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Processo nº 432/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), proferiu o Relator a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
“1. E..., com os sinais identificadores dos autos, vem interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto nos artigos “207º e 280º nº 1 al. b)”, da Constituição e no artigo 70º, nº 1, al. b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), de 21 de Março e 30 de Maio de 2001, o primeiro que indeferiu um seu requerimento e o segundo que julgou “improcedente a invocação de nulidade e de inconstitucionalidade” por ele arguida, invocando para tanto a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 138º, nº 4, 140º, § 3 e
664º do Código de Processo Penal (CPP)/29, na interpretação de que quando, em conjugação, aplicadas “de molde a não conceder ou consentir ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório em relação ao parecer emitido pelo Ministério Público, susceptível de agravar a sua posição“, tal interpretação e aplicação colidem com o disposto nos artigos 32º, nº 1 e 207º da Lei Fundamental.
Invoca ainda a inconstitucionalidade das normas contidas nos arts 12º, nº 1, al. a) do Código Penal (CP)/95 ou 119º nº 1 do CP/82 “quando interpretadas e aplicadas de molde a incluírem o Tribunal Constitucional no conceito de tribunal não penal e consequentemente de molde a incluírem o período de pendência de recurso penal naquele tribunal no prazo de suspensão da prescrição do procedimento criminal”, pois tal colide com o disposto no artigo 32º, nº 1 e com o artigo 207º da CRP.
2. Em breves palavras, e a fim de se compreender o que está na base deste recurso, há a referir que ao arguido foi aplicada uma pena de 6 anos e 3 meses de prisão (dos quais foram perdoados 3 anos) pela prática de um crime de abuso de confiança na forma continuada, tendo o último facto integrador do crime ocorrido em 30 de Novembro de 1982.
Depois de interposto recurso dessa decisão, primeiro para o Tribunal da Relação de Lisboa, depois para o Supremo Tribunal de Justiça, viu o arguido confirmada essa mesma decisão.
Interposto recurso de constitucionalidade do acórdão do STJ para o Tribunal Constitucional com base em que ao recorrente não lhe fora dada a possibilidade de contradizer o parecer do Ministério Público naquele Supremo tribunal, assim se violando o princípio do contraditório, veio tal recurso a ser provido por acórdão do Pleno nº 533/99, e, em consequência, o STJ reformulou o seu aresto de acordo com a decisão segundo a qual o artigo 664º do CPP/29 não é inconstitucional, quando interpretado no sentido de que, se o Ministério Público, quando os recursos lhe vão com vista, se pronunciar, deve ser dada ao réu a possibilidade de resposta.
E, assim, foi dada na instância ao Réu a possibilidade de responder, em cumprimento do julgado, seguindo-se a tramitação processual e as decisões identificadas no acórdão nº 50/2001, a fls 2874 e seguintes dos autos, que não interessa transcrever aqui.
Em requerimento de 19 de Fevereiro de 2001, veio o ora recorrente perante o STJ invocar a excepção da prescrição do procedimento criminal, avocando argumentos que considerou pertinentes para justificar a sua pretensão, mas sem levantar aí nenhuma questão de inconstitucionalidade das normas do Código Penal invocadas.
O Ministério Público pronunciou-se em oposição ao requerimento e promoveu o seu indeferimento.
Requereu, então, o E..., em 12 de Março de 2001, e “com vista a evitarem-se eventuais imputações futuras de propósito de protelamento dos autos” que lhe fosse notificada a posição do Ministério Público assumida no âmbito da sua promoção, “ameaçando” com novo recurso para o Tribunal Constitucional, quando diz que “restar-lhe-á, depois de decorrido o tempo útil, arguir essa nulidade e desvendar a interpretação e aplicação de norma constitucional”.
O requerimento foi indeferido por despacho do relator, no STJ, de 14 de Março de
2001.
Arguiu, então, o recorrente a nulidade do dito despacho, começando por afirmar, aludindo às injunções contidas nos artigos 138º, nº 4, 140º, §3 e 664º do CPP/29, que elas (as injunções), quando ”interpretadas e aplicadas de molde a não concederem ao arguido possibilidade de exercer o contraditório em relação ao parecer do Mº Pº, que pode agravar a sua posição, enfermam de inconstitucionalidade, porquanto colidem aberta e frontalmente com o art. 32º nº
1 da CRP” e que o despacho, violando o princípio do contraditório, enferma do mesmo vício para, posteriormente, mas ainda no mesmo requerimento, afirmar que a
“ora arguida nulidade, por inconstitucionalidade dos citados preceitos legais, é manifesta, como aliás resulta da prolação dos doutíssimos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 150/87 e 533/99”.
Por despacho do relator de 21 de Março de 2001, entendeu-se que não estava em causa um visto inicial do Ministério Público em recurso relativamente ao qual tivesse de se assegurar o contraditório ao réu. Pelo contrário, tendo o arguido fundamentado o pedido de extinção do procedimento criminal por efeitos de prescrição, ao Ministério Público cabia pronunciar-se, aqui sim, no âmbito do exercício do contraditório, que a lei compreensivelmente estabelece, pelo fundamento do pedido.
Não reconheceu, pois, o dito despacho a existência de qualquer nulidade ou inconstitucionalidade que determinasse a reparação do processado.
Por acórdão da mesma data foi também indeferido o pedido de extinção do procedimento criminal, com base em determinada interpretação dos artigos 119º, nº 1, als. a) e b) e 120º, nº 3, do CP/82, 120º, nº 1, als. a) e b) e 121º, nº
3, do CP/85 (este o primeiro acórdão recorrido).
Após notificação deste acórdão, veio então o E..., em 5 de Abril de 2001,
“relembrar” que já havia requerido a declaração de nulidade do despacho que lhe havia indeferido o pedido de notificação ao arguido da posição da posição assumida pelo Ministério Público e que, não obstante, a arguição do vício que esse despacho padecia, este último acórdão, de 21 de Março de 2001, ao desatender tal arguição “está cominado pela nulidade acima descrita constante da violação do princípio do contraditório, por interpretação e aplicação dos arts citados do CPP de 1929 colidente com o artº 32º nº 1 da CRP”.
E insiste pela necessidade de se proceder à sua notificação.
Também o STJ insistiu em indeferir tal pretensão com fundamento na improcedência das invocadas nulidade e inconstitucionalidade, através do segundo acórdão de 30 de Maio de 2001.
Finalmente surge o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, em 15 de Junho de 2001, concretizando-se assim a “ameaça” de recurso no que toca à falta de notificação do réu relativamente ao parecer do Ministério Público e, pela primeira vez, a arguição de inconstitucionalidade das normas do Código Penal invocadas em segundo lugar no referido requerimento, ou seja, das normas que serviram de base ao STJ para considerar não se encontrar o procedimento criminal extinto.
3. E é por esta segunda parte que se vai começar, tendo em conta, desde já se adiante, que falta um pressuposto processual para que, relativamente a ela, a pretensão do recorrente possa vingar quanto ao conhecimento de mérito da questão de inconstitucionalidade das normas identificadas do Código Penal.
Constitui jurisprudência reiterada e unânime do Tribunal Constitucional que a questão de inconstitucionalidade há-de ser suscitada de modo processualmente adequado, antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, ou seja, a tempo de o tribunal recorrido saber que tem essa questão para decidir, não constituindo já os incidentes após decisões, em princípio, meio idóneo e atempado de levantar a questão (cfr. artigo 72º, nº 2, da Lei nº 28/82).
Exceptuam-se desta regra aqueles casos em que o poder jurisdicional não se esgota com a prolação da decisão recorrida e ainda aqueles casos excepcionais ou anómalos em que o recorrido não dispõe de oportunidade processual para levantar a questão antes de proferida a decisão final ou em que o recorrente é confrontado com uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e inesperada.
Porém, exige-se que essa aplicação haja de ser totalmente insólita e constitua uma surpresa com a qual o interessado não pudesse nem devesse contar.
Não pode, pois, a simples “surpresa” com a sua aplicação constituir uma dessas situações excepcionais ou anómolas de modo a justificar a não exigência da invocação antecipada da inconstitucionalidade perante o tribunal a quo.
Como o Tribunal Constitucional tem afirmado, recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão e adoptarem as necessárias precauções de modo a poderem, em conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar a defesa dos seus interesses.
E, também como este Tribunal tem afirmado, a exigência deste prévio juízo de prognose estende-se à própria situação de interpretação da norma e não só à sua aplicação, ainda que a norma seja alvo de várias interpretações (v. acs 439/91,
291/92, 333/92 e 232/94, sendo os primeiros três inéditos e estando o último publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Agosto de 1994, apenas para citar alguns em que se colocou a questão de normas com interpretações diferentes: num caso em que a interpretação dada surgia como unânime face à jurisprudência e doutrina e noutro caso em que a interpretação era divergente, em idêntica sede).
Importante é que o interessado haja de representar a possibilidade de aplicação da norma, ou de uma sua interpretação normativa, pacificamente ou não aceite essa interpretação, por não poder ou não dever ignorar esse circunstancialismo.
Acrescente-se ainda que, nos casos em que se configura uma dessas situações, em que a suscitação surge após a decisão recorrida, há-de a impugnação da norma fazer-se logo no momento mais próximo daquele em que essa questão emergiu.
Assentes estes dados, fácil é de concluir que a invocada questão de inconstitucionalidade relativamente à interpretação dada pela decisão recorrida aos artigos 120º, nº 1, al. a) do CP/95 e 119º, nº 1, do CP/82, não foi invocada até à decisão final, constante do acórdão de 21 de Março de 2001, sendo certo que o recorrente não devia desconhecer haver já por parte do STJ, bem como do Tribunal da Relação de Lisboa, como de resto se assinala no próprio acórdão de
21 de Março de 2001, jurisprudência no mesmo sentido.
Sendo de prever que essa interpretação podia vir de novo a ser utilizada pelo STJ, cabia-lhe prever tal situação e suscitar ainda antes da decisão a referida questão.
Mas, elemento decisivo para que não se conheça da questão suscitada, nesta parte, é o facto de, apenas no requerimento de recurso para este Tribunal Constitucional, ela ter sido colocada pela primeira vez.
Admitindo, por mera hipótese, que o recorrente tinha sido surpreendido com a interpretação adoptada pela decisão recorrida, então cabia-lhe suscitá-la logo no primeiro momento em que ainda era possível fazê-lo. E esse momento ocorreria com o requerimento de 5 de Abril de 2001, em que, de resto, o recorrente continua a suscitar só a questão da inconstitucionalidade, resultante da falta da sua notificação enquanto réu, na sequência do parecer emitido pelo Ministério Público, sem que, contudo, tenha levantado a questão de inconstitucionalidade relativamente às restantes normas.
Com o que, e nesta parte, não se pode tomar conhecimento do presente recurso, por faltar o pressuposto específico da suscitação da questão de inconstitucionalidade das normas do Código Penal durante o processo e nos termos que ficaram descritos.
4. Insurge-se o recorrente contra ao facto de não ter sido notificado da posição assumida pelo Ministério Público quanto ao seu pedido para que se declarasse extinto o procedimento criminal.
Com efeito, em requerimento de 19 de Fevereiro de 2001, o recorrente invocou a existência de uma excepção, mais propriamente a da prescrição, apresentando os argumentos que considerou pertinentes à sua fundamentação.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do requerido, o que se viria a concretizar pelo despacho de 14 de Março de 2001, atrás referido.
Ora, no seu entender, as normas contidas nos artigos 138º, nº 4 e 140º, §3 e no artigo 664º do CPP/29, quando interpretadas e aplicadas de molde a não concederem ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório em relação ao parecer do Ministério Público, que pode agravar a sua posição, enfermam de inconstitucionalidade por afrontamento ao artigo 32º, nº 1, da CRP.
E procura arrimar tal fundamentação nos acórdãos nºs 150/87 e 533/99 deste Tribunal.
O despacho de 14 de Março de 2001 foi mantido com a prolação de novo despacho de
21 de Março de 2001.
Neste último despacho escreveu-se:
“O arguido fundamentou esse pedido e o M.P. pronunciou-se sobre este, no exercício do único contraditório que a tal respeito a lei compreensivelmente estabelece, atentos os fins públicos em causa.
Não se trata de um visto inicial em recurso relativamente ao qual tivesse de se assegurar o contraditório.
Não se verifica assim nem a nulidade nem a inconstitucionalidade arguidas no requerimento (...) que por isso se indefere”.
Notificado deste despacho e do acórdão que declarou não se encontrar o procedimento criminal extinto, veio de novo o recorrente arguir a nulidade deste acórdão, defendendo estar afectado pela nulidade daquele despacho ao ter indeferido o requerimento de notificação ao arguido da posição do Ministério Público, assim impedindo o exercício do contraditório.
O STJ, por acórdão de 30 de Maio de 2001 julgou improcedente a invocação de nulidade e de inconstitucionalidade, pela razão, em resumo, que esteve na base da fundamentação do despacho atrás transcrito.
5. Havendo que apreciar tal questão, por ter sido adequadamente suscitada a arguição de inconstitucionalidade, dir-se-á, para já, que diferente é a situação que ocorreu no caso dos acórdãos deste Tribunal (e que o recorrente invoca para servir de apoio à sua pretensão) e o presente caso.
Com efeito, nos casos daqueles acórdãos, estávamos perante o visto inicial do Ministério Público no recurso.
No caso dos presentes autos estamos perante um requerimento apresentado pelo recorrente a pedir que seja declarado extinto o procedimento criminal, tendo o Ministério Público, no exercício do seu direito ao contraditório, manifestado a sua discordância.
Escreveu-se no acórdão nº 533/99:
“O princípio da igualdade de armas que o Tribunal Europeu faz derivar da noção mais lata de processo equitativo (fair trial, procès equitable), deriva-se do princípio de assegurar todas as garantias de defesa, tal como o princípio do contraditório. Contraditório sem igualdade de armas não assegura todas as garantias de defesa. Igualdade de armas exige contraditório sempre que possível. Não se garante uma defesa efectiva se não houver 'possibilidade real de serem contrariadas e contestadas todas as afirmações ou elementos trazidos aos autos pela acusação', nas palavras do Acórdão nº 150/87”.
No caso dos acórdãos referidos, o Ministério Público interveio em nome da acusação, como titular da acção penal, tendo ele tomado inicialmente uma posição.
Na lógica da contraposição dialéctica entre acusação e a defesa, compreende-se que o réu possa contestar (contradizer) os argumentos utilizados por aquela entidade pública.
Porém, no caso dos presentes autos, quem tomou inicialmente uma posição (posição sobre a extinção do procedimento criminal) foi o próprio réu.
E se o contraditório há-de ser assegurado, nessa lógica de equilíbrio entre as partes, então, aqui, esse princípio há-de ser assegurado, dando vista ao Ministério Público, como aconteceu, sob pena de, dando de novo ao réu idêntica possibilidade (partindo do princípio de que haveria dispositivo legal a permiti-lo), o equilíbrio se revelar acentuada e desproporcionadamente desigual relativamente ao Ministério Público.
Por outro lado, e se a defesa é um posterius no que se refere à acusação que pressupõe (cfr. o referido acórdão nº 533/99), nem, nos presentes autos, a pretensa defesa do réu tem como pressuposto uma acusação, nem o princípio do contraditório o exige, sob pena de, exigindo-o, se favorecesse o réu assimetricamente (cfr. ainda o referido acórdão nº 533/99).
Admitindo, por hipótese, que o réu, face a determinada posição assumida pelo Ministério Público, viria a alterar substancialmente o seu requerimento, com a introdução de novos argumentos, deveria ser de novo dada a possibilidade ao Ministério Público de contradizer, também de novo, como bem acentua o STJ no seu acórdão.
Não se vê preceito legal que o permita, mas ainda admitindo que a última palavra pertença à defesa, não se pode aceitar que essa faculdade vá ao ponto de poder desvirtuar também o papel do Ministério Público (já que mais não seja como defensor do princípio da legalidade democrática).
Assim sendo, não assiste qualquer razão ao recorrente, sendo simples a questão presente, por ser manifestamente infundada.
É que não se vê que a questionada interpretação e aplicação das normas em causa do Código de Processo Penal seja colidente com quaisquer normas ou princípios constitucionais, contrariamente ao que sustenta o recorrente.
Tanto basta para, nesta parte, ter de se negar provimento ao recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, não tomo em parte conhecimento do recurso e noutra parte nego-lhe provimento, condenando o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta”.
B. Dessa Decisão veio o recorrente “RECLAMAR PARA A CONFERENCIA,”, e “a coberto do disposto no n° 3 do Art. 78º- A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro com as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis n° 143/85, de 26 de Novembro, n° 85/89, de 7 de Setembro n° 88/95, de 1 de Setembro e n° 13-A98, de 26 de Fevereiro”, invocando os “seguintes termos e fundamentos”:
a) Quanto à “INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ARTS. 138° nº 4, 140º§3 e 664° do CPP/29, por colisão com os arts.32º nº 1 e 207°da Lei Fundamental”, adiantou apenas que “à preocupação de consentir ao arguido conhecimento das posições do Mº Pº , nas instâncias superiores, a que a mais moderna e dominante jurisprudência tem sido sensível, não subjaz apenas, ao contrário do que parece inferir-se do aliás douto despacho reclamado, o acautelamento do princípio do contraditório, mas também a atenção pelos direitos do arguido” e tratar-se “de visto inicial ou subsequente a questão é exactamente a mesma: conferir ao arguido o direito a ser notificado da posição do MºPº , para lhe poder responder, caso assim o entenda por necessário” (“E que a última palavra caiba ao arguido, no exercício desse princípio do contraditório, é coisa que certamente não repugna ao nosso direito penal adjectivo, que se saiba, pois para tal vislumbrarmos basta olhar para toda a estrutura do nosso Direito de Processo Penal, mesmo no CPP /29” – acrescenta ainda);
b) Quanto à “INCONSTITUCIONALIDADE DE INTERPRETAÇAO E APLICAÇÃO dos arts.12º nº1 al. a) do CP/95 nº 119º nº1 do CP/82”, limita-se a dizer que “da al. b) do nº 1 do referido artº70º não se colhe que tenha de ser o arguido a ter suscitado a questão, nem se afirma que a questão haja de ter sido explicitada formalmente” e parece “decorrer da letra da lei e da ‘mens legislatoris’ que basta ter ocorrido o prévio levantamento de inconstitucionalidade de norma aplicada”(“Ora do voto vencido, tanto quanto nos parece, consta tal levantamento” – é como remata a reclamação).
C. Veio responder à reclamação o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, sustentando que ela é “manifestamente infundada” e “é óbvio que nada pode ser censurado à douta decisão sumária proferida nestes autos”.
Para tanto, lê-se o seguinte na resposta:
“2º Assim, não tendo o recorrente suscitado, em termos procedimentalmente adequados, a questão de constitucionalidade que reporta à norma constante do artigo 119º do Código Penal – apesar de manifestamente ter tido oportunidade processual para o fazer ‘durante o processo’ – é evidente que falta um pressuposto de admissibilidade do recurso.
3ºRelativamente à segunda questão suscitada – quanto ao ‘visto’ subsequente do Ministério Público – é evidente o artificialismo da tese do recorrente que – bem vistas as coisas – impediria que o Ministério Público exercesse o estrito contraditório sobre os requerimentos apresentados pelo arguido – pronunciando-se sobre as questões neles suscitadas – obrigando sempre a uma inútil e absurda
‘réplica’ do arguido sobre a posição que se assumiu sobre a questão por ele suscitada!”.
D. Cumpre decidir.
A Decisão reclamada enuncia de forma clara as duas pretensas questões de inconstitucionalidade avançadas pelo reclamante no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e as respostas que aí foram dadas não saem minimamente beliscadas com a reclamação.
Na parte em que não se tomou conhecimento do recurso é evidente que não assiste nenhuma razão ao reclamante ao pretender estar dispensado do ónus de levantar a questão em causa (e, em rigor, antes mesmo do acórdão de 21 de Março de 2001), porque no “voto de vencido” que acompanha o acórdão recorrido “consta tal levantamento” (e mesmo assim “não explicitamente”).
Não é isso, porém, que resulta da lei e basta atentar no nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82 para ver como é exigido da parte interessada o cumprimento do dever de suscitar a questão de inconstitucionalidade normativa (de modo processualmente idóneo e adequado, para obrigar o tribunal a pronunciar-se e aqui a pronúncia teria de constar do acórdão recorrido, em resposta à suscitação).
O próprio reclamante reconhece que “não foi o arguido que suscitou, pela 1ª vez esta questão, preenchendo ele próprio os pressupostos admitidos ou exigidos na al.b) do nº 1 do art. 70º da cit. Lei n° 28/82” e esta confissão é bastante para lhe retirar qualquer razão.
Na outra parte em que foi negado provimento ao recurso, o reclamante nada diz de novo e em resposta apenas se vai reproduzir a resposta do Ministério Público:
“Relativamente à segunda questão suscitada – quanto ao ‘visto’ subsequente do Ministério Público – é evidente o artificialismo da tese do recorrente que – bem vistas as coisas – impediria que o Ministério Público exercesse o estrito contraditório sobre os requerimentos apresentados pelo arguido – pronunciando-se sobre as questões neles suscitadas – obrigando sempre a uma inútil e absurda
‘réplica’ do arguido sobre a posição que se assumiu sobre a questão por ele suscitada!”
Com o que não procedem os “termos e fundamentos” de que se serviu o reclamante.
E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação do não conhecimento do recurso e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em
15 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Dezembro de 2001- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa