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Processo n.º 507/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTRO DA EDUCAÇÃO, o primeiro veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC), do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de maio de 2012.
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão Sumária n.º 474/2012 de não conhecimento do recurso (cfr. fls. 409-417), nos termos seguintes:
“1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTRO DA EDUCAÇÃO, o primeiro vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional com a formulação seguinte (cfr. fls. 398):
« (…) A., recorrente nos autos identificados em epígrafe,
notificado do douto acórdão neles proferido em 10.5.2012, com que se não pode porém conformar,
dele vem interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70º/1,b) da Lei n.º 28/82, de 1 5 de novembro,
visando a apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma constante do quadro II anexo ao Dec.-Lei nº 187/79, de 22 de junho,
por ofensa dos princípios da igualdade e da justiça, bem como da regra constante do art. 47º/2 da Lei Fundamental,
conforme suscitou na Secção IV da petição inicial, maxime no seu ponto 15, e bem assim na Secção II das alegações de recurso.».
2. O requerimento de recurso para este Tribunal foi admitido, em 28/06/2012, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. fls. 403).
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 403), com fundamento no artigo 76.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
4. Do teor do requerimento de interposição de recurso, e respetiva fundamentação, apresentado pelo recorrente decorre que do requerimento constam (cfr. fls. 398): a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto – alínea b) do n.º 1 artigo 70.º; a indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie – «norma constante do quadro II anexo ao Dec.-Lei nº 187/79, de 22 de junho»; a indicação da norma ou princípio constitucional que se considera violado – «princípios da igualdade e da justiça, bem como da regra constante do art. 47º/2 da Lei Fundamental»; e a indicação da peça processual em que o recorrente alega ter suscitado a questão da inconstitucionalidade – «Secção IV da petição inicial, maxime no seu ponto 15, e bem assim na Secção II das alegações de recurso.».
5. Todavia, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC prevê que os recursos previstos na alínea b) do artigo 70.º – recursos das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo – só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
6. Tal não sucede no caso dos autos.
7. O sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de constitucionalidade de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais – pelo que os recursos para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, interpostos de decisões dos tribunais só podem ter por objeto «interpretações» ou «critérios normativos» identificados com caráter de generalidade e por isso passíveis de aplicação a outras situações independentemente das particularidades do caso concreto, sob pena de inadmissibilidade.
7.1 O recorrente pretende que este Tribunal aprecie a «questão da inconstitucionalidade da norma constante do quadro II anexo ao Dec.-Lei nº 187/79, de 22 de junho» com fundamento na «ofensa dos princípios da igualdade e da justiça, bem como da regra constante do art. 47º/2 da Lei Fundamental» (cfr. fls. 398). A norma legal em causa, constante do referido «quadro» (Mapa) II anexo ao Decreto-Lei n.º 187/79, de 22 de junho, faz corresponder ao cargo de secretário da estrutura técnica e administrativa do (extinto) Conselho Nacional do Ensino Superior a categoria de chefe de secção, com o estatuto remuneratório da letra I.
7.2 Se prima facie, à luz do teor do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a pretensão formulada apresenta, quanto ao seu objeto, características de normatividade, da leitura das peças processuais em que o recorrente alega ter suscitado a «questão de constitucionalidade da norma constante do quadro II anexo ao Dec.-Lei nº 187/79, de 22 de junho» decorre o contrário.
7.3 Com efeito, do teor das peças processuais em que o recorrente alega ter suscitado a questão de constitucionalidade – «Secção IV da petição inicial, maxime no seu ponto 15, e bem assim na Secção II das alegações de recurso» – resulta que o recorrente põe em causa a sua situação concreta, imputando a «ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça» e do «direito de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.º/2 da Constituição» não à norma em si ou a uma sua interpretação normativa, mas sim à concretização da sua nomeação por despacho com fundamento naquela.
7.3.1 Escreve o recorrente nas suas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul interposto da sentença de 19 de março de 2007 proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (cfr. II, fls. 309-310):
«6. Por outro lado (…) ocorre ainda um vício fundante gerador de nulidade: o de se ter concretizado a sua nomeação como secretário do CNES com ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça.
7. (…) E, em consequência, mostra-se diretamente ofendido o direito de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.º/2 da Constituição.»
7.3.2 E reitera-o no ponto IV, 23, a) e b) das mesmas alegações de recurso (cfr. fls. 314), quando afirma:
«a) O despacho de nomeação do A. como Secretário do CNES, tal como concretizado pelos Serviços do Ministério da Educação, ofendeu os princípios da igualdade e da justiça;
b) É essa a inequívoca conclusão do douto parecer junto aos autos, devendo em consequência considerar-se ofendido o direito de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.º/2 da Constituição;».
7.3.3 E escreve o recorrente na sua petição inicial, socorrendo-se de parecer que juntou aos autos (cfr. IV, 14 e 15, fls. 10-11):
«14. Se estivéssemos perante a referida “equiparação” [do secretário a chefe de secção], tratar-se-ia de um equívoco (…).
15. Mas, se por hipótese, se não trata de um equívoco (…) “…então a solução legal sempre será inconstitucional, por violar os princípios da igualdade e da justiça, tal como a situação remuneratória do Sr. Dr. A. bem ilustra. (…)».
7.3.4 Nas peças processuais que o recorrente indica no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a referência à norma cuja inconstitucionalidade pretende que este Tribunal aprecie - e à sua interpretação – é, pois, indissociável da decisão administrativa que concretizou a sua aplicação às circunstâncias e particularidades do seu caso em concreto, eliminando a abstração na interpretação da norma em causa.
7.4 Assim, afigura-se ocorrer a ausência de dimensão normativa do objeto do presente recurso em termos que obstam ao seu conhecimento, na medida em que este Tribunal, em sede de fiscalização concreta, tal como resulta do artigo 277.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), só pode conhecer da inconstitucionalidade de normas jurídicas.
7.4.1 O controlo operado pelo Tribunal Constitucional é um controlo normativo, como ilustra a seguinte formulação jurisprudencial do acórdão n.º 183/08 (II, 4, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt):
«De facto, como se disse, não vigora entre nós um sistema de recurso de amparo ou de queixa constitucional, existindo, sim, um sistema de fiscalização normativa da constitucionalidade que não permite que o Tribunal conheça do mérito constitucional do ato casuístico de subsunção de um pormenorizado conjunto de factos concretos na previsão abstrata de uma certa norma legal».
7.4.2 Ora a questão colocada encontra-se totalmente ligada à situação concreta do recorrente, perdendo por isso a sua natureza normativa, pois é essa situação que suscita a aplicação dos princípios e norma constitucionais invocados e não a opção normativa de fazer corresponder ao cargo de secretário a categoria de chefe de secção e o vencimento pela letra I que àquela categoria se reportava.
7.5 Assim sendo, não existe objeto normativo passível de apreciação pelo Tribunal Constitucional.
8. E, ainda que assim não se entendesse, da análise dos autos decorre que o recorrente também não suscitou a pretensa questão da constitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer», conforme impõe o n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
9. Com efeito o recorrente, quer na sua petição inicial quer, depois, nas suas alegações de recurso, afirma a ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça e a ofensa do artigo 47.º/2 da Constituição, sem apresentar fundamentação quanto à questão da inconstitucionalidade e sem apresentar argumentação suscetível de autonomizar a questão de constitucionalidade que convocasse o Tribunal que proferiu a decisão recorrida a apreciá-la. Pelo contrário, a invocação dos princípios e norma constitucionais é sempre feita na perspetiva da apreciação da validade do despacho de nomeação do recorrente no cargo de secretário do Conselho Nacional do Ensino Superior, isto é, dirigida ao ato administrativo e não à norma legal aplicada.
9.1 O recorrente não explica as razões pelas quais considera inconstitucional a norma em causa, antes remete para parecer que incide sobre a nomeação do recorrente, reportando-se a violação da Constituição à situação concreta do nomeado, não à norma potencialmente aplicável a outros destinatários e a outras situações que se enquadrassem na respetiva previsão.
9.1.1. Da leitura do parecer junto aos autos, para o qual o recorrente remete quer na petição inicial, quer nas suas alegações de recurso (cfr. fls. 10-11, 309-310 e ponto 7, fls. 98-99) resulta que a ofensa dos princípios constitucionais da justiça e da igualdade ocorre por referência à situação remuneratória do recorrente. E tanto assim é que aí se propõe uma solução administrativa para o caso: «Como o poderá fazer a Administração Pública? Negando relevância à equiparação traçada: não fazendo corresponder ao secretário do ex-Conselho Nacional do Ensino Superior qualquer “equiparação” a chefe de secção», também exclusivamente aplicável à situação do recorrente.
9.1.2 Ficam, pois, por conhecer as razões que determinariam a inconstitucionalidade do «quadro» II anexo ao Decreto-lei n.º 187/79, de 22 de junho, na parte que faz corresponder ao cargo de secretário da estrutura técnica e administrativa do Conselho Nacional do Ensino Superior a categoria de chefe de secção, na sua potencial aplicação a outras situações que não a do recorrente.
9.2 A falta de autonomização da questão jurídico-constitucional, em termos adequados, terá impedido também o tribunal recorrido de sobre ela se pronunciar, isto é, de exercer o poder de fiscalização da constitucionalidade de normas cometido a todos os tribunais (cfr. artigo 204.º da CRP).
9.2.1 Com efeito, a invocação do direito de acesso à função pública em condições de igualdade contido no artigo 47.º, n.º 2 da Constituição (e, a montante, os princípios da igualdade e de justiça) serve ao recorrente para qualificar o ato de nomeação como nulo, por aplicação da norma contida na alínea d) do n.º 2, do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, que considera nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e, assim, propiciar a sua revisão judicial a todo o tempo.
9.2.2 Ilustra-se aquela invocação com a seguinte passagem das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente (cfr. fls. 309-310):
«6. Por outro lado, apesar de se defrontarem no caso várias hipóteses de invalidade relativa, ocorre ainda um vício fundante gerador de nulidade: o de se ter concretizado a sua nomeação como secretário do CNES com ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da justiça.
7. (…) E, em consequência, mostra-se diretamente ofendido o direito de acesso à função pública em condições de igualdade, consagrado no art. 47.º/2 da Constituição.
8. Julga-se pois ser caso de aplicação da al. d) do n.º 2 do art.º 133.º do C.P.A., defrontando-se assim matéria suscetível de ser conhecida a todo o tempo».
9.2.3 Em consequência, a sentença do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/05/2012 (cfr. 4.1, fls. 385) resolve a questão nos contornos administrativos do caso concreto, concluindo não haver «qualquer violação do direito ao acesso à função pública em condições de igualdade, nem violação do princípio da justiça. O que há é uma nomeação do recorrente numa categoria com a qual ele não concorda (…)».
10. Bem assim, pois todas as referências e, consequentemente, todos os juízos são reportados à ponderação e valoração de características próprias e específicas da situação em concreto do recorrente, faltando à questão de constitucionalidade colocada a dimensão normativa que a disposição em causa autonomamente convocaria.
11. Termos em que, resultando dos autos que não existe objeto normativo passível de apreciação por este Tribunal e, ainda, que o recorrente não terá cumprido o ónus de suscitação da pretensa questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão ora recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, não pode conhecer-se do objeto do recurso.
III – Decisão
12. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do presente recurso. (…)”
3. Vem agora o recorrente reclamar da referida Decisão Sumária n.º 474/2012, de 15 de outubro, para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, requerendo, a final, que a reclamação para a conferência seja considera procedente e ordenado o prosseguimento do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 426-429):
“1. Na douta decisão proferida consignou-se que ‘não existe objeto normativo possível de apreciação por este Tribunal’ e, em segunda linha, ‘que o recorrente não terá cumprido o ónus de suscitação da pretensa questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado’.
2. Afigura-se ter havido lapso nesta segunda afirmação, aliás formulada em termos dubitativos, pelo que se poderá entender não constituir efetivamente um fundamento decisório.
3. E tal lapso poderá ter decorrido de se tratar de um processo ‘maltratado’ pela nova disciplina do contencioso administrativo que se lhe aplicou, permitindo a decisão pela 2ª instância das questões que não chegaram a ser decididas na 1ª, sem que nesta chegassem a ser formuladas alegações, com a clarificadora condensação da matéria relevante nas respetivas conclusões.
4. De qualquer modo, o facto é que o Tribunal Central Administrativo decidiu efetivamente a questão de constitucionalidade colocada — erradamente embora.
5. De facto, como se alcança do seu ponto 4.4 (na respetiva pág. 11), o acórdão recorrido decidiu expressamente que:
‘... não pode argumentar-se que isto viola o princípio da igualdade, pois as funções eram diferentes…
Também os diplomas que o recorrente aponta para a criação de secretários congéneres não permitem a conclusão pretendida...’
6. O que lamentavelmente aconteceu foi uma inadmissível falta de atenção desse acórdão, ao dizer que não encontrou ‘nas buscas que se fazem no D.R. eletrónico’ um diploma de 1996 que teria sido invocado pelo recorrente, quando efetivamente (art. 1 5 da p.i. — respetiva pág. 10), este invocara um diploma de 1982, alterado em 1996.
7. Seja como for, existiu pronúncia sobre o essencial da alegação formulada: a de que o nível remuneratório atribuído ao cargo em questão, na questionada norma do Dec. Lei n° 187/79, implicava uma ofensa ao princípio da igualdade, justamente no seu confronto com previsões normativas que se reportaram similares.
8. Relativamente à inexistência de objeto normativo, a decisão parece também ter sido influenciada pelo enfoque maioritariamente conferido pelo T.C.A.S. a uma abordagem pessoalizada da questão, levando a que se sublinhasse (ponto 9.2.3 da decisão) ter esta sido resolvida ‘nos contornos administrativos do caso concreto’.
9. E é certo que, na p.i., se questionou ainda o despacho de nomeação inicial; mas questionou-se depois a própria previsão da norma constitucionalmente censurada.
10. Tal afigura-se claro no referido art. 15 da p.i. e no próprio parecer do Senhor Professor Paulo Otero aí em parte transcrito.
Neste, em trecho aliás parcialmente citado na decisão (ponto 7.3.3), sintetiza-se lapidarmente a questão: ou se defrontava um equívoco, a desconsiderar na aplicação da norma, ou ‘a solução legal sempre será inconstitucional’.
11. O acórdão recorrido sublinhou efetivamente que não ocorreria tal equívoco, ao falar na ‘evidência’ da intenção legislativa.
Mas pronunciou-se de seguida sobre a dimensão normativa em causa.
12. Existe pois o objeto normativo para o recurso interposto para esse Tribunal Constitucional.”
4. O Ministro da Educação e Ciência, notificado para o efeito, em resposta (cfr. fls. 437-441), manifesta a sua concordância com a decisão sumária proferida, enfatizando a ausência de dimensão normativa do objeto do recurso e a falta de autonomização da questão jurídico-constitucional em termos adequados e conclui que a reclamação apresentada não merece provimento, requerendo «o indeferimento da reclamação apresentada da decisão judicial que decidiu não conhecer o objeto do recurso interposto perante o Tribunal Constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam o sentido decisório da decisão sumária proferida, quanto ao não conhecimento do objeto do recurso, como se explicita de seguida.
Cumpre previamente sublinhar que o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Assim, faltando um dos referidos requisitos, o recurso é inadmissível.
6. O recorrente, na sua reclamação, questiona a decisão sumária na parte em que conclui “que o recorrente não terá cumprido o ónus de suscitação da pretensa questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado”, considerando o reclamante “ter havido lapso nesta (…) afirmação, aliás formulada em termos dubitativos, pelo que se poderá entender não constituir efetivamente um fundamento decisório”.
6.1. Ora, da passagem questionada, e, bem assim, da leitura integral da decisão, não pode resultar qualquer dúvida quanto ao argumento invocado, pelo que se rejeita a ocorrência de lapso na decisão proferida. Reitera-se, pois, o afirmado na decisão sumária que “a invocação do direito de acesso à função pública em condições de igualdade contido no art. 47.º, n.º 2 da Constituição (e, a montante, os princípios da igualdade e da justiça) serve ao recorrente para qualificar o ato de nomeação como nulo, por aplicação da norma contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código do Procedimento Administrativo, que considera nulos os atos administrativos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e, assim, propiciar, a sua revisão judicial a todo o tempo” (cfr. 9.2.1, fls. 415).
Daí o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/05/2012 ter identificado como questão a resolver, primeiramente, a de saber se os vícios invocados pelo recorrente são de nulidade [do ato administrativo em causa] (cfr. 3.1 do acórdão, fls. 385), o que faz, nos termos já parcialmente transcritos na decisão agora reclamada e que a mesma teve em conta (cfr. 4.1 do acórdão, fls. 385):
«Não há aqui qualquer violação do direito ao acesso à função pública em condições de igualdade, nem violação do princípio da justiça. O que há é uma nomeação do recorrente numa categoria com a qual ele não concorda. Se eventualmente houve um erro nessa classificação, isso seria uma anulabilidade, nunca uma nulidade, pois tal não constitui a violação de nenhum direito fundamental. Assim sendo, improcede esta questão».
E a este propósito não caberia a este Tribunal apreciar o mérito da decisão judicial recorrida, para aferir se “o que lamentavelmente aconteceu foi uma inadmissível falta de atenção desse acórdão, ao dizer que não encontrou ‘nas buscas que se fazem no D.R. eletrónico’ um diploma de 1996 que teria sido invocado pelo recorrente” (cfr. Reclamação, 6., fls. 427).
6.2. Assim, os argumentos agora aduzidos pelo reclamante não se afiguram decisivos para a reformulação da decisão sumária quanto à verificação do requisito de admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional relativo ao modo de suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa junto do tribunal a quo. Nos termos da respetiva lei processual, serão admitidos apenas os recursos de decisões negativas de inconstitucionalidade em que o tribunal a quo tenha aplicado norma cuja inconstitucionalidade haja sido adequadamente suscitada pelo recorrente durante o processo judicial (alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
7. Sendo os pressupostos de admissibilidade do recurso necessariamente cumulativos, demonstrada que fica a não verificação de um deles, torna-se desnecessária a discussão sobre os restantes. De todo o modo, pode ainda reiterar-se a conclusão, exarada na decisão sumária, da falta de objeto normativo no recurso para este Tribunal.
Discorda o ora reclamante da decisão sumária proferida quanto à inexistência de objeto normativo, considerando que aquela decisão “parece também ter sido influenciada pelo enfoque maioritariamente conferido pelo T.C.A.S. a uma abordagem pessoalizada da questão, levando a que se sublinhasse (ponto 9.2.3 da decisão) ter esta sido resolvida ‘nos contornos administrativos do caso concreto’” (cfr. Reclamação, 8., fls. 428).
7.1. Ora, invocando-se uma inconstitucionalidade material, por ofensa dos princípios de justiça e de igualdade e afetação do direito de acesso à função pública em condições de igualdade (artigo 47.º, n.º 2., CRP), a dimensão normativa a sindicar pressupõe que o critério ou regra de conduta aplicado possa ter um conteúdo autonomizado e diferenciado das circunstâncias particulares do caso concreto, o que não se verifica na situação presente. A própria p.i. do recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul chama à colação os princípios e direitos constitucionais citados unicamente para o efeito de obviar a exceção de caducidade do direito de ação julgada procedente em primeira instância quanto ao ato de nomeação para o cargo de secretário do Conselho Nacional do Ensino Superior (CNES), argumentando-se “ser caso de aplicação da alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do C.P.A., defrontando-se assim matéria suscetível de ser conhecida a todo o tempo” (cfr. p.i., 8., fls. 300).
Pois a norma do Decreto-Lei n.º 187/79 de 22, de junho, que classifica o cargo por referência à categoria de chefe de secção, a que correspondia, em termos remuneratórios, a letra de vencimento I, é contestada exclusivamente a partir do pressuposto (ou da expetativa, cujo fundamento não cumpre apreciar) de o nomeado vir a ser classificado como secretário/chefe de divisão, com a letra de vencimento G, tal como alegadamente lhe teria sido prometido pelo dirigente do organismo público em causa. Esta particular circunstância – que baseia a invocação pelo recorrente de erro do legislador ou de equívocos no ato de nomeação – não se reproduz noutros possíveis destinatários da norma ou noutras situações, o que se ilustra com a seguinte passagem do acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo Sul que, ao contrário do que sustenta o reclamante, não se pronuncia sobre qualquer critério normativo (cfr. fls. 389):
“4.4. O recorrente faz depender a sua pretensão de uma interpretação segundo a qual o legislador optou erradamente por o classificar como chefe de secção, quando o devia ter classificado apenas como secretário, e que a letra do vencimento devia ter sido G e não I.
Ora, da leitura do Dec-lei 187/79 de 22/06, resulta evidente que foi intenção do legislador equiparar o secretário do CNES a chefe de secção e pagar-lhe pela letra I. Logo, não foi intenção do legislador que o secretário do CNES tivesse a classificação de cargo dirigente (como os secretários das Universidades). E não pode argumentar-se que isto viola o princípio da igualdade, pois as funções eram diferentes, já que a função do CNES era diferente da função de uma Universidade. O facto de em atos administrativos posteriores se poder entender que não foram essas as condições de contratação do funcionário, apenas resulta na ilegalidade dessas condições: é que são os atos administrativos que devem moldar-se à lei, e não o contrário. Ou seja, não é por o dirigente máximo do CNES ter prometido ao recorrente que ele teria direito a um cargo dirigente, que ele tem esse direito: ele tem de resultar da lei. (…)”
7.2. Assim, reitera-se o afirmado na decisão sumária proferida (cfr. 7.4.2, fls. 413) no sentido de que a questão colocada se encontra totalmente ligada à situação concreta do recorrente, faltando-lhe dimensão normativa, pelo que carece o presente recurso de objeto normativo passível de apreciação pelo Tribunal Constitucional.
8. Termos em que se impõe confirmar a decisão de não conhecimento do objeto do recurso.
III – Decisão
9. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a Decisão Sumária n.º 474/2012, de 15 de outubro de 2012.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 22 de janeiro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.