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Proc. nº 431/01
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente A e, como recorridas, B, C e D, foi proferida decisão, em 17 de Janeiro de 2001, que, concedendo provimento à apelação que havia sido interposta pela B da decisão do Tribunal de Trabalho de Lisboa, de 5 de Setembro de 2000,
'condenou a ré A a reintegrar as autoras C e D no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhes as retribuições correspondentes à categoria profissional de
«lavadora vigilante», vencidas desde 11/1/98 (em relação à 1ª A) e desde 2/3/98
(em relação à 2ª A) até à data da sentença recorrida, acrescida de juros de mora, às taxas legais atrás referidas, desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento (...)'. Na fundamentação dessa decisão, ponderou o Tribunal da Relação de Lisboa, designadamente, o seguinte:
'III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Vejamos, em primeiro lugar, se a cláusula 17º, nº 2, do CCT para as empresas de prestação de serviços de limpeza, publicado no BTE nº 8, de 28.02.96, enquanto objecto da Portaria de Extensão, publicada no BTE nº 26, de 15.07.96, enferma de alguma inconstitucionalidade ou ilegalidade e se é aplicável às relações de trabalho das autoras.
2. O CCT supra referido foi outorgado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Doméstica e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros e foi objecto de Portaria de Extensão, que o tornou aplicável às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas na associação patronal outorgante que exerçam actividade abrangida pela convenção e trabalhadores ao serviço das profissões e categorias nela previstas (al. a) do nº 1, do art. 1º daquela Portaria). Não se provou que as RR. sejam sócias da associação patronal subscritora do citado CCT. Contudo, por força da referida Portaria de Extensão estão abrangidas pelo referido CCT, uma vez que as mesma, pelo menos nos âmbitos das empreitadas que celebraram com a CP, desenvolveram uma actividade económica abrangida pela convenção colectiva, ou seja, relacionada com a prestação de serviços de limpeza, vigilância e manutenção e tiveram trabalhadores ao seu serviço com profissões e categorias previstas naquele IRCT tendo a 2ª R. a partir de 1/1/98, passado a prestar serviço em local onde anteriormente tinha operado a 1ª R. – empresa similar que perdeu esse local em concurso. Quanto às pretensas inconstitucionalidades da cláusula 17º (anteriormente cláusula 46ª do CCT de 1980), relacionada com a extensão da aplicação a terceiras entidades não outorgantes, bem como a violação do princípio da autonomia privada, da liberdade contratual, viabilidade económica e da concorrência entre empresas já o Tribunal Constitucional nos seus acórdãos nºs
249/90, de 12.07.90 (BMJ 399º, 114) e 431/91, de 14/11/91 (BMJ 411º, 119) se pronunciou no sentido na inexistência de qualquer uma dessas pretensas inconstitucionalidades, tendo concluído que não se verifica qualquer violação desses princípio e direitos constitucionais previstos respectivamente, nos artigos 61º, nº 1, 62º, 81º e 13º da Constituição da República Portuguesa, aceitando-se aqui a argumentação ali expendida, para a qual remetemos, à semelhança do que tem vindo a suceder com a jurisprudência desta Relação sobre a questão (cfr. Acórdão da RL de 30/09/92, CJ, 1992, Tomo 4º, pág. 215). Também não se verifica qualquer violação do princípio da livre concorrência, na medida em que, por força desta extensão de aplicabilidade dos efeitos do CCT, todas as possíveis concorrentes ao local de trabalho e ao serviço em causa ficam em pé de igualdade, sabendo que se assumirem a empreitada têm de garantir os postos de trabalho dos trabalhadores que ali prestam serviço, não se vendo onde possa haver qualquer impedimento ou restrição ao referido princípio. Temos, assim, de concluir que a cláusula 17º, nº 2, do CCT para as empresas de prestação de serviços de limpeza, publicado no BTE nº 8, de 28.02.96, objecto da Portaria de Extensão, publicada no BTE nº 26, de 15.07.96, é aplicável à relação de trabalho das autoras e é plenamente válida, não enfermando de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade.
(...)'.
2. É desta decisão que vem interposto, já depois de indeferido um pedido para a sua reforma bem como a arguição da sua nulidade por omissão de pronúncia, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade 'da norma que consta da cláusula 17ª, nº 2, do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Doméstica e Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicado no BTE nº 8, 1ª Série, de 28.02.96, na parte da mesma em que (por força do que se preceitua no nº 1 do artigo 1º da Portaria de Extensão publicada no BTE nº 26º, de 15/7/1996), determina que as empresas não inscritas na Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares, que exerçam, no território do continente, a mesma actividade económica e que têm ao seu serviço trabalhadores das profissões e categorias profissionais previstas nesse i.r.c.t., fiquem com os trabalhadores que prestam serviço a uma anterior empresa do mesmo ramo num determinado local de trabalho, por esta perdido'. Pretende a recorrente que tal norma 'viola claramente os artigos 61º, nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa.
3. Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'1 – O direito de livre iniciativa económica não é um direito absoluto e ilimitado. Tem, desde logo, que acatar as limitações constitucionais decorrentes do conjunto de direitos dos trabalhadores fixados na nossa Lei Fundamental
(artigos 53º a 58º) e, mesmo dentro da legislação ordinária outros limites surgem, sendo aqui de referir o previsto no artigo 37º da Lei do Contrato Individual de Trabalho (aprovada pelo Decreto-Lei nº 49408, de 21 de Novembro de
1969).
2 – O direito de iniciativa económica privada tem como seu corolário o princípio da livre contratação – a liberdade negocial – que, tal como o princípio constitucional não pode também exercer-se sem limitações.
3 – No domínio do contrato de trabalho, a principal limitação da liberdade negocial resulta do referido artigo 37º, nº 1, na medida em que impõe que, em caso de transmissão do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade, a posição que para a entidade patronal decorre dos contratos de trabalho, transmite-se ao adquirente do mesmo estabelecimento, qualquer que seja o título de aquisição.
4 – Portanto, nestes casos, os trabalhadores acompanham as mudanças de propriedade ou simples posse do estabelecimento, onde prestam serviço, sempre que o mesmo é transmitido a terceiros, visando-se com esta «inerência» dos trabalhadores ao estabelecimento, a preservação dos respectivos postos de trabalho e a sua manutenção dentro da mesma comunidade de trabalho para a qual vinham trabalhando, por vezes, há largos anos.
5 – No caso da cláusula 17º a situação não é semelhante nem sequer aproximada, pois, com a imposição que da mesma resulta não se pretende manter a ligação dos trabalhadores à sua comunidade de trabalho, mas, ao invés, pretende-se forçar a sua integração numa diferente comunidade de trabalhadores, transferindo-os da empresa em que prestavam serviço para uma outra empresa, apenas se mantendo uniforme em relação à anterior situação, o local onde prestavam serviço, o qual, por via da regra, não pertence a nenhuma das empresas envolvidas.
6 – É certo que, no sector de actividade em causa – o sector de limpeza – uma das características da prestação de trabalho é a possibilidade de o trabalho a ser prestado decorrer em locais diferentes; porém, tal característica decorre da própria natureza do trabalho que é contratado, pelo que a mutabilidade do local de trabalho faz parte integrante das condições de trabalho no sector. Aqui, a estabilidade do emprego apenas respeita à manutenção do posto de trabalho, à sua duração no tempo mas não à sua prestação em lugar certo.
7 – A liberdade de iniciativa económica é tratada na Constituição como um direito fundamental e, deve, por isso, ser considerada como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, pelo que, as restrições e limitações que lhe possam ser impostas devem ser não só adequadas e necessárias à salvaguarda de outros valores constitucionais mas ainda proporcionadas à realização da finalidade tida em vista.
8 – Ora, se se pode entender que a restrição em causa é adequada, parece que não
é necessária para garantir os postos de trabalho dos trabalhadores envolvidos. De facto, esta finalidade estava sempre garantida pela continuação dos trabalhadores ao serviço da entidade patronal perdedora do concurso, tendo apenas de mudar de local de prestação de serviço.
9 – assim, a restrição clausulada é apenas necessária para que os trabalhadores mantenham um dado local de trabalho e não o posto de trabalho, o qual deixaria, por isso, de depender da empresa que tivesse o encargo de limpeza do mesmo local
– não se observa, pois, o requisito da necessidade da restrição consagrado no art. 18º da Constituição.
10 – Ora, nem a garantia constitucional de segurança no emprego (artigo 53º da CRP) tem esta dimensão (V. Constituição da República Portuguesa Anotada, comentário ao artigo 53º, de Vital Moreira e Gomes Canotilho) nem, caso se pudesse entender que a tinha, seria admissível impor uma tal restrição para realizar tal finalidade, por a mesma ser manifestamente desproporcionada.
11 – O que tudo se traduz numa excessiva onerosidade do exercício da liberdade de contratação e, por via dela, de uma inadmissível restrição do direito de livre iniciativa económica privada, com violação do preceito do artigo 61º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
12 – Finalmente, o caso em apreço não deixará de suscitar o problema de saber se, face ao princípio da reserva de lei restritiva, será constitucionalmente legítima a emissão de uma portaria de extensão cujo conteúdo normativo tem um efeito limitador do âmbito de protecção de um direito fundamental'.
4. Notificadas as recorridas para, querendo, responder á alegação da recorrente, pelas mesmas não foi apresentada qualquer alegação dentro do prazo legal. Dispensados os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentação.
5. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal Constitucional - reportada à norma que se extrai do nº 2 da cláusula
17ª da convenção colectiva de trabalho celebrada entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Domésticas, Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicada no nº 8 da 1ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego, de 28 de Fevereiro de 1993, com as alterações introduzidas pela convenção publicada no nº 8, 1ª Série, do mencionado Boletim, de 29 de Fevereiro de 1996, na parte em que, por força do que se estatui na Portaria de Extensão de15 de Julho de 1996, publicada igualmente no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 26, 1ª Série, determina que as empresas que, não estando inscritas naquela associação, exerçam na área do dito contrato colectivo a actividade nele regulada, tenham ao seu serviço trabalhadores das profissões e categorias profissionais previstas no mesmo contrato e passem a prestar serviços em locais onde anteriormente operavam empresas similares que perderam esses locais em concurso, fiquem com os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço - não é nova na jurisprudência deste Tribunal.
6. Efectivamente, no acórdão nº 47/98 (ainda inédito), o Tribunal Constitucional concluiu já pela não inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 da cláusula 17ª ora em referência. Fê-lo - depois de evidenciar a semelhança existente entre a norma ora objecto de recurso e uma outra constante da cláusula
43º do contrato colectivo de trabalho vertical celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza e Actividades Similares e outros (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 7, de 22 de Fevereiro de 1981) - por remissão para a fundamentação utilizada no acórdão do Plenário deste Tribunal nº 431/91 (publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992), tirado por maioria, em que se concluiu que aquela cláusula 43º não era inconstitucional.
7. É, pois, a jurisprudência fixada naquele acórdão do Plenário deste Tribunal, para cuja fundamentação se remete, que - por ser inteiramente transponível para a questão que agora constitui objecto dos autos, como se demonstrou no acórdão nº 47/98 - agora há que reiterar. III. Decisão. Pelo exposto, decide-se: a) não julgar inconstitucional a norma constante do nº 2 da cláusula 17ª da convenção colectiva de trabalho celebrada entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o STAD - Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza Domésticas, Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, convenção publicada no nº
8 da 1ª Série do Boletim do Trabalho e Emprego de 28 de Fevereiro de 1993, com as alterações introduzidas pela convenção publicada no nº 8, 1ª Série, do mencionado Boletim, de 29 de Fevereiro de 1996, na parte em que, por força do que se estatui na portaria de extensão de 15 de Julho de 1996, publicada igualmente no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 26, 1ª Série, impõe que a determinação constante daquele nº 2 se aplique às empresas não inscritas naquela Associação e que exerçam actividade na área laboral regulada por aquela convenção, e, consequentemente; b) negar provimento ao recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2002- José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida