n.º 94/X, por violação dos princípios da solidariedade 
 nacional e da igualdade.
 
     A norma do artigo 35.º do Decreto n.º 94/X (“Sem prejuízo das situações 
 legalmente previstas, os empréstimos a emitir pelas regiões autónomas não podem 
 beneficiar de garantia pessoal do Estado”), como foi evidenciado no debate 
 parlamentar, representa a aprovação de um princípio oposto ao que até agora tem 
 vigorado, e que consta quer do artigo 29.º da Lei n.º 13/98 (“Os empréstimos a 
 emitir pelas Regiões Autónomas poderão beneficiar de garantia pessoal do Estado, 
 nos termos da respectiva lei”), quer do artigo 117.º do EPARAM (“Os empréstimos 
 a emitir pela Região Autónoma da Madeira poderão beneficiar de garantia pessoal 
 do Estado, nos termos da respectiva lei”).
 
     Logo na intervenção inicial do Ministro de Estado e das Finanças (Diário da 
 Assembleia da República (DAR), X Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa, I Série, 
 n.º 20, de 16 de Novembro de 2006, p. 28) se salientou:
 
  
 
     “Ainda em matéria de endividamento, gostaria de sublinhar outra das 
 novidades desta proposta de lei. Fica clarificado que os empréstimos das regiões 
 autónomas não podem beneficiar de garantias pessoais do Estado.” (sublinhado 
 acrescentado).
 
  
 
     Isto é: substituiu‑se uma regra de permissão de concessão de garantia 
 pessoal do Estado a empréstimo das regiões (entendendo‑se a remissão para os 
 
 “termos da respectiva lei” como abrangendo apenas a definição dos pertinentes 
 procedimentos e competências) por uma regra de proibição, com a limitada 
 ressalva das situações já legalmente previstas à data da aprovação da nova Lei. 
 Neste contexto, não vejo como se possa afirmar, como o fez o precedente 
 acórdão, de que não há diferença substancial, quanto aos seus efeitos, entre 
 estes dois sistemas antagónicos.
 
     A prestação de aval pelo Estado, com os reconhecidos efeitos de potenciação 
 da baixa de juros dos empréstimos, é uma das formas mais relevantes de 
 manifestação do princípio da solidariedade nacional, não se descortinando razão 
 válida para liminarmente a rejeitar, independentemente da apreciação casuística 
 da conveniência, ou não, da sua concessão em cada situação concreta. O 
 afastamento da mera possibilidade desta ponderação concreta, quando estejam em 
 causa empréstimos das Regiões Autónomas, em contraste com a admissibilidade 
 dessa ponderação relativamente a todos os demais empréstimos relativamente aos 
 quais é possível a prestação de garantia pessoal pelo Estado (autarquias 
 locais, outros entes públicos e mesmo entidades privadas), representa uma 
 discriminação negativa das Regiões Autónomas, absolutamente injustificada, que 
 representa uma “ostensiva e mesmo acintosa «dessolidarização» do Estado em 
 relação à dívida pública das regiões autónomas” (Deputado Mota Amaral, DAR 
 citado, p. 40).
 
     As mesmas razões – possibilidade de afectação do princípio da solidariedade 
 nacional por impossibilidade de ponderação concreta da justificação de 
 intervenção do Estado em apoio das Regiões Autónomos (sendo certo que, em 
 diversas situações, serão claramente imprestáveis os recursos a “protocolos 
 financeiros” e “apoio extraordinário”, previstos nos artigos 42.º e 43.º do 
 Decreto em análise) e criação de uma situação de intolerável discriminação 
 negativa das mesmas Regiões, violadora do princípio da igualdade, valem também 
 
 (reconheço que em menor grau) quanto à norma do artigo 36.º (“Sem prejuízo das 
 situações legalmente previstas, o Estado não pode assumir responsabilidade 
 pelas obrigações das regiões autónomas, nem assumir compromissos que decorram 
 dessas obrigações”).
 
  
 
     3. Inconstitucionalidade, por violação do princípio da confiança, ínsito no 
 princípio do Estado de direito democrático, das disposições conjugadas dos 
 artigos 19.º, n.º 1, 37.º, n.ºs 2 a 7, 38.º, n.ºs 2 e 3, e 66.º do Decreto n.º 
 
 94/X.
 
     Afigurando‑se‑me inquestionável a invocação, no presente domínio, do 
 princípio da confiança, tal como a jurisprudência deste Tribunal o tem 
 delineado, a sua violação, no presente caso, resulta, a meu ver, não da 
 afectação de expectativas – essas, sim, de cariz político – reportadas ao 
 período previsível de duração normal de uma situação de governo emergente de 
 eleições regionais, mas da intolerável afectação “retroactiva” (com a entrada em 
 vigor da nova Lei fixada para o pretérito dia 1 de Janeiro de 2007 – cf. artigo 
 
 66.º) de compromissos jurídicos assumidos no Orçamento Regional já aprovado e 
 publicado para vigorar no ano de 2007.
 
     Sem prejuízo do reconhecimento da eventual necessidade ou conveniência de 
 revisão da lei das finanças regionais, exigências elementares de previsibilidade 
 e de confiança impunham que a apresentação da correspondente proposta de lei 
 fosse feita a tempo de a nova lei, pelo seu carácter de enquadramento de opções 
 político‑financeiras fundamentais, estar em vigor antes do período de elaboração 
 dos orçamentos regionais para o novo ano.
 
     Por outro lado, está explícito no pedido e resulta abundantemente do debate 
 parlamentar, não apenas a alegação de substanciais reduções nas verbas 
 disponíveis pela Região Autónoma da Madeira (segundo os requerentes, baixa de 
 
 3,79 milhões de euros no que respeita às receitas do IVA, redução de cerca de 
 
 50% no que diz respeito ao Fundo de Coesão, e redução em 34 milhões de euros das 
 transferências orçamentais), mas também a imprestabilidade do critério do 
 rendimento per capita, que, na Madeira, devido à existência de zona franca, 
 implica um empolamento artificial do PIB da Região, traduzido em riqueza que, 
 sendo considerada como produzida na Região, não reverte a favor dos aí 
 residentes (cf. intervenções dos Deputados António Filipe, Nuno Teixeira de Melo 
 e Luís Fazenda e do próprio Ministro de Estado e das Finanças, DAR citado, pp. 
 
 30, 31, 33, 35 e 47).
 
  
 
     4. O regime do artigo 62.º do Decreto n.º 94/X.     
 
     Nenhuma discordância mereceria o juízo de não inconstitucionalidade contido 
 no precedente acórdão se fosse possível atribuir à norma em causa o sentido aí 
 avançado. Mas, apesar da incompreensibilidade do seu teor, parece manifesto que 
 se prevêem três momentos: 1.º – as Regiões consideram que a descentralização 
 permite corresponder melhor aos interesses das respectivas populações; 2.º – o 
 Governo procede à regionalização dos serviços do Estado; 3.º – um decreto‑lei 
 define “as atribuições e as competências necessárias ao exercício do poder 
 tributário conferido às regiões autónomas”.
 
     Não vejo como esta atribuição, feita por “decreto‑lei”, se compagine com a 
 competência legislativa própria das Regiões Autónomas.
 Mário José de Araújo Torres
 
  
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 
  
 
  
 
 1. Não acompanhei a decisão do Tribunal quanto à não inconstitucionalidade dos 
 artigos 35º e 36 do Decreto nº 94/X, por entender que, ao afastar a assunção, 
 pelo Estado, de obrigações das Regiões Autónomas, e, sobretudo, ao vedar a 
 prestação de garantia pessoal, pelo mesmo Estado, aos empréstimos a emitir por 
 estas, excluindo a possibilidade de ponderação em concreto das circunstâncias de 
 cada caso, se viola o princípio da solidariedade nacional decorrente do nº 2 do 
 artigo 225º, da alínea j) do nº1 do artigo 227º e do nº 1 do artigo 220º da 
 Constituição. 
 
  
 Não está em causa, nesta posição, qualquer perspectivação unidimensional deste 
 princípio, que também não concebemos em termos de dispensar a ponderação dos 
 interesses das populações do território nacional no seu todo, aqui se incluindo, 
 naturalmente, as próprias populações do território historicamente definido no 
 continente europeu. É certo que não pretendemos que exista uma imposição 
 constitucional expressa deste tipo de medidas, mas o que temos por desconforme 
 com o referido princípio constitucional é a imposição contrária, que se traduz 
 em não permitir ao Estado a consideração das circunstâncias concretas que, tendo 
 naturalmente na devida conta os interesses das populações do território 
 português no seu todo, pudessem justificar, neste ou naquele caso, aquela 
 medida. Isto não implica, por certo que vejamos nos actos proibidos pelos 
 artigos 35º e 36º do Decreto nº 94/X um direito das Regiões Autónomas. Não 
 alcançamos é que tal vedação de princípio, por isso totalmente indiferente ao 
 perfil das situações concretas e à ponderação de interesses que estas pudessem 
 justificar, encontre justificação constitucional, quando se atenta na referida 
 consagração do princípio da solidariedade.
 
  
 
 É pois a ablação de uma normal faculdade do Estado e a total desconsideração dos 
 interesses que poderiam justificar o seu exercício em concreto que temos por 
 constitucionalmente proibida, por não respeitar o princípio da solidariedade. 
 Nestes termos, a nossa conclusão não se modificaria ainda que, acompanhando o 
 acórdão, se pudesse pretender que aquele princípio tem a sua realização 
 possibilitada por outras formas; na verdade, sempre restaria por explicar o 
 porquê da exclusão radical, em todas e quaisquer circunstâncias, dos mecanismos 
 visados nos artigos 35º e 36º do Decreto nº 94/X. Exclusão radical, dizemos, 
 porque não conseguimos acompanhar o acórdão quando pretende ler aquelas 
 disposições, sobretudo o seu inciso inicial (“sem prejuízo das situações 
 legalmente previstas”), com o sentido de impor a proibição nelas consubstanciada 
 em relação a actuações que se concretizem por via meramente 
 político-administrativa, mantendo a possibilidade de elas poderem operar através 
 de mecanismos legais. A comparação com os termos da lei ainda vigente retira 
 naturalmente sentido a uma tal interpretação, que, a ser querida pelo 
 legislador, não deixaria de se manifestar de forma clara no dispositivo legal. 
 Antes vemos naquela fórmula uma referência às cláusulas de salvaguarda 
 mencionadas nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 59º do Decreto nº 94/X, onde 
 se garante que não ficam prejudicadas as “obrigações anteriormente assumidas 
 pelo Estado em relação às Regiões Autónomas e por estas em relação ao Estado” e 
 
 “as obrigações assumidas ou a assumir no âmbito de tratados e acordos 
 internacionais celebrados pelo Estado Português”. É no entanto claro, para nós, 
 que estas disposições se reportam ou a situações já existentes (e aqui, de 
 resto, com respeito por uma ideia de reciprocidade que abrange na sua vinculação 
 quer o Estado quer as próprias Regiões Autónomas), ou a situações decorrentes de 
 vinculações internacionais do Estado (o que dispensaria, aliás, a previsão 
 expressa de uma tal hipótese, a aceitar, como aceitamos, o primado do direito 
 internacional sobre o direito interno infraconstitucional). Também se nos não 
 afigura, como o pretende o acórdão, que as regras dos artigos 42º e 43º do 
 Decreto nº 94/X minimizem a proibição decorrente das duas disposições que 
 consideramos; na verdade, o particularismo da situação prevista no artigo 43º 
 reduz drasticamente o seu âmbito de actuação, enquanto que o mecanismo de 
 reciprocidade que subjaz ao artigo 42º não parece ser consentâneo com as 
 faculdades excluídas (especificamente para as Regiões Autónomas) pelos artigos 
 
 35º e 36º do Decreto sujeito a apreciação. 
 
  
 Nestes termos, não podemos deixar de concluir pela violação, por estas 
 disposições, do princípio da solidariedade acolhido na conjugação do nº 2 do 
 artigo 225º, da alínea j) do nº 1 do artigo 227ª e do nº 1 do artigo 227º da 
 Constituição.
 
  
 
  
 
 2. Não acompanhamos igualmente o acórdão na análise que dedica à questão da 
 violação, pelos artigos 19º, nº 1, 37º, números 2 a 7, 38º, números 2 e 3, e 
 
 66º, do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito 
 democrático consagrado no artigo 2º da Constituição. É certo que aceitamos, com 
 o acórdão, que não se pode considerar como dotada de consistência suficiente uma 
 expectativa ancorada numa quantificação rígida do valor das transferências 
 decorrentes de uma concreta lei de financiamento das Regiões Autónomas. Mas tudo 
 está em saber se nos encontramos ou não face a “uma alteração legislativa de 
 todo imprevisível e inusitada que, ao menos na prática, desencadeasse uma 
 entorse, total ou abrupta, das expectativas na manutenção do anterior 
 ordenamento”, circunstância que o acórdão parece reconhecer ter as virtualidades 
 para desencadear uma violação do princípio da proporcionalidade. Isto, 
 naturalmente, e para utilizar as palavras do acórdão, desde que se possa dizer, 
 
 “na senda da jurisprudência deste Tribunal,” que “as expectativas na manutenção 
 das disposições existentes (…) se mostrem dotadas de acentuada consistência, 
 entendida esta no sentido de não ser, em princípio, figurável a possibilidade de 
 alteração de um dado modelo legislativo que, patentemente, vá criar a já 
 referida entorse total ou abrupta”.
 
  
 Ora o artigo 66º do Decreto nº 94/X prevê a entrada em vigor da nova Lei de 
 finanças das Regiões Autónomas em 1 de Janeiro de 2007, num momento em que foi 
 já objecto de aprovação o orçamento regional, o que implica que a aplicação dos 
 seus dispositivos se pretende fazer em relação a casos em que existe já uma 
 definição de verbas inscritas em orçamento e que contaram precisamente com as 
 presumíveis dotações que poderiam ser alcançadas em face das disposições a este 
 propósito vigentes. Não se contesta que a Assembleia da República pode alterar 
 os critérios que presidem às transferências orçamentais que anualmente ocorrem 
 para cada Região Autónoma (previstos no artigo 37º do Decreto nº 94/X), como 
 aliás também os que presidem à definição do montante de verbas do Fundo de 
 Coesão a transferir para as mesmas Regiões (e constantes do artigo 38º do mesmo 
 diploma), integrando aliás tal matéria a reserva de competência absoluta deste 
 
 órgão de soberania. Mas se a alteração do modelo legal vigente se afigura assim 
 figurável, para utilizar as palavras do acórdão, já a circunstância de essa 
 aplicação se fazer de imediato, sem o mínimo intervalo temporal em relação à sua 
 aprovação, desconsiderando de todo a circunstância de assim se poderem pôr em 
 causa as previsões orçamentais construídas tendo em conta o quadro legal 
 vigente, põe em causa, a nosso ver, o princípio da confiança. E não se diga, em 
 contrário, que o Decreto prevê no seu artigo 59º cláusulas de salvaguarda que 
 impediriam a produção de tal efeito. Na verdade, no nº 1 deste preceito apenas 
 se recordam o que diríamos serem os limites naturais que o Decreto  não poderia 
 pôr em causa, enquanto as regras do seu nº 2 apenas são pertinentes para modelar 
 os termos em que o Fundo de Coesão (previsto no artigo 38º) é atingido nos 
 quatro anos que se seguem à entrada em vigor da nova lei, em nada afectando o 
 regime das transferências orçamentais previstas no artigo 37º. E, quanto ao 
 artigo 38º, o número 2 do artigo 59º limita-se a dever ser lido com ele para a 
 correcta definição do seu alcance, sem de algum modo limitar o efeito decorrente 
 da imediata aplicação da nova lei, que decorre do artigo 66º. Se a sua 
 existência permite perspectivar com um alcance distinto os termos da aplicação, 
 nesse período, do artigo 38º, em termos a que chamaríamos quantitativos, já a 
 incidência substancial do novo regime sobre as expectativas decorrentes da 
 definição de verbas inscritas em orçamento que contaram com presumíveis dotações 
 que resultariam das disposições legais vigentes se mantém, por resultar da 
 entrada em vigor imediata da nova lei, prevista no artigo 66º do Decreto 94/X. 
 Por outro lado, a circunstância de os requerentes não terem posto em causa os 
 critérios rectores da participação das Regiões Autónomas nas receitas 
 tributárias do Estado não se nos afigura relevante, uma vez que a violação do 
 princípio da confiança resulta, como dissemos, do efeito conjugado das 
 disposições em causa, que determina a afectação de situações constituídas com 
 base no quadro legal vigente. E os termos do pedido, retomados no ponto 1 do 
 acórdão, não deixam de conter indicações sobre o grau de afectação das referidas 
 expectativas.
 
  
 Por tudo o que precede, concluímos assim que a aplicação conjugada dos artigos 
 
 19º, nº 1, 37º, números 2 a 7, 38º, números 1 e 2, e 66º, ao impor a aplicação 
 das novas regras sobre financiamento regional em termos imediatos, sem a mínima 
 dilação temporal, e quando se encontram aprovados orçamentos cuja elaboração se 
 baseou na lei actualmente em vigor, contraria o princípio da confiança, ínsito 
 no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da 
 Constituição.
 Rui Manuel Moura Ramos
 
  
 
  
 DECLARAÇÃO DE VOTO
 Votei vencido quanto ao artigo 66.º, conjugado com os artigos 19.º, n.º 1, 37.º, 
 n.ºs 2 a 7, e 38.º, n.ºs 2 e 3, e quanto aos artigos 35.º e 36.º do diploma em 
 causa, pelas razões que passo a expor sucintamente:
 
 1. Diversamente do pedido, entendo que não viola o princípio da confiança a 
 alteração das regras das finanças das Regiões Autónomas durante o decurso do 
 mandato de um governo regional. Entendo, porém, que a previsão, no artigo 66.º, 
 da entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2007, sem qualquer período de transição 
 
 (diversamente, por exemplo, do que ainda recentemente se previu na nova Lei das 
 Finanças Locais), num momento em que está já em execução um orçamento 2007 
 aprovado ainda no âmbito da anterior Lei das Finanças das Regiões Autónomas, de 
 um regime que restringe de modo relevante as receitas das Regiões (ou de uma 
 delas), viola o princípio da confiança. Com efeito, entendo que não pode 
 dizer-se que está em causa, nessas condições, tão-só uma actividade 
 
 “eminentemente política”, antes as posições que serão inevitavelmente afectadas 
 com a redução abrupta de receitas de várias dezenas de milhões de euros 
 adquiriram já uma consistência que tornava exigível, pelo menos, a previsão de 
 uma vacatio legis alargada ou de um período mínimo de adaptação às novas regras. 
 Apenas por esta razão, votei no sentido da existência de violação do princípio 
 da confiança, cuja protecção decorre do princípio do Estado de Direito 
 democrático.
 
 2. Votei também no sentido da inconstitucionalidade dos artigos 35.º e 36.º do 
 diploma em causa, por violação do princípio da solidariedade nacional, tal como 
 resulta dos artigos 225.º, n.º 2, e 227.º, n.º 1, alínea j), e 229.º, n.º 1, da 
 Constituição. Com efeito, interpreto estas normas ido de consagrarem uma 
 proibição de concessão pelo Estado de garantias pessoais às Regiões Autónomas ou 
 de assunção das suas obrigações, com ressalva apenas das situações já legalmente 
 previstas (e não de qualquer diploma legal futuro pelo qual se autorize a 
 garantia ou se assuma a dívida). Que é este o seu sentido (e em particular do 
 início dos dois artigos) resulta, a meu ver, inequivocamente, do facto de não 
 fazer sentido que se tenha pretendido manter no artigo 35.º do diploma em 
 questão, com a redacção inversa (“Sem prejuízo das situações legalmente 
 previstas, os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas não podem beneficiar 
 degarantia pessoal do Estado” – itálico aditado), um regime idêntico ao 
 consagrado actualmente no artigo 29.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas 
 
 (“Os empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas poderão beneficiar de garantia 
 pessoal do Estado, nos termos da respectiva lei” – itálicos aditado), como se 
 chega a admitir no Acórdão. Trata-se antes, a meu ver, de normas que dizem 
 justamente o contrário uma da outra. Ora, entendo que uma exclusão liminar e em 
 abstracto – mesmo tendo em conta as excepções admitidas – da possibilidade de 
 ponderar, perante cada situação, se a prestação de garantia pessoal a 
 empréstimos das Regiões Autónomas ou a assunção das suas obrigações é, ou não, a 
 actuação mais conforme ao interesse nacional – de todo o País – viola as 
 exigências da solidariedade nacional. Tal exclusão de importantes formas de 
 ajuda financeira (que afecta logo, só por si, a posição das Regiões no acesso ao 
 crédito) só existe, aliás, para as Regiões Autónomas, em relação às quais também 
 existe justamente uma previsão específica de solidariedade na Constituição (que 
 também vale no sentido inverso). E essa exclusão não pode ser justificada, a meu 
 ver, apenas por eventuais dificuldades de disciplina ou de auto-controlo 
 político do Estado na realização daqueles actos para com as Regiões.
 
 3. Por último, pronunciei-me ainda, sobre a interpretação do pedido, no sentido 
 de que este se reportava igualmente a um alegado vício de inconstitucionalidade 
 
 (“directa”) dos artigos 3.º, 7.º, n.º 5, 35.º e 37.º, n.ºs 2 a 7, do diploma em 
 apreço por violação de uma “reserva de estatuto” político-administrativo, com 
 falta de competência da Assembleia da República para desencadear a respectiva 
 alteração, e não apenas a um vício de ilegalidade por violação do estatuto. 
 Teria, pois, tomado conhecimento do pedido nesta parte, embora não tivesse 
 julgado inconstitucionais as normas em apreço com o citado fundamento, já que 
 considero não decorrer da Constituição uma “reserva de estatuto” para as 
 matérias em causa (o que, por desnecessário, me posso dispensar agora de 
 fundamentar mais detidamente).
 Paulo Mota Pinto