Imprimir acórdão
Processo n.º 687/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
A A., S.A. (doravante, “A.1”) recorreu para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de fls. ... e seguintes que julgou improcedente a oposição apresentada contra a cobrança coerciva de uma alegada dívida de IVA, referente aos exercícios de 2000 e 2001.
A A1 interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artigo 39.º, n.ºs. 5 e 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), na interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo fez da norma em apreço, no douto Acórdão proferido no dia 27 de junho de 2012 no processo n.º 966/11-30.
No modesto entendimento da A1, a interpretação em causa viola a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrada no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República, na medida em que julga verificada a presunção de notificação, estabelecida no referido artigo 39.º do CPPT, independentemente do cumprimento dos requisitos legais estabelecidos na lei, violando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos e o direito de reação contenciosa de tais atos, previstos no n.º 4 do mesmo artigo 268.º da Constituição da República.
Inesperadamente, e quando aguardava ser notificada para alegar, a A1 foi surpreendida pela decisão sumária, de que agora se reclama, que decidiu não «tomar conhecimento do objeto do recurso».
A douta decisão sumária considerou que o Supremo Tribunal Administrativo «não interpretou os n.ºs 5 e 6, do artigo 39.º, do CPPT, no sentido que a recorrente predica inconstitucional, e que, mesmo que o houvesse feito, tal juízo configurar-se-ia irrelevante para a solução da questão de fundo, já que o teor da decisão recorrida se alicerçou num fundamento alternativo, a saber, o artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, conjugado com o disposto no artigo 19.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária».
Salvo o devido respeito, que é muito, a A1 não se conforma com esta decisão sumária.
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo começou por esclarecer que «nos presentes autos coloca-se, essencialmente, a questão de se saber se a concreta notificação efetuada ao contribuinte, para o domicílio fiscal declarado à administração tributária, e considerando que este alterou o seu domicílio fiscal sem avisar a administração fiscal, no prazo legalmente prescrito, pode ou não ser considerada uma notificação perfeita por presunção ou, se nas circunstâncias acabadas de referir a simples falta do mencionado aviso implica a inoponibilidade ou não, à administração tributária de quaisquer questões atinentes à concretização da notificação da liquidação. Importará ainda analisar se a decisão recorrida ao considerar a regularidade das notificações em apreço, violou, em acréscimo, a Constituição da República, designadamente o disposto nos citados números do artigo 268.º da Lei Fundamental» (cf. página 7 do Acórdão de 27/06/2012).
Como é bom de ver, o Supremo Tribunal Administrativo considerou que era primordial resolver a questão da «regularidade das notificações em apreço».
Ora, o artigo 39.º do CPPT regula, precisamente, a «perfeição das notificações», pelo que o próprio Supremo Tribunal Administrativo afirmou que havia «que ponderar, desde logo, o estatuído nos artºs 39º nº 5 e 6 e 43º do CPPT» (cf. página 8 do Acórdão de 27/06/2012).
Nas páginas seguintes do aresto em apreço, o Supremo Tribunal Administrativo detalhou minuciosamente o regime das notificações em matéria tributária.
Nesta apreciação, aquele Alto Tribunal concluiu que, «em princípio, não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicílio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39º do CPPT, não funciona» (cf. página 11 do Acórdão de 27/06/2012, onde é inclusivamente citada jurisprudência nesse sentido).
Sucede que, mesmo perante a demonstrada falta do referido aviso no domicílio da A1, o Supremo Tribunal Administrativo julgou que havia operado a mencionada presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT.
Foi contra este entendimento que se encontra efetivamente vertido no Acórdão - não sendo dito meramente de passagem mas, ao invés, de forma exaustiva ao longo de diversas páginas do mesmo - que a A1 apresentou um recurso diante do Tribunal Constitucional, pois que a A1 considera que não foram cumpridos os «termos por que devem ser efetuadas» as notificações em matéria tributária (cf. 43.º, n.º 2, 2ª parte, do CPPT que não prescinde do regime previsto no artigo 39.º do mesmo diploma legal).
Posto isto, ao contrário do estatuído na douta decisão sumária, o Supremo Tribunal Administrativo procedeu a uma verdadeira interpretação do regime das notificações previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
No entanto, fê-lo de uma forma que contraria frontalmente a obrigatoriedade constitucional de notificação aos administrados de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, violando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos e o direito de reação contenciosa de tais atos.
E, note-se, não apenas o interpretou como, ademais, essa interpretação foi, ao contrário do que se decidiu sumariamente nestes autos de recurso, absolutamente decisiva para o julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Na verdade, a observância do que a Lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação, e dos termos por que devem ser efetuadas (que se encontram previstos no artigo 39.º do CPPT), é condição legal para que a falta de recebimento da comunicação pelo contribuinte não seja oponível à Administração Tributária.
Por outras palavras, a interpretação/aplicação do preceituado no n.º 2 do artigo 43.º do CPPT, bem como do disposto no artigo 19.º da LGT, nunca prescinde da interpretação/aplicação do regime previsto para a perfeição das notificações previsto no artigo 39.º do CPPT.
Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, ao concluir que a falta de notificação era inoponível à Administração Fiscal, nos termos do artigo 43.º do CPPT, por a A1 não ter comunicado a alteração de domicílio, teve necessária e previamente de concluir que a notificação efetuada in casu pela Administração Tributária satisfazia o regime estabelecido para a perfeição das notificações, previsto no artigo 39.º do CPPT.
E, na verdade, o Supremo Tribunal Administrativo concluiu, no Acórdão proferido nos autos, que teria sido dada «satisfação à 2.ª parte do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT» (ou seja, que foram cumpridas as formalidades previstas no artigo 39.º do CPPT), «condição de eficácia da inoponibilidade do estatuído na primeira parte do mesmo preceito ou seja, a operância da inoponibilidade ali prevista.» - cf. página 16 do Acórdão proferido nos autos.
Em suma, não estamos perante fundamentos alternativos, mas antes perante verdadeiros fundamentos cumulativos, pelo que o recurso de constitucionalidade interposto pela A1 reúne os pressupostos processuais necessários para o prosseguimento do mesmo.
(...)»
3. Notificada para o efeito, a Fazenda Pública não apresentou resposta à reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem a seguinte redação:
«(...)
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com data de 27 de junho de 2012. Em causa está a interpretação por este veiculada dos n.ºs 5 e 6, do artigo 39.º, do Código de Procedimento de Processo Tributário (CPPT), talqualmente atesta o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado:
«(...)
A norma cuja inconstitucionalidade se pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional é a do artigo 39.º, n.ºs 5 e 6, do Código de Procedimento e Processo Tributário, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro, na interpretação que lhe foi conferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos presentes autos.
Na verdade, a recorrente considera que a interpretação que o Supremo Tribunal Administrativo fez da norma em apreço, no douto Acórdão proferido no dia 27 de junho de 2012 no processo n.º 966/11-30, viola a exigência constitucional de notificação aos administrados de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos, consagrada no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República, na medida em que se julga verificada a presunção de notificação, estabelecida no referido artigo 39.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, independentemente do cumprimento dos requisitos estabelecidos na lei, violando, em consequência, o direito à tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos e o direito de reação contenciosa de tais atos, previstos no n.º 4 do mesmo artigo 268.º da Constituição da República.
(...)»
2. A recorrente deduziu oposição à execução fiscal instaurada pela Administração Tributária, originariamente contra a Sucursal em Portugal da Sociedade Espanhola A1, S.A, por dívida resultante de IVA, relativo aos anos de 2000 e 2001. Em sentença com data de 8 de junho de 2011, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a oposição, considerando que “a falta de recebimento das liquidações é de inteira e exclusiva responsabilidade da sucursal oponente, logo da própria oponente, que se colocou na situação de ausente sem possibilidade de ser contactada, por não ter indicado novo domicílio e/ou representante legal.”
Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CPPT, produzindo as seguintes conclusões:
«(...)
A – A A1. não foi efetivamente notificada das liquidações de imposto no prazo de caducidade.
B – A presunção de notificação prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT exige a verificação de uma de duas situações: ou haver uma recusa expressa do destinatário em receber a notificação ou existir uma comunicação ou aviso do destinatário para levantar a carta que conteria as notificações.
C – Nos presentes autos – atenta a factualidade dada como provada na sentença ora em crise - , não se encontra assente ou demonstrada a realização de uma qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta que conteria as notificações.
D – Ao invés, no probatório afirma-se que os documentos do correio apenas continham a menção, por parte do carteiro responsável, de que o destinatário “mudou-se”, o que é insuficiente para fazer operar a aludida presunção prevista no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT – Cf. Acórdão do STA, de 8 de julho de 2009, proferido no processo n.º 460/09.
E – A sentença recorrida, ao considerar que se tinham por “regularmente efetuadas as notificações das liquidações”, violou o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 39.º do CPPT.
F – Acresce que não pode ter-se como validamente efetuada uma notificação de uma liquidação devolvida à administração tributária, com o pretenso argumento de que o contribuinte não cumpriu o ónus de participação de alteração do seu domicílio, pois que a parte final do n.º 2 do artigo 43.º do CPPT ressalva o disposto quanto às citações e notificações – cf. Acórdão do STA, de 6 de maio de 2009, proferido no processo n.º 270/09.
G – O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República consagra a notificação aos administrados de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos – como é o caso do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado em causa nos autos.
H – Assim, as normas do CPPT que prevêem a presunção de notificação do contribuinte têm necessariamente de ser conjugadas com a garantia constitucional do direito à notificação e à tutela jurisdicional efetiva dos cidadãos e com o direito de reação contenciosa de tais atos (assegurado pelo n.º 4 do mesmo artigo 268.º da Lei Fundamental), cuja concretização prática depende, naturalmente, da existência de uma comunicação ao interessado na prática do ato.
I – Ao considerar a regularidade das notificações em apreço, a sentença agora em crise violou, em acréscimo, a Constituição da República, designadamente o disposto nos citados números do artigo 268.º da Lei Fundamental.
(...)»
Em Acórdão com data de 27 de junho de 2012, a Secção de Contencioso Tributário do STA negou provimento ao recurso interposto, seguindo-se, em 13 de julho de 2012, a interposição do presente recurso de constitucionalidade.
3. O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido, sendo que tal decisão, em face do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, não vincula o Tribunal Constitucional. Assim, uma vez que o presente recurso de constitucionalidade se enquadra na hipótese delineada no n.º 1 do artigo 78.º-A, da LTC, passa a decidir-se nos termos e com os seguintes fundamentos.
4. Sendo o recurso de constitucionalidade vertente interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, cumpre ver se se encontram verificados os pressupostos processuais que, inferidos daquele preceito, condicionam os poderes de cognição do Tribunal Constitucional quanto a um tal recurso. Ora, um desses pressupostos é, precisamente, o de que a norma ou interpretação normativa objeto de contestação pelo recorrente hajam sido efetivamente aplicadas na decisão recorrida, em termos de haverem consubstanciado a sua ratio decidendi. Cumpre explicitar melhor as considerações expedidas.
Assim, em primeiro lugar, a norma (ou segmento normativo dela extraído) deve ter constituído “fundamento determinante” da decisão recorrida (cf. Acórdão n.º 101/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no sentido de que o juízo explícita ou implicitamente veiculado pelo tribunal a quo sobre a respetiva constitucionalidade – e que justificou a sua aplicação no processo-base – se haja objetivamente projetado no conteúdo da decisão, moldando-a e determinando o seu conteúdo (Blanco de Morais, Justiça Constitucional – Tomo II, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2011, p. 750). Assim sendo, para ativação dos poderes de cognição do Tribunal Constitucional nesta modalidade de recursos de constitucionalidade é indiferente que em “obiter dictum” ou como simples argumento “ad ostentationem”, o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a questão de inconstitucionalidade levantada, precisamente porque tal pronúncia só tem relevância processual se o juízo que comporta puder repercutir-se no sentido ou conteúdo da decisão veiculada (Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 110, bem como, entre outros, o Acórdão n.º 48/85, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Em segundo lugar, constitui jurisprudência constitucional consolidada a consideração de que deve haver estrita coincidência entre o segmento normativo que o recorrente predica inconstitucional e a interpretação que, ao julgar o caso, o tribunal recorrido fez de tal norma – exigência reproduzida, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 178/95 e 366/96, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.
Finalmente, ligado a este requisito e à própria instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional tem vindo a formular como pressuposto de admissibilidade do recurso o requisito de que a decisão da questão de constitucionalidade “possa influenciar a decisão final” sobre a questão de fundo: “Efetivamente, o recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental aferindo-se a sua utilidade no concreto processo de que emerge, de tal forma que a interesse no conhecimento de tal recurso há de depender da repercussão da respetiva decisão na decisão final a proferir na causa” (cf. o Acórdão n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Ora, tal repercussão não ocorrerá – gorando-se, assim, a utilidade e a relevância da questão de constitucionalidade – quando a decisão recorrida tenha subjacente um fundamento alternativo, que sempre imporia ou determinaria a solução encontrada (Victor Calvete, “Interesse e relevância da questão de constitucionalidade, instrumentalidade e utilidade do recurso de constitucionalidade – quatro faces de uma mesma moeda”, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2004, p. 405).
5. Excogitadas estas considerações, há que concluir que um tal requisito processual não se afigura preenchido no recurso de constitucionalidade vertente, circunstância que obsta ao seu conhecimento pela jurisdição constitucional. Senão vejamos.
No requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional apresentado, a recorrente sustenta ter o tribunal recorrido interpretado os n.º 5 e 6, do artigo 39.º, do CPPT, no sentido de ter por verificada a presunção de notificação “independentemente dos requisitos estabelecidos na lei”, maxime, independentemente de se ter por demonstrada “a realização de uma qualquer comunicação ao destinatário para levantar a carta que conteria as notificações” (fls. 482). Ora, atento o exposto nos autos, conclui-se não ter sido essa a interpretação veiculada pelo STA.
Com efeito, na fls. 506 dos autos, afirma o tribunal recorrido o seguinte:
«(...)
Portanto em princípio, não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicílio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, não funciona – ver neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2009, recurso 460/09 e de 27.01.2010, recurso 807/09, in www.dgsi.pt.
Não obstante, veremos a irrelevância deste argumento no caso concreto.
(...)»
Já nas fls. 507-508, o STA concretiza esta argumentação, considerando que:
«(...)
Sobre a recorrente recaía a obrigação de participar alteração do seu domicílio fiscal à Administração Tributária, pois de harmonia com o preceituado no artigo 19.º, al. b) da LGT, o domicílio fiscal das pessoas coletivas salvo indicação em contrário é o da sua sede ou direção efetiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal sendo obrigatória a comunicação à administração fiscal do domicílio do sujeito passivo (n.º 2 do mesmo preceito).
Por sua vez, o artigo 43.º do CPPT faz recair sobre os interessados em processos fiscais a obrigação de comunicarem no prazo de 20 dias, qualquer alteração do seu domicílio. E, o n.º 2 daquele preceito determina como consequência da falta de tal comunicação, a não oponibilidade à Administração Tributária a falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas.
Este n.º 2 está em consonância com o preceituado no artigo 19.º, n.º 3 da LGT em que se preceitua que “é ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.”
(...)
Tecidas estas considerações, in casu, podemos concluir que aceitando-se que não possa em princípio ser presumida a notificação efetiva da liquidação, apenas por consideração das regras do artº 39º do CPPT, ainda assim a mesma, nos termos em que foi feita, ou mesmo a falta dela é inoponível à Administração Fiscal pois que a sociedade destinatária deixou de ter domicílio no local indicado, tendo omitido a obrigação legal de comunicar as alterações àquela.
(...)»
Depois, mesmo que houvesse coincidência estrita entre a interpretação normativa cuja conformidade com o bloco de constitucionalidade a recorrente contesta, por um lado, e a interpretação perfilhada pelo tribunal recorrido quanto ao mesmo preceito, por outro, resulta dos autos que tal segmento normativo não constituiu fundamento determinante da decisão recorrida, que se estriba, portanto, em fundamentos alternativos. É isso que resulta das fls. 509 e 511 dos autos, onde se pode ler o seguinte:
«(...)
Reitera-se que o facto de não estar provado que os serviços dos correios deixaram aviso, no caso em apreço, não deve ser considerado relevante para a decisão de mérito que no caso se impõe, porquanto a oponente, ora recorrente, se mudou, sem contudo cumprir dentro do prazo a que legalmente estava obrigada o seu dever de comunicar o novo domicílio ou sede à Administração Tributária (20 dias, nos termos do n.º 1 do artº 43º do CPPT).
(...)
Assim, a alegada não efetivação das notificações é imputável ao notificando, que provocou tal situação com a mudança de sede sem comunicar tal facto à dita Administração, sendo que, sempre seria, no caso, irrelevante que o agente dos serviços postais tivesse deixado aviso para levantamento das cartas registadas com aviso de receção pois o resultado seria o mesmo por o objetivo que se pretende com o seu depósito na caixa do correio – dar conhecimento ao notificando da existência da carta registada com aviso de receção – não poder ser adquirido por um sujeito passivo que se mudou.
(...)»
Afigura-se-nos, nesta medida, incontestável que a Secção de Contencioso Tributário do STA não interpretou os n.º 5 e 6, do artigo 39.º, do CPPT, no sentido que a recorrente predica inconstitucional, e que, mesmo que o houvesse feito, tal juízo configurar-se-ia como irrelevante para a solução da questão de fundo, já que o teor da decisão recorrida se alicerçou num fundamento alternativo, a saber, o artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, conjugado com o disposto no artigo 19.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária.
Deste jeito, somos levados a concluir que o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente não reúne os pressupostos processuais que se retiram da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto de recurso.
(…)».
5. A decisão sumária reclamada fundou o não conhecimento do objeto do recurso na falta de preenchimento, por este, dos requisitos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – preceito ao abrigo do qual o recurso de constitucionalidade foi interposto. Em causa estava concretamente a circunstância de a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade a (ora) reclamante suscitou não haver sido ratio decidendi da decisão recorrida. Com efeito, não só a interpretação contestada pela reclamante não coincide com a interpretação veiculada pelo tribunal recorrido quanto ao mesmo preceito, como soçobram em tal decisão fundamentos alternativos, ou seja, fundamentos que sempre suportariam o sentido da decisão recorrida.
Pertinentes para o caso vertente são, recorde-se, os artigos 39.º, n.º 5 e 43.º, n.º 2, do CPPT, e o artigo 19.º, n.ºs 3 e 4, da LGT:
«(...)
Artigo 39.º - Perfeição das notificações
(...)
6. Em caso de o aviso de receção ser devolvido ou não vir assinado por o destinatário se ter recusado a recebê-lo ou não o ter levantado no prazo previsto no regulamento dos serviços postais e não se comprovar que entretanto o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio fiscal, a notificação será efetuada nos 15 dias seguintes à devolução por nova carta registada com aviso de receção, presumindo-se a notificação se a carta não tiver sido recebida ou levantada, sem prejuízo de o notificando poder provar justo impedimento ou a impossibilidade de comunicação da mudança de residência no prazo legal.
(...)
Artigo 43.º - Obrigação de participação de domicílio
(...)
2. A falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1, não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas.
(...)”
«(...)
Artigo 19.º - Domicílio fiscal
(...)
3. É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária.
4. É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária.
(...)»
Sustenta a reclamante, na reclamação apresentada que “mesmo perante a demonstrada falta do referido aviso no domicílio da A1., o Supremo Tribunal Administrativo julgou que havia operado a mencionada presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT”. Avança ainda que aquele tribunal, “ao concluir que a falta de notificação era inoponível à Administração Fiscal, nos termos do artigo 43.º do CPPT, por a A1. não ter comunicado a alteração de domicílio, teve necessária e previamente de concluir que a notificação efetuada in casu pela Administração Tributária satisfazia o regime estabelecido para a perfeição das notificações, previsto no artigo 39.º do CPPT.” Destarte, conclui a reclamante não se estar perante “fundamentos alternativos, mas antes perante verdadeiros fundamentos cumulativos, pelo que o recurso de constitucionalidade interposto pela A1. reúne os pressupostos processuais necessários para o prosseguimento do mesmo.”
Sucede, no entanto, que a reclamação apresentada pela reclamante em nada obsta ao acerto da decisão sumária recorrida. Vejamos.
Em primeiro lugar, reitera-se que o tribunal recorrido não interpretou o preceito invocado – o n.º 5, do artigo 39.º, do CPPT – no sentido veiculado pela reclamante, isto é, no sentido de julgar “verificada a presunção de notificação independentemente do cumprimento dos requisitos estabelecidos na lei.” Como bem alerta a reclamante, isso constata-se a partir da fls. 506 dos autos, onde o STA ressalva que “em princípio, não se demonstrando que tenha sido deixado aviso no domicílio da recorrente de que as cartas contendo as notificações das liquidações podiam ser levantadas, a presunção de notificação estabelecida no n.º 5 do artigo 39.º do CPPT, não funciona – ver neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08.07.2009, recurso 460/09 e de 27.01.2010, recurso 807/09, in www.dgsi.pt.”
Confirma-se, portanto, que o tribunal recorrido não obliterou os requisitos legais constantes do n.º 5, do artigo 39.º, tendo mesmo afirmado que o funcionamento da presunção de notificação depende, em princípio, do preenchimento daqueles. Ocorre, porém, que no iter hermenêutico adotado, o STA dá precedência ao disposto no n.º 2, do artigo 43.º, do CPPT, considerando que é no quadro do respetivo conteúdo normativo que há de ser lido o disposto no n.º 5 do artigo 39.º. Isso é constatável quando o tribunal afirma que “tecidas estas considerações, in casu, podemos concluir que aceitando-se que não possa em princípio ser presumida a notificação efetiva da liquidação, apenas por consideração das regras do artº 39º do CPPT, ainda assim a mesma, nos termos em que foi feita, ou mesmo a falta dela é inoponível à Administração Fiscal pois que a sociedade destinatária deixou de ter domicílio no local indicado, tendo omitido a obrigação legal de comunicar as alterações àquela.”
Não sendo esse iter hermenêutico sindicável pelo Tribunal Constitucional – cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 186/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt - e não tendo a reclamante, em nenhum momento da sua intervenção processual, suscitado a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 43.º, do CPPT, há que concluir, talqualmente fez a decisão sumária, que a interpretação normativa impugnada pela (então) recorrente não foi ratio decidendi da decisão recorrida. Tal circunstância, como há muito vem sufragando a jurisprudência constitucional consolidada (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 551/2001 e 355/2005, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), obsta ao conhecimento do objeto dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 15 de janeiro de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro