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Proc. n.º 262/01 Acórdão nº 576/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 234 e seguintes, não se tomou conhecimento do recurso interposto para este Tribunal por B..., Lda., pelos seguintes fundamentos:
“5. O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 24 de Novembro de 2000 e fundou esse recurso na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. O recurso de constitucionalidade previsto na alínea invocada pelo recorrente é o recurso que cabe das decisões dos tribunais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo». Para que o Tribunal Constitucional possa conhecer de um recurso fundado nessa disposição, exige-se que o recorrente suscite, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que pretende que este Tribunal aprecie e que tal
norma seja aplicada na decisão recorrida, como seu fundamento normativo, não obstante essa acusação de inconstitucionalidade. No caso dos autos, e como decorre do requerimento de interposição do recurso
(supra, 4.), o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade constitucional:
– de diversas normas constantes do Código de Processo Civil e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que considera terem sido aplicadas na decisão proferida em 1ª Instância (decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 21 de Janeiro de 2000, fls. 66 a 72);
– da norma do art. 15º da LPTA, que considera ter sido aplicada pelo Tribunal Central Administrativo (acórdão de 23 de Março de 2000, fls. 96 a 108 vº);
– da norma do art. 15º da LPTA, que considera ter sido aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 24 de Novembro de 2000, fls. 206 a 208 vº);
– de diversas normas constantes do Código de Processo Civil e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, que considera terem sido aplicadas na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo (acórdão de 24 de Novembro de
2000, fls. 206 a 208 vº).
6. Resulta com clareza do requerimento de interposição do recurso que a decisão recorrida no presente recurso de constitucionalidade é o acórdão proferido pelo Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, em 24 de Novembro de 2000 (fls. 206 a
208 vº). Na verdade, diz o recorrente:
«[...] notificada do douto acórdão de 24NOV00 [...] e dado que tal decisão não admite recurso ordinário, vem [...], ao abrigo do disposto nos arts.
70º, nº 1, al. b), 72º, nº 1, al. b), 75º, da Lei nº 28/82, de 15NOV [...] interpor recurso para o Tribunal Constitucional [...]». O recorrente pretende todavia que este Tribunal aprecie normas que considera terem sido aplicadas no processo, quer pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, quer pelo Tribunal Central Administrativo, quer pelo próprio Supremo Tribunal Administrativo.
6.1. Quanto às normas que o recorrente considera terem sido aplicadas pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa: A sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa é irrecorrível para o Tribunal Constitucional, uma vez que ela admitia recurso ordinário (cfr. artigo
70º, nº 2, 1ª parte, da Lei do Tribunal Constitucional) – recurso que, de resto, foi interposto e julgado pelo acórdão de 23 de Março de 2000 do Tribunal Central Administrativo. Tendo tal sentença sido consumida pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo, que decidiu o recurso que dela foi interposto, é óbvio que não pode agora recorrer-se da sentença da 1ª Instância para o Tribunal Constitucional. Nestes termos, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso no que se refere às normas indicadas na alínea a) do requerimento de interposição do recurso [...].
6.2. Quanto à norma que o recorrente considera ter sido aplicada pelo Tribunal Central Administrativo: O acórdão do Tribunal Central Administrativo seria, em abstracto, recorrível para o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 70º, nº 2, 2ª parte, e artigo 75º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional). Só que, tendo o recorrente interposto o recurso da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, não pode admitir-se o recurso interposto simultaneamente de dois acórdãos proferidos no mesmo processo por dois tribunais colocados em graus hierárquicos diferentes, ainda que o último deles tenha sido proferido no âmbito de um recurso para uniformização de jurisprudência. No caso dos autos, ao interpor o recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente renuncia ao direito de interpor o recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo – assim como, se tivesse indicado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que pretendia recorrer do acórdão do Tribunal Central Administrativo, tal implicaria renúncia ao direito de recorrer do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Não pode portanto o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso no que se refere à norma indicada na alínea b) do requerimento de interposição do recurso [...].
6.3. Quanto às normas que o recorrente considera terem sido aplicadas pelo Supremo Tribunal Administrativo:
6.3.1. Pretende antes de mais o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma constante do art. 15º da LPTA, que considera ter sido aplicada pelo Supremo Tribunal Administrativo (na sessão de julgamento em que foi proferido o acórdão de 24 de Novembro de 2000). Não pode porém apreciar-se a conformidade constitucional de tal norma, pois o recorrente não suscitou quanto a ela a questão de inconstitucionalidade durante o processo. E, ao contrário do que se afirma no requerimento de interposição do recurso, não se trata de situação em que o recorrente estivesse dispensado do
ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo, nos termos admitidos pela jurisprudência do Tribunal Constitucional. A propósito de um caso semelhante ao que agora se discute, disse este Tribunal no acórdão nº 185/01
(ainda inédito):
«No presente recurso, haveria de ter sido suscitada a inconstitucionalidade das norma agora em causa perante o Supremo Tribunal Administrativo, de forma a que este Tribunal dela devesse conhecer no recurso julgado pelo Pleno da Secção de Contencioso, cuja decisão está agora sob recurso. Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente apenas pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ‘durante o processo’ nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, ou em que não era de todo previsível a aplicação de uma norma (ou dessa norma, com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida); só então será admissível a arguição em momento subsequente
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e
160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não é, manifestamente, o caso dos autos. Desde logo, porque o recorrente teve a oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, nomeadamente nas alegações que então apresentou; e de modo algum se pode afirmar que fosse imprevisível a aplicação pelo Supremo Tribunal Administrativo da norma do artigo
15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, uma vez que respeita a um acto que necessariamente teria lugar – a sessão de julgamento do recurso. O Supremo Tribunal Administrativo limitou-se a aplicar o disposto na letra do artigo 15º. Ainda que se entendesse, porém, que não era exigível ao recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade antes de ser proferido o acórdão recorrido, sempre haveria de o ter feito mediante a arguição de nulidade por prática de um acto não admitido por lei, susceptível de influir na decisão da causa (artigo 201º do Código de Processo Civil); seria a consequência da assistência e da possibilidade de participação na discussão, nas sessões de julgamento, do representante do Ministério Público, baseada numa norma que seria inconstitucional. Só assim se cumpriria a regra prevista no nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82, pois que o conhecimento da nulidade implicaria o julgamento da questão de constitucionalidade, não se infringindo, portanto, o princípio consagrado no nº 1 do artigo 666º do Código de Processo Civil. Neste sentido, cfr. o acórdão nº 612/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Fevereiro de
2000). Não pode, assim, o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do recurso no que respeita à norma do artigo 15º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos».
Pela razão apontada, não pode também o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso no que se refere à norma indicada na alínea c) do requerimento de interposição do recurso [...].
6.3.2. Pretende depois o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da «interpretação normativa feita, pela douta decisão do STA de 24NOV00, das normas constantes dos arts. 103º, nº 1, da LPTA e do art.
763º do CPC (redacção anterior à revisão operada pelo DL nº 329-A/95) e art.
732º-A do CPC (redacção actual), que se afigura inconstitucional por violação dos princípios do Estado de direito democrático e da segurança e confiança jurídicas, e da tutela jurisdicional efectiva, consignados, designadamente, nos arts. 2º, 20º, nºs 4 e 5, e 268º, nº 4, da Lei Fundamental». Também quanto às normas aqui indicadas o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade durante o processo, afirmando não ter podido fazê-lo em momento anterior. Ora, independentemente da questão de saber se o recorrente estava no caso dispensado do ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o processo (isto é, e em termos gerais, antes de proferida a decisão recorrida), certo é que a decisão recorrida não aplicou as normas que o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional Na verdade, o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Novembro de 2000, embora sem a invocar expressamente, fundamentou-se tão só na norma do artigo 24º, alínea b’), do ETAF. Determina o artigo 24º, alínea b’), do ETAF que ao Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo compete conhecer dos «recursos de acórdãos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo proferidos em último grau de jurisdição que, na hipótese prevista na alínea anterior, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção ou da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, ou do respectivo pleno». Tendo em conta o disposto no mencionado preceito, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu não estarem verificados os requisitos da identidade das questões de direito e de facto que foram objecto das decisões invocadas pelo recorrente como estando em conflito: o tribunal entendeu que o acórdão recorrido decidiu que, no caso de despacho judicial a convidar o requerente a fazer prova da prática do acto cuja suspensão de eficácia se pretende, não pode ser considerado tudo aquilo que se não prenda com a prova da prática de tal acto, enquanto os acórdãos fundamento se pronunciaram sobre o «mérito do pedido de suspensão de eficácia» (o primeiro) e sobre a «admissibilidade da regularização da petição no âmbito da aludida providência cautelar» (o segundo). Conclui-se, deste modo, que as normas questionadas pelo recorrente não foram aplicadas, no acórdão recorrido, como fundamento da decisão. O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade apenas se fundou na norma do artigo 24º, alínea b’), do ETAF
(e, por remissão desta, na norma da alínea b) do mesmo artigo) relativa aos requisitos do recurso por oposição de julgados. Não pode portanto o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso no que se refere às normas indicadas na alínea d) do requerimento de interposição do recurso [...].
7. Assim sendo, não podem dar-se por verificados, no caso em apreço, os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.”
2. Inconformado com a referida decisão sumária – de que, aliás, já pediu a aclaração (fls. 248 e seguintes), tendo esse pedido sido indeferido (fls. 262 e seguintes) –, B..., Lda. dela vem agora reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional (fls. 267 e seguintes).
São, em síntese, os seguintes os argumentos utilizados pelo reclamante no sentido da revogação da decisão sumária:
a) Na decisão sumária reclamada entendeu-se que não se podia apreciar a conformidade constitucional das normas indicadas na alínea a) do requerimento de interposição do recurso, por se ter assentado na premissa de que o reclamante devia ter suscitado a questão relativamente à decisão do Tribunal Central Administrativo (TCA) e não relativamente à decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL), sendo que a decisão do TCA foi tirada com os exactos fundamentos, mas reforçados, da decisão do TACL e, como tal, se revela inadmissivelmente formalista e contrário ao princípio da pro actione e a outros princípios o entendimento sufragado na decisão sumária; b) Na decisão sumária reclamada entendeu-se que não se podia apreciar a conformidade constitucional da norma indicada na alínea b) do requerimento de interposição do recurso porque, ao interpor o recurso do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o recorrente renunciou ao direito de interpor recurso do acórdão do TCA, entendimento que revela uma visão ultra-formalista do Direito, que contende com todos os princípios constitucionais orientados para a prevalência da substância sobre a forma e com os princípios da pro actione e da realização da Justiça, e que, além disso, não decorre nem da Lei do Tribunal Constitucional nem do Código de Processo Civil, esquece que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo teve como fundamento a oposição de julgados e é contrário a jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional (citada no n.º 9 do requerimento de aclaração); c) Na decisão sumária reclamada entendeu-se que não se podia apreciar a conformidade constitucional da norma indicada na alínea c) do requerimento de interposição do recurso, porque o recorrente não havia suscitado, quanto a ela, a questão de inconstitucionalidade durante o processo, esquecendo-se que a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 15º da LPTA havia sido já várias vezes reconhecida, nomeadamente pelo Tribunal Constitucional, pelo que não era “previsível” que o Supremo Tribunal Administrativo a viesse a aplicar, bem como que, já perante o Supremo Tribunal Administrativo, o reclamante havia suscitado a questão da inconstitucionalidade do mesmo artigo, por referência à sessão de julgamento no TCA, e ainda que, ao tempo do proferimento da decisão sumária, já a inconstitucionalidade de tal norma havia sido declarada com força obrigatória geral, sem ter sido utilizado o mecanismo do n.º 4 do artigo 282º da Constituição; d) Na decisão sumária reclamada entendeu-se que não se podia apreciar a conformidade constitucional das normas indicadas na alínea d) do requerimento de interposição do recurso, por não terem tais normas sido aplicadas pela decisão recorrida, esquecendo-se que as normas ínsitas no artigo 24º, alíneas b) e b’), do ETAF não encerram em si mesmas todo o sentido, carecendo de com outras ser conjugadas, pelo que a decisão sumária reclamada padece de um formalismo exacerbado e violou o disposto no artigo 75º-A, n.º s 5 e 6 da Lei do Tribunal Constitucional.
Com a reclamação, foram juntos quatro documentos: um despacho proferido por uma desembargadora do TCA (documento n.º 1); um requerimento formulado pelo advogado signatário (documento n.º 2); um despacho da já referida desembargadora do TCA
(documento n.º 3); um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (documento n.º
4).
Cumpre apreciar.
II
3. Vejamos a argumentação utilizada pelo reclamante contra a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, no tocante às normas referidas na alínea a) do requerimento respectivo (supra, 2., a)).
No presente caso, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional de um acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo e, no requerimento de interposição do respectivo recurso, pretendeu ver apreciada a conformidade constitucional de certas normas aplicadas na decisão do TACL.
Ao formular tal pedido, o recorrente naturalmente impugnou a própria decisão do TACL que, como se explicou na decisão sumária reclamada, era irrecorrível. Como tal, não era possível conhecer do objecto do recurso para o Tribunal Constitucional, no que às normas aplicadas pelo TACL se refere.
Entende o reclamante que este entendimento padece, além de outros vícios, de inadmissível formalismo, porque a decisão do TCA sufragou o mesmo entendimento que a do TACL.
Todavia, a circunstância de uma decisão judicial ter sufragado o entendimento perfilhado numa outra decisão judicial não atribui às partes o direito de, em alternativa, recorrer de uma ou de outra. Verdadeiramente inadmissível seria que, em nome da rejeição do formalismo, se ultrapassassem regras básicas em matéria de recursos, nomeadamente a de que a decisão proferida em via de recurso não se confunde com a decisão recorrida, mesmo que a confirme, podendo admitir ela própria recurso.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, que, para além da crítica do formalismo, não aponta qualquer razão substancial para o conhecimento do objecto do recurso (o mesmo é dizer, não aponta qualquer razão substancial para o não cumprimento das regras sobre recursos constantes da Lei do Tribunal Constitucional).
4. Quanto à argumentação utilizada pelo reclamante contra a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, no tocante à norma referida na alínea b) do requerimento respectivo (supra, 2., b)), reafirma-se que, tendo o presente recurso sido interposto da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, não pode admitir-se simultaneamente o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão proferido no mesmo processo pelo Tribunal Central Administrativo.
Simplesmente, perante o regime constante do artigo 75º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, há que reconhecer que, nas circunstâncias do caso, não pode desde já entender-se que houve renúncia ao direito de interpor o recurso de constitucionalidade do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo.
Nestes termos, restará ao ora reclamante, se assim o entender e uma vez verificados os necessários requisitos, beneficiar do disposto no mencionado artigo 75º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
5. Relativamente à argumentação utilizada pelo reclamante contra a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, no tocante às normas referidas na alínea c) do requerimento respectivo (supra, 2., c)), cumpre observar o seguinte.
Em primeiro lugar, a recusa de aplicação de uma determinada norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, por parte de um tribunal, bem como a decisão de inconstitucionalidade dessa norma, proferida pelo Tribunal Constitucional no âmbito de um recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, não tornam dispensável, num recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o preenchimento de um dos pressupostos processuais desse recurso – justamente, o de ter o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional –, com base no argumento de que a aplicação dessa norma num processo posterior constitui uma decisão imprevisível. E não tornam dispensável esse preenchimento, desde logo porque as referidas recusa de aplicação e decisão de inconstitucionalidade não determinam a cessação da vigência da norma em causa, cuja aplicabilidade ao caso concreto continua a dever ser ponderada pelos tribunais e, como tal, a dever ser tida em conta pelas partes, nomeadamente para efeitos de recurso para o Tribunal Constitucional.
A aplicação da norma do artigo 15º da LPTA pelo Supremo Tribunal Administrativo não era assim imprevisível para o ora reclamante, dado que, à data do julgamento realizado por esse Tribunal no presente processo (24 de Novembro de 2000), tal norma continuava em vigor, tendo aliás sido aplicada aquando do julgamento no TCA. Como tal, cumpria-lhe suscitar, antes de proferida a decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo, a questão da inconstitucionalidade de tal norma
Por outro lado, a circunstância de o ora reclamante ter suscitado a questão da inconstitucionalidade do mencionado artigo, por referência à sessão de julgamento no TCA, não o liberava do ónus de suscitar a questão, que é diversa, da inconstitucionalidade do mesmo artigo, por referência à sessão de julgamento no Supremo Tribunal Administrativo. E tão diversas são essas duas questões que o próprio reclamante, no requerimento de interposição do recurso, as autonomiza em pedidos distintos (cfr. alíneas b) e c) do requerimento de interposição do recurso para este Tribunal).
Finalmente, alega o reclamante que, no momento em que foi proferida a decisão sumária reclamada, a inconstitucionalidade da norma do artigo 15º da LPTA havia sido declarada (através do acórdão n.º 157/2001, de 4 de Abril), pelo que deviam ter sido oficiosamente extraídas as inerentes consequências. Esquece, porém, o reclamante que, não sendo ao caso aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 288º do Código de Processo Civil, não é possível apreciar a questão de constitucionalidade por si colocada sem estarem preenchidos os pressupostos processuais do recurso: o conhecimento, mesmo oficioso, da referida questão, depende naturalmente da afirmação da possibilidade de tal conhecimento, o que na presente situação se não verifica. Por outro lado, o presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, e não ao abrigo da alínea g) do mesmo preceito, redundando a solução propugnada pelo reclamante numa anómala convolação do recurso por si interposto.
6. Relativamente à argumentação utilizada pelo reclamante contra a decisão de não conhecimento do objecto do recurso, no tocante às normas referidas na alínea d) do requerimento respectivo (supra, 2., d)), é suficiente referir que, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, o ora reclamante pediu que o Tribunal Constitucional apreciasse a conformidade constitucional de determinadas normas do Código de Processo Civil, bem como da norma do n.º 1 do artigo 103º da LPTA.
Ao ter pedido, única e exclusivamente, a apreciação da conformidade constitucional dessas normas, não pode o reclamante pretender agora – mediante a argumentação de que as normas dos artigos 24º, alíneas b) e b’), do ETAF
(aquelas que, como se explicou na decisão sumária, foram aplicadas na decisão recorrida) só encerram um sentido completo se conjugadas com outras normas – a apreciação de um objecto totalmente diverso: que seria, concretamente, a interpretação normativa resultante da conjugação das normas dos artigos 24º, alíneas b) e b’), do ETAF, com as normas do (anterior) artigo 763º e do artigo
732º-A, ambos do Código de Processo Civil, e referida às noções de “soluções opostas” e de “mesma questão fundamental de direito”.
A argumentação do ora reclamante contra a decisão sumária não contraria, assim, a fundamentação dessa decisão: espelha, apenas, a pretensão do reclamante de alteração do objecto do recurso por si interposto para este Tribunal, alteração que é obviamente inadmissível no presente momento processual.
Os documentos juntos pelo reclamante, na medida em que se destinam a demonstrar a razoabilidade de uma argumentação que, como se disse, não destrói a fundamentação da decisão sumária, antes se limitando a alterar o objecto do recurso, mostram-se, assim, irrelevantes para a questão em análise Por fim, e novamente em relação à acusação de formalismo e de violação do disposto no artigo 75º-A, n.º s 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional, cumpre salientar que o despacho de aperfeiçoamento aí previsto não visa a alteração do objecto do recurso anteriormente indicado pelo recorrente, que é afinal o que o reclamante agora pretende.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, mantendo-se a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 14 de Dezembro de 2001 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida