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Processo n.º 418/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
UGT – União Geral de Trabalhadores, inconformada com um despacho proferido pelo
tribunal de primeira instância que reteve um recurso, veio dele reclamar para o
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 405º do Código
de Processo Penal (CPP), sustentando que o efeito do recurso foi incorrectamente
fixado e que, sob pena de violação dos artigos 407º, n.º 2, do Código de
Processo Penal e 20º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República, deverá ser-lhe
atribuído subida imediata e em separado (cfr. fls. 3 e seguintes).
A reclamação foi indeferida, por despacho de fls. 93 e seguinte do
Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, pelo que a reclamante recorreu
dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, “por inconstitucionalidade do
disposto no n.º 2 do artigo 407º CPP na interpretação dada pelas instâncias, por
estar em desconformidade com o artigo 20º da CRP” (cfr. 96 e seguintes,
especialmente fls. 109).
Admitido o recurso de constitucionalidade, por despacho de fls. 139, no
Tribunal Constitucional, o relator proferiu decisão sumária no sentido de se não
tomar conhecimento do recurso, por entender que o recorrente não suscitou
adequadamente, no decurso do processo, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa.
Desta decisão vem a UGT – União Geral de Trabalhadores interpor reclamação para
a conferência, alegando que não há razão para não se conhecer do recurso,
porquanto a questão de constitucionalidade foi suscitada de modo processualmente
adequado na reclamação deduzida perante o Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa.
Explicitando o seu ponto de vista, a reclamante considera que o pressuposto
processual exigido pelo artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional se
encontra preenchido através do seguinte excerto da referida peça processual:
“Na aplicação da norma [art. 407º/2 CPP] deve, crê-se, atender ao desiderato
garantístico da mesma e aos princípios que esta visa assegurar… que norteiam o
direito processual penal e a lei fundamental,…[mas] há preclusão destes direitos
quanto se afigura claro,... estarem os arguidos a ser julgados em condições que
violam manifestamente o princípio humanista histórico do juiz natural, [aqui,
onde se identifica] uma inquestionável preclusão de um direito com decorrência
constitucional, especificamente no artº 20º/4.5 CRP, [esse] que a todos os
arguidos assiste, a bem do estado de direito democrático: temos que o princípio
do juiz natural obsta à atribuição post factum da competência a um dado
tribunal, … impedindo, por um lado, a criação de tribunais … compostos ad doc em
função do julgamento de casos concretos e, por outro, o desaforamento… por
alteração arbitrária da própria composição do tribunal ao sabor das
conveniências e contingências do momento”
Por sua vez, o Exmo Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de
ser julgada improcedente a reclamação, por entender que a recorrente não cumpriu
o ónus que se lhe impunha de “especificar clara e expressamente qual a concreta
e específica dimensão normativa do artigo 407º, n.º 2, do Código de Processo
Penal tida por violadora dos princípios constitucionais”, não bastando, para
esse efeito, a simples afirmação de que “o prosseguimento do julgamento, na
pendência do recurso retido, não assegurava o desiderato garantístico decorrente
da Lei Fundamental”.
Vem o processo à conferência sem vistos.
2. Fundamentação
O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tendo por objecto o despacho do
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que, em sede de reclamação,
processada nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, manteve o
efeito de subida diferida de um anterior recurso jurisdicional.
Constitui pressuposto processual do recurso previsto naquele preceito a
invocação pelo recorrente, durante o processo, da questão de
inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional,
sendo que tal questão deverá ser suscitada, como determina o artigo 72º, n.º 2,
da mesma Lei, de modo processualmente adequado perante o próprio tribunal
recorrido.
Pela decisão sumária ora reclamada, o relator não tomou conhecimento do
recurso por considerar que a recorrente não cumpriu esse ónus, porquanto na
reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa - peça processual
onde se afirma ter sido satisfeito o indicado requisito processual -, não vem
imputada qualquer inconstitucionalidade a uma norma ou interpretação normativa,
e apenas se formulam aí considerações argumentativas sobre a melhor
interpretação a conferir ao artigo 407º, n.º 2, do CPP, e que deviam assegurar,
no caso, a emissão de despacho que ordenasse a admissão do recurso jurisdicional
em causa com subida imediata.
Discordando do entendimento expresso na decisão sumária, a recorrente pretende
que cumpriu satisfatoriamente o pressuposto processual do artigo 72º, n.º 2, da
Lei do Tribunal Constitucional, e para o demonstrar transcreveu um excerto da
reclamação contra o despacho de retenção do recurso em que mais impressivamente
terá indicado a interpretação normativa que considera ferida de
inconstitucionalidade.
Deverá dizer-se antes de mais que a transcrição não é mais do que uma súmula de
diversas passagens descontextualizadas da sobredita reclamação, ainda assim com
o aditamento da referência ao artigo 20º, n.ºs 4 e 5, da Constituição que não
consta sequer da parte expositiva da peça processual.
Em qualquer caso, mesmo através do referido excerto não se detecta qual é a
interpretação normativa que terá sido aplicada pelo órgão jurisdicional
recorrido e que possa encontrar-se inquinada de inconstitucionalidade.
De facto, na reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a
recorrente limita-se a manifestar a sua discordância relativamente ao despacho
que reteve o recurso – que constituía o objecto da reclamação – e é, de resto, a
esse mesmo despacho que a recorrente imputa a violação de norma constitucional,
conforme se depreende do pedido deduzido a final, assim formulado:
“Sob pena de violação dos artigos 407º, n.º 2, do CPP e 20º, n.ºs 4 e 5, da CRP,
deverá (…) reconhecer que o momento da subida do recurso foi incorrectamente
fixado pelo Mmo juiz a quo, determinando que este tem subida imediata em
separado”.
Ou seja, contrariamente ao que propugna na presente reclamação, a recorrente não
identificou no decurso do processo qualquer norma ou interpretação normativa
que, tendo sido aplicada pela entidade recorrida, se encontre ferida de
inconstitucionalidade; e antes imputou à decisão reclamada, no ponto em que
reteve o recurso jurisdicional anteriormente interposto, a violação de norma
constitucional.
O recurso não preenche, portanto, o requisito processual dos artigos 70º, n.º 1,
alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a
reclamação e confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 23 de Maio de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão