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Processo n.º 790/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
1. O Ministério Público interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (adiante referida como “LTC”), recurso de constitucionalidade do despacho proferido pela Juiz do Tribunal do Trabalho de Setúbal que, deferindo o requerimento apresentado pelo Ministério Público, em representação do trabalhador sinistrado, de remição parcial de pensão anual vitalícia, determinou a atualização da mesma pensão e a sua remição parcial, recusando para o efeito, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do disposto no artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, e no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impedem a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, mas não remíveis por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, e, bem assim, a aplicação do disposto no artigo 75.º, n.º 2, proémio, da citada Lei n.º 98/2009, na parte em que impede a remição parcial de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, não remível por ser superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira. Nas suas alegações, o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:
«1. A norma do artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), ponto i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impede a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, mas não remíveis nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da mesma Lei, por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, é inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
2. Não decorre da Constituição nem da Jurisprudência do Tribunal Constitucional que as pensões anuais vitalícias de pequeno montante, devidas por acidente de trabalho, e que correspondam a grau de incapacidade pouco grave, não possam ser obrigatoriamente remidas.
3. A norma do n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, condiciona a obrigatoriedade de remição à verificação cumulativa de dois requisitos: a incapacidade parcial permanente ser inferior a 30%; o valor da pensão anual não ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal.
4. Gozando o legislador ordinário de ampla liberdade na concretização daqueles dois requisitos e não nos parecendo que os mesmos consagrem soluções desrazoáveis, aquela norma, vista isoladamente, não nos merece censura constitucional.
5. Na situação dos autos, a incapacidade foi fixada em 16,70%, portanto muito abaixo dos 30%, apenas não sendo possível a remição por o valor da pensão ultrapassar o limite estabelecido no n.º 1 do artigo 75.º e não ser possível a remição parcial porque a incapacidade é inferior a 30% (artigo 75º, nº 2)
6. Se a pensão não for atualizável – seja em resultado da interpretação da lei ordinária, seja com consequência da não inconstitucionalidade da norma que o impossibilita -, porque inferior a 30% (artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009), impedir a remição, ainda que parcial, neste caso, significa a sua degradação progressiva, com a consequente violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição).
7. Assim, não sendo o valor da pensão atualizável, a norma do artigo 75.º, n.º 2, da Lei nº 98/2009, na parte em que impede a remição parcial da pensão anual vitalícia, correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas não remível por ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira, é inconstitucional por violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.»
O despacho recorrido foi precedido da homologação da conciliação em que foi atribuída ao sinistrado de acidente de trabalho A. uma pensão anual vitalícia no valor de € 3 473,10 para uma incapacidade permanente parcial de 16,70%, e, bem assim de requerimento de remição parcial da pensão, à qual a seguradora não se opôs. Sobre as dúvidas referentes às duas questões de inconstitucionalidade foram chamados a pronunciar-se o sinistrado e a Companhia de Seguros B., S.A., e também, uma vez que a eventual imposição de atualização da pensão envolve uma obrigação de reembolso, o Fundo de Acidentes de Trabalho.
Em resposta, a seguradora reiterou a sua posição de não oposição à remição, “não obstante os limites e condicionalismos impostos pelo n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro”. Já o Fundo de Acidentes de Trabalho veio dizer o seguinte:
« Nos termos da subalínea i), alínea c), do Artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, ao Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) compete o reembolso às empresas de seguros dos montantes relativos às atualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte, bem como às atualizações da prestação suplementar por assistência de terceira pessoa, derivadas de acidentes de trabalho ou de acidentes em serviço.
Assim, e atendendo a que a pensão em apreço resulta de uma IPP [incapacidade permanente parcial] inferior a 30% - se bem que de valor superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta e como tal não obrigatoriamente remível (artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro) -, o FAT não tem competência legal para reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às atualizações desta pensão.»
2. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« A pensão fixada ao sinistrado A. resulta de uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, mas porque é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta, está sujeita aos seguintes condicionalismos:
1 .º não é remível – art. 75.º n.º 1, in fine, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho, ou LAT/2009):
2.º não é sequer parcialmente remível, por não resultar de IPP igual ou superior a 30% – art. 75.º n.º 2, proémio, da LAT/2009:
3 .º e também não é atualizável anualmente, conforme a média do crescimento real do PIB e a variação média anual do índice de preços no consumidor – pois o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) apenas se responsabiliza pela atualização do valor das pensões devidas por IPP igual ou superior a 30% ou por morte, nos termos do art. 82.º n.º 2 da LAT/2009 e do art. 1 .º n.º 1 al. c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de Abril, que criou aquele Fundo.
Ora, sucede que foi publicada a Portaria 122/2012, de 3 de Maio, procedendo à atualização anual das pensões de acidentes de trabalho, por aplicação da percentagem de aumento de 3,6%, com efeitos a partir de 01.01.2012. Logo, não fora a proibição de atualização supra referida, a pensão fixada ao sinistrado, de € 3.473,10, com início a partir de 31.05.2011, teria sido atualizada para € 3.598,13, com efeitos a partir de 01.01.2012.
Ocorre ainda que o sinistrado pediu a remição parcial da sua pensão, no passado dia 11.04.2012.
No entanto, pensamos que as regras supra expostas ofendem os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação às vítimas de acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.
Vejamos os fundamentos do nosso raciocínio.
* * *
NO QUE CONCERNE À PROIBIÇÃO DE ATUALIZAÇÃO:
O primeiro diploma que previu a atualização de pensões por acidente de trabalho, de acordo com a inflação, foi o DL 668/75, de 24 de Novembro, mas desde logo estipulando que não estavam sujeitas a atualização as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30% (respetivo art. 2.º).
No entanto, era preciso ter em conta que, nos termos do art. 64.º n.ºs 1 e 2 do Decreto 360/71, de 21 de Agosto, eram remíveis todas as pensões devidas por incapacidades não superiores a 10%, bem como as superiores a 10% e inferiores a 20%, desde que estivessem reunidos determinados pressupostos.
Neste quadro legal, colocava-se o problema da desvalorização efetiva das pensões por incapacidades situadas entre 20% e 30%, que não só não eram remíveis, como nem sequer eram atualizáveis de acordo com a inflação ou a evolução do índice de preços ao consumidor.
Ciente deste grave problema, Vítor Ribeiro, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Petrony, 1994, a págs. 143, fazia o seguinte comentário: «Sendo certo, como já se viu, que só são atualizáveis as pensões por incapacidade igual ou superior a 30%, e que, por outro lado, as pensões correspondentes a incapacidades superiores a 20% não são passíveis de remição, um número considerável de pensões por acidentes de trabalho encontra-se irremediavelmente congelado no seu valor nominal, com a progressiva degradação do seu valor real em consequência da inflação. Esta é, seguramente, uma das maiores iniquidades do sistema vigente» - sublinhado da nossa responsabilidade.
Com a publicação da Lei 100/97, de 13 de Setembro, e do respetivo regulamento (contido no DL 143/99, de 3o de Abril), o problema deixou de se colocar, pois passaram a ser obrigatoriamente remíveis todas as pensões devidas a sinistrados em acidentes de trabalho, por incapacidade inferior a 30%, independentemente do valor da pensão anual – art. 56.º n.º 1 al. b) do DL 143/99.
Logo, se é certo que a Lei 100/97 previa apenas a atualização de pensões por incapacidade igual ou superior a 30% (respetivo art. 39.º n.º 2), o problema da desvalorização das restantes pensões não se colocava, pois todas as pensões por incapacidade inferior àquele patamar eram obrigatoriamente remíveis.
A coerência deste sistema foi fortemente perturbada com a Lei 98/2009, ao estipular a não remição de pensões por incapacidade inferior a 30%, desde que superiores a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta (respetivo art. 75.º n.º 1, in fine), mas repristinando a regra da não atualização das pensões por incapacidade inferior a 30% (respetivo art. 82.º n.º 2, a contrario, de resto em linha com o disposto no art. 1.º n.º 1 al. c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de Abril, que criou o Fundo de Acidentes de Trabalho).
Significa isto que todas as pensões por incapacidades inferiores a 30% não podem ser atualizadas, caso o seu valor seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta. E nem poderão ser atualizadas, nem remidas, caso a desvalorização da moeda as venha a colocar num patamar inferior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, pois o momento relevante para este efeito é o dia seguinte à data da alta.
Cremos ser evidente a iniquidade deste sistema.
Em bom rigor, não existe qualquer razão legítima que impeça a atualização destas pensões, nos mesmos moldes das demais pensões não remíveis – está em causa a manutenção do valor efetivo das pensões, importando garantir aos sinistrados um valor de reparação constante, que não se degrade conforme as flutuações da moeda.
Por outro lado, importa impedir que os sinistrados em acidente de trabalho, afetados de uma incapacidade inferior a 30%, mas com pensões superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, sejam colocados numa situação de desvantagem em relação aos sinistrados com incapacidade inferior a 30%, mas que viram as suas pensões imediatamente remidas, não correndo assim o risco da desvalorização monetária.
Estão prejudicados, pois, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação aos sinistrados com acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º, nº 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da Constituição. pelo que declaro a inconstitucionalidade do art. 82. º 2 da LAT/2009, e do art. 1.º n.1 al c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de Abril, na parte em que impedem a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, mas não remíveis por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.
Consequentemente, procedo à atualização da pensão anual fixada ao sinistrado, a qual se fixa em € 3.598.13, com efeitos a partir de 01.01.2012.
* * *
NO OUE CONCERNE À PROIBIÇÃO DE REMIÇÃO PARCIAL:
Acerca de tema semelhante já teve o Tribunal Constitucional a oportunidade de se pronunciar, no seu Acórdão n.º 302/99, de 18.05.1999. relatado por Bravo Serra, onde se explicitaram os motivos pelos quais se pode justificar constitucionalmente a proibição de remição das pensões por acidente de trabalho. Citemos as passagens mais relevantes desse aresto:
“ O estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respetivo labor.
E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada - e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar do tempo - possa ser «transformada» em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera perceção de uma «renda» anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o montante da pensão for reduzido.
Outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho.
Se o montante dessas pensões se perspetivar como algo que atua (ou atuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, “colocar o trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição”.
Efetivamente, a aplicação de um capital - ainda que no momento em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto porporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à perceção da pensão anual - é sempre alguma coisa que, em virtude de ser aleatória, comporta riscos.
E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize a remição das respetivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição”.
Foi com base nestes pressupostos que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do art. 64.º n.º 2 do Decreto 360/71, na parte em que impedia a remição de uma pensão igual ou superior a 20% mas inferior a 30%, em que a capacidade de ganho não estava substancialmente reduzida, por estabelecer uma limitação ao poder do trabalhador ponderar se não se revelaria mais compensador a efetivação da remição, ocorrendo assim uma discriminação materialmente infundada.
Os mesmos princípios são aplicáveis ao caso dos autos.
Na verdade, o trabalhador foi afetado de uma incapacidade inferior a 30%, a qual não implica a futura continuação do seu desempenho laboral, embora tenha reflexo, em medida não muito relevante, na sua capacidade de ganho. Logo, nestas condições não se vislumbra qualquer fundamento, constitucionalmente legítimo, que limite o poder do trabalhador em avaliar se é mais compensador continuar a receber a pensão anual, ou optar pela sua remição, aplicando o capital daí resultante.
Note-se que, não estando a capacidade de ganho do trabalhador fortemente limitada, não se pode adotar uma atitude paternalista de proibição da remição, com o fundamento do risco de aplicação do capital assim obtido.
Mantendo o trabalhador o essencial da sua capacidade de ganho, apenas a ele deve competir essa decisão, não existindo fundamentos constitucionalmente válidos que legitimem a limitação da sua capacidade para administrar o seu património, nomeadamente no que concerne à utilização do capital obtido com a remição da pensão devida por acidente de trabalho – em especial quando o sinistrado requereu expressamente pretender a remição parcial da pensão.
No fundo, está em causa a tutela da autonomia da vontade do sinistrado em acidente de trabalho, o qual, por não estar fortemente limitado na sua capacidade de ganho, pode e deve decidir se opta pela continuação do recebimento anual, ou se prefere obter o respetivo capital de remição.
Estão prejudicados, mais uma vez, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação aos sinistrados em acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da constituição, pelo que declaro a inconstitucionalidade do art. 75.º n.º 2, proémio, da LA T/2009, na parte em que impede a remição parcial de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, não remível por ser superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira.
Consequentemente, defiro o requerimento do sinistrado de 11.04.2012 e determino a remição parcial, a partir dessa data, da pensão anual, já atualizada para €3.598,13, nos seguintes termos:
€ 3.598,13 – (€ 485,00 x 6) – € 688,13
***
Proceda ao cálculo e entrega do capital de remição de (€ 688.13 x 13.192) = € 9.077,81, se a presente decisão vier a ser confirmada em sede de recurso de constitucionalidade.
Valor do incidente de remição parcial: € 9.077,81.
Custas pela Seguradora.
*
Notifique – inclusive ao FAT.
Sendo ao Ministério Público, para efeitos de recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. As duas questões de inconstitucionalidade suscitadas no recurso do Ministério Público, embora interligadas, são autónomas e devem ser analisadas separadamente.
Com efeito, questionando-se, como sucede no despacho recorrido, a admissibilidade da remição apenas facultativa (e também parcial) de pensões correspondentes a uma incapacidade permanente inferior a 30% - o mesmo é dizer, que está em causa o alargamento do âmbito objetivo do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - não deixa, de todo o modo, de se colocar sempre o problema da atualização tanto em relação aos casos em que tal faculdade não seja exercida, como relativamente à pensão sobrante nos casos em que tenha havido remição parcial. Recorde-se que ao Fundo de Acidentes de Trabalho apenas compete reembolsar as empresas de seguros de montantes relativos às atualizações de pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% (cfr. o artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 185/2007, de 10 de maio, e o artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro). Deste modo, no que se refere às pensões devidas por incapacidade permanente inferior a 30% - e que não são remíveis obrigatoriamente de acordo com o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 - coloca-se a questão da respetiva desvalorização em razão da inflação, independentemente de as mesmas poderem ser remidas parcialmente, nos termos do n.º 2 do citado preceito.
Por outro lado, a aludida interligação resulta da circunstância de, como referido nas conclusões do Ministério Público, a resposta à questão da possibilidade de atualização do valor total ou parcial de pensões correspondentes a uma incapacidade permanente inferior a 30% não obrigatoriamente remíveis poder condicionar o juízo sobre a inconstitucionalidade da proibição de remição parcial de tais pensões (cfr. a conclusão 7).
Justifica-se, por conseguinte, analisar, em primeiro lugar, a constitucionalidade dos impedimentos legais à atualização das pensões por incapacidade permanente para o trabalho inferior a 30% que não sejam obrigatoriamente remíveis e, somente depois, e considerando, eventualmente, a resposta a tal questão, a constitucionalidade dos impedimentos legais à remição total ou parcial de tais pensões, quando requerida pelo trabalhador sinistrado.
A) A questão da atualização das pensões não remíveis
4. O Fundo de Acidentes de Trabalho foi criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, 30 de abril, em execução do disposto na Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, que aprovou o anterior regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais. No preâmbulo daquele decreto-lei pode ler-se que, “relativamente ao regime de atualização de pensões, o presente diploma prevê a atualização nos mesmos termos do regime geral da segurança social”. E, na verdade, o artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97 cometia a um fundo dotado de autonomia administrativa e financeira, a criar por lei, no âmbito dos acidentes de trabalho, a “responsabilidade” pelas atualizações de pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% ou por morte. As pensões por incapacidade permanente inferior a 30%, independentemente do seu valor anual, eram obrigatoriamente remíveis, de acordo com o estatuído no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril (diploma que veio regulamentar a Lei n.º 100/97). Neste quadro, compreende-se a incumbência cometida ao Fundo de Acidentes de Trabalho no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril: reembolsar as empresas de seguros dos montantes relativos às atualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30%, e somente a essas. Como referido pelo Mmo. Juiz a quo, a solução legal resolveu os problemas em matéria de atualização de pensões por acidente de trabalho detetados na legislação anterior, já que “passaram a ser obrigatoriamente remíveis todas as pensões devidas a sinistrados em acidentes de trabalho, por incapacidade inferior a 30%, independentemente do valor da pensão anual”.
A premência da questão da atualização de pensões por acidentes de trabalho, de acordo com a inflação, é manifesta. Isso mesmo também já foi expressamente reconhecido por este Tribunal, designadamente no seu Acórdão n.º 302/99 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/): pela não atualização, o quantitativo da pensão tende a ficar, com o passar do tempo, cada vez mais desadequado à perda de capacidade de ganho do trabalhador, “o que, o mesmo é dizer, como uma justa reparação quando o trabalhador é vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional – cfr. a alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição”.
Tem, pelo exposto, pertinência a análise dos antecedentes legislativos desenvolvida a este respeito no despacho recorrido e, em especial, a sua conclusão: se é certo que a Lei n.º 100/97 previa apenas a atualização de pensões por incapacidade igual ou superior a 30% (v. o respetivo artigo 39.º, n.º 2) – e isto sem prejuízo da admissão, a título facultativo, da sua remição parcial (cfr. o respetivo artigo 33.º, n.º 1, e o artigo 56.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99) - o problema da desvalorização das restantes pensões não se colocava, pois todas as pensões por incapacidade inferior àquele patamar eram obrigatoriamente remíveis.
5. O sistema dicotómico e em si mesmo coerente baseado nas correlações remição obrigatória–não atualização e remição facultativa–atualização da pensão remanescente ou da pensão não remida cessa com a substituição da Lei n.º 100/97 e do Decreto-Lei n.º 143/99, pela Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, conjugada com a continuação da vigência do estatuído no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, que limita a atualização das pensões atribuídas por acidentes de trabalho aos casos de incapacidade permanente igual ou superior a 30%.
Com efeito, para além do artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009 continuar a cometer ao Fundo de Acidentes de Trabalho a responsabilidade apenas pelas atualizações das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% - como sucedia com o artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97 – o seu artigo 75.º, epigrafado “Condições de remição”, alterou as condições de remição nos seguintes termos:
« 1- É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30% e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 – Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%».
Como se vê, surge uma nova possibilidade, passando a ser lícito distinguir quatro situações:
As pensões obrigatoriamente remíveis na sua totalidade (n.º1);
As pensões facultativamente remíveis em parte (n.º 2);
As pensões insuscetíveis de remição, parcial ou total, em razão da conjugação de um grau de desvalorização do sinistrado inferior a 30% com um montante da pensão atribuída cujo valor seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (n.os 1 e 2 a contrario sensu);
As pensões insuscetíveis de remição, parcial ou total, em razão da conjugação de um grau de desvalorização do sinistrado igual ou superior a 30% com um montante da pensão atribuída cujo valor seja inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (n.º 2, alínea a), a contrario sensu; e que tinha correspondência no artigo 56.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99).
A terceira situação – à qual se reconduz justamente à situação do sinistrado no caso sub iudicio – é nova e decorre da opção feita pelo legislador no artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 de - diferentemente do que sucedia no artigo 56.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99, em que os elementos determinantes da remição obrigatória eram de verificação alternativa – exigir a verificação cumulativa de dois elementos para o mesmo tipo de remição - o grau de desvalorização do sinistrado e o montante da pensão a que ele tem direito.
Por outro lado, as pensões insuscetíveis de remição podem, conforme mencionado, corresponder a uma incapacidade inferior, igual ou superior a 30%: se a incapacidade relevante for inferior a 30%, a pensão correspetiva insuscetível de remição ratione valoris - artigo 75.º, n.º 1 – não é atualizável (cfr., a contrario sensu, os artigos 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99 e 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009); já se a incapacidade relevante for igual ou superior a 30%, a pensão correspetiva insuscetível de remição ratione valoris - artigo 75.º, n.º 2, alínea a) - é, todavia, atualizável (cfr. os mesmos preceitos). Do mesmo modo, são atualizáveis as pensões facultativamente remíveis, na parte em que não tenham sido remidas, por decisão do sinistrado ou por imposição da lei, já que tais pensões correspondem, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, a incapacidades iguais ou superiores a 30%. Aliás, um dos direitos não afetados pela remição parcial dessas pensões é justamente o da atualização da pensão remanescente (cfr. o artigo 77.º, alínea d), da Lei n.º 98/2009).
Coloca-se, por isso, com toda a pertinência a seguinte questão de constitucionalidade: é admissível à luz da Constituição a existência de pensões devidas a sinistrados por acidentes de trabalho não remíveis e que também não sejam atualizáveis de acordo com a inflação?
6. A resposta a tal questão dada no despacho recorrido e acolhida nas alegações do Ministério Público é inequivocamente negativa.
E, na verdade, não se vislumbra qualquer razão legítima que justifique o impedimento legal de atualização das pensões insuscetíveis de remição, nos mesmos moldes em que as restantes pensões não remidas são atualizadas, ou seja, de acordo com os termos do artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril. É de subscrever o entendimento sufragado no despacho recorrido de que, tal como sucede nos casos das pensões remíveis não remidas ou das pensões sobrantes em resultado da remição parcial da pensão originária, também em relação às pensões correspondentes a uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% “está em causa a manutenção do valor efetivo das pensões, importando garantir aos sinistrados um valor de reparação constante, que não se degrade conforme as flutuações da moeda”. Mais: há que assegurar a igualdade de tratamento, relativamente a todos os que auferem uma pensão não remível ratione valoris, independentemente do respetivo grau de incapacidade permanente parcial ser superior, igual ou inferior a 30%, porquanto a finalidade da pensão é em todos os casos o mesmo – trata-se de uma prestação destinada “a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de ganho resultante de acidente de trabalho” (cfr. o artigo 48.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009; nesta perspetiva, a pensão desempenha uma função substitutiva do vencimento para a subsistência do beneficiário, conforme tem sido salientado na jurisprudência deste Tribunal) – ; e tal finalidade fica irremediavelmente comprometida com a desvalorização monetária. Por idêntica ordem de razões, também se deve impedir – como refere o Mmo. Juiz a quo – “que os sinistrados em acidente de trabalho, afetados de uma incapacidade inferior a 30% mas com pensões superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, sejam colocados numa situação de desvantagem em relação aos sinistrados com incapacidade inferior a 30%, mas que viram as suas pensões imediatamente remidas, não correndo assim o risco da desvalorização monetária”.
Em suma, a não atualização das pensões de montante igual ou superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte ao da alta do trabalhador sinistrado que em consequência do acidente de trabalho tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% viola o direito à justa reparação do trabalhador sinistrado consignado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, uma vez que não acautela a desadequação do quantitativo da pensão à função reparatória e compensatória que lhe é inerente (neste sentido, cfr. o já referido Acórdão deste Tribunal n.º 302/99). Acresce que tal solução de não atualização, ao impor soluções diferentes relativamente a quantias que desempenham nos termos da Constituição e da lei função idêntica – como sucede relativamente às pensões remíveis não voluntariamente remidas, às pensões sobrantes determinadas em razão de prévia remição parcial e às pensões não remíveis compensatórias de incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30% -, também não se mostra materialmente fundada, sendo por isso mesmo arbitrária.
Com efeito, como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 546/2011 (igualmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ):
«[É] ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os atos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjetivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-subjetivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tratamento não fundados em motivos razoáveis».
No caso presente, porém, não se vislumbram motivos razoáveis para a previsão de atualização apenas do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30% estabelecida no artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, pelo que tal limitação se mostra também violadora do princípio da igualdade consignado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.
B) A questão da insusceptibilidade de remição parcial facultativa das pensões devidas por incapacidade permanente parcial inferior a 30% que não sejam obrigatoriamente remíveis
7. A segunda questão de constitucionalidade resulta da desaplicação feita pelo despacho recorrido “do art. 75.º n.º 2, proémio, da LAT/2009, na parte em que impede a remição parcial de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, não remível por ser superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira”. Recorde-se o que se estatui nesse artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro:
« Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição:
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%».
A consequência do juízo de inconstitucionalidade proferido quanto a esta questão no despacho recorrido seria a admissão adicional da remição parcial, a pedido do próprio sinistrado, de pensões de montante superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte ao da alta do trabalhador sinistrado que em consequência do acidente de trabalho tenha ficado com uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%, nos mesmos termos em que é admitida a remição parcial de pensões fixadas com referência a incapacidades permanentes parciais iguais ou superiores a 30%, isto é, sempre com observância dos dois limites referidos nas alíneas a) e b) do preceito em análise. Aliás, tratando-se de pensões relativas a incapacidades permanentes parciais inferiores a 30%, o limite máximo do capital da remição estabelecido na alínea b) estaria à partida garantido; nesses casos, o juiz apenas teria de garantir o limite mínimo do valor da pensão sobrante: esta teria de ser sempre igual ou superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição (e não já à data correspondente ao dia seguinte ao da alta ou morte, conforme previsto no n.º 1 do mesmo artigo 75.º, para efeitos de determinação do caráter obrigatório da remição).
8. É abundante a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão da remição obrigatória (e total) de «pensões de reduzido montante» no domínio do regime de reparação de acidentes de trabalho instituído ao abrigo da legislação anterior (cfr. o Acórdão n.º 163/2008 e os acórdãos referidos e resumidos no seu n.º 5, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; itálicos nossos):
« - Acórdãos n.ºs 322/2006 e 323/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), quando interpretada no sentido de impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
- Acórdãos n.ºs 457/2006, 491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006, 519/2006, 520/2006 e 611/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o beneficiário à remição;
- Acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de trabalho de que resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da entrada em vigor desta norma;
- Acórdãos n.ºs 577/2006 e 578/2006, que decidiram pela inconstitucionalidade da norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte;
- Acórdão n.º 521/2006, que decidiu julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 74º, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidente ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 292/2006, que julgou inconstitucional o conjunto normativo constante do nº 1 do artigo 33ºda Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 468/2002, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º,na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, na interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 17º e no artigo 33º, ambos da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro;
- Acórdão n.º 34/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30%.
- Acórdão n.º 438/2006, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º,na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela seguradora;
- Acórdão n.º 268/2007, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº382-A/99, de 22 de Setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição.»
No próprio Acórdão n.º 163/2008, que decidiu negativamente a questão da conformidade com o artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição – que consagra o direito dos trabalhadores à justa reparação dos danos emergentes de acidentes laborais –, da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, quando interpretado no sentido de impor a remição, independentemente da vontade do trabalhador sinistrado, de pensões inicialmente fixadas em regime de pensão anual vitalícia, por incapacidades parciais permanentes iguais ou superiores a 30%, consignou-se o seguinte:
« O cerne do juízo de inconstitucionalidade radica na consideração de que, relativamente a pensões por incapacidades suscetíveis de afetar significativamente a capacidade de ganho do sinistrado – não interessa agora saber se e em que termos este entendimento é extensível a situações em que o titular da pensão seja um “beneficiário legal” (cfr., todavia, acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006) –, pelo menos quando se trate de pensões vitalícias já atribuídas, a imposição da remição contra vontade do titular, atendendo à maior aleatoriedade dos proventos da aplicação do capital por comparação com o recebimento regular de uma pensão suscetível de atualização, não assegura a justa reparação constitucionalmente imposta pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. O sinistrado, afetado em grau significativo na sua capacidade de ganho, não deve ser privado da possibilidade de optar, consoante a avaliação que faça das vantagens e desvantagens, por continuar a receber uma pensão vitalícia atualizável que lhe foi inicialmente fixada, sendo obrigado a receber um capital, com o inerente risco de aplicação.
Obviamente, que esta ponderação não é afetada pela circunstância de a incapacidade ser igual (e não superior) a 30% porque, como se disse no acórdão que vimos seguindo [- o Acórdão n.º 292/2006 -], “não se poderá desconsiderar a circunstância de a lei ordinária, como deflui das disposições combinadas dos artigos 33.º da Lei n.º 100/97 e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 143/99, entender que as incapacidade parciais permanentes não muito acentuadas são aquelas que se situam numa percentagem inferior a 30%”.»
Ainda quanto à obrigatoriedade da remição da pensão, é impressiva a consideração feita no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 58/2006 (igualmente disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/):
« Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respetivo labor, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afeta significativamente a continuação do desempenho da sua atividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera perceção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à perceção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo-lhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.»
Esta jurisprudência aponta inequivocamente no sentido de ser inconstitucional, por violação do direito à justa reparação, a consagração legal da obrigatoriedade de remição de pensões de elevado valor ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado seja muito acentuada; inversamente, não será inconstitucional a obrigatoriedade de remição de pensões de valor reduzido ou em que a incapacidade permanente parcial do sinistrado não seja muito acentuada.
Todavia, a questão colocada pelo despacho ora recorrido é diferente, uma vez que respeita apenas à conformidade constitucional da proibição da remição parcial e facultativa de pensões devidas por um grau de incapacidade permanente parcial não muito elevado (inferior a 30%) e que, de acordo com a nova valoração legal não podem ser consideradas de montante reduzido (porque de montante superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta).
9. Conforme resulta da exposição de motivos do projeto de lei que está na origem da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – Projeto de Lei n.º 786/X, apresentado em 20 de maio de 2009 – o mesmo projeto (disponível a partir de http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=34568):
«[N]ão vis[ou] romper com o regime jurídico estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, quer pelo Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de Julho, quer mesmo pelas disposições normativas constantes no anterior Código do Trabalho entretanto revogadas, mas sim proceder a uma sistematização das matérias que o integram, organizando-o de forma mais inteligível e acessível, e corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente ».
Entre os aspetos destacados, refere-se o seguinte, no respeitante à matéria de remição:
«[O projeto a]ltera o regime de remição de pensões, seguindo a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria e esclarece que o regime da remição de pensão por doença profissional é sempre facultativo e só é admissível no caso de doenças profissionais sem carácter evolutivo.»
Em conformidade, consignou-se no artigo 74.º, n.os 1 e 2, do citado Projeto de Lei, sob a epígrafe “Condições de remição”:
«1. É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal, desde que, em qualquer um dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2. Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30% ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal, desde que, cumulativamente respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.»
Por outro lado, resulta o seguinte do «Relatório da discussão e votação na especialidade e texto final da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública» (cfr. o Diário da Assembleia da República, II série-A, Número 166, X/4 2009.07.25, p. 34 e ss, também disponível online em http://app.parlamento.pt/DARPages/DAR_FS.aspx?Tipo=DAR+II+s%c3%a9rie+A&tp=A&Numero=166&Legislatura=X&SessaoLegislativa=4&Data=2009-07-25&Paginas=34 ):
« 1 — O projeto de lei em epígrafe, da iniciativa do PS, baixou à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Administração Pública em 10 de Julho de 2009, após ter sido discutido e aprovado, na generalidade, em Plenário.
2 — Na reunião desta Comissão, realizada nos dias 20 e 21 de Julho de 2009, procedeu-se, nos termos regimentais, à discussão e votação na especialidade do projeto de lei supra identificado, tendo sido apresentadas, pelo Grupo Parlamentar do PS propostas de alteração para os artigos 18.º e 78.º, pelo Grupo Parlamentar do PCP propostas de alteração para os artigos 9.º, 18.º, 25.º, 28.º, 33.º, 35.º, 39.º, 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 49.º, 53.º, 66.º, 67.º, 68.º, 69.º, 70.º, 74.º, 78.º, 94.º, 108.º, 109.º, 121.º, 156.º, 158.º, 160.º, 168.º e 171.º, e, pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP, um proposta de alteração para o artigos 154.º [sublinhado nosso].
3 — A reunião decorreu na presença de mais de metade dos membros da Comissão em efetividade de funções, nos termos do n.º 5 do artigo 58.º do Regimento da Assembleia da República, encontrando-se presentes os Grupos Parlamentares do PS, do PSD, do PCP, do CDS-PP e do BE.
4 — A discussão e votação na especialidade do presente projeto de lei foi integralmente gravada em suporte áudio e encontra-se disponível na página da internet da 11.ª Comissão, pelo que se dispensa o seu desenvolvimento nesta sede.
5 — Da sua votação na especialidade resultou o seguinte:
[…]
— Para o artigo 74.º (Condições de remição) foi apresentada pelo PCP uma proposta de substituição do n.º 1 do artigo, que foi rejeitada, com a seguinte votação:
PS — Contra PSD — Abstenção PCP — Favor CDS-PP — Abstenção BE — Favor
O artigo 74.º do projeto de lei, com este aditamento, foi aprovado com o seguinte resultado:
PS — Favor PSD — Abstenção PCP — Contra CDS-PP — Abstenção BE — Contra
[Era a seguinte a proposta de alteração apresentada pelo PCP:
«Proposta de alteração
“Artigo 74.º
1 — Só pode ser total ou parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou beneficiário legal maior de idade, a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30%, e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal.
2 — (…)
3 — (…)
4 — (…)
5 — (…)”]».
A análise destes trabalhos preparatórios evidencia, assim, que, no tocante às remições, o foco da atenção incidiu exclusivamente sobre o problema da remição obrigatória, anteriormente tratada nos artigos 33.º, n.º 1, e 56.º, n.º 1, respetivamente, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril. O regime da remição parcial facultativa constante do artigo 56.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 143/99 transitou praticamente sem alterações para o artigo 74.º, n.º 2, do Projeto de Lei n.º 786/X e não foi objeto de qualquer proposta de alteração no âmbito do procedimento legislativo. E é esse mesmo regime que consta hoje do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
Em síntese, e no que ao presente caso interessa, as inovações legais trazidas neste domínio pela Lei n.º 98/2009 circunscreveram-se à introdução de um limite quantitativo à remição obrigatória de pensões anuais vitalícias: ao abrigo do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, tais pensões “devidas a sinistrados […] por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%” eram obrigatoriamente remidas “independentemente do valor”; de acordo com o artigo 74.º, n.º 1, do Projeto de Lei n.º 786/X e o artigo 75.º, n.º 1, da nova lei, as mesmas pensões passaram a ser remíveis obrigatoriamente “desde que, […], o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta”. Houve uma proposta no sentido de se ir mais além, eliminando por completo a obrigatoriedade de remição, que, todavia, não teve acolhimento por parte do legislador. Saliente-se, por fim, que o resultado da alteração da disciplina legal da remição obrigatória visou expressamente a conformação com a jurisprudência constitucional sobre a mesma matéria.
10. Importa agora esclarecer o significado e alcance das condições de remição parcial de verificação cumulativa previstas na alínea a) e na alínea b) do artigo 74.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009. Tais condições reconduzem-se, no fundo, a dois limites à faculdade de remição da pensão pelo trabalhador sinistrado, justificando que a remição facultativa seja, por imposição da lei, também necessariamente parcial.
Assim, a exigência de que a pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição – prevista na alínea a) – visa colocar o trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição – obviando a que estes possam redundar na perda de uma renda vitalícia - que afinal terá de assegurar a subsistência mínima de quem está afetado por uma substancial redução das capacidades de trabalho (de acordo com o corpo do artigo 75.º, n.º 2, uma incapacidade permanente parcial igual ou superior a 30%) e de, através dele, auferir rendimentos. Porém, se, no juízo legal, quem sofre de tal redução das capacidades de trabalho, pode exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão, desde que o montante da pensão sobrante não seja inferior ao mencionado valor, por maioria de razão, quem sofre de uma redução das capacidades de trabalho menos gravosa (designadamente de uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%) deve igualmente poder exercer a sua autonomia de vontade relativamente à pensão vitalícia, desde que se continuem a aplicar os mesmos limites quanto à pensão sobrante. Isto é, não se vislumbra, em face do interesse tutelado pela definição do limite atinente à pensão sobrante, nenhum motivo materialmente fundado para que assim não seja.
No que se refere ao respeito da exigência de que o capital da remição não seja superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30% – prevista na alínea b) –, o mesmo estará sempre, e à partida, assegurado no caso da remição de pensões vitalícias correspondentes a uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%. É que, não só a remição é por força do corpo do n.º 2 do artigo 75.º necessariamente parcial, como ainda tem de respeitar o limite máximo correspondente ao valor da pensão sobrante exigido pela alínea a) do mesmo número.
Exemplificando com o caso dos presentes autos (cfr. o despacho recorrido):
Sendo: a incapacidade do sinistrado de 16,70%; a pensão anual (já atualizada), € 3 598,13; a retribuição mensal mínima garantida, € 485,00; e a base técnica a considerar (artigo 76.º da Lei n.º 98/2009), 13,192; temos:
Capital de remição correspondente a incapacidade de 30%:
€ 3 598,13 x 13,192 = € 47 466,53
Capital de remição correspondente à remição parcial, nos termos do artigo 75.º, n.º2:
(€ 3 598,13 - € 485 x 6) x 13,192 = € 688,13 x 13,192 = € 9 077,81
Assim:
O capital da remição parcial (€ 9 077,81) é inferior ao capital de remição correspondente à incapacidade de 30% (€ 47 466,53); e
A pensão anual sobrante (€ 2910) não é inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da remição; aliás é igual (€ 485 x 6 = € 2910).
No caso da condição de remição parcial prevista no artigo 75.º, n.º 2, alínea b), não é pertinente argumentar com eventuais problemas de gestão das seguradoras, atenta a consideração de que a racionalidade económica de um seguro pressupõe o pagamento periódico de uma renda ou pensão, já que o seguro consiste grosso modo em a seguradora aplicar uma parte do capital dos prémios, em termos de gerar um rendimento que lhe permita satisfazer as futuras pensões e que a remição ficciona a transferência dessa racionalidade para o sinistrado, através da entrega de um determinado capital. Com efeito, o problema põe-se igualmente – e até com maior acuidade - no caso da remição parcial de pensões vitalícias correspondentes a incapacidades permanentes parciais iguais ou superiores a 30%.
Em suma, os fins que subjazem às condições que restringem a faculdade de remição parcial de pensões vitalícias a pedido do sinistrado, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, são menos prementes no caso de incapacidades permanentes parciais inferiores a 30% do que no caso em que tais incapacidades sejam iguais ou ultrapassem tal limiar. Consequentemente, fica por justificar materialmente a permissão legal de remição parcial facultativa neste segundo caso e a sua proibição legal (indireta) no primeiro caso.
Tal diferença de tratamento suscita um problema quanto à compreensibilidade, razoabilidade ou não arbitrariedade entre os dois tipos de situação, diferença essa que se pode repercutir, como sucede no caso sub iudicio, em tratamento desigual e discriminatório de situações subjetivas merecedoras de idêntica tutela. Valem por isso também aqui as considerações feitas no Acórdão n.º 546/2011 – e que foram transcritas supra no n.º 6 do presente Acórdão – no tocante ao princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea f), ambos da Constituição, a norma contida no artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), subalínea i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impede a atualização de pensões por incapacidades inferiores a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da citada Lei n.º 98/2009 por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta;
b) Julgar inconstitucional, por violação do artigos 13.º, n.º 1, da Constituição, a norma contida no artigo 75.º n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira;
E, em consequência,
c) Negar provimento ao recurso.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 31 de janeiro de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro