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Processo nº 501/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1240, foi proferida a seguinte decisão sumária:
“1. A CÂMARA MUNICIPAL DE BARCELOS recorreu para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Junho de 2001, de fls. 1224, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Pretende, em primeiro lugar, que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade das normas “constantes do art. 24º, nº 2, alínea a), 25º e 26º nº 2 do Cód. Expropriações (1991) (...) tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no entendimento de que elas se aplicam a parte do terreno expropriado abrangido pela zona de Reserva Agrícola Nacional e/ou em zona susceptível de inundações, conduzindo assim a que seja atribuída à Expropriada uma indemnização que ultrapassa o valor real corrente ou valor de mercado do solo expropriado, distorcendo, desse modo, em benefício da mesma, a
‘necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação’ (conferir Acórdão do T. Constitucional nº 52/99)”. Em seu entender, tal interpretação viola “o princípio constitucional da justa indemnização por expropriação, condensado no art. 62º, nº 2, da Lei Fundamental”. Refere que invocou a inconstitucionalidade nas alegações do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação do Porto, “como se constata claramente nas referidas alegações de recurso, nomeadamente nos seus nºs 23, 24, 25, 26, 27 das mesmas alegações e, ainda, muito especialmente, nas alíneas L, M, N, O, P, Q, R, S, V e X das conclusões correspondentes a tais alegações.” Acrescenta ainda que já a colocara em 1ª instância. Em segundo lugar, requer ainda que o Tribunal Constitucional “aprecie (...) a inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 2º, nº 2, 158º, 653º nº 2 e al. d) nº 1 do art. 668º do C. Proc. Civil, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é com o seguinte entendimento. a) Por um lado, não apreciando questões que foram levantadas pela Recorrente perante o T. Relação tendo em conta a Sentença da 1ª Instância, com violação do direito a uma decisão, tal como resulta do disposto no art. 20º nº 1 da Constituição. b) por outro lado, não fundamentando nem tais omissões, nem as decisões tomadas, tal como resulta dos mesmos dispositivos legais e do art. 208º nº 1 da Constituição.” Conclui que, quanto a estas questões, não dispôs anteriormente de oportunidade para suscitar a inconstitucionalidade, “na medida em que derivam do próprio Acórdão recorrido”. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. E a verdade é que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto deste recurso, por não estarem reunidos os necessários pressupostos.
É pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido “suscitada durante o processo” (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, colocada “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade ”durante o processo” nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não é, manifestamente, o caso dos autos.
3. No presente recurso, e começando pelo primeiro grupo de normas indicado pela recorrente, haveria de ter sido efectivamente suscitada a inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso perante o Tribunal da Relação do Porto. Ora a verdade é que em parte alguma das alegações apresentadas naquele recurso – e nomeadamente nos pontos e nas conclusões especificamente indicadas – a recorrente suscita a inconstitucionalidade das normas referidas. Diferentemente, quando se refere a inconstitucionalidades, não as atribui a norma nenhuma, mas sim à decisão que então impugnava, como se verifica da leitura respectiva. Podem ler-se, em particular, o ponto 23 e a conclusão X. Não tendo sido suscitada durante o processo, o Tribunal não pode tomar conhecimento da alegada inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos
“24º, nº 2, alínea a), 25º e 26º nº 2 do Cód. Expropriações (1991)”.
4. Quanto ao segundo grupo de disposições indicadas no requerimento de interposição de recurso (“normas constantes dos arts. 2º, nº 2, 158º, 653º nº 2 e al. d) nº 1 do art. 668º do C. Proc. Civil”), a recorrente não coloca a este tribunal nenhuma questão de constitucionalidade normativa susceptível de por ele ser julgada. Com efeito, o que a recorrente sustenta é que o acórdão recorrido é nulo, por omissão de pronúncia – al. ) – e por falta de fundamentação – al. b). Não se trata, obviamente, de questão que possa ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A e na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do recurso.”
2. Inconformada, a CÂMARA MUNICIPAL DE BARCELOS veio reclamar para a conferência, nos seguintes termos:
“CÂMARA MUNICIPAL DE BARCELOS (...), tendo em conta a Douta Decisão sumária, vem expor e requerer o seguinte:
1.- Salvo o devido respeito, a Douta Conselheira não deve ter lido o requerimento de recurso apresentado pela Recorrente perante este Venerando Tribunal: a.- De facto, a Recorrente levantou a questão da inconstitucionalidade logo na alínea d) do seu requerimento de recurso, tanto na 1ª parte dessa alínea, como na 2ª parte, b.- onde se demonstra que a mesma questão foi suscitada duas vezes no processo, em dois momentos deste, c.- ao mesmo tempo que se constata igualmente que tal questão
(inconstitucionalidade) aparece suscitada nas suas alegações de recurso apresentadas perante o V. Tribunal da Relação do Porto: n.ºs 20, 23, 24, 25 das alegações e alíneas L, M, N, O, P, Q, R, S, V e X das respectivas conclusões.
2.- Naturalmente que o seu requerimento de recurso terá de ser avaliado na sua globalidade e não parcelarmente. TERMOS EM QUE se vem reclamar de tal Decisão sumária para a conferência nos termos e para os efeitos do disposto no art. 78.º da L.T.C.”
Notificados para o efeito, os reclamados vieram responder, pronunciando-se no sentido do indeferimento da reclamação, porque “não está em causa saber se o problema da inconstitucionalidade foi abordado ou não no Requerimento de Recurso. Ele tem de ser alegado em fase anterior – a das Alegações perante a Relação”.
3. Para além das afirmações de que a relatora “não deve ter lido o de recurso apresentado” e de que este “terá de ser avaliado na sua globalidade e não parcelarmente”, a reclamante nada diz de novo na reclamação, para justificar que seja revogada a decisão reclamada.
4. Em primeiro lugar, nada objecta quanto à decisão de não conhecimento do recurso relativamente “normas constantes dos arts. 2º, nº 2, 158º, 653º nº 2 e al. d) nº 1 do art. 668º do C. Proc. Civil” [al. e) do requerimento de interposição de recurso], estando, portanto, transitada a decisão nesse ponto.
5. Em segundo lugar, e no que toca às questões referidas “logo na alínea d) do seu requerimento”, o que se afirmou na decisão reclamada foi que a inconstitucionalidade não foi suscitada “durante o processo” [al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82], e não que não foi levantada no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional. Ora a verdade é que, como se demonstrou na decisão reclamada, atrás transcrita, e para a qual se remete, a recorrente não suscitou nas peças que indica nenhuma questão de constitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas como é o que interpôs.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida