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Processo n.º 225/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, vindos do Tribunal da Relação do Porto, foi proferida pelo relator, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC) decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso que A. procurara interpor para o Tribunal Constitucional.
Notificado que foi desta decisão, A. apresentou requerimento, dizendo que reclamava para a conferência nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º da LTC.
Proferiu-se então despacho com o seguinte teor:
A., notificado que foi da Decisão Sumária n.º 166/2013, de 21 de março, que não conheceu do objeto do recurso que havia sido interposto para o Tribunal Constitucional, veio reclamar para a conferência nos termos do disposto pelo artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
A reclamação foi remetida ao Tribunal a 5 de abril de 2013.
Na sequência deste facto, foi o reclamante notificado para que procedesse, no prazo de 10 dias, ao pagamento da multa que alude o n.º 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil (CPC).
Dado que o prazo de 10 dias decorreu (até 22 de abril) sem que a multa tivesse sido paga, não se conheceu do requerido a fls. 729.
2. Deste despacho reclama o requerente para a conferência. É este o texto da reclamação:
I – Dos Factos
1) O arguido, em 05 de abril de 2013, reclamou para a Conferência deste Venerando Tribunal, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 3, Lei do Tribunal Constitucional, da decisão de não conhecimento do objeto de recurso.
2) Por tal requerimento de reclamação ter sido remetido pelo recorrente/arguido para o Tribunal Constitucional, no 1º dia subsequente ao termo do prazo, o Exmo. Senhor Oficial de Justiça passou guia de multa, nos termos do artigo 145.º, n.º 5 do CPC, notificada ao arguido em 11 de abril de 2013.
3) O pagamento da referida multa deveria ser efetuado 10 dias após a notificação para pagamento, conforme se extrai da própria notificação, isto é, até dia 21 de abril de 2013.
4) Sucede que, o mandatário do arguido, na data da receção da notificação para pagamento da multa aludida no item anterior, remeteu, por terceira pessoa, para a residência do arguido.
5) Nesse mesmo dia, o arguido informou o seu mandatário que não tinha dinheiro para pagar despesas processuais, nem mesmo despesas pessoais, uma vez que há mais de um ano que não obtém qualquer rendimento, dado que se encontra sujeito a medida de coação de permanência na habitação, desde novembro de 2011.
6) Ora, face à impossibilidade monetária de pagamento multa por parte do arguido, foi requerido por este, em 19 de abril de 2013, proteção jurídica junto da Segurança Social, conforme documento n.º 1 que se junta.
7) Tal requerimento de proteção jurídica tinha, e tem, como finalidade requerer ajuda do Estado a prestar ao arguido na defesa dos seus direitos constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, uma vez que este já não possui capacidade financeira para exercer tais direitos por si só.
8) Sucede que, o despacho da decisão do pedido de apoio jurídico não foi notificado ao arguido até à presente data.
9) Entretanto, decorreram os 10 dias para o arguido pagar a multa, pelo que, não o tendo feita, a Veneranda Conselheira Relatora decidiu não conhecer do requerido a folhas 729 dos autos.
10) Desta forma, vê o arguido negado o direito do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva por não ter capacidade financeira para pagar uma multa que lhe foi aplicada;
11) Acrescido o facto de essa negação do acesso à justiça não ter aguardado pela decisão da proteção jurídica requerido.
II – Da Inconstitucionalidade do artigo 145.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, no sentido interpretativo pelo qual veda o direito de acesso a tutela jurisdicional
12) Estabelece o artigo 145.º, n.º 5 do CPC, que “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa, fixada nos seguintes termos…”.
13) Desta forma, nos termos do artigo 145.º do CPC, quem não tiver respeitado um prazo perentório dentro do qual certo ato processual tinha que ser praticado, terá que realizar duas coisas: 1. Praticar o ato dentro dos três dias úteis subsequentes 2. Pagar a multa devida.
14) Ora o arguido praticou o ato em causa – reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional – dentro dos tês dias úteis, subsequentes ao terminus do prazo.
15) Porém não pagou a multa devida!
16) Acontece que o arguido não pagou a multa devida não porque não quis, mas simplesmente porque não tinha meios económicos para o fazer – saliente-se que o arguido está sujeito a medida de coação de permanência na habitação desde novembro de 2012, dada desde a qual não aufere qualquer rendimento.
17) A sua carência económica é tal, que o obrigou, já na pendência do processo, a requerer a proteção jurídica à Segurança Social, nomeadamente para ficar dispensado do pagamento de taxas e demais encargos com o processo.
18) Ora, não conhecer o requerimento apresentado pelo arguido, por este não ter pago a multa aplicada, nos termos do artigo 145.º, n.º 5 do CPC é sonegar um direito do arguido em esclarecer os seus direitos e interesses legalmente protegidos por insuficiência económica.
19) Aliás, interpretar o artigo 145.º, n.º 5 no sentido de que não tendo o beneficiário do prazo previsto naquele artigo, pago a multa devida, constitui motivo perentório para extinguir a possibilidade do mesmo ato ser apreciado pela tutela jurisdicional, sem avaliar o motivo pelo qual aquela multa não foi paga, parece-nos inconstitucional.
20) Estatui o n.º l, do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. (sublinhado nosso)
21) Já alegamos supra, e agora repetimos, que o arguido só não pagou a multa porque não tinha meios financeiros para o realizar, motivo este que nos atrevemos a qualifica-lo como facto notório, uma vez que, desde novembro de 2012, o arguido não exerce qualquer profissão, dada a medida de coação a que está sujeito.
22) Ora, interpretar o artigo 145.º, n.º 5 do CPC, no sentido de ser causa para o não conhecimento da reclamação para a Conferência requerida pelo arguido, o não pagamento da multa aferida nos termos daquele artigo, atribuído efeito cominatório perentório a tal omissão, não atendendo ao fator ausência de meios económicos do arguido para o fazer, viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, tornado esta interpretação inconstitucional, inconstitucionalidade esta que aqui expressamente se arguí e pretende-se seja apreciada e declarada.
III – Da Ausência de Decisão da Segurança Social sobre o pedido de Proteção Jurídica
23) Sem prescindir, sempre se dirá que, o arguido só teria que pagar a multa penal, caso o pedido de proteção jurídica que requereu fosse indeferido.
24) Ora, até à presente data, tal despacho de deferimento ou indeferimento não foi proferido, pelo que, entendemos, ser necessário aguardar por tal despacho, e agir em conformidade com o mesmo.
25) Desta forma, é nosso entendimento salvo o devido respeito por opinião contrária – que os autos devem aguardar até à emissão do referido despacho da Segurança Social sobre o pedido de prolação jurídica, até perfazer os 30 dias seguintes à data do seu requerimento, data, a partir da qual, caso o despacho não seja emitido, dever-se considerar deferimento tácito, nos termos da lei do acesso ao direito e aos tribunais (lei n.º 34/2004, de 29 de julho).
IV – Da Impossibilidade Notória do Pagamento da Multa Notificada
26) Acresce que, conforme se extrai da notificação ao arguido para pagamento da multa a que se reporta o artigo 145.º n.º 6 do CPC, constante a fls… dos autos, a respetiva guia deveria ser paga pelo arguido A., através de depósito na conta 0396211857730 da Caixa Geral de Depósitos, não sendo possível efetuar depósito autónomo.
27) Porém, dada a medida de coação a que o arguido está sujeito, constata-se que é impossível este sair de casa, para pagar tal multa, nos termos inscritos na guia, mesmo que este tivesse dinheiro para o fazer.
28) Na verdade, para que o arguido possa sair de sua casa, necessita de prévia autorização dos serviços que tutelam a vigilância eletrónica para o efeito, o que não tinha.
29) Desta forma, o arguido – repete-se – mesmo que tivesse capacidade financiar para fazer o pagamento da muita, nunca poderia cumprir atempadamente o prazo que lhe foi concedido pelo Tribunal, para pagamento da mesma.
30) Tal impossibilidade é um justo impedimento que deriva de facto notório, logo suscetível de conhecimento oficioso.
31) Ademais, leia-se o artigo 28.º do Código das Custas que aqui estatui o seguinte:
“Pagamento
1 – Salvo disposição em contrário, as multas são pagas no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da decisão que as tiver fixado.
2 – Quando a multa deva ser paga por parte que não tenha constituído mandatário judicial ou mero interveniente no processo, o pagamento só é devido após notificação por escrito de onde constem o prazo de pagamento e as cominações devidas pela falta do mesmo.
3 – Não sendo paga a multa após o prazo fixado, a respetiva quantia transita, com uma acréscimo de 50%, para conta de custas, devendo ser paga a final.
4 – Independentemente dos benefícios concedidos pela isenção de custas ou apoio judiciário ou do vencimento na causa, as multas são sempre pagas pela parte que as motivou”.
(sublinhado nosso)
32) Ora, se a própria lei das custas – lei especial, em relação ao Código de Processo Civil – prevê esta possibilidade de as multas serem pagas a final, ainda com acréscimo de valor, por forma a não sonegar direitos às partes/sujeitos processuais, pelo que as multas determinadas nos termos do artigo 145.º, n.º 5 do CPC, têm igual regime de aplicação.
33) Assim, e uma vez mais, esta diminuição das garantias do arguido e da negação a este do acesso ao direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos consubstancia uma inconstitucionalidade.
34) Desta forma, o arguido requer ao Tribunal lhe seja concedida a possibilidade de pagar, a final, o valor da multa a que foi condenado, por aplicação do artigo 145.º, n° 5 do CPC, fundamentando tal pedido no artigo 28.º do Código das Custas, ou ao invés, seja dado novo prazo para pagamento da multa que lhe foi aplicada, prazo este durante o qual o arguido irá pedir misericórdia aos seus conhecidos para lhe emprestarem tal valor, por forma a exercer o seu direito do acesso à justiça, revogando-se, deste modo o despacho que decidiu não conhecer do objeto da reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente por provada, e em consequência, solicita-se a V. Exa. que
a) Revogue o despacho que determinou o não conhecimento da reclamação para a Conferência, por inconstitucionalidade da interpretação que o mesmo acolheu do artigo 145.º, n.º 5 do CPC, de que o não pagamento da multa aferida nos termos deste artigo, atribuí efeito cominatório perentório a tal omissão, não atendendo ao fator ausência de meios económicos do arguido para pagar tal multa, por violar o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, tornando esta interpretação inconstitucional, substituindo tal despacho por outro que ordene o prosseguimento dos autos
Ou ao invés,
b) Revogue o despacho de que se reclama por outro que ordene que os autos aguardem pela decisão do pedido de proteção jurídica requerida pelo arguido, antes de findar o prazo para pagamento da multa;
Ou, ainda, subsidiariamente
c) Conceda a possibilidade ao arguido de pagar, a final o valor da multa a que foi condenado, por aplicação do artigo 145.º, n.º 5 do CPC, fundamentando tal possibilidade no artigo 28.º do Código das Custas, revogando o despacho de que se reclama por outro que ordene o prosseguimento dos autos;
Ou, por último,
d) Conceda ao arguido novo prazo para pagamento da multa que lhe foi aplicada, prazo este durante o qual o arguido irá pedir misericórdia aos seus conhecidos para lhe emprestarem tal valor, por forma a exercer o seu direito do acesso à justiça, revogando-se, deste modo o despacho que decidiu não conhecer do objeto da reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional.
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pugna pelo indeferimento da reclamação, concluindo do seguinte modo:
7.º
Note-se que o recorrente, quando apresentou a reclamação um dia para além do prazo, não invocou qualquer justo impedimento para tal.
8.º
Foi precisamente por não ter apresentado qualquer justificação que foram aplicados os n.ºs 5 e 6 daquele artigo 145.º e o recorrente notificado para pagar a multa.
9.º
Registe-se também que no período de que se dispôs para efetuar o pagamento da multa, o recorrente nada disse sobre a situação económica e as dificuldades que teria em efetuar aquele pagamento, sendo que esse seria o momento oportuno.
10.º
Efetivamente, nos termos do n.º 7 do artigo 145.º, a situação económica pode justificar a redução ou mesmo a dispensa de multa.
11.º
O recorrente vem agora dizer que, em 19 de abril de 2013 (portanto três dias antes de terminar o prazo para o pagamento), requereu proteção jurídica junto da Segurança Social.
12.º
Ora, independentemente do que a Segurança Social decidir, como multa prevista nos artigos 145.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Civil tem natureza de uma sanção processual, nunca estaria abrangida pelo eventual deferimento do pedido por parte da Segurança Social (Acórdão n.º 723/98).
13.º
Assim, face à natureza da multa, ao comportamento processual do recorrente, ao disposto no n.º 7 do artigo 145.º e ao montante exíguo da multa (6,38€), a questão de constitucionalidade do artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, parece-nos ser manifestamente infundada.
14.º
Aliás, mesmo que não se verificassem as concretas circunstâncias que referimos, sempre a questão de inconstitucionalidade daquela norma deveria ser considerada manifestamente infundada (Acórdão n.º 10/2009).
Cumpre apreciar e decidir:
II – Fundamentação
4. São essencialmente duas as questões colocadas pelo reclamante na sua reclamação.
Em primeiro lugar, entende o reclamante que o artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil não pode ser interpretado no sentido segundo o qual a falta de pagamento da multa, a que alude o artigo, constitui motivo perentório para que o ato praticado não seja apreciado, sem que o tribunal avalie o motivo pelo qual a multa não foi paga. Sustenta ainda o reclamante que semelhante interpretação seria inconstitucional, por violação do disposto no artigo 20.º da CRP.
Em segundo lugar, entende-se que os autos devem aguardar a decisão da Segurança Social, quanto ao pedido de benefício de apoio judiciário que foi apresentado pelo reclamante.
Comecemos por analisar a primeira questão.
É certo que o n.º 7 do artigo 145.º do CPC consagra a possibilidade de, excecionalmente, o juiz determinar a redução ou a dispensa da multa em casos de manifesta carência económica. Sucede, porém, que o reclamante, para além de nunca ter alegado encontrar-se nessa situação, também não invocou, no momento de apresentação tardia da sua reclamação, a condição de “justo impedimento” a que se refere o artigo 146.º do CPC, e através da qual se confere à parte no processo a possibilidade de justificar o incumprimento dos deveres, que sobre ela impendem, de apresentação atempada de peças ao tribunal.
Sustentar que a imposição legal desses deveres (com cominação de não recebimento em caso de incumprimento) viola o artigo 20.º da CRP – de tal modo que só se mostraria conforme com a Constituição a leitura do disposto no n.º 5 do artigo 145.º do CPC que isentasse a parte do seu cumprimento, cabendo ao tribunal “averiguar a razão por que não fora paga a multa” – é de tal modo infundado que não vale a pena apresentar agora novos argumentos.
Quanto à segunda questão: de acordo com o entendimento generalizado do Tribunal (Acórdão n.º 723/98, que acompanha os Acórdãos n.ºs 17/91 e 458/97), as multas têm caráter sancionatório: são sanções processuais, de natureza pecuniária, impostas à parte que, no decurso do processo, não cumpre adequada e tempestivamente os seus deveres. Assim sendo, o instituto do apoio judiciário não abrange, evidentemente, o seu pagamento.
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixadas em 20 unidades de conta da taxa de justiça.
Lisboa, 27 de junho de 2013.- Maria Lúcia Amaral – José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.