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Proc. nº 1084/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que figuram como recorrente a A., e como recorrida a B, foi proferida decisão que negou provimento ao recurso que a ora recorrente havia interposto da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa que a havia condenado a pagar à ora recorrida a quantia de 473.618$00, acrescida de juros à taxa de 2% por mês, desde 25 de Janeiro de 1993 até ao efectivo pagamento.
2. É daquela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 269 a 275) que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso. Pretende a recorrente ver apreciada, nos termos do respectivo requerimento de interposição, a constitucionalidade do art.
2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, por alegada violação dos artigos 13º, 81º, alínea f) e 102º, alínea a) da Constituição (todos na redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro).
3. Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'Em conclusão, a norma ínsita no nº 2 do art. 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, enquanto cria e impõe a assumpção de um risco por parte do importador no que toca ao pagamento dos direitos e imposições alfandegários que, como importador, lhe cabem, mas eximindo afinal desse risco a entidade seguradora garante do Despachante Oficial, cujo risco ou responsabilidade assumiu, viola o princípio da igualdade e o princípio da concorrência salutar dos agentes mercantis, expressos nos artigos 13º, 81º, alínea f) e 102º, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, tanto mais flagrante na hipótese dos autos quanto é certo que a recorrente, R., na acção, não só remeteu ao Despachante a que os autos se reportam o dinheiro necessário para o pagamento dos referidos direitos e imposições aduaneiras, como tem até em poder dela o recibo passado pela própria Alfândega comprovativo desse pagamento, recibo que lhe foi enviado pelo referido Despachante, a quem, para o efeito, a recorrente remeteu os necessários fundos.
4. Notificada para responder, querendo, às alegações da recorrente, disse a recorrida, a concluir:
'a) O dito «desabafo» da recorrente não tem qualquer fundamento legal, pelo que deverá ser desentranhado ou dado como não proferido; b) O nº 2 do art. 2º do Decreto-Lei nº 289/98, de 24 de Agosto, de forma alguma viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição, pelo que, contrariamente ao pretendido pela recorrente, tal normativo não é inconstitucional; c) Esse mesmo diploma também não viola o princípio alegadamente consagrado na alínea f) do art. 81º da CRP, como consagrando a equilibrada concorrência entre as empresas já que esta disposição legal foi alterada por sucessivas revisões constitucionais, e não já consagra tal invocada princípio; d) O mesmo se dirá quanto à violação do alegadamente disposto na alínea a) do art. 102º, alínea essa agora inexistente já que o artigo em causa regula matéria diferente da alegada – Objectivos de Política Comercial no que tange à equilibrada concorrência entre as empresas que agora está consagrada no art.
99º, alínea a); e) Ora o citado nº 2 do art. 2º do Decreto-Lei nº 289/98, de 24 de Agosto, também não viola essa art. 99º, uma vez que recorrente e recorrida de alguma forma podem ser equiparadas e consideradas concorrentes pois prosseguem actividades comerciais totalmente diferentes, donde carece de fundamento a alegada inconstitucionalidade; f) Donde o nº 2 do art. 2º do Decreto-Lei nº 289/98, de 24 de Agosto, não é inconstitucional, já que não viola nenhuma das disposições legais invocadas pela recorrente'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
5. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal Constitucional – reportada à norma que se extrai do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto – não é inteiramente nova na jurisprudência deste Tribunal, que já desde o Acórdão nº 504/98 (publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Dezembro de 1998), vem considerando que aquela norma não é nem organicamente nem materialmente inconstitucional. Sobre a alegada inconstitucionalidade material do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, designadamente por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, ponderou então o Tribunal Constitucional:
'De acordo com o exposto, as normas sindicandas integrariam matéria colidente com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CR, do mesmo passo que violariam os princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, igualmente constitucionalmente consagrados. Também aqui improcede a argumentação deduzida. Segundo parece deduzir-se desta, particularmente uma norma como a do nº 2 do artigo 2º, impondo ao dono das mercadorias, ao invés do que sucede no contrato de seguro, a assunção do risco da prestação da garantia em causa, proporcionaria que este pudesse ter de pagar os direitos e imposições alfandegárias à entidade garante, não obstante eventualmente pudesse já o ter feito ao despachante oficial. Nesta leitura, atribuir-se-ia um privilégio desrazoável e desproporcionado à seguradora, mesmo admitindo a possibilidade de onerar o dono das mercadorias com um duplo pagamento. No entanto, objecta-se, a medida legislativa que o artigo 2º exponencia não foi, como já registamos, arbitrariamente decretada, pois que justificada por uma lógica de celeridade e simplificação que, sempre e em última instância, aproveita essencialmente aos agentes económicos - donos das mercadorias ou seus consignatários, importadores ou exportadores - que retirarão as vantagens inerentes a um desalfandegamento mais expedito e eficiente, sem prejuízo de, em qualquer circunstância, poderem lançar mão dos direitos que lhes assistem e respectivos meios processuais próprios a fim de se ressarcirem de eventuais prejuízos sofridos pelo incumprimento, ou cumprimento defeituoso, dos despachantes oficiais, por eles, de resto, livremente escolhidos para desembaraçarem as suas mercadorias, como técnicos especialistas em matéria aduaneira (como sublinha Antunes Varela na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 125, pág. 56). Se o despachante embolsou em seu proveito a importância que lhe foi entregue, não lhe dando o devido destino, não deixará de incorrer em responsabilidade civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que terá causado, além da inerente responsabilidade criminal. Não se vê, assim, que se ofenda o princípio da igualdade, tal como sedimentado está no acervo jurisprudencial deste Tribunal, como tão pouco se representa censurável a opção do legislador sob o crivo do princípio da proporcionalidade; não se vislumbra - nem a recorrente explicita cabalmente - violação do disposto nos artigos 1º e 2º da CR, como tão pouco do princípio da imparcialidade da Administração. Não é correcto, nomeadamente, afirmar que o Estado deixa de ter o direito de reclamar directamente ao importador o valor dos direitos e imposições aduaneiros devidos se este demonstrar que entregou ao despachante oficial a quantia devida: a sua obrigação perante a Alfândega não se extinguiu pelo facto de ter posto à disposição do despachante as importâncias destinadas ao pagamento das importâncias devidas, o que, aliás, constitui res inter alios no tocante à Alfândega e à seguradora'.
É, pois, esta jurisprudência - entretanto reiterada nos acórdãos nºs 570/98,
622/98, 623/98, 3/99 e 265/99, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Novembro de 1999, os outros ainda inéditos -, que mantém inteira validade, que mais uma vez há que reiterar. Apenas se acrescenta agora que igualmente se não verifica, ao contrário do que alega a recorrente, qualquer violação por parte da norma sub judicio do disposto nos artigos 81º, alínea f) e 102º, al. a) da Constituição (na redacção da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro), preceitos que, aliás - como, bem, nota a recorrida - não têm sequer o teor que a recorrente lhes imputa.
III – Decisão Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa,7 de Dezembro de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida