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Proc. nº 549/01 Acórdão nº 509/01
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Em Dezembro de 1997, A ..., F..., S... e T..., Lda., identificados nos autos, requereram, perante o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, providência cautelar não especificada contra O ... – SGPS, S.A., Banco P..., S.A., I..., S.A., B.... – Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., C... – Dealer – Sociedade Financeira de Corretagem, S.A., Banco M..., S.A., e N... – Associação..., pedindo que sejam os diversos requeridos intimados para se absterem de praticar determinados actos, que especificam, actos esses que alegam ser ofensivos de direitos sociais inerentes a certas acções dos requerentes e ofensivos da propriedade e posse dos requerentes, emergentes de certas acções de que os mesmos requerentes são titulares.
Alegaram, em síntese, que são titulares de 14.893 acções da requerida O ... e que a primeira requerida ameaça fazer lavrar escritura em que seja declarada a aquisição por ela da totalidade das acções da terceira requerida, após consignação em depósito, junto do segundo requerido, da importância por si arbitrada, invocando as normas dos nºs 3 e 4 do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais – normas que os requerentes consideram inconstitucionais.
O Juiz do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, considerando que
“está por demonstrar a probabilidade séria de existência do direito dos requerentes” e que a alegação dos requerentes “não é susceptível de permitir que se conclua pela verificação de tal receio [o receio de lesão grave e dificilmente reparável]”, decidiu indeferir as referidas providências, ordenando o desentranhamento de documentos (decisão de 27 de Fevereiro de 1998, fls. 492 a
502).
2. Não se conformando com a decisão, A ... e outros interpuseram recurso, que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 17 de Dezembro de
1998 (fls. 650 a 655 vº), negou provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
3. A ... e outros interpuseram novo recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, que veio a ser admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Nas alegações que então apresentaram, os recorrentes formularam, entre outras, as seguintes conclusões:
“[...]
12º. Tendo-se declarado que a lesão invocada não é de difícil reparação, foi aplicada a norma do artº 381º-1 do CPC, com sentido e alcance inconstitucionais por violação das normas e princípios constitucionais directamente aplicáveis, dos artºs 2º, 9º-d), 13º, 20º-1-4 e 5, 61º-1 e 62º da CRP;
13º. Tendo-se fundamentado a decisão invocando que, declarada a nulidade dos actos praticados pelas requeridas, sempre os requerentes seriam colocados na situação anterior à prática dos mesmos, foi cometido erro na interpretação da lei substantiva sobre a nulidade dos actos e a nulidade dos seus efeitos, e da lei processual quanto à forma de obter as respectivas declarações;
14º. Tendo-se admitido a possibilidade de existência de lesão grave
(«mesmo que grave» – disse-se), mas declarado que «resulta de forma clara a inexistência de lesão grave e de difícil reparação», foi produzida decisão contraditória;
15º. Tendo-se feito tal julgamento, sem prévia apreciação dos efeitos que a inibição dos direitos sociais e patrimoniais inerentes às acções de que são titulares, produz na sua esfera jurídica e das 1ª e 3ª requeridas, foram violadas as normas dos artºs 304º-5 (ex vi artº 384º-3), 387º-2 e 653º-2 do CPC;
16º. O acórdão recorrido, incorreu, assim, ainda, nas nulidades das alíneas b), c) e d) do nº 1 do artº 668º do CPC;
17º. Há contradição entre o decidido no acórdão recorrido e o decidido no invocado acórdão da relação do Porto [...]
As decisões contidas no acórdão da relação do Porto são as únicas que fazem aplicação do direito vigente; as decisões contidas no acórdão recorrido violam frontalmente a lei e fazem aplicação de normas arguidas de inconstitucionalidade de forma processualmente adequada.
[...].”
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de Novembro de 2000
(fls. 1113 a 1132 vº), negou provimento ao agravo, confirmando o acórdão recorrido.
Lê-se no texto desse acórdão, para o que aqui releva:
“[...] expressou-se na Relação serem tais os pressupostos tipicizados no aludido artigo 381º, para o decretamento da providência cautelar não especificada em causa.
E que são a existência da probabilidade séria de verificação do direito, traduzida em acção proposta ou a propor e que tenha por fundamento o direito tutelado, bem como o justo e fundado receio de lesão grave e de difícil reparação a esse direito.
[...]
Na verdade, a essencialidade própria, no processamento da providência cautelar, não tem a ver com a definição da sede dos direitos, mas antes e sim com o recorte do seu acautelamento, como se explicitou no acórdão em agravo.
[...]
Acresce, [...] e o que foi paralelamente assumido no acórdão sub judice, que a lesão, e ainda que grave, não existiria o carácter ou natureza de dificilmente reparável.
E tal, quer se considerasse ou não e então a inconstitucionalidade do citado artigo 490º do C.S.C..
Com efeito, e por um lado, da aplicação desse dispositivo sempre aos requerentes caberia a faculdade de solicitar ao tribunal a fixação do valor justo.
Além de que, na hipótese da eventualidade de vir a ser declarada oportunamente e então a nulidade dos actos praticados, daí, e consequentemente, resultaria a colocação dos requerentes na situação anterior à da prática daqueles.
Por fim, assumiu-se, na Relação, a necessidade de verificação cumulativa dos requisitos das providências cautelares e na esteira, entre outros, do ac. deste STJ, de 6.6.91, BMJ 408º, 445.
Donde que e em conexão com a dita inexistência de lesão grave e de difícil reparação se tivesse decidido pela negação então do provimento do agravo.
Entendimento esse também que ora e neste STJ não se nos afigura de qualquer censura ou reparo.
[...]”.
Tendo sido requerida a aclaração do acórdão pelos recorrentes, foi tal pedido indeferido, por acórdão de 30 de Janeiro de 2001 (fls. 1150 a 1152 vº). Foi igualmente indeferida a arguição de nulidade do acórdão deduzida por A
... e outros (acórdão de 30 de Março de 2001, a fls. 1172 a 1177).
4. F... veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional
(requerimento de fls. 1180 a 1184), ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, pedindo a apreciação de:
– “Normas extraídas do artº 490º do Código das Sociedades Comerciais”, invocando a violação das normas e princípios constitucionais a seguir indicados:
“a) O princípio da igualdade consignado no artº 13º, nº 1, pois igual direito não é conferido a qualquer outra pessoa ou entidade; o princípio da promoção da igualdade real dos portugueses, e o da efectivação dos direitos económicos, consignado no artº 9º, al. d); a garantia constitucional da protecção legal contra quaisquer formas de discriminação, consignada no artº
26º, nº 1;
b) A garantia da tutela jurisdicional efectiva dos direitos fundamentais, consignada no artº 20º, nº 1, 4 e 5, em virtude de privar os restantes accionistas de decidirem livremente se a proposta que lhes é feita satisfaz os requisitos que a própria norma fixa, da possibilidade de verificarem se os requisitos anunciados existem efectivamente, e da possibilidade legal de acesso aos tribunais para prevenir a lesão dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos;
c) A garantia da liberdade de associação na sua componente de nela permanecer, consignada no artº 46º, nº 1;
d) A garantia da iniciativa económica privada livre nos quadros definidos pela Constituição, consignada no artº 61º, nº 1;
e) A garantia do direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte nos termos da Constituição, consignada no artº 62º, nº 1;
f) A garantia de pagamento de justa indemnização, caso se entenda ser o esbulho compatível com as outras garantias constitucionais invocadas, conforme garantido no artº 62º, nº 2;
g) A garantia de aplicação directa das normas constantes de preceitos constitucionais directamente aplicáveis, consignada no artº 18º, nº 1;
h) A garantia constitucional de vinculação das entidades públicas
(notário e conservadores) e privadas (sociedade dominante), consignada no artº
18º, nº 1;
i) O princípio fundamental de que a República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado no respeito e na efectivação dos direitos fundamentais, visando a realização da democracia económica e o aprofundamento da democracia participativa, consignada no artº 2º;
j) A garantia de reserva do artº 168º, nº 1, als. b) e l) (actual artº 165º, nº 1, als. b) e l).”
– “Regulamento de fls. 109”, regulamento “que visa a execução do artº 490º do CSC”, invocando a violação “das normas e princípios constitucionais elencados quanto às normas que ele pretende regulamentar, e, ainda, as do artº
115º, nºs 5 e 7 (actual 112º, nºs 6 e 8)”;
– “Normas extraídas dos artºs 381º, nº 1 e 387º, nº 2 do CPC”, uma vez que, “segundo tais normas, o dano resultante do esbulho de acções, e dos direitos societários de natureza pessoal e patrimonial que elas titulam, não cabe no conceito legal de lesão grave e dificilmente reparável e o prejuízo resultante da abstenção temporária de a causar excede consideravelmente aquele dano”, invocando a violação das normas e princípios constitucionais “que o foram relativamente aos preceitos do artº 490 CSC”;
– “Norma extraída do artº 446º, nº 1 do CPC”, porque, “segundo tal norma, a arguição de nulidades de sentença no STJ, e o pedido de reforma de sentença no STJ, ao abrigo do disposto nos artºs 668º e 669º, nº 2, do CPC, constituem incidentes tributáveis”, invocando a violação do princípio da confiança e da segurança jurídica, “em domínio onde vigora o princípio da legalidade e tipicidade tributária”.
Por despacho de 28 de Maio de 2001 (fls. 1197 vº), o Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, depois de ouvir os agravados e o Ministério Público, decidiu não admitir o recurso, remetendo para as razões constantes das respostas dos agravados – ou seja, em síntese, por não terem sido aplicadas no acórdão recorrido as normas sindicadas pelo recorrente e por estar em causa uma decisão proferida no âmbito de uma providência cautelar, “provisória quanto ao objecto da causa”.
5. Notificado de tal despacho, o recorrente deduziu reclamação, dirigida ao Tribunal Constitucional, invocando o artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento na “nulidade do despacho de não admissão do recurso e de tributação em custas” e na “inexistência legal para a não admissão do recurso interposto nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento de fls. 1180 a 1184”.
No requerimento apresentado (fls. 1199 a 1203), concluiu assim:
“1ª - É no requerimento de reclamação da decisão que não admite o recurso de constitucionalidade que tem de ser arguida a nulidade desta;
2ª - A Constituição e a lei obrigam à fundamentação da decisão proferida sobre requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional;
3ª - A lei proíbe a justificação das decisões judiciais que tenham de ser fundamentadas, por simples adesão à oposição deduzida;
4ª - Não pode ser admitida oposição de quem não é parte no recurso;
5ª - Não pode ser objecto de adesão oposição que não pode ser admitida nos autos;
6ª - É ilícito o despacho que manda ouvir recorridos e não recorridos sobre a admissibilidade de recurso cuja impugnação só pode ser feita nas alegações no Tribunal Constitucional;
7ª - O despacho ora impugnado é nulo por ter incorrido nos vícios supra referidos e assenta em nulidade processual;
8ª - A declaração de nulidade de tal despacho corresponde à revogação prevista no artº 77º-4 da Lei nº 28/82, de 15.11;
9ª - É nula a decisão que, sem fundamento legal, tributa em custas requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, indeferido sem fundamentação legal e ferido de nulidade processual;
10ª - O requerimento de interposição do recurso de fls. 1180 a 1184 satisfaz todos os requisitos prescritos no artº 76º-2 da invocada Lei nº 28/82;
Pelo que se pede:
a) seja declarada a nulidade das decisões de fls. 1197v, para efeito do artº 77º-4 da Lei nº 28/82, de 15.11;
b) seja admitido o recurso interposto a fls. 1180 a 1184.”
O Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, ordenou a notificação dos agravados para se pronunciarem, querendo, sobre o requerimento apresentado, ao abrigo do disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil. Os agravados pronunciaram-se no sentido de “ter sido correcta a decisão [...] de não admitir o recurso”, reiteraram que “as normas [...] não foram aplicadas com o sentido pretendido pelo recorrente” e que “deve ser totalmente indeferida a reclamação”.
O representante do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça emitiu parece no sentido de que “os autos devem ser remetidos ao Tribunal Constitucional”, nos termos do artigo 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional.
Foi então proferido o seguinte despacho pelo Relator, no Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1219 vº):
“Tem plena razão o Mº Pº na sua posição que antecede.
Assim, e para apreciação da reclamação [...], remetam-se os autos ao Tribunal Constitucional”.
6. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público emitiu parecer, pronunciando-se no sentido do indeferimento da presente reclamação.
II
7. Tendo em conta o disposto no artigo 77º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão a proferir por este Tribunal no processo de reclamação do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso.
Compete assim ao Tribunal Constitucional, no âmbito de tal processo, apreciar se estão ou não verificados os pressupostos processuais típicos do recurso interposto, independentemente de quais tenham sido os fundamentos invocados para a não admissão do recurso no tribunal a quo.
Para decidir se a presente reclamação deve ser deferida, há portanto que averiguar se, no caso, estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso que o ora reclamante pretendia interpor.
Por isso, e como sublinha o Senhor Procurador-Geral Adjunto, carece de utilidade a apreciação, no presente processo, da alegada falta de fundamentação do despacho reclamado – o despacho do Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.
8. O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – o preceito invocado pelo ora reclamante no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais “que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
São pressupostos desse recurso:
– que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma ou normas que se pretende que o Tribunal aprecie;
– que essas normas tenham sido aplicadas na decisão recorrida, como ratio decidendi, não obstante a acusação de inconstitucionalidade.
Ora, no caso dos autos, a ratio decidendi da decisão de indeferimento da providência cautelar, proferida pelo Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, confirmada pelo acórdão da Relação de Lisboa e depois pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de que se pretende recorrer), foi a não verificação de um dos requisitos estabelecidos pelo artigo 381º do Código de Processo Civil
– a exigência de “lesão grave e dificilmente reparável”, alegadamente decorrente da invocada nulidade do acto expropriativo de direitos, praticado ao abrigo da norma do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais, norma que os requerentes da providência cautelar consideram inconstitucional.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou tal conclusão da Relação, traduzida na inexistência de lesão grave e dificilmente reparável,
“quer se considerasse ou não e então a inconstitucionalidade do citado artigo
490º do C.S.C.” (cfr. supra, 3.).
8.1. Desta verificação resulta desde logo que não foram aplicadas na decisão recorrida, como ratio decidendi, as normas contidas no artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais e no Regulamento da CMVM, transcritas a fls.
109, normas mencionadas no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e que se pretendia submeter ao julgamento deste Tribunal.
Não tendo sido aplicadas na decisão recorrida, tais normas não podem portanto ser objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, apesar de o ora reclamante ter suscitado, quanto a elas, uma questão de inconstitucionalidade durante o processo.
Na verdade, quanto a estas normas, não existe interesse processual na apreciação do recurso. Fosse qual fosse a posição que o Tribunal Constitucional viesse a adoptar quanto à conformidade constitucional das normas referidas, sempre se manteria a decisão do tribunal a quo relativamente à rejeição da providência cautelar, já que o tribunal recorrido continuaria a dar como não verificado um dos requisitos estabelecidos pela única norma que no caso considerou relevante – a norma do artigo 381º do Código de Processo Civil.
Atenta a função instrumental reconhecida, em geral, ao recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional só deve conhecer das questões de constitucionalidade normativa quando a decisão a proferir possa influir utilmente no julgamento da questão discutida no processo (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal, nº 257/92, Diário da República, II, nº 141, de 18 de Junho de 1993, p. 6448 ss, p. 6452, e nº 440/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28º vol., p. 319 ss, p. 326).
A tudo isto acresce que, como este Tribunal tem afirmado por diversas vezes, “não cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões proferidas no âmbito das providências cautelares destinado à apreciação da constitucionalidade de normas em que, simultaneamente, se fundamentam, quer a providência requerida, quer a acção correspondente, dada a natureza provisória do julgamento ali efectuado” (cfr., por último, o acórdão nº 442/00, Diário da República, nº 280, II Série, de 5 de Dezembro de 2000, p. 19592 s).
8.2. Importa então verificar se é de admitir o recurso para apreciação da constitucionalidade norma do artigo 381º, nº 1, do Código de Processo Civil
(conjugada com a norma do artigo 387º, nº 2, do mesmo Código), sendo certo que tal norma foi aplicada na decisão recorrida.
Ora, há que reconhecer desde já que o aqui reclamante não suscitou, a esse respeito, um autêntico problema de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, como afirma o Senhor Procurador-Geral Adjunto, “não constitui verdadeira questão de constitucionalidade de «normas» a indagação acerca da gravidade e «definitividade» para o requerente dos danos associados à ameaça de lesão invocada como causa de pedir da providência”. Exigindo-se no preenchimento de tais cláusulas gerais ou conceitos indeterminados a valoração das circunstâncias do caso concreto, tal valoração efectuada pelo tribunal a quo insere-se já no momento da aplicação da norma.
É esta valoração feita, no caso concreto, pelo tribunal a quo que o ora reclamante contesta, como decorre aliás das expressões utilizadas nas alegações de recurso apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça (supra,
3. – designadamente, conclusões 12, 15 e 16) e no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional (supra, 4. – “segundo tais normas, o dano resultante do esbulho de acções, e dos direitos societários de natureza pessoal e patrimonial que elas titulam, não cabe no conceito legal de lesão grave e dificilmente reparável e o prejuízo resultante da abstenção temporária de a causar excede consideravelmente aquele dano” [itálicos aditados agora]).
Estando em causa a operação de subsunção dos factos à norma, a sua apreciação excede a competência deste Tribunal, que se circunscreve à fiscalização da conformidade constitucional de normas e não de actos de outra natureza, como as decisões judiciais.
Não pode portanto o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto da recurso quanto à questão suscitada a propósito do preenchimento do conteúdo concreto dos conceitos utilizados pela norma do artigo 381º, nº 1, do Código de Processo Civil (conjugada com a norma do artigo 387º, nº 2, do mesmo Código) – concretamente, do preenchimento do conceito de “lesão grave e dificilmente reparável”.
8.3. Quanto à questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo
446º, nº 1, do Código de Processo Civil, porque, “segundo tal norma, a arguição de nulidades de sentença no STJ, e o pedido de reforma de sentença no STJ, ao abrigo do disposto nos artºs 668º e 669º, nº 2, do CPC, constituem incidentes tributáveis”, trata-se, como aliás refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto, de questão manifestamente infundada.
Na verdade, não se vê como possa violar os princípios da confiança, da segurança jurídica e da legalidade tributária a norma que determina a condenação em custas da “parte vencida” (ou, de modo mais geral, da parte que
“dá causa às custas do processo”) nas decisões que julgam “algum dos seus incidentes” da acção – como, por exemplo, a arguição de nulidades da sentença e o pedido de esclarecimento ou de reforma da sentença. Do mesmo modo, não se vislumbra qualquer violação dos referidos princípios na norma de que resulta a competência dos tribunais judiciais quanto à definição do que devam ser
“incidentes tributáveis”, para efeitos de aplicação das normas relativas à condenação em custas.
Neste ponto, a questão colocada pelo ora reclamante é pois totalmente improcedente.
9. Nestes termos, e perante a conclusão de que o Tribunal Constitucional não tomaria conhecimento do objecto do recurso interposto – o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional –, há que concluir pelo indeferimento da reclamação.
10. Juntamente com a presente reclamação, o ora reclamante suscita também a questão da nulidade da decisão de condenação em custas, constante do despacho do Relator, no Supremo Tribunal de Justiça, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional (despacho de fls. 1197 vº).
Não vem todavia suscitada, a este propósito, qualquer problema de desconformidade com a Constituição. Assim, e independentemente da razão que eventualmente possa assistir ao ora reclamante do ponto de vista da aplicação de normas de direito infra-constitucional, trata-se de matéria que ultrapassa a competência deste Tribunal e sobre a qual não há que tomar posição.
III
11. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 26 de Novembro de 2001 Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida