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Processo n.º 792/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Em 12 de dezembro de 2012, o Relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A. (fls. 943 e segs.), com os seguintes fundamentos:
«(…)
4. Face ao disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC”), o despacho de admissão do recurso de constitucionalidade proferido pelo tribunal recorrido não vincula o Tribunal Constitucional. Acresce que, se se entender não poder conhecer do objeto do recurso, deve ser proferida decisão sumária (cfr. o artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
In casu é ostensiva a existência de três obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, que, sem necessidade de mais indagações justificam a presente decisão sumária. Em primeiro lugar, a questão de constitucionalidade suscitada reporta-se, não como o exige a Constituição e a lei à eventual inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua dimensão interpretativa, mas imediatamente à qualificação dos factos dados como provados no tribunal de primeira instância e confirmada pelo acórdão da Relação de 13 de junho de 2012. Em segundo lugar, a mesma questão de constitucionalidade foi suscitada apenas em sede de incidente pós-decisório – a reclamação do citado acórdão de 13 de junho de 2012 -, momento em que, por se ter já esgotado o seu poder jurisdicional, não podia o tribunal a quo sobre ela tomar posição. E, em terceiro lugar, o fundamento do indeferimento da reclamação é estranho à questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente.
Quanto ao primeiro fundamento de não conhecimento do recurso
5. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, segundo o qual cabe recurso das decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Trata-se, por conseguinte, de um recurso de constitucionalidade normativa que tem por objeto as normas jurídicas, enquanto tais, aplicadas aos casos decididos pelos tribunais recorridos; a concreta aplicação do direito infraconstitucional efetuada pelos mesmos tribunais – a decisão do caso - é atividade que não se encontra abrangida pelo objeto da fiscalização da constitucionalidade de normas.
No caso dos autos, o que o recorrente vem contestar é o modo como na decisão recorrida (que, de resto, e neste particular, não difere nem da decisão tomada na 1.ª instância nem da decisão adotada em sede de recurso jurisdicional) considerou dever subsumir os factos provados ao direito aplicável, nomeadamente ao artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, sob o ponto de vista do princípio da legalidade criminal enquanto tipicidade. Isto é, o recorrente contesta que a factualidade concreta dada como provada no processo seja subsumível ao tipo criminal agravado «furto qualificado».
Ora, como se referiu no Acórdão deste Tribunal n.º 183/2008 (publicado no Diário da República, I série, de 22 de abril de 2008) “[…] não vigora entre nós um sistema de recurso de amparo ou de queixa constitucional, existindo, sim, um sistema de fiscalização normativa da constitucionalidade que não permite que o Tribunal conheça do mérito constitucional do ato casuístico de subsunção de um pormenorizado conjunto de factos concretos na previsão abstrata de uma certa norma legal”.
Efetivamente, não constitui questão de constitucionalidade normativa, suscetível de ser conhecida em recurso de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional saber se implica violação do princípio constitucional da legalidade ou da tipicidade criminal a interpretação do artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal, de modo a abranger na sua previsão, enquanto tipo qualificado, determinadas condutas, designadamente a do agente concreto, ora recorrente. A dimensão normativa questionada no recurso pura e simplesmente não tem qualquer autonomia relativamente ao caso concretamente decidido. Isso mesmo é evidenciado no n.º 4.º do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade: o objetivo da reclamação do primeiro acórdão da Relação foi “obter dos Senhores Desembargadores uma alteração da decisão por evidente ilegalidade do conceito adotado para a figura de Bando que permitiu classificar o crime em causa de qualificado”; mas aqueles limitaram-se a confirmar a qualificação dos factos feita anteriormente, quer pelos próprios, quer pela primeira instância. Por isso mesmo, o que está em causa é tão-somente a decisão de aplicação do direito aos factos, e não um qualquer sentido normativo imputado autonomamente, isto é, com abstração dos factos concretos a qualificar, ao preceito aplicado O mencionado artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal).
Quanto ao segundo fundamento de não conhecimento do recurso
6. Acresce que o recurso de constitucionalidade foi interposto de um acórdão da relação – o de 1 de agosto de 2012 - que conheceu da reclamação de um primeiro acórdão do mesmo tribunal – o de 13 de junho de 2012 – em que foram arguidas nulidades.
De acordo com um princípio sempre reiterado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, os incidentes pós-decisórios não devem ser configurados como o momento processual oportuno para que seja discutida, pela primeira vez, qualquer questão de inconstitucionalidade. Assim é pelo facto destes incidentes servirem, por regra, para conhecer da aplicação das normas reguladoras da admissibilidade e do próprio âmbito dos pedidos de reforma ou nulidade, que não têm qualquer influência na formação da decisão, e não para conhecer de questões de mérito. Este princípio associa-se logicamente a um outro que é, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pressuposto insuprível de admissibilidade dos recursos de constitucionalidade, e que se traduz na necessária suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, ou seja, antes que seja proferida a decisão [de mérito] de que se pretende recorrer.
In casu não é isso que acontece: conforme resulta do transcrito n.º 4.º do requerimento de interposição do presente recurso, a questão de constitucionalidade apenas foi suscitada na reclamação. Mas fora do tempo devido sem que, para tal, exista qualquer justificação. A decisão ora recorrida explica de forma cristalina por que é que o ora recorrente podia e devia ter suscitado a questão em momento anterior, sem que se mostre necessário acrescentar explicações adicionais: “o reclamante levanta na reclamação questões que não colocou no recurso. O recorrente nunca, no recurso, pôs em causa a qualificação dos crimes pelos quais foi condenado”.
Quanto ao terceiro fundamento de não conhecimento do recurso
7. Mas este último aspeto é também relevante à luz de um outro requisito do conhecimento dos recursos de constitucionalidade.
Com efeito, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma, ou interpretação normativa, tal como foi aplicada num caso concreto, é pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre, isto é que o fundamento do recurso coincida com a ratio decidendi da decisão recorrida, de modo a que um eventual provimento daquele obrigue a modificar esta última.
No caso vertente, porém, isso não acontece, uma vez que uma das razões – e em si mesma razão suficiente para o efeito - do indeferimento da decisão recorrida se prende, justamente, com a limitação dos poderes de cognição e decisão em sede de reclamação da decisão de um recurso jurisdicional e não com a interpretação e aplicação do artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal. Conforme referido na decisão recorrida, “a decisão reclamada é um acórdão proferido em segunda instância e irrecorrível quanto à decisão de facto, à apreciação do direito, e às decisões relativas às consequências jurídicas dos crimes. E nunca a correção ou esclarecimento do acórdão seria a providência adequada a obter os efeitos pretendidos com os pedidos deduzidos que se resume em obter outra decisão, com outros factos, outro direito e outras penas”.
III. Decisão
Pelo exposto, decido não tomar conhecimento do recurso interposto, condenando o recorrente nas custas em 7 (sete) uc.»
2. Notificado desta decisão, o recorrente deduziu reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”), nos seguintes termos (fls. 995 e segs.):
«1º
Por decisão sumária de 12 de dezembro de 2012, foi o recurso interposto, rejeitado pelo Meritíssimo Juiz Conselheiro, com fundamento em três obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso constitucional.
2º
Em primeiro lugar, expõe aquela decisão que a questão da constitucionalidade suscitada reporta-se, não como o exige a Constituição e a Lei, à eventual inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua dimensão interpretativa, mas imediatamente à qualificação dos factos dados como provados no tribunal de primeira instância e confirmada pelo Acórdão da Relação de 13 de junho de 2012.
3º
Em segundo lugar, a mesma questão de constitucionalidade foi suscitada apenas em sede de incidente pós-decisório (reclamação do citado acórdão de 13 de junho de 2012), momento em que, por se ter já esgotado o seu poder jurisdicional, não podia o tribunal a quo sobre ela tomar posição.
4º
E em terceiro lugar, o fundamento do indeferimento da reclamação é estranho à questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente.
Ora,
5º
O recorrente não se contenta com a presente decisão sumária, uma vez que considera estarem reunidos os pressupostos para que o seu recurso seja recebido e apreciado por este Alto Tribunal.
Com efeito,
6º
Não pode um cidadão português sofrer pena de prisão efetiva, PELO FACTO DE A NORMA QUE O PUNIU HAVER SIDO ILEGAL E NCONSTITUCIONALMENTE INTERPRETADA.
7º
Acresce que, ao contrário do decidido pelo Meritíssimo Juiz Relator, a questão sobre a constitucionalidade suscitada, reporta-se à leitura e interpretação feita pelo tribunal a quo, que torna o art.204º nº2 alínea g) do Código Penal violador dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e da igualdade ao não restringirem o conceito de Bando a um conjunto de pessoas que se organizam com a finalidade de praticar crimes contra o património e que são reconhecidos ora pela entrada na sua organização, ora pela prática reiterada de crimes.
8º
Pois, o Tribunal a quo ao alargar o conceito de Bando também está a destacar do art.204º do Código Penal, uma sub-norma que constitui Direito novo e nesse aspeto violador do princípio “nullum crimen sine lege”.
Por outro lado,
9º
A questão de constitucionalidade foi suscitada apenas em sede de incidente pós-decisório (reclamação do citado acórdão de 13 de junho de 2012), dado que a inconstitucionalidade verificada ocorreu apenas na decisão tomada pelo acórdão de 13 de junho de 2012 e, não antes.
10º
Pelo que o recorrente não iria fazer juízos de prognose póstuma, ainda antes da decisão judiciária.
11º
Além de que o tribunal a quo poderia sempre, em sede de reclamação, emendar o erro cometido, dado que a liberdade do recorrente estava em causa.
Finalmente,
12º
O recorrente não aceita, que pelo facto de o tribunal a quo não estar obrigado a modificar a sua decisão, independentemente do provimento do presente recurso constitucional, este Alto Tribunal se subtraia ao dever de pugnar pela constitucionalidade da interpretação e aplicação das normas jurídicas.
13º
Com efeito, deverá a presente reclamação ser admitida e por via dela ser o recurso constitucional recebido e apreciado de acordo com os fundamentos invocados.»
O Procurador-Geral-Adjunto do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação (fls. 999 e ss.).
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. A decisão de não conhecimento do recurso fundou-se na omissão de três requisitos: a inidoneidade do objeto do recurso em virtude de o mesmo não visar a apreciação de normas ou dimensões normativas, mas antes o mérito da própria decisão judicial recorrida; a não suscitação da questão da inconstitucionalidade durante o processo; e, por último, o facto de a questão de inconstitucionalidade suscitada nem sequer integrar a ratio decidendi da decisão recorrida. Na sua reclamação para a conferência, o recorrente vem invocar, em síntese, que o recurso de constitucionalidade interposto tinha por objeto uma questão normativa e que apenas foi possível suscitar a questão em sede do incidente pós-decisório.
Quanto ao primeiro aspeto, o recorrido alega que a questão de constitucionalidade suscitada se reporta “à leitura e interpretação feita pelo tribunal a quo, que torna o art. 204º nº2 alínea g) do Código Penal violador dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da justiça e da igualdade ao não restringirem o conceito de Bando a um conjunto de pessoas que se organizam com a finalidade de praticar crimes contra o património e que são reconhecidos ora pela entrada na sua organização, ora pela prática reiterada de crimes” (n.º 7.º da reclamação), conexionando esta questão com a pena de prisão que lhe foi aplicada (cfr. o n.º 6.º da reclamação). E, já a propósito do segundo aspeto, acrescenta: “a questão de constitucionalidade foi suscitada apenas em sede de incidente pós-decisório (reclamação do citado acórdão de 13 de junho de 2012), dado que a inconstitucionalidade verificada ocorreu apenas na decisão tomada pelo acórdão de 13 de junho de 2012 e, não antes” (n.º 9.º da reclamação).
O recorrente não se pronuncia sobre o terceiro fundamento invocado na decisão sumária reclamada para não conhecer do recurso de constitucionalidade e, de todo o modo, quanto às questões expressamente suscitadas na reclamação, também não lhe assiste razão.
Como se referiu na decisão sumária, o que o recorrente, ora reclamante, pretende contestar mediante o recurso de constitucionalidade é a interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados, nomeadamente a aplicação do artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal feita pela 1.ª instância e confirmada pela 2.ª instância, e que se traduziu na condenação do mesmo recorrente pela prática de um crime de furto qualificado.
4. É certo que, em determinadas situações, o Tribunal Constitucional pode fiscalizar a eventual violação do princípio da legalidade penal (cfr., a este propósito, o Acórdão n.º 183/2008, já citado na decisão sumária ora reclamada).
Mas este não é, todavia, um desses casos, porquanto não constitui questão de constitucionalidade normativa saber se implica violação do princípio constitucional da legalidade ou da tipicidade criminal a interpretação do artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal de modo a abranger concretas condutas, como as que foram imputadas ao recorrente. Nos termos em que a questão foi colocada, não se pretende censurar uma deficiência estrutural dos enunciados normativos dos preceitos em causa para cumprir as exigências constitucionais do princípio da legalidade (as exigências acrescidas da determinabilidade da lei em matéria sancionatória). Não está em causa uma norma (ou uma determinada interpretação da mesma) relativa a critérios de interpretação da lei, designadamente, uma norma que verse sobre a possibilidade de usar certos modos de interpretação, mas a própria decisão que aplica a norma e, por isso, também necessariamente a interpreta. Assim, para conhecer do mérito do presente recurso de constitucionalidade, o que este Tribunal teria de apreciar não seria a admissibilidade constitucional de o legislador estabelecer determinado conteúdo sancionatório ou prescrever determinadas regras de interpretação das normas sancionatórias, mas sim apreciar se o tribunal a quo adotou uma interpretação coincidente com a previsão legal da lei sancionatória prévia. O que se estaria a decidir seria a questão de saber se o sistema de direito ordinário prevê determinado tipo legal de crime ou a correspetiva responsabilização, nos termos em que o tribunal a quo entendeu ocorrer; e não se poderia constitucionalmente prevê-la.
Com efeito, aquele tribunal entendeu que, “[f]ace ao crescente número de peças e de veículos a subtrair, o arguido […] passou a contar – para o efeito – com a parceria do seu irmão […] e, depois, com a participação dos arguidos [seis e mais o] A. […]”, ora reclamante (cfr. fls. 951-952). Considerou-se ainda na decisão recorrida, não só que tal facto não foi especificamente impugnado, como “certo é que a adesão ao bando está provada” (ibidem, fls. 952). Imediatamente antes, havia-se afirmado na mesma decisão: “é, para nós, membro de um bando aquele que no mesmo se integra para a prática de crimes enquanto tal situação se mantiver e independentemente do tempo por que perdure e do número de crimes que, nesse intervalo, sejam cometidos” (ibidem, fls. 951).
Ou seja: o tribunal recorrido entende que o furto pelo qual o ora reclamante foi condenado é um furto qualificado, uma vez que o mesmo furto foi praticado pelo ora reclamante «como membro de um bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando» (cfr. o artigo 204.º, n.º 2, alínea g), do Código Penal), e que a tal qualificação jurídica não obsta a circunstância de, relativamente ao mesmo reclamante, se ter provado, na sequência do recurso interposto da decisão da 1.ª instância, a prática de apenas um crime (e não já de vários; cfr. fls. 950). Tal juízo, que diz respeito à qualificação jurídica dos factos relevantes para aplicação do direito infraconstitucional, e não à definição de um determinado critério normativo, não é, porém, sindicável pelo Tribunal Constitucional, ao qual não cabe controlar o modo como os restantes tribunais efetuam tais operações de qualificação.
5. Quanto à suscitação da inconstitucionalidade em sede de arguição de nulidade do acórdão da Relação que se debruçou sobre o mérito do recurso, também não assiste razão ao reclamante.
Com efeito, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, a inconstitucionalidade normativa deve ser suscitada durante o processo. Isto é, essa suscitação deve ocorrer até que seja proferida a decisão final, momento em que cessa, nos termos do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o poder jurisdicional do tribunal a quo. Esse requisito só é dispensável em situações excecionais, devendo então o recorrente demonstrar que se trata de decisão-surpresa cuja antecipação não lhe era exigível.
Na sua reclamação, no entanto, o reclamante não demonstra minimamente por que motivos o caso sub judicio configuraria um tal caso-limite. Nem tal, aliás, lhe seria possível uma vez que a Relação não adotou uma qualquer interpretação insólita, imprevisível ou inesperada apta a fundamentar a dispensa do ónus de suscitação atempada da questão de constitucionalidade.
Mais: no caso em apreço, o ora reclamante já havia sido condenado na 1.ª instância por cinco crimes de furto qualificado; e, todavia, conforme expressamente referido no acórdão recorrido para este Tribunal – o acórdão da Relação de Évora de 1 de agosto de 2012 que julgou as reclamações deduzidas contra o acórdão da mesma relação de 13 de junho de 2012 - “o reclamante levanta na reclamação questões que não colocou no recurso. O recorrente nunca, no recurso, pôs em causa a qualificação jurídica dos crimes pelos quais foi condenado” (fls. 950). In casu, portanto, era exigível prever que a questão da qualificação do furto se poderia colocar devido ao próprio recurso da decisão da 1.ª instância.
A verdade é que o ora reclamante não só não questionou a dita qualificação, como nem sequer impugnou o facto dado como provado de ter colaborado com os demais arguidos membros do bando, “tendo […] jogado a sua defesa na negação dos factos concretamente integradores dos crimes que lhe eram imputados, na expectativa, por certo, de que tal facto era insubstancial do ponto de vista de uma incriminação” (fls. 952).
Em suma, ao recorrer da condenação de todos e de cada um dos factos por que foi condenado na 1.ª instância, o ora reclamante podia e devia ter antecipado em tal recurso a questão que suscitou somente na reclamação do acórdão proferido em 2.ª instância (o acórdão de 13 de junho de 2012). Como se refere no acórdão que decidiu tal reclamação - o acórdão de 1 de agosto de 2012 –, depois de negado provimento ao recurso interposto da decisão da 1.ª instância, estaria, em qualquer caso, “vedada a correção do acórdão [que decidiu tal recurso] com o invocado fundamento de o crime de furto não ser qualificado. A errada qualificação jurídica dos factos, quando ocorra, constitui um erro de direito e tais erros só podem ser corrigidos em via de recurso, quando exista, e nunca em decisão de uma reclamação apresentada nos termos do art.º 380.º do CPP” (fls. 952). E, atento o regime próprio do recurso de constitucionalidade, tão pouco o mesmo reclamante pode ser admitido a suscitar nessa fase processual a questão da constitucionalidade da norma aplicada – caso tal questão se pudesse configurar como normativa.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação apresentada e condenar o reclamante nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 16 de janeiro de 2013 – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro