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Processo n.º 374/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. e Outro, reclamam para a conferência, ao abrigo do
disposto no n.º 3 do art. 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua
actual versão (LTC), da decisão do relator, no Tribunal Constitucional, que
decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade interposto de acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa.
2 – Fundamentando a sua reclamação discorrem os reclamantes do
seguinte jeito:
«B. e A., tendo sido notificados do douto despacho proferido em 28 de Março de
2007, vêm, nos termos do Art. 77º da Lei de Processo do Tribunal Constitucional,
RECLAMAR CONTRA A NÃO ADMISSÃO DO RECURSO, com os fundamentos seguintes:
1. Os recorrentes suscitaram oportunamente nos autos as seguintes
INCONSTITUCIONALIDADES:
“V-A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA MOTIVAÇÃO
O despacho de fixação da matéria de facto pelas razões já alegadas consubstancia
diversas ilegalidades susceptíveis de fundamentarem a impugnação da própria
matéria de facto e a possibilidade de reapreciação desta última em função da
prova produzida na audiência de discussão e julgamento e constante do registo
magnético.
Encontra-se consagrada na letra do Art. 653º do C. P. Civil a garantia de que a
matéria de facto fixada no 1º grau de jurisdição deve resultar de uma análise
crítica das provas especificando os fundamentos que foram decisivos para decisão
do julgador neles não se contendo juízos opinativos, aliás erradamente emitidos,
contrariamente ao conhecimento generalizado de qualquer cidadão, e até
contrários aos procedimentos legalmente consagrados nas comunicações dos agentes
da Justiça.
Acontece, porém, que a salvaguarda hoje existente com o recurso ao registo
magnético da prova produzida não impede que o Juiz do processo proceda pela
forma como o fez a Senhora Juíza Autor do despacho de fixação da matéria de
facto. O registo magnético da prova impediu, a partir de 1 de Janeiro de 1997,
que se continuasse a viver como refere o Prof. Pessoa Vaz in “Direito Processual
Civil do Antigo ao Novo Código”, Almedina, pág. 232 na passagem do seguinte
teor:
“E que outrora (Código de 1961), o aberrante sistema de inversão do silogismo
judiciário, a que acima se aludiu, era possível, segundo o art. 712º, 3, dado
que o conteúdo das provas mencionadas pelo Juiz não constava do processo. Mas
hoje, como dissemos, que o conteúdo de todas as provas está patente nos autos
através da gravação e/ou da transcrição, aquela inversão é inteiramente
impossível sem desencadear os mecanismos anulatórios da sentença por falta ou
vício de motivação: pois que os conteúdos das provas concretas cujo sentido
fosse eventualmente invertido na sentença estão lá bem patentes nos autos (art.
668 alínea b do C.P.C.)”.
Acontece que, ainda assim, o aberrante sistema de inversão do silogismo
judiciário não foi totalmente ultrapassado, porquanto poderá não ficar
integralmente resolvido com a impugnação da matéria de facto e a reapreciação da
mesma em 2º grau de jurisdição dadas as actuais limitações técnicas utilizadas
nos Tribunais.
O mérito resultante da reforma do direito Processual Civil neste particular veio
trazer já às partes o enorme mérito de julgar o julgador na apreciação que o
mesmo faz da matéria de facto que lhe foi colocada para apreciar, valorar e
criticar não se esgota da existência da gravação da prova produzida.
Na verdade, o sistema da alteração do regime do registo da prova ainda não
resolveu a situação que se vive nos presentes autos, ou seja, a de o julgador
ignorar a matéria de facto constante dos documentos e depoimento das testemunhas
para fazer constar do despacho de fixação proferido nos termos do Art. 653º, nº
2 o que lhe vai no pensamento cujas motivações se apresentam distantes do que se
viveu na audiência de discussão e julgamento.
Uma vez chegados a este ponto a Autora não pode estar impedida de arguir a
inconstitucionalidade do Art. 653º nº 2 do C.P. Civil na medida em que permite
que o julgador decida dar por assente matéria de facto do quesito 6º que não tem
apoio nos depoimentos produzidos na audiência de discussão e julgamento, fazendo
apelo a factos que não foram referidos por qualquer das testemunhas na audiência
de discussão e julgamento e cuja censura plena só poderia levar a uma repetição
total do julgamento em 2ª Instância.
Acresce, ainda, que no recurso de impugnação da matéria de facto as partes estão
obrigadas a referenciar os pontos concretos que consideram incorrectamente
julgados e quais os concretos meios probatórios constantes do registo ou
gravação que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da
recorrida.
Porém, pelo seu lado, o julgador para justificar a motivação das respostas dadas
à matéria de facto não está obrigado a referenciar, minimamente, os pontos
concretos dos depoimentos das testemunhas com referência ao registo magnético
que possam fundamentar a resposta dada à questão a provar, antes se limitando a
fazer vagas referências a depoimentos, cuja sindicância só pode ser aferida pela
2ª instância com a audição dos respectivos depoimentos.
Não se encontrando o julgador obrigado a fundamentar as respostas dadas à
matéria de facto da base instrutória por forma concreta e em função do
depoimento de cada um dos meios de prova, incluindo o registo magnético do
depoimento das testemunhas, o aberrante sistema de inversão do silogismo
judiciário continua a poder ser uma realidade e uma ofensa à garantia
constitucional da motivação e dos julgamentos equitativos e com respeito a
princípios fundamentais de direito.
VI – A INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO DO ART. 653º Nº 2 DO C.P. CIVIL
O Art. 653º, nº 2, do C.P.Civil, aplicado pela forma como foi entendido pelo
Senhor Juiz autor da decisão de 16 de Fevereiro de 2005, ou seja, a decisão da
matéria de facto, da Base Instrutória é ainda violador dos Artºs 20º, 202º,
203º, 204º e 208º todos da Constituição da República Portuguesa.
Os Réus/Recorrentes como qualquer cidadão têm o direito a ver dirimido um
conflito qualquer que ele seja no escrupuloso cumprimento dos princípios
fundamentais consagrados na Lei Fundamental e de não permitir que interesses
legalmente protegidos sejam ofendidos através de procedimentos que a Lei
Ordinária não autoriza e que o exercício rigoroso do poder jurisdicional não
consente”.
2. Quanto a esta questão consta do Acórdão da Relação de Lisboa o seguinte:
“Diga-se, ainda, que não assiste qualquer razão aos recorrentes quando afirmam
que a decisão de facto não se encontra devidamente fundamentada.
Aliás, nota-se que, podendo eles reclamar de tal decisão, nos termos do Art.
653º, nº 4, do CPC, não o fizeram.
Nos termos do nº 2 deste preceito, a fundamentação da decisão de facto passa
pela especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do
julgador e pela análise critica das provas produzidas”.
3. Ora uma tal interpretação dos citados preceitos do C.P.Civil é
inconstitucional uma vez que, por um lado, retira um efeito cominatório do nº 4
do Art. 653º do C.P.Civil que a (Lei não prevê) para justificar a falta de
fundamentação pela negativa.
Por outro lado, refere-se à falta de prova de um elemento essencial do alegado
mútuo – a entrega do capital mutuado (Art. 1.144º do C.Civil) – como sendo
“pormenores”.
4. A decisão da 2ª Instância (que confirma a 1ª Instância) foi tomada contra a
prova existente nos autos e para além da prova gravada, com base numa
interpretação inconstitucional do Art. 653º, nº 2, do C.P.Civil, o que viola o
princípio constitucional da motivação previsto no Art. 205º, nº 1, e o disposto
no Art. 202º, nº 2, ambos da Constituição da Republica Portuguesa.
5. Por sua vez, foi também suscitada em alegações de recurso a seguinte questão:
XI – A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 456º DO C.P.CIVIL NO CASO DOS AUTOS AO
CONDENAR OS RR COMO LITIGANTES DE MÁ FÉ SEM AUDIÊNCIA PRÉVIA.
Para fundamentar a inconstitucionalidade arguida invoca-se o Ac. do STA já
citado:
“Cremos no entanto que já assiste razão ao outro fundamento do recurso, ou seja,
quando se censura a sentença quanto à condenação da A como litigante de má fé no
ponto em que tal se processou sem a sua prévia audição
Na verdade, como se disse no aludido acórdão de 30/01/2002 (Rec. 47301) (a
propósito, e entre muitos outros, vejam-se os seguintes acórdãos: de 7-6-94 do
T. Constitucional P°. 5 10/92, in BMJ 438, pág. 84 e segs e ac. de 12-5-98, no
Processo 24971 do Pleno da 1ª Secção deste S.T.A., citado no acórdão de 5.6.00,
in AD 466, pág. 1302 e segs), a que o Ministério Público se refere no seu
aludido parecer, e citando jurisprudência do TC (a propósito do entendimento e
prática reiteradas de que o juiz, oficiosamente, sem dependência de qualquer
acto da parte contrária ou de audição do interessado, dita na própria sentença
essa condenação e logo lhe fixa a quantia certa a que corresponde), à ora
Recorrente não foi dada ocasião de se pronunciar.
Ora, e continuando a citar o mesmo aresto, a interpretação, conforme à
Constituição da República Portuguesa, do art. 456º do Código do Processo Civil,
respeitante à condenação como litigante de má fé, pressupõe a prévia audição do
interessado, em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente sobre
uma possível condenação.
É que, desde logo, o próprio Código de Processo Civil estabelece no artigo 3º,
nº 2, o princípio do contraditório, em termos de, só nos casos excepcionais
previstos na lei se poderem «tomar providências contra determinada pessoa sem
que esta seja previamente ouvida».
Este princípio, que se mostra reflectido em diversos dispositivos daquele
diploma, nomeadamente nos artigos 517º (princípio da audiência contraditória),
521º, nº 2 (forma de antecipação da prova), 586º (dilação da diligência), 631º,
nº 3 (substituição de testemunhas), e 645º, nº 2 (inquirição por iniciativa do
tribunal), pressupõe o direito de audiência dos destinatários das «providências»
que vão ser tomadas pelo tribunal em termos de poderem alegar e responder, de
poderem expor as suas razões de concordância ou discordância, desta forma se
respeitando aquela estruturação dialéctica ou polémica do processo a que fazia
referência Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 352. Seja qual for a natureza que
se atribua à sanção imposta aos litigantes condenados por má fé, o certo é que
tal condenação representa não só uma oneração pecuniária com determinada
expressão económica mais ou menos significativa mas constitui também, ou ao
menos na generalidade dos casos pode constituir, uma forte lesão moral
susceptível de afectar gravemente a dignidade pessoal e profissional daquele que
a sofreu.
E assim sendo, parece justificar-se plenamente no âmbito de disposição material
daquele preceito que aos interessados no juízo de censura ali previsto seja
assegurado o exercício da contradição perante o tribunal onde litigam.
No sentido deste entendimento é significativo que a Lei nº 28/82 (Lei do
Tribunal Constitucional), no artigo 83º, nº 3, da sua versão originária,
remetesse o regime da litigância de má fé para os termos da lei de processo,
vindo ulteriormente, através do artigo 84º, nº 6, da Lei nº 85/89, que
introduziu diversas alterações no articulado primitivo, dispor que «quando
entender que alguma das partes deve ser condenada como litigante de má fé, o
relator dirá nos autos sucintamente a razão do seu parecer e mandará ouvir o
interessado por dois dias»,
Desta forma, a Assembleia da República veio reconhecer expressamente a
necessidade de se consagrar no instituto da litigância de má fé o direito à
audição dos interessados, por certo com o propósito de assim se instituir
normativamente neste domínio o princípio do contraditório processual e a
garantia de defesa perante os órgãos judiciais.
É esta orientação, com a qual inteiramente se concorda, que aqui se reitera e
aplica
Forçoso é, pois, concluir pela procedência da questão suscitada pela Recorrente,
respeitante à violação do disposto no art. 30º, nº 2, do C. P. Civil, por não
lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar sobre a condenação como
litigante de má fé
Até porque, e como ali se refere, a preterição deste acto é susceptível de
influir no exame e decisão da “litigância de má fé”, privando o julgador de
aquilatar da razoabilidade das explicações que o visado entenda fornecer sobre a
sua actuação processual e, consequentemente, da justeza ou não da condenação.
Deste modo, por força do preceituado no art. 201º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil,
impõe-se a anulação da decisão recorrida, na parte que foi posta em causa,
devendo ser dado cumprimento à formalidade em falta. Assim sendo, haverá que
anular nessa parte o decidido.
III. Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em: – julgar improcedente
o presente recurso jurisdicional quanto à decisão que concluiu pela
improcedência da acção; e – conceder provimento quanto à decisão que condenou a
Autora como litigante de má fé, por haver sido omitido o cumprimento do
contraditório, nessa parte se anulando o decidido”
Com o devido respeito, o Tribunal da 1ª Instância não podia ignorar as citadas
disposições legais e condenar os RR como litigantes de má fé, deixando que o
comportamento dos Autores que se descreveu ficasse incólume, lesando, desse
modo, os mais elementares direitos do Autor a um processo justo e equitativo
para protecção e previsibilidade dos sujeitos previsto no Art. 6º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.”
6. Sobre esta matéria pronunciou-se o Tribunal Constitucional, entre outros, no
acórdão nº 289/02, de 3 de Julho, onde se pode ler o seguinte:
“(...) b) Interpretar a norma extraída do art. 456º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em
termos de a parte só poder ser condenada como litigante de má fé depois de
previamente ser ouvida a fim de se poder defender da imputação de má fé (...)“.
7. Sobre esta matéria cabe dizer que, infelizmente, verifica-se que os Tribunais
da Primeira Instância usam e abusam da condenação de partes como litigantes de
má fé, através de decisões – surpresa, sem audição prévia dos visados pelas
condenações.
8. Regista-se que para evitar essa situação bastaria ao juiz cumprir o
contraditório, constitucionalmente garantido ou ao legislador modificar o
referido artigo do C.P.Civil, de acordo com a constituição, impondo a audição da
parte.
9. Enquanto tal alteração legislativa não surge, deverá o Tribunal
Constitucional apreciar o presente recurso também nessa parte.
Pelo exposto, deverá ser admitido o recurso para o Tribunal Constitucional e os
recorrentes notificados para apresentar alegações nos termos do Art. 79º da Lei
de Processo do Tribunal Constitucional (L.T.C.).».
3 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1 – A. e Outro com os demais sinais dos autos, recorrem para
o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua versão actual (LTC), pretendendo
ver apreciada a constitucionalidade da norma do artigo 456.º e da norma do
artigo 653.º, n.º 3, ambas do Código Processo Civil, indicando os recorrentes
terem suscitado tais inconstitucionalidades no recurso interposto para o
Tribunal da Relação de Lisboa.
2 – Nesse recurso, os recorrentes alegaram, em síntese
conclusiva, do seguinte jeito:
«1. O despacho que indeferiu a reclamação à base instrutória deve ser revogado
porque a fundamentação do mesmo não está alicerçada em factos concreto e veio a
verificar-se durante o julgamento que os RR/Recorrentes foram prejudicados nos
seus direitos de defesa pelo indeferimento da reclamação.
2. A resposta ao quesito 6º deve ser anulada uma vez que os alegados mutuários
são testemunhas no processo e nenhuma das testemunhas arroladas viu a entrega da
quantia dos Esc. 300.000$00, ou referiu o meio de pagamento utilizado, sendo
certo que não foi alegada e muito menos demonstrada a causa do suposto
empréstimo.
3. Os AA./Recorridos não provaram nem alegaram a onerosidade do mútuo, sendo
certo que as testemunhas até referiram o facto contrário pelo que os
RR/Recorridos não podem ser condenados no pagamento de juros sem fundamento
factual e legal sendo certo que a portaria invocada na Petição Inicial jamais
foi publicada na 1ª Série do Diário da República.
4. Os Autores não pediram a nulidade do mútuo alegado, pelo que é legalmente
inadmissível converter, ex officio, a causa de pedir e sem ouvir as partes, a
Meritíssima Juíza a quo violou o disposto nos Art. 3.º, 3.º-A, Art. 264.º, n.º
2, Art. 508.º, nº 1, al. b), e 266.º, nº 1, 664.º, todos do C.P.Civil, o que
gera a nulidade do processado e a absolvição dos Réus.
5. O 2º Réu deve ser absolvido do pagamento da quantia peticionada pois os AA
não alegaram, nem provaram a causa do mútuo, e em consequência também não
lograram provar o proveito comum da alegada dívida.
6. Sendo nulo o mútuo o título cambiário apresentado nos autos que supostamente
serviriam de garantia do cumprimento do mesmo, perde desde logo a sua validade
pelo que o 2º Réu B. não pode ser condenado no pagamento da quantia alegadamente
mutuada pois o suposto aval é também nulo.
7. A sentença recorrida confunde letra de câmbio enquanto mero quirógrafo com
título cambiário.
8. Nos presentes autos a letra de câmbio de Esc. 800.000$00 é apresentada como
documento quirógrafo, pelo que não se pode invocar o aval do 2º Réu para o
condenar no pagamento da quantia peticionada, por inexistência da relação
cambiária.
9. De acordo com a resposta ao quesito 6º deveria, desde logo, ter sido
absolvido o Réu, pois foi o próprio julgador que limitou a resposta ao 1º Ré,
uma vez que todas as testemunhas referiram que o 2° Réu não esteve presente na
data dos factos.
10. A condenação dos Réus como litigantes de Má Fé constitui uma verdadeira
decisão – surpresa, porque estava pedida a condenação dos Autores como
litigantes de Má Fé.
11. Os RR/Recorrentes deveriam ter sido ouvidos previamente sobre a intenção do
julgador de os condenar como litigantes de Má Fé em 10 UCs de multa uma vez que
os Autores jamais formularam tal pedido e não foi quesitada qualquer matéria que
pudesse indiciar que o Senhor Juiz do processo fosse tomar tal decisão.
12. Ao invés, no despacho saneador o Meritíssimo Juiz a quo faz consignar que
iria ser analisada a Má Fé dos Autores.
13. Os Autores apresentaram em acções diferentes neste processo e nos autos n.º
586/99 do 1º Juízo deste Tribunal, versões diferentes para a emissão do cheque
de Esc. 1.000.000$00 do cheque 9664749536 do Banco Pinto e & Sotto Mayor.
14. Nestes autos alegam que o cheque de Esc. 1.000.000$00 do cheque 9664749536
do Banco Pinto e & Sotto Mayor.
15. Nos autos nº 586/99 do 1º Juízo deste Tribunal, consta do artigo 18 da P.l.
Acção Ordinária nº 589/99, o seguinte: ”Entre outros, foram os seguintes os
cheques passados pelo autor da sua conta para benefício económico da sociedade”
(in casu a Cleripneus-Comércio de Pneus, Lda): Cheque nº 9664749536 do B.P.S.M.
datado de 04.05.94 de Esc. 1.000.000$00 (Doc. 5)”.
16. Os Recorridos apenas em 16 de Fevereiro de 2005 e 4 Abril de 2005
apresentaram requerimentos nos autos nº 586/99 dizendo tratar-se de lapso tal
alegação, mas nem ao menos reduziram o pedido em conformidade.
17. Os Autores é que devem ser condenados como litigantes de má fé porque em
dois processos diferentes apresentaram duas versões para os mesmos factos e
somente depois de obterem a condenação dos Réus nos presentes autos é que vieram
alegar lapso na P.l. dos autos 586/99 do 1º Juízo deste tribunal.
18. Por sua vez, os Réus limitaram-se a alegar a sua versão dos factos (que é
coincidente nas duas acções) mas segundo a matéria dada como assente nos
presentes autos não lograram provar os factos alegados.
19. É Jurisprudência corrente das instâncias que a circunstância de uma parte
não fazer a prova de certos factos, obviamente não significa que possa julgar
provado o facto contrário.
20. Por outro lado, os RR/Recorrentes não estão impedidos de fazer a prova dos
factos na acção nº 586/99 do 1º Juízo deste tribunal, o que desde logo significa
a flagrante INJUSTIÇA da condenação dos mesmos como litigantes de má fá quanto à
relação subjacente à passagem do cheque nº 9664749536 do B.P.S.M. datado de
04.05.94 de Esc. 1.000.000$00.
21. São os Autores que devem ser condenados como litigantes de Má Fé por darem
causa à interposição de recurso de Agravo e à dedução da excepção de
litispendência porquanto só PASSADOS SEIS ANOS de estarem pendentes as referidas
acções é que os Autores viram alegar Lapso na P.I. na acção nº 586/99 do 1º
Juízo deste Tribunal.
22. O Art. 456.º do Código do Processo Civil, respeitante à condenação como
litigante de má fé, pressupõe a prévia audição do interessado, em termos de este
poder alegar o que tiver por conveniente sobre uma possível condenação.
23. Verifica-se nestes autos a violação do princípio da igualdade porque a
Meritíssima Juíza do processo, ao constatar a flagrante falta de fundamento do
pedido de apoio judiciário convidou os Autores a desistir em vez de os condenar
como litigantes de Má Fé.
24. A condenação dos RR como litigantes de Má Fé, em vez dos Autores, lesa os
mais elementares direitos dos Recorrentes a um processo justo e equitativo para
protecção e previsibilidade dos sujeitos previsto no Art. 6º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
Normas Violadas:
Foram violadas as disposições legais seguintes:
Art. 3.º, 3.º-A, Art. 201.º, n.º 1, e 264.º, n.º 2, n.º 266.º, n.º 1, 456.º, n.º
2, b), Art. 457.º, n.º 1, a) e 3, Art. 508.º, n.º 1. al. b), 653.º, 664.º todos
do C.P.Civil, e Art. 20.º da Constituição da Republica Portuguesa».
Porém, perscrutando o teor das alegações apresentadas pelos
recorrentes, constata-se que estes, apesar de não terem levado a matéria às
conclusões do recurso, invocaram “a inconstitucionalidade do artigo 653.º, n.º
2, do C.P.Civil, na medida em que permite que o julgador decida dar por assente
matéria de facto do quesito 6.º não tendo apoio nos depoimentos produzidos na
audiência de discussão e julgamento e fazendo apelo a factos que não foram
referidos por qualquer das testemunhas na audiência de discussão e julgamento e
cuja censura plena só poderia levar a uma repetição total do julgamento em 2.ª
instância”, tendo autonomizado no item “VI” dessas alegações a questão da
“inconstitucionalidade da aplicação do art. 653.º, n.º 2, do C.P.Civil (...)
aplicado pela forma como foi entendido pelo Senhor Juiz autor da decisão de 16
de Fevereiro de 2005”.
3 – Por Acórdão de 16 de Janeiro de 2007, o Tribunal da
Relação de Lisboa decidiu “julgar o recurso parcialmente procedente, no que
tange à condenação dos réus como litigantes de má fé, por violação de norma
processual atinente ao princípio do contraditório, anulando-se tal decisão e
ordenando-se que o tribunal a quo notifique as partes para, em prazo, se
pronunciarem sobre esta matéria, devendo ser seguidos, neste particular, os
demais trâmites até final”.
Tal juízo foi lavrado de acordo com os fundamentos que
parcialmente se transcrevem:
«4.2.2.
Segunda questão.
4.2.2.1.
Pretendem os réus que a resposta dada ao artº 6º da BI seja anulada (melhor
teriam dito dado tal artigo como não provado), pelos motivos vertidos na
conclusão 2ª supra referida.
No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre
convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer
grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção
firmada acerca de cada facto controvertido - artº655º do CPC.
Ora…
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o
princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na
formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso
algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são
racionalmente demonstráveis', de tal modo que a função do Tribunal da 2ª
Instância deverá circunscrever-se a 'apurar a razoabilidade da convicção
probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe
são apresentados nos autos'- Ac. do Trib. Constitucional de 3.10.2001, in
Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e ss com realce e sublinhados nossos tal
como nas citações infra.
Assim sendo, o Tribunal de 2ª Instância não vai à procura de uma nova convicção
(que lhe está de todo vedada exactamente pela falta desses elementos
intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção do
tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais
elementos existentes nos autos) pode exibir perante si» -Ac. da Rel. de Lisboa
de 16.02.05,dgsi.pt.
«Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento
está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo
em atenção a imediação e oralidade da prova»- Ac. da Relação de Lisboa de
13.07.05, dgsi.pt.
«Para efeitos do art.º 712, do CPC, a divergência quanto ao decidido pelo
tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal
da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo Recorrente, a
ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário,
para o efeito, que tais elementos de prova se revelem inequívocos no sentido
pretendido pela Apelante» – Ac. da Relação de Lisboa de 26.06.03, dgsi.pt.
«A função do Juiz não é a de encontrar o máximo denominador comum entre o
conjunto dos depoimentos. Não tem que aceitar ou recusar cada um deles na
globalidade, cumprindo-lhe antes a missão espinhosa de dilucidar, em cada um
deles, o que lhe merece crédito. Como já há muito escrevia o prof. Enrico
Altavilla, “o interrogatório como qualquer testemunho está sujeito à crítica do
juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá aceitar
como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia
Judiciária, vol. II, 3.ª edição, pág. 12» – Ac. da Relação do Porto de 04.05.05,
dgsi.p
«A censura da decisão da matéria de facto não pode assentar, de forma simplista,
no ataque da fase final da formação da convicção do tribunal, mas na violação de
qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não
existem os dados objectivos em que assenta ou porque foram violados princípios
de aquisição desses dados ou não houve liberdade de formação da convicção.
Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de
prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo
objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua
alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência
comum» – Ac. da Relação de Coimbra de 18.08.04, dgsi.pt.
«O controlo de facto em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou
transcrição dos depoimentos prestados em audiência não pode aniquilar (até pela
própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída
dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Na verdade, a convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos
dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas,
também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das
razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações,
inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, 'olhares de súplica' para alguns
dos presentes, 'linguagem silenciosa e do comportamento', coerência do
raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados,
coincidências e inverosimilhanças que, por ventura transpareçam em audiência,
das mesmas declarações e depoimentos» – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.
«O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa a desvalorização
da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de 'ensaio' do
verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação.
É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de
recurso não julga ex novo, mesmo em sede de matéria de facto, competindo-lhe
antes ver se o tribunal a quo julgou bem tal matéria.
Neste contexto, há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de
fiabilidade que presumem o acerto do decidido.
Em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais
flagrante se opuser à realidade.
Os princípios da imediação e da oralidade devem prevalecer no julgamento da
matéria de facto, na medida em que a verdade judicial resulta duma apreciação
ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a
dizer a verdade - , mais do que da sua validade científica, que o julgador, por
não ser perito em veracidade, pode não estar habilitado a avaliar» – Ac. do STJ
de 19.05.2005 dgsi.pt.
No caso vertente…
O facto de os alegados mutuários (ou mutuantes) serem testemunhas no processo em
nada invalida ou impede a prova do quesitado, o que pode ser feito,
designadamente, através de outros meios probatórios carreados e efectivamente
produzidos
E neste caso o tribunal entendeu que tal prova foi efectivada nos autos.
Sufragou-se para tanto, nos depoimentos das testemunhas que, directa e
imediatamente depuseram sobre tal matéria, a saber: L, genro dos autores e J,
irmão da autora.
Naturalmente que em conjugação e concatenação com toda a outra prova produzida,
em consideração dos princípios da aquisição processual, da imediação e da
oralidade, os quais, como é consabido e doutrinal e jurisprudencialmente aceite
(como supra se demonstra), se revelam fundamentais para uma boa análise e
apreciação.
Obviamente que não descurando o poder/dever que impende sobre o julgador de,
sensata e o mais objectivamente possível, operar tal análise de um modo critico,
atentas designadamente as regras da experiência comum.
Não lhe estando vedado, ao contrário do defendido pelos recorrentes, fazer as
suas interpretações e extrair as suas conclusões, nos moldes referidos e
balizado pelos ditos parâmetros.
Sendo certo que prosseguida a obtenção da justiça pelo ser humano, tal
desiderato sempre assumirá foros de relatividade, havendo que aceitar como
inelutável a existência de situações em que o mesmo não é conseguido ou é menos
conseguido – cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893.
Não nos parece, todavia, ter sido o caso dos autos, pois que lidos e ouvidos os
depoimentos das testemunhas, há que concluir que a resposta ao mesmo é
perfeitamente aceitável.
Na verdade ambas as testemunhas, J e L afirmaram saber, através dos mutuantes
que os filhos dos autores emprestaram à ré I o montante de trezentos contos.
Referindo que tal montante foi emprestado a nível pessoal à A. e que tal facto
foi do conhecimento do L porque “tencionava montar uma firma” com os mutuantes e
tal dinheiro dava jeito se estivesse na sua disponibilidade.
Não terem as testemunhas adiantado pormenores como sejam se a entrega da quantia
foi em cheque ou em dinheiro, é, só por si, perfeitamente insuficiente para se
concluir que elas desconheciam a essencialidade do perguntado.
Devendo a sua prova, ou não prova, resultar da análise global dos depoimentos e
da sua concatenação com os restantes meios probatórios produzidos.
Como efectivamente aconteceu, conforme se alcança do teor da fundamentação da
decisão sobre a matéria de facto.
Sendo, aliás inexigível que as testemunhas se recordem, sempre e em todas as
situações, de todos os pormenores de um certo evento ou complexo factual. E
sendo, inclusive, por vezes, suspeito que tal aconteça, pois que provavelmente
se poderá concluir estarem elas previamente industriadas para verbalizarem, até
à mais ínfima minudência, o que presumivelmente interessará a quem as arrolou.
Assim e perante o que supra se aludiu quanto aos poderes do julgador de 1ª
instância na apreciação e ponderação da prova, bem como às situações extremas em
que o Juízo por ele formulado deverá ser censurado, naturalmente se conclui que
o caso vertente não se inclui em alguma destas situações.
Porque tal juízo foi formulado dialecticamente e no âmbito dos princípios da
imediação e da oralidade, na apreciação e ponderação de toda a prova produzida.
Não se podendo concluir, perante esta prova, em face dos elementos probatórios
invocados pelo recorrente, que a decisão sobre a matéria de facto se mostre
irrazoável e ilógica, porque meridianamente desconforme a tal prova e às regras
da experiência comum.
4.2.2.2.
Diga-se, ainda, que não assiste qualquer razão aos recorrentes quando afirmam
que a decisão de facto não se encontra devidamente fundamentada.
Aliás, nota-se que, podendo eles reclamar de tal decisão, nos termos do artº
653º nº4 do CPC, não o fizeram.
Nos termos do nº2 deste preceito a fundamentação da decisão de facto passa pela
especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador e
pela análise crítica das provas produzidas.
Ora tal verificou-se no caso vertente e, até, de um modo e com uma amplitude que
vão além dos limites mínimos legalmente exigíveis, como se alcança do teor de
fls.365 a 367, e onde a julgadora, com suficiente discriminação e análise
crítica, se refere aos depoimentos das testemunhas.
Na verdade e como se expende no Ac. do STJ de 06.12.2004, dgsi.pt, p.043896,
exige o: «…art. 653°, nº 2, do CPC que as respostas do Colectivo têm de ser
fundamentadas com a indicação dos elementos que foram decisivos para a convicção
do julgador.
Há, todavia, que entender aquele preceito como meramente indicador, que não
obriga o tribunal a descrever de modo minucioso o processo de raciocínio ou o
iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao
respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios
e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos … o
controlo sobre um tal dever de fundamentação é muito limitado, sendo que um
eventual deficiente cumprimento desse dever nunca conduzirá à anulação dessas
respostas…».
Acarretando apenas as consequências previstas no nº 5 do art. 712° do CPC, e
apenas se respeitar a facto essencial para o julgamento».
(...)
Sexta questão.
O princípio do contraditório é um dos princípios basilares do processo civil.
Tendo sido reforçado com as recentes alterações legislativas, designadamente
através do DL 180/96 de 2 de Setembro que operou nova redacção aos artºs 3º e
3º-A., dos quais resulta, essencialmente, que:
Salvo nos casos excepcionais previstos na lei, o tribunal não pode resolver o
conflito de interesses… sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e
a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição, devendo assegurar, ao
longo de todo o processo, um estatuto de igualdade das partes no exercício de
faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções
processuais.
Como escreve Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.10: «o juiz não pode
transformar-se em tutor das partes…através do suprimento espontâneo das falhas
processuais em que incorram…».
O Ac. do Tribunal Constitucional nº 440/94 de 07.06.1994, in Acs. do TC, 28º-319
e BMJ, 438º,84, não julgou inconstitucionais as normas do artº 456º nºs1 e 2 do
CPC, desde que interpretadas no sentido de estarem condicionadas à prévia
audição dos interessados sobre tal matéria. O que foi reiterado pelos Acórdãos
no 103/9, 581/98 e 453/02.
Na sentença recorrida entendeu-se condenar os réus como litigantes de má fé e
sem que os mesmos fossem ouvidos para o efeito.
Ora, como se viu, a condenação da parte por litigância de má fé só pode ter
cabimento se se conceder àquela oportunidade de se defender, para o que tem que
ser, previamente, ouvida.
Uma condenação em tal matéria impõe que se observe, no processo, o princípio do
contraditório, que está ao serviço do princípio da igualdade das partes e se
conjuga com o princípio da proibição da indefesa, por ele se facultando a cada
uma das partes a possibilidade de apresentar as suas razões, de facto e de
direito, de oferecer as provas que possuir, de verificar as provas do adversário
e de discorrer sobre o valor e resultados de umas e de outras – cfr. Manuel
Andrade, in 'Noções Elementares de Processo Civil', pág. 378.
Por isso, se entende que a prévia audição da parte que litigue, aparentemente,
de má fé, revela-se, inequivocamente, como condição indispensável para o
exercício do contraditório, necessário para o desempenho satisfatório do direito
de defesa, de forma a evitar a prolação de uma decisão 'surpresa', em eventual
violação do art. 20° da CRP e integradora a nulidade prevista no art. 201º/1 do
CPC.
Ora, não tendo, no caso em apreço, sido suscitada na 1.ª instância, nem pelos
autores nem, previamente, em termos oficiosos, pelo tribunal a questão da
litigância da má fé dos réus, com fundamento nos factos pelos quais vieram a ser
condenados, conferindo-se-lhes oportunidade de se defenderem, não podiam os
mesmos ser condenados nessa qualidade ao abrigo do estatuído no art. 456º do
CPC, sem antes serem ouvidos.
Do que se conclui que a condenação dos Autores como litigantes de má fé é nula
por violação do princípio do contraditório – neste sentido cfr. Ac. da Rel. de
Lisboa de 09.03.2006, dgsi.pt, p.1534/2006-6 e Ac do STJ de 28.02.2002, in CJ,
ACSTJ 2002, I, 111.
Verificada, neste particular, a ilegalidade, a nível processual, da sentença,
fica prejudicada a análise da sua (i)legalidade em termos substantivos, isto é,
se há matéria para os condenar a tal título, devendo tal questão ser novamente
dilucidada oportunamente em sede de 1ª instância».
4 – Inconformados com o decidido, os recorrentes interpuseram,
nos termos supra referidos, o presente recurso de constitucionalidade. Estando o
caso sub judicio abrangido na hipótese normativa delimitada no artigo 78.º-A,
n.º 1, da LTC, e atento o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma,
passa a decidir-se o mesmo com base nos seguintes fundamentos.
5 – O recurso em causa foi interposto ao abrigo do disposto no
artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.
Para poder conhecer-se deste tipo de recurso, torna-se
necessário, a mais do esgotamento dos recursos ordinários e de que a norma
impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido, que
a inconstitucionalidade desta tenha sido suscitada durante o processo.
5.1 – Nestes termos, o objecto do recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC,
corporiza-se, desde logo, na questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s)
de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha
constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de
constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e
incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra
desenhado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da
constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da
natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. Cardoso da Costa,
«A jurisdição constitucional em Portugal», in Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, I,
1984, pp. 210 e ss., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no
Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no
mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de
pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de
20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o
Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de
2000).
Neste domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade,
importa, ainda, acentuar que a intervenção do Tribunal Constitucional se limita
ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal
a quo apreciou ou devesse ter apreciado, em termos da resolução da questão de
constitucionalidade poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida,
implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento.
Tal só é possível quando a norma cuja constitucionalidade se
suscitou e que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie haja
constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento
normativo do aí decidido.
5.2 – Ora, no caso sub judicio a decisão recorrida não fez
aplicação do critério normativo inferido do artigo 456.º do Código de Processo
Civil na dimensão que os recorrentes apodaram de inconstitucional, ou seja, no
sentido de aí se admitir uma condenação como litigante de má fé sem a prévia
audição do interessado, em termos de este poder alegar o que tiver conveniente
sobre uma possível condenação.
Na verdade, pelo contrário, conforme resulta do relatado, o
critério normativo que constituiu ratio decidendi do Acórdão do Tribunal da
Relação de Lisboa assentou numa interpretação normativa do referido preceito em
termos de exigir, sob pena de violação do princípio do contraditório, a prévia
audição dos recorrentes, razão pela qual revogou, nessa parte, a decisão da 1.ª
instância.
Assim sendo, por o Tribunal recorrido não ter aplicado como
ratio decidendi a norma do artigo 456.º, do Código do Processo Civil, na
dimensão normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo,
não há que tomar conhecimento do objecto do recurso.
5.3 – Por outro lado, importa também reter que o objecto da fiscalização
jurisdicional de constitucionalidade são, pois, apenas normas jurídicas, não
podendo o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual)
“inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf., entre muitos
nesse sentido, o Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de
1989.
Por isso se reconhece que os recursos de constitucionalidade, embora interpostos
de decisões de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém
sobre a violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi ou como seu fundamento normativo, não
podendo visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa
medida, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do
recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões
judiciais podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos,
o Acórdão n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos n.os 286/93, 336/97,
702/96, 336/97, 27/98 e 223/03, todos disponíveis para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt.
E isto é assim, desde logo, porque a nossa Constituição não configurou o recurso
de constitucionalidade como um recurso de amparo – ou de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) – no âmbito do qual fosse
possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a
possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial
sindicanda.
Daí dizer-se, pois, que a “violação dos preceitos constitucionais”, imputada
directamente ao acto de concreta aplicação do direito, e não aos preceitos
legais aplicados pelas instâncias, não densifica nem traduz um problema de
constitucionalidade normativa susceptível de ser apreciado por este Tribunal.
De facto, uma coisa é reportar a inconstitucionalidade à concreta decisão
considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais – a
isso se reconduzindo as situações em que “embora sob a capa formal da invocação
da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela
decisão recorrida - o que realmente se pretende controverter é a concreta e
casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do
caso sub judicio (…); [designadamente] a adequação e correcção do juízo de
valoração das provas e fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou
a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do
direito […];” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O objecto idóneo dos recursos de
fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3,
p. 8) –, outra, radicalmente diferente, é imputar à norma esse vício,
identificando e isolando o critério jurídico que aquela aplicação projecta, como
momento normativo, numa dada factualidade.
5.4 – Projectando estes criteria sobre o caso dos autos, pode concluir-se que,
para além de não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade em
termos processualmente adequados e que vinculassem o tribunal recorrido ao seu
conhecimento, já que, no respeitante ao artigo 653.º, n.º 2, do Código de
Processo Civil, os recorrentes nada concluíram sobre tal questão de
“constitucionalidade”, a verdade é que, independentemente disso, não foi
suscitada durante o processo, a propósito da referida norma do Código de
Processo Civil, qualquer questão de constitucionalidade normativa, tendo os
recorrentes controvertido apenas a concreta decisão judicial, sustentando que a
matéria de facto do quesito 6.º não tem apoio nos depoimentos produzidos na
audiência de discussão e julgamento, desse modo controvertendo a concreta
fundamentação da decisão relativa à matéria de facto.
Ora, tal matéria, referida ao acto de julgamento de per se, apartada da
definição de qualquer critério normativo aí projectado, está, pelos motivos
expostos, subtraída à apreciação deste Tribunal.
5.5 – Mutatis mutandis, o mesmo se diga quanto à alegada
questão de violação do princípio da igualdade que os recorrentes assacam à
decisão da 1.ª instância “porque a Meritíssima Juíza do processo, ao constatar a
flagrante falta de fundamento do pedido de apoio judiciário convidou os Autores
a desistir em vez de os condenar como litigantes de má fé”.
De facto, também quanto a este ponto não foi suscitada pelos
recorrentes qualquer questão de constitucionalidade normativa (por antonomásia),
estando apenas em causa uma apreciação fáctico-concreta dos elementos de decisão
do tribunal e não a sindicância de um critério normativo a se.
6 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelos Recorrentes com 8 (oito) UCs. de taxa de
justiça.».
4 – Os recorridos não responderam à reclamação.
B – Fundamentação
5 – Como se colhe do mero confronto entre os argumentos
expendidos na reclamação e os fundamentos em que se abona a decisão sumária
reclamada, os reclamantes em nada refutam a correcção do juízo efectuado acerca
da verificação de tais fundamentos.
Ao contrário, no discurso aduzido, os reclamantes acabam por
corroborar a fundamentação em que se funda a decisão reclamada para não conhecer
do recurso.
A reclamação não pode, pois, deixar de ser indeferida.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20
UCs.
Lisboa, 29 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos