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Proc.º n.º 161/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. O Representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido em 9 de Janeiro de 2001 por aquele tribunal de 2ª instância e por intermédio do qual foi concedido provimento aos recursos de agravo e apelação interpostos por A, B e C dos, respectivamente, despacho saneador e sentença proferidos no 3º Juízo do Tribunal de comarca da Figueira do Foz na acção ordinária que, pela Junta Autónoma das Estradas, representada pelo Ministério Público, foi intentada contra aqueles A, B e C.
Nesse aresto foi recusada a aplicação, por inconstitucionalidade orgânica e material, dos artigos 5º, alínea b), e 7º, nº 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei nº 13/94, de 15 de Janeiro.
Naquele acórdão pode ler-se, para o que ora releva:-
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Dentro desse propósito, e invocando a alínea a) do nº 1 do artº 201º da Constituição, decretou o Governo naquele diploma [o Decreto-Lei nº 13/94, de
15 de Janeiro], além do mais, o seguinte: Estabelecer no artº 5º, b), para os IC (itinerários complementares), uma zona de servidão non aedificandi de 35 m para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de 15 m da zona da estrada (eixo e zona esses definidos, respectivamente, nas alíneas d) e b) do artº 2º); Determinar, no artº 7º, nº 1 a), que as servidões a estabelecer nos termos desse diploma não prejudicam a possibilidade de construção de vedações dos terrenos, desde que não excedam a altura de 2,5 m, podendo as mesmas ser cheias até 0,9 m de altura, contada da conformação natural do solo, no caso dos IP e IC, a uma distância mínima de 7m da zona da estrada.
Padecerão tais normas de inconstitucionalidade material e orgânica, como pretendem os agravantes, ao arrepio do decidido na 1ª instância?
A nosso ver a resposta terá de ser positiva.
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O artº 1305º do CC diz que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
Depois, o artº 1308º do mesmo código, sob a epígrafe ‘Expropriações’, determina que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.
E o normativo que se lhe segue estipula que só nos casos fixados na lei pode ter lugar a requisição temporária de coisas do domínio privado.
Ora, os citados dispositivos legais do DL nº 13/94, de 15/1 não se reportam à requisição ou ocupação temporária de quaisquer parcelas de prédios particulares por urgente necessidade para satisfação de uma qualquer imperiosa necessidade pública, não consubstanciando, portanto, uma requisição.
Nem visam privar os proprietários, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade, não prevendo, dest’arte, qualquer expropriação no sentido clássico, pois por via deles nenhuma ablação do direito real de propriedade sobre imóveis se consuma.
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E como a Constituição da República Portuguesa, no artº 62º, nº2, só prevê o pagamento de justa indemnização no caso de requisição e de expropriação por utilidade pública, e os preceitos em referência não consubstanciam qualquer requisição ou expropriação no sentido clássico, poder-se-ia concluir que as normas em causa não padeceriam de inconstitucionalidade material, pelo facto de não se prever, nelas ou em quaisquer outras do mesmo decreto-lei, qualquer indemnização, nem de inconstitucionalidade orgânica por não versarem matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Todavia, tem-se entendido modernamente que, atentos os princípios constitucionais da igualdade, da justa indemnização e do estado de direito democrático deve, a par da expropriação clássica, ser também considerada a expropriação de sacrifício, a demandar igualmente uma justa indemnização.
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O âmago da questão que nos prende centra-se nisto: os aludidos preceitos do DL nº 13/84, de 15/1, ao criarem uma servidão non aedificandi e uma limitação ou sujeição consistente em não se poder exercer o direito de tapagem contemplado no artº 1356º do CC, a menos de 7 metros da zona da estrada, criaram fortes vínculos restritivos do poder de gozo da Ré proprietária, implicando uma
‘penetrante e intensa invasão no núcleo essencial do direito de propriedade’, com imposição de sacrifícios especiais que deve dar lugar a indemnização, mesmo porque se não divisa que a legislação em referência tenha vindo a concretizar qualquer ‘vinculação situacional preexistente’, tendo, antes, ao que parece, nítido ‘carácter inovatório’.
Nos termos dos sobreditos artºs 5º, b) e 7º nº 1, a) do DL nº 13/94, de 15/1, o proprietário não pode, respectivamente, construir a menos de 35 metros para cada lado do eixo do IC e nunca a menos de 15 metros da zona da estrada, nem pode vedar a sua propriedade a menos de 7 metros da zona da estrada, o que tudo se traduz num intensa diminuição do poder de gozo, numa expropriação de sacrifício, não só quanto à proibição de construir na zona non aedificandi, mas também no que concerne ao cerceamento do direito de tapagem, porquanto, neste aspecto, ou o proprietário abdica do direito de vedar a propriedade, o que, obviamente, lhe pode acarretar muitos prejuízos, ou a tapa, ficando com um tracto de terreno desaproveitado ao longo do IC, com a largura de
7 metros, o que significa também um assinalável prejuízo que não pode de modo algum ser menosprezado.
Como o DL nº 13/94 não prevê indemnização para essas ‘expropriações de sacrifício’, e, nos termos do nº 2 do artº 62º da Constituição a expropriação por utilidade pública (que deve ser entendida em sentido amplo) só pode ser feita mediante o pagamento da justa indemnização, segue- -se que os indicados preceitos do DL nº 13/94 são materialmente inconstitucionais.
E são também organicamente inconstitucionais já que o diploma legal em apreço não foi precedido de uma lei de autorização da Assembleia da República.
Tanto assim é que, como se lê do preâmbulo, o Governo decretou nos termos da alínea a) do nº 1 do artº 201º da Constituição (hoje artº 198º, nº 1 a), na redacção da revisão constitucional operada pela Lei nº 1/97, de 20 de Setembro), dispositivo que conferia ao Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República, e o artº 168º, nº 1, l) da Constituição (hoje artº 165º, nº 1 l), na redacção da citada Lei nº 1/97), textuava ser da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre expropriação por motivo de interesse público.
O Governo só podia ter decretado a mencionada expropriação de sacrifício mediante prévia lei de autorização da Assembleia da República, nos termos dos artºs 201º, nº 1, b) e 198º, nº 1, b) da Constituição, respectivamente na sua anterior e actual redacção.
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2. Determinada a feitura de alegações, concluiu o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal a por si formulada com as seguintes
«conclusões»:
'1º - As normas constantes dos artigos 5º b) e 7º, nº 1 a) do Decreto-Lei nº
13/94, de 15 de Janeiro, limitam-se a estabelecer uma zona de servidão ‘non aedificandi’, visando a protecção das infraestruturas rodoviárias, e a admissibilidade e requisitos das vedações dos terrenos contíguos, não prescrevendo - nem tendo que prescrever - sobre a possível existência de indemnização decorrente de tais limitações de interesse público ao conteúdo e plena fruição dos proprietários onerados.
2º - Pelo que o legítimo estabelecimento dos consequentes deveres de abstenção por parte desses proprietários, visando a tutela de relevantes interesses públicos no domínio da segurança na circulação rodoviária não pode ser questionado com fundamento na problemática do arbitramento da indemnização que se considera devida, a qual decorre de outras normas e não foi objecto de pretensão deduzida no processo, em que apenas se controverte a ‘execução específica’ dos referidos deveres de abstenção.
3º - Tais normas - nesse âmbito e dimensão - não padecem de inconstitucionalidade orgânica e não violam a norma constante do artigo 62º da Constituição.
4º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida'.
Cumpre decidir.
II
3. As normas em apreço, constantes dos artigos 5º, alínea b), e 7º, nº 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei nº 13/94, desaplicadas na decisão recorrida, apresentam a seguinte redacção:-
Artº 5º, alínea b):-
Após a publicação da planta parcelar para o caso dos novos IP, IC e OE, bem como para as estradas nacionais já existentes, ficam estabelecidas as seguintes zonas de servidão non aedificandi: a) Para os IP: 50 m para cada lado do eixo da estrada e nunca a menos de 20 m da zona da estrada; Artº 7º, nº 1, alínea a):-
1 - As servidões a estabelecer nos temos do presente diploma não prejudicam a possibilidade de construção de vedações dos terrenos, desde que não excedam a altura de 2,5 m, podendo as mesmas ser cheias até 0,9 m de altura, contada da conformação natural do solo, nos seguintes termos: a) No caso dos IP e IC, a uma distância mínima de 7 m da zona da estrada.
De realçar é que o diploma em que se inserem os transcritos normativos veio instituir um regime de protecção das estradas nacionais 'da pressão que sobre elas é exercida por sectores da actividade económica, cujo interesse é a ocupação dos solos o mais próximo possível da plataforma da rodovia, sob pena de, na sua inexistência, se constituírem situações indesejáveis de degradação das infra-estruturas rodoviárias e de risco para a segurança de quem nelas circula' (palavras do exórdio desse diploma).
E, assim, para o que ora mais releva, surpreende-se no seu artº 3º a constituição de servidões non aedificandi de protecção à estrada a construir ou reconstruir; dos artigos 8º e 9º deflui a regra de proibição de ocupação da zona da estrada a título definitivo ou precário; no artº 10º estatuiu-se a proibição de acessos directos aos IP e IC (itinerários principais e itinerários complementares) por parte de propriedades públicas ou privadas; e no artº 12º prescreveu-se que, verificada a violação do disposto no presente diploma por execução de obras de qualquer natureza, designadamente de ampliação de edificações existentes ou alteração dos solos, deve a JAE proceder ao imediato embargo das mesmas, intimando o proprietário para a sua demolição (nº 1), podendo a mesma JAE, no caso de incumprimento dessa intimação, substituir-se ao infractor e executar os trabalhos a expensas deste (nº 2).
Refira-se também que, antes do citado diploma, já existia no ordenamento jurídico normação que limitava, e grandemente, a livre edificação junto às estradas, estabelecendo-se zonas de proibição de edificação e restrições aos direitos de tapagem e vedação (cfr., por entre outros, a Lei nº
2037, de 19 de Agosto de 1949, e o Decreto-Lei nº 13/71, de 23 de Janeiro), pelo que, neste ponto, duvida-se, desde logo, do passo do aresto sob censura onde se anota que são inovatórias as restrições estabelecidas pelo diploma onde se inserem os normativos em causa.
Convém assinalar, justamente porque nos situamos perante um processo de fiscalização concreta, que a situação dos presentes autos se relaciona com uma acção proposta pelo Ministério Público em representação do Estado - Junta Autónoma das Estradas - e contra os ora recorridos, pela circunstância de a ré A, que adquirira em Maio de 1995 uns dados prédios que se situavam junto ao IC-1, ter procedido à construção de uma vedação de ambos os lados dessa estrada a menos de sete metros da respectiva zona, instalando ainda, a menos de 50 metros do eixo da dita estrada, um contentor pré-fabricado em metal, e isso não obstante ter sido notificada da oposição a tais construção e instalação pela Junta Autónoma da Estradas. Em consequência, a representada autora da acção peticionou a condenação dos autores (note-se que os réus B e C eram os representantes da ré A) a demolirem a vedação e a removerem o contentor.
E foi justamente um tal pedido que o Tribunal da Relação de Coimbra denegou, com fundamento na inconstitucionalidade - tanto orgânica como material
- das normas em que ele se baseava, pois que as mesmas não previam a indemnização do proprietário da vedação construída e do dito contentor.
4. É facto que o diploma onde se encontram as questionadas normas não estabelece que, pelas limitações nele consagradas, o proprietário (ou detentor a outro título e dotado de poderes de intervenção sobre a estrutura dos bens assim onerados) dos terrenos confinantes tenha jus a uma qualquer indemnização.
Mas, desde logo, ponto é que se saiba se um tal estabelecimento tinha aí de ser consagrado.
Não se nega que o jus aedificandi (e restaria saber se o exercício do «direito de tapagem» de um prédio e a colocação, nele, de um contentor pré-
-fabricado nele se integram) deve ser considerado como um dos factores de fixação do valor dos prédios, pelo menos quando estes, de modo efectivo ou, ao menos, bastante próximo, apresentem potencialidade edificativa (cfr., neste sentido, o Acórdão deste Tribunal nº 131/88, in 1ª Série do Diário da República de 29 de Junho de 1988).
Mas daí não se extrai, desde logo, que toda e qualquer diminuição da utilitas rei à qual estejam vinculados os particulares, determinada por normativos emanados do imperium estadual decorrente da actividade legislativa, seja insolvente do ponto de vista constitucional, por isso que estabelecem restrições à livre disponibilidade da propriedade privada, e de sorte a que os proprietários se não anteolhem como sujeitos que, irrestritamente, podem dar aos respectivos bens a destinação, o uso ou a modificabilidade que entenderem.
É necessário não passar em claro que , como assinala Alves Correia
(in O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 517), de acordo com
«princípio da vinculação situacional da propriedade do solo», 'são possíveis limitações, restrições e até proibições de utilização do solo, que não configurem uma expropriação carecida de indemnização, se elas forem resultantes da situação concreta do terreno e das suas características intrínsecas. Assim, todas as disposições do plano que se limitem a concretizar ou a explicitar restrições ou proibições de uso, designadamente proibições de construção, que sejam inerentes à situação concreta do terreno, ou que derivem das suas qualidades naturais, não são consideradas ‘expropriativas’ e não dão direito a qualquer indemnização'.
De entre os exemplos dados pelo referido autor (ob. cit., 321) como manifestações, no ordenamento jurídico português, do princípio da «vinculação situacional» da propriedade do solo, consequentemente não revestindo 'índole expropriativa', contam-se as medidas consubstanciadas em 'servidões non aedificandi das faixas de terreno situadas junto à plataformas das estradas nacionais, das auto-estradas, dos itinerários principais que integram a rede fundamental das estradas nacionais, das estradas e caminhos municipais e dos terrenos adjacentes às vias ferroviárias'.
Não se vá sem dizer, também, que a vinculação social do direito de propriedade não pode, no nosso País, conduzir a que se perspective tal direito como algo de irrestrito, pois que aquela vinculação bem pode levar a limitação no uso e fruição de tal direito.
Na verdade, como dá conta o citado autor (na indicada obra, 322 e
323), nos últimos tempos, a 'doutrina da obrigação social,... desenvolvida pelo Tribunal Federal Alemão em referência à propriedade do solo, tem uma relevância prática de grande alcance: legitima que a lei e a Administração (esta no exercício de uma competência baseada na lei) estabeleçam restrições ou limitações às faculdades de uso ou de utilização do solo, sem que se verifique uma obrigação de indemnização. Por outras palavras, a referida doutrina tem servido de base à demarcação entre as intervenções na propriedade do solo admitidas sem indemnização e as medidas de carácter expropriativo que devem ser acompanhadas da obrigação de indemnização'.
Destas considerações concluir-se-ia que, tendo em conta que as estradas são, constitucionalmente, de considerar como coisas do domínio público
[cfr. alínea d) do nº 1 do artigo 84º do Diploma Básico], e que, inquestionavelmente, representam um factor de desenvolvimento e bem-estar económico e social e de qualidade de vida das pessoas, a especial vinculação situacional dos solos seus vizinhos não é de considerar como algo de desproporcionado ou como algo que «toque» no núcleo essencial do direito de propriedade.
Não se vá sem dizer, neste ponto, que Alves Correia (no seu mais recente estudo dada à estampa no artigo intitulado A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por Utilidade Pública, publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 132º, 301, nota 61), entende conferirem direito a indemnização e, consequentemente, ser, nesse particular aspecto, insuficiente o que se consagra no nº 2 do artº 8º do Código das Expropriações, as situações em que haja uma modificação ou diminuição acentuadamente gravosas da utilitas rei, já que, se assim não fosse, ver-se-ia violado o princípio da justa indemnização por expropriação (no sentido de «expropriação de sacrifício»)
- extraído do nº 2 do artigo 62º da Lei Fundamental e do princípio do Estado de direito democrático, princípios esses que conduzem a que os 'actos do poder público lesivos ou causadores de danos devem desencadear uma indemnização' - e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos púbicos.
Simplesmente, no caso dos autos, é necessário não passar em claro que a recorrente só adquiriu a titularidade dos solos em causa após se ter já constituído a relação de vizinhança com a via de comunicação e após a entrada em vigor destas novas regras que, no seguimento de outras anteriores, actuaram como limitativas do livre uso e fruição dos solos vizinhos da estrada, e isto sendo que não se extrai do processo que a utilização do solo está, por força das limitações estabelecidas, acentuadamente inviabilizada.
E, por outra banda, como não foi dado minimamente por assente nas instâncias que o «prejuízo» sofrido pela recorrida A no seguimento das limitações que decorrem das normas em apreço, constituísse uma modificação ou diminuição acentuadamente gravosas e substanciais da utilitas rei, ao que se adita que, como se viu, quando a mesma adquiriu o terreno em causa já este estava onerado pelas limitações de construção e do «direito de tapagem», poderá assentar-se em que tais limitações, instituídas pela normação em análise não vão, de uma banda, «tocar» o núcleo do direito de propriedade dos solos adjacentes às estradas nacionais, não podendo essa normação ser considerada como interventiva, expropriativa ou nacionalizante dos solos.
Pois bem.
5. Se o que antecede houvesse de considerar-se procedente e concludente, logo por aí haveria de excluir-se - ao menos na sua aplicação a situações com o perfil do vertente caso - a inconstitucionalidade das normas em apreciação, seja esse vício de índole orgânica, seja de índole material.
Nomeadamente, quanto a este último, dir-se-á que, como se vincou no Acórdão nº 329/99 (no Diário da República, 2ª Série, de 20 de Julho de 1999)
'mesmo quem entenda que o ius aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade privada, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, acontecendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração [ cf., neste sentido, entre outros, DIOGO FREITAS DO AMARAL ('Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia’, in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, páginas 99 a
101)] , não tem forçosamente que concluir, como fazem alguns autores [ cf. DIOGO FREITAS DO AMARAL e PAULO OTERO (Direito do Ordenamento do Território e Constituição, Coimbra, 1998, páginas 29 e 30); e J.M. SÉRVULO CORREIA E J. BACELAR GOUVEIA (Direito do Ordenamento cit., página 151)] , que toda a normação que contenha alterações ao ius aedificandi (e, concretamente, a que se contém no mencionado Decreto-Lei n.º 351/93) haja de ser produzida (ou autorizada) pela Assembleia da República.
E, continuou-se nesse aresto:-
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É que, apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esses direitos, liberdades e garantias. Desta reserva fazem apenas parte as normas relativas à dimensão do direito de propriedade que tiver essa natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Como, embora a outro propósito, se sublinhou no acórdão n.º 373/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 7 de Novembro de
1991), cabem na reserva legislativa parlamentar ‘as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos ‘direitos análogos’, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias’.
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6. A verdade, porém, é que, em bom rigor, não se torna sequer necessário - ao menos para a hipótese sub iudicio - tomar posição sobre a questão (ou seja, a de saber se restrições ao direito de propriedade como as ocorrentes no caso exigem, constitucionalmente, indemnização), para concluir pela não desconformidade constitucional dos normativos em apreço.
Com efeito, como assinala o recorrente na sua alegação, 'o presente recurso de fiscalização concreta insere-se no âmbito da acção declarativa ordinária, intentada pelo Ministério Público, em representação do Estado, contra os recorrentes, visando a sua condenação, enquanto proprietários e responsáveis por edificação - erigida em violação do Decreto-Lei nº 13/94 que estabelecem a zona ‘non aedificandi’ de protecção às estradas nacionais', pelo que 'está fora do âmbito da presente acção - já que nela se não inseriu qualquer pretensão deduzida a título reconvencional contra o Estado - a questão da possível existência de uma indemnização devida pelo estabelecimento da referida zona non aedificandi'.
Mas, se é assim, então, e por outro lado, importa também dizer que as normas sub specie se limitam a efectuar prescrições sobre as zonas de protecção às estradas, delas não decorrendo, desde logo e necessariamente, que se estipule que é vedada a compensação pelas limitações ou proibições que defluem daquelas prescrições.
Esta é matéria de que as mesmas normas não tratam e cuja disciplina se há-de ir buscar noutros preceitos, tal como é matéria que, aliás, poderá (e deverá) ser objecto de uma outra acção.
Desta sorte, a situação em análise apresenta contornos semelhantes aos que foram tratados no Acórdão deste Tribunal nº 57/2001 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 12 de Abril de 2001, onde se disse, em dados passos:
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Na verdade, o recorrente assenta a sua arguição no facto de não estar prevista na lei uma indemnização pela imposição daqueles deveres que restringiriam de uma forma drástica e excessiva o seu direito de propriedade, com violação do artigo 62º da Constituição.
Ora, a norma em causa – ... - nada tinha que dispor sobre essa matéria, pelo que o seu silêncio não tem qualquer sentido quanto ao dever de indemnizar – a imposição do dever é lícita, ... , não podendo o recorrente furtar-se ao cumprimento do mesmo dever com o fundamento na falta de indemnização.
Não é, aliás, líquido que, no caso, a indemnização não seja devida, no estrito plano do direito infraconstitucional – questão que ao Tribunal não cumpre agora apreciar – sendo aqui oportuno recordar que num caso em que a lei então em causa não previa expressamente um direito de indemnização, o Tribunal não emitiu juízo de inconstitucionalidade, apelando a outras normas do ordenamento jurídico infraconstitucional que confeririam esse direito (cfr. Acórdão nº 329/99, publicado in DR, II Série, de 20/7/99).
Situação diferente ocorreria, mas noutra sede, e, então, com plena pertinência da arguição, se p. ex. o proprietário do imóvel onerado tivesse requerido à Administração - e lhe fosse negada - uma indemnização, ou, em acção intentada para esse efeito, improcedesse a sua pretensão com fundamento em não ser indemnizável a restrição ou limitação do seu direito de propriedade.
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Tendo em conta que as normas em causa se limitam a estatuir condicionantes ou restrições da coisa - no caso, dos terrenos que marginam estradas nacionais - deixando em aberto o problema da indemnização, isso, na verdade, basta para afastar a sua inconstitucionalidade, tanto no plano material, como no plano orgânico: nesse sentido relevam, então, sem qualquer reserva, as considerações atrás expendidas sobre a pertinência de uma vinculação situacional, aos bens do domínio público que são as estradas, dos bens que as marginam (o que se refere a propósito da inconstitucionalidade material), e as extraídas do mencionado Acórdão nº 329/99 (pelo que se reporta à inconstitucionalidade orgânica).
III
Em face do exposto, concedendo-se provimento ao recurso, determina-se a reforma do acórdão impugnado de harmonia com o juízo de não inconstitucionalidade levado a efeito no presente aresto. Lisboa,12 de Dezembro de 2001 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa