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Processo n.º 823/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, em que é recorrente A. e recorrido B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 8 de junho de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 601/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. O recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade das normas dos artigos 70.º do Código de Procedimento Administrativo, 24.º, n.º 5, 26 n.º 4, e 31.º da Lei do Apoio Judiciário e a do artigo 47.º da Lei dos Julgados de Paz, interpretadas no sentido de considerar que o prazo para o Réu contestar (Réu esse requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono) se reiniciou, sem que resultasse seguramente provado que aquele Réu foi notificado (nos termos do artigo 70.º do Código de Procedimento Administrativo) quer pela Segurança Social (da decisão que lhe concedeu apoio judiciário) quer pela Ordem dos Advogados (da decisão que nomeou patrono ao recorrente).
Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
Com efeito, o tribunal recorrido não aplicou a norma indicada pelo recorrente, para decidir a questão posta quanto ao reinício do prazo para contestar. Para assim concluir basta atentar que, segundo a decisão recorrida, «a lei não obriga a que as notificações supra aludidas sejam feitas por via postal registada»; a Segurança Social não tem de fazer prova de que notificou o Recorrente do deferimento de proteção jurídica, cabendo ao Recorrente a prova de que tal notificação não ocorreu; e «a Ordem dos Advogados não tem de fazer prova de que notificou o Recorrente da nomeação de patrono, cabendo ao Recorrente a prova de que tal notificação não ocorreu».
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. O recorrente requer também a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 24.º, n.º 5, da Lei do Apoio Judiciário, na interpretação de que o prazo se reinicia a partir da mera notificação do [ao] patrono nomeado (quando não está também assegurada a notificação do interessado).
Em consequência do caráter instrumental do recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente, a respetiva utilidade – ou seja, a suscetibilidade de repercussão na decisão recorrida do julgamento da questão de constitucionalidade – surge como condição do seu conhecimento (cf., entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
No caso em apreço, a apreciação daquela norma não é suscetível de se refletir utilmente na decisão da questão do reinício do prazo para contestar. Procedendo a um juízo de “antecipação” quanto às consequências de um eventual juízo de inconstitucionalidade daquela norma – juízo que é imposto pelo caráter instrumental do recurso de constitucionalidade interposto – conclui-se que tal juízo nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida. De acordo com esta decisão, o recorrente não fez qualquer prova da falta de notificação da nomeação de patrono, quando sobre ele impendia tal ónus, indicando todos os elementos dos autos, muito fortemente, que o recorrente foi efetivamente notificado pela Ordem dos Advogados.
Há que concluir, pois, também nesta parte, pelo não conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«O recorrente recorreu para o Tribunal Constitucional, da Sentença proferida pelo 4º Juízo Cível do Tribunal de Cascais.
No entender do recorrente, tal sentença interpretou o disposto nos artigos 70 do Código de Procedimento Administrativo, 24 n.º 5, 26 n.º 4 e 31 da Lei do Apoio Judiciário e o artigo 47 da Lei dos Julgados de Paz, em violação dos Princípios constitucionais da Confiança, do Acesso ao Direito e da Segurança Jurídica das Decisões e o art 20 da Constituição da Republica Portuguesa.
O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art 70 da LTC (Lei 28/82 de 15.11).
Pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos 70 do Código de Procedimento Administrativo, 24 n.º 5, 26 n.º 4 e 31 da Lei do Apoio Judiciário e a do artigo 47 da Lei dos Julgados de Paz.
Tais normas (as dos artigos 70 do Código de Procedimento Administrativo, as dos 24 n.º 5, 26 n.º 4 e 31 da Lei do Apoio Judiciário e a do artigo 47 da Lei dos Julgados de Paz do artigo 188 n.º 1 CPP) interpretadas no sentido de considerar que o prazo para o Réu contestar (Réu esse requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono) se reiniciou, sem que resultasse seguramente provado que aquele Ré foi notificado (nos termos do art 70 do Código de Procedimento Administrativo quer pela Segurança Social (da decisão que lhe concedeu apoio judiciário) quer pela Ordem dos Advogados (da decisão que lhe nomeou patrono ao recorrente) assim interpretadas violam os Princípios constitucionais da Confiança, do Acesso ao Direito e da Segurança Jurídica das Decisões e o art 20 da Constituição da Republica Portuguesa.
O disposto no art 24 n.º 5 alínea a) da LAJ, tal qual foi interpretado pelos Julgados de Paz de Cascais e pelos Juízos Cíveis de Cascais, quando resulte demonstrado que não foram cumpridos os artigos 70 do Código de Procedimento Administrativo nem os artigos arts 26 n.º 4 e 31 da LAJ deve ser julgado inconstitucional, por violação dos princípios da confiança, do acesso ao direito e da segurança jurídica das decisões.
Resultando demonstrado, como resultou, que o demandado não foi notificado (pela forma prescrita no art 70 do código de procedimento administrativo - carta registada) nos termos dos artigos arts 26 n.º 4 e 31 da LAJ, a interpretação do disposto no art 24 n.º 5 da LAJ, no sentido de que o prazo se reinicia a partir da mera notificação do patrono nomeado (quando não está também assegurada a notificação do interessado), viola os princípios constitucionais da confiança, do acesso ao direito e da segurança jurídica.
Ao ter decidido não atender à contestação apresentada (sem sequer verificar se a SS e a O.A notificaram efetivamente o demandado nos termos dos arts 26 n.º 4 e 31 da LAJ), o Julgado de Paz de Cascais e o Juízo Cível de Cascais, violaram o disposto nos artigos 47 da LJP, tendo interpretado o disposto no art 24 n.º 5 da Lei do Apoio Judiciário, em violação dos Princípios constitucionais da Confiança, do Acesso ao Direito e da Segurança Jurídica das Decisões.
As questões de inconstitucionalidade foram expressamente suscitadas, no requerimento de interposição de recuso, nas motivações e nas conclusões do recurso interposto da decisão dos Julgados de Paz de Cascais.
Para não variar, foi proferida Decisão sumária, que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso.
Refere a Decisão Reclamada que, o Tribunal recorrido não aplicou a norma indicada pelo recorrente.
Ora, como se constata, quer da Sentença proferida pelos Julgados de Paz de Cascais, quer da Sentença proferida pelo 4º Juízo Cível de Cascais, ambos os 'tribunais' aplicaram as normas indicadas pelo recorrente.
Bastará, para o efeito, ler com um pouco mais de atenção, o teor da Sentença do 4º Juízo Cível de Cascais, transcrita na íntegra para a própria decisão reclamada, para concluir que, o Tribunal de Cascais aplicou, além do mais, as normas dos arts 70 do CPA, 45 n.º 1 e 24 n.º 5 al b) da LAJ (cfr. pags. 2 e 4 da Decisão Sumária), 26 n.º 4 (cfr. pags 3 e 4 da Decisão Sumária reclamada).
A segunda questão suscitada pelo recorrente, revela-se de uma utilidade extrema, considerando, não só, os presentes autos, mas também, tantos outros processos, em que a problemática da notificação do patrono nomeado (alegadamente feita por via eletrónica e como tal falível) e do próprio interessado (sempre realizada através de correio simples, com graves prejuízos para quem não recebe correio) - requerente de apoio judiciário, são tantas vezes postas em causa, porque, pura e simplesmente não foram feitas ou a mensagem não chegou ao destinatário.
Estando em causa a (falta de) notificação de um requerente de apoio judiciário (invariavelmente expedida através de correio simples, como resulta das regras da experiência - opção violadora do diploma fundamental), tudo respeitante ao interessado e não ao patrono nomeado, não pode o Tribunal Constitucional deixar de conhecer tamanha violação do diploma fundamental, traduzida na expedição, através de correio simples, de uma comunicação suscetível de geral graves lesões da esfera jurídica de um ser humano: a mensagem de que lhe foi nomeado advogado, de que deve procurá-lo e prestar-lhe a necessária colaboração, num processo em que é, mais a mais, Réu !
Assim sendo, não pode o Tribunal Constitucional deixar de conhecer o Recurso interposto pelo recorrente».
4. Notificado da reclamação, o recorrido respondeu, concluindo pela improcedência da mesma.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, na parte relativa à apreciação das normas dos artigos 70.º do Código de Procedimento Administrativo, 24.º, n.º 5, 26.º n.º 4, e 31.º da Lei do Apoio Judiciário e a do artigo 47.º da Lei dos Julgados de Paz, interpretadas no sentido de considerar que o prazo para o Réu contestar (Réu esse requerente de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono) se reiniciou, sem que resultasse seguramente provado que aquele Réu foi notificado (nos termos do artigo 70.º do Código de Procedimento Administrativo) quer pela Segurança Social (da decisão que lhe concedeu apoio judiciário) quer pela Ordem dos Advogados (da decisão que nomeou patrono ao recorrente). Entendeu-se que não se podia dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de tal norma.
Para contrariar o decidido, o reclamante limita-se a concluir que “as normas” foram aplicadas pelo tribunal recorrido, resultando tal do teor da sentença. Sem razão.
Da fundamentação da decisão recorrida, que mobilizou os preceitos legais indicados pelo recorrente, decorre que ficou provado que o réu foi notificado quer da decisão que lhe concedeu apoio judiciário quer da decisão que lhe nomeou patrono, uma vez que a ele (não à Segurança Social e à Ordem dos Advogados) cabia a prova de que não foi notificado de tais decisões. Além de que a notificação de tais decisões não têm de ser feitas por via postal registada nos termos do artigo 70.º do Código de Procedimento Administrativo. Lê-se na sentença recorrida que «a Segurança Social não tem de fazer prova de que notificou o Recorrente do deferimento de proteção jurídica, cabendo ao Recorrente a prova de que tal notificação não ocorreu, o que este não logrou» e que «a Ordem dos Advogados não tem de fazer prova de que notificou o Recorrente da nomeação de patrono, cabendo ao Recorrente a prova de que tal notificação não ocorreu, o que não logrou».
É de confirmar, pois, a decisão reclamada.
2. No que se refere à norma do artigo 24.º, n.º 5, da Lei do Apoio Judiciário, na interpretação de que o prazo se reinicia a partir da mera notificação do [ao] patrono nomeado (quando não está também assegurada a notificação do interessado), foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso com fundamento na inutilidade da apreciação da questão de inconstitucionalidade posta. Um eventual juízo de inconstitucionalidade nenhuma virtualidade teria de alterar a decisão recorrida, já que o então recorrente não fez prova da falta de notificação da nomeação de patrono, quando sobre ele impendia tal ónus, indicando todos os elementos dos autos, muito fortemente, que o recorrente foi efetivamente notificado pela Ordem dos Advogados.
Para contrariar tal fundamento, o reclamante argumenta que a questão de constitucionalidade revela-se de utilidade extrema quer nos presentes autos quer em geral, uma vez que a notificação do patrono nomeado e do próprio interessado requerente de apoio judiciário, são tantas vezes postas em causa, porque, pura e simplesmente não foram feitas ou a mensagem não chegou ao destinatário. Tal argumentação, que eventualmente procederia em fiscalização abstrata da constitucionalidade de normas, é, no caso, improcedente.
Este Tribunal tem sublinhado que em fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 69.º e ss. da LTC) “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66), pelo que a utilidade da apreciação da questão de constitucionalidade faz-se estritamente por referência ao sentido da decisão recorrida. E desta decorre que, além de recair sobre o então recorrente o ónus de provar que não foi notificado, não o tendo feito, «o que muito fortemente indicam todos os elementos dos autos é que o Recorrente foi efetivamente notificado pela Ordem dos Advogados». Dito de outro modo: ainda que este Tribunal viesse a julgar inconstitucional a norma segundo a qual o prazo em causa se reinicia com a notificação ao patrono da sua nomeação (sendo irrelevante a notificação da nomeação de patrono ao interessado), tal juízo não teria qualquer virtualidade em alterar o já decidido, uma vez que, no caso, o recorrente foi também notificado da nomeação de patrono.
É de concluir, pois, também nesta parte, pela confirmação da decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 29 de janeiro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.