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Processo nº 66/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A ..., ora recorrente, e outros instauraram no Tribunal do Trabalho de Setúbal contra a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS), a P...
– Gestão Portuária (Setúbal) e o Estado uma acção na qual pediram que fosse declarado nulo o seu despedimento e que, em consequência, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra fosse condenada a reintegrá-los nos termos devidos, sem prejuízo da possibilidade de opção (que veio a ser exercida) pela indemnização de antiguidade prevista no nº 3 do artigo 13º do Decreto-Lei nº
64-A/89, de 27 de Fevereiro. Pediram ainda a condenação solidária da APSS e da P... no pagamento de determinados créditos já vencidos, relativos a 1994, acrescidos dos juros legais, e a condenação solidária e a liquidar em execução de sentença, de todos os réus no pagamento das retribuições que deixaram de receber desde o momento do despedimento até à sentença a proferir, deduzidas, nomeadamente no que toca à ora recorrente, dos rendimentos do trabalho entretanto recebidos. Para o agora interessa, os autores vieram sustentar ser-lhes aplicável o disposto no nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 280/93, de 13 de Agosto (Regime Jurídico do trabalho portuário). Em seu entender, deste preceito resultaria para a APSS (e para o Estado) a obrigação de garantir a continuidade dos vínculos laborais que os ligavam à P..., da qual foram trabalhadores efectivos, obrigação essa que foi cumprida pela APSS até haverem sido ilicitamente despedidos. Seria mesmo inconstitucional não os considerar abrangidos pelo nº 1 do artigo 22º, por serem trabalhadores portuários administrativos, por violação do princípio constitucional da igualdade. Tal princípio não consentiria que fossem assim discriminados, por confronto com os restantes trabalhadores do sector portuário, que o referido Decreto-Lei nº 280/93 veio reestruturar. E também seria dessa forma violado o princípio constitucional da segurança no emprego, tutelado pelo artigo 53º da Constituição.
2. A acção foi julgada parcialmente procedente. A 1ª instância entendeu que os autores, trabalhadores administrativos, se encontravam abrangidos pelo regime do nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 280/93, não obstante não se enquadrarem no conceito restrito de trabalhadores portuários constante do artigo 1º do mesmo Decreto-Lei. Daqui resultava, em síntese, que o Estado ficava obrigado a garantir a continuidade do vínculo laboral que ligava a ora recorrente à ré P...
(que não se transformou em empresa de trabalho portuário até ao termo do prazo definido pelo Decreto-Lei nº 280/93 para o efeito, 31 de Julho de 1994), por subrogação legal no lugar deste organismo de gestão da mão de obra portuária, e a cujo serviço a recorrente se encontrava desde que ele veio suceder ao Centro Coordenador de Trabalho Portuário de Setúbal, em Abril de 1988. Tal obrigação transmitiu-se para a ré APSS por acordo entre esta e o Estado, com aceitação dos trabalhadores envolvidos, por cessão da posição contratual do Estado. O despedimento foi considerado ilícito e a ré Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra foi condenada a pagar a A ...: a referida indemnização de antiguidade, calculada segundo a sua remuneração base e 19 anos de antiguidade
(ou seja, desde a admissão como trabalhadora do Centro Coordenador do Trabalho Portuário) e a liquidar em execução de sentença; as prestações que teria recebido desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até à data da sentença, também a calcular na respectiva execução; solidariamente com a ré P..., a APSS foi ainda condenada a pagar a A ... uma indemnização pela violação do direito ao gozo de férias vencido em 1994, também a liquidar em execução de sentença. O Estado foi absolvido de todos os pedidos. A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra recorreu para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 29 de Fevereiro de 2000, julgou parcialmente procedente o recurso. Diferentemente do que entendera o Tribunal do Trabalho de Setúbal, o Tribunal da Relação de Évora, fazendo uma síntese da evolução e das especificidades do regime legal definido para os trabalhadores portuários, ou seja, para os trabalhadores “que exercem tarefas inerentes à actividade de movimentação de cargas” (cfr. nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 280/93), concluiu no sentido de não ser aplicável aos trabalhadores administrativos do sector portuário o disposto no referido Decreto-Lei nº 280/93 – e, portanto, de não estarem abrangidos pelo seu artigo 22º. Essa não inclusão, aliás, em nada violaria os
“princípios constitucionais da igualdade e da não discriminação ou da segurança no emprego”, considerou expressamente este Tribunal, pois “existem razões específicas ligadas aos interesses desse tipo de trabalhadores, que não são comuns aos trabalhadores administrativos, os quais nunca estiveram sujeitos às vicissitudes próprias daqueles e a cujos contratos sempre foi de aplicar a lei geral do trabalho e as garantias nela estabelecidas”. O Tribunal da Relação de Évora afastou, assim, quer a existência de subrogação do Estado em relação à P..., quer a ocorrência da referida cessão à APSS. Considerou, portanto, novo (ou seja, não representando qualquer continuidade da relação laboral existente com a P...) o contrato de trabalho existente, desde 1 de Agosto de 1994, entre a APSS e a ora recorrente, contabilizando de forma diferente os quantitativos que lhe deviam ser pagos em virtude do despedimento que igualmente julgou ilegal. Deste acórdão, recorreram A ... e outro dos autores para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por acórdão de 17 de Janeiro de 2001, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida, para ela remetendo nos termos previstos no nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil. Acrescentou, todavia, que o regime aplicável aos trabalhadores portuários (entendidos como trabalhadores afectos ao serviço de movimentação de cargas) tem estado afastado das regras do contrato individual de trabalho em razão das características dos respectivos contratos “e da especial actividade por eles desenvolvida”, que tem sido objecto de diversas alterações e que o Decreto-Lei 280/93 veio ao encontro das necessidades especiais destes trabalhadores sem ofender “qualquer princípio constitucional, designadamente os consignados nos arts. 13º e 53º, nº 1, da Constituição da República”. Não foi assim violado o princípio da igualdade, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, porque os trabalhadores portuários “não estão em igualdade de circunstâncias com os outros”; e igualmente não foi ofendida a garantia de segurança do emprego, constante do nº 1 do artigo 53º da Constituição, porque para os trabalhadores administrativos do sector portuário vale o regime geral de protecção.
3. Do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorreu A ... para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, pretendendo que seja apreciada “a inconstitucionalidade do artº 22º do Decreto-Lei nº 280/93, de 13 de Agosto, no entendimento que lhe é dado quanto à respectiva aplicação ao caso” pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Convidada a esclarecer qual a “norma contida no artigo 22º (...) que pretende seja apreciada” pelo despacho de fls. 443, a recorrente veio transcrever o nº 1 do referido artigo 22º, cujo texto é o seguinte:
Artigo 22º Medidas complementares
1. Decorrido o prazo a que se refere o nº 1 do artigo 13º, caso não ocorra a transformação do organismo aí previsto em empresa de trabalho portuário nem se encontre assegurada, por outra forma, a manutenção do vínculo laboral de todos os trabalhadores oriundos do referido organismo, o Estado, supletiva e transitoriamente, garante, directamente ou através de entidade a constituir para o efeito, a continuidade deste vínculo e a satisfação dos direitos dele emergentes.
(...)
4. Notificadas para o efeito, as partes vieram apresentar as respectivas alegações. A recorrente concluiu assim:
“Conclusões
1. Vem o presente recurso interposto para esse Venerando Tribunal Constitucional, com vista a ser declarada inconstitucional a norma constante do n.º 1 do artº 22º do Dec-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, na interpretação que lhe é dada pelos doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos, respectivamente, em 29 de Fevereiro de 2000 e
17 de Janeiro de 2001, ambos exarados a fls. dos presentes autos.
2. Aquando da publicação e entrada em vigor daquele Decreto-Lei, a recorrente, juntamente com outros trabalhadores, mantinha um vínculo laboral com um organismo de gestão de mão-de-obra portuária, designado por P... - Gestão Portuária (Setúbal).
3. Organismo este para onde fora transferida em 1998 (sic) por força do Dec.-Lei n.º 282-A/94 (sic) e Decreto regulamentar 30/88, de 16 de Agosto, os quais decidiram extinguir o Centro Coordenador de Trabalho Portuário, onde a recorrente iniciara a sua actividade profissional em 1980.
4. O aludido Dec.-Lei n.º 280/93 estabeleceu que os organismos de gestão de mão-de-obra portuária que não se transformassem em Empresa de Trabalho Portuário
(ETP), até nove meses após a entrada em vigor daquele diploma, consideravam-se extintos (artº 12º, n.º 1, e 22º, n.º 1).
5. Dispõe ainda o mesmo Decreto-Lei que ‘caso não ocorra a transformação do organismo aí previsto (no artº 12º, n.º 1) em empresa de trabalho portuário nem se encontre assegurada, por outra forma, a manutenção do vínculo laboral de todos os trabalhadores oriundos do referido organismo, o Estado, supletiva e transitoriamente, garante, directamente ou através de entidade a constituir para o efeito, a continuidade deste vínculo e a satisfação dos direitos dele emergentes’ (artº 22º, n.º 1).
6. Ao contrário do que pretendem erradamente os doutos Acórdãos do Tribunal de Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos presentes autos, o acabado de citar n.º 1 do artº 22º não pode restringir-se apenas aos trabalhadores portuários stricto sensu, nos termos em que os define o n.º 3 do artº 1º do mesmo diploma legal.
7. A acolher-se uma tal interpretação, aquele preceito terá de declarar-se inconstitucional, visto que ao consagrar, por essa forma, deliberada e ostensivamente o despedimento sem justa causa dos trabalhadores portuários administrativos ao tempo com vínculo laboral aos organismos de gestão mão-de-obra portuária (no caso, a P...), salvando apenas os da carga e da descarga, está a violar, entre outros, os artºs 13º e 53º da lei fundamental.
8. A mesma conclusão terá forçosamente de se retirar de uma interpretação daquelas, também pelo facto de que se estaria perante a extinção de postos de trabalho por causa não imputável ao trabalhador, em que se lhe negava o direito a ser indemnizado pela perda daquele seu posto de trabalho.
Nestes termos e nos mais de direito que Vossas Excelências muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, em consequência, declarada inconstitucional a norma contida no n.º 1 do artº 22º do Dec.-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto, na interpretação que lhe é dada pelo Venerando Tribunal de Évora e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de excluir da respectiva aplicação as trabalhadores administrativos portuários, no caso, a recorrente.”
Por seu lado, o Estado, representado apresentou as seguintes conclusões:
“Conclusão
Nestes termos e pelo exposto conclui-se:
1 – Não implica violação do direito à segurança no emprego a genérica subordinação de trabalhadores do sector administrativo portuário ao regime geral, vigente no direito laboral comum, de cessação por caducidade das respectivas relações de trabalho.
2 – A garantia de manutenção do vínculo laboral aos trabalhadores do sector portuário afectos à actividade de descarga – ficando excluídos os que exerçam, naquela área, actividades de índole puramente administrativa – não se configura como solução arbitrária ou discricionária, violadora do princípio constitucional da igualdade, já que tal diferenciação de regimes assenta na titularidade de um contrato de trabalho portuário, cuja disciplina laboral – em atenção à especialidade das funções exercidas – sempre deteve autonomia, face ao direito laboral comum.
3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.
Finalmente, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra concluiu desta forma:
“Concluindo se dirá, contrariamente ao que parece sustentar a Recorrente:
- que a circunstância do Dec.-Lei n.º 280/93 ter operado no sector portuário (como anunciou) uma transformação profunda, ampla e radical, não postulava como corolário uma solução 'unitária', no sentido de indistintamente válida para todos os trabalhadores, esquecendo a sua diversa natureza, formação profissional, peso relativo das várias classes de trabalhadores do sector e correlativo relacionamento com o mercado de trabalho;
- que a não-equiparação estabelecida no Dec.-Lei n.º 280/93 é absolutamente razoável e justificada;
- tendo a Veneranda Relação de Évora e o Supremo Tribunal de Justiça interpretado curialmente o disposto no n.º 1 do art. 22º do citado diploma, norma que assim não deve ser declarada inconstitucional;
- que, no caso de não merecer acolhimento a suscitada questão sobre legitimidade, deve o presente recurso improceder, na integra, com as legais consequências.
Assim farão V. Exªs a costumada JUSTIÇA”.
5. Não se pode, todavia, considerar fundada alegação de inconstitucionalidade, seja por violação do princípio da igualdade (artigo 13ºda Constituição), seja por desconformidade com a garantia constitucional de segurança no emprego
(artigo 53º da Constituição).
Sustenta a recorrente que interpretar o nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 280/93 no sentido de não considerar abrangidos entre os trabalhadores dos organismos de gestão de mão de obra portuária os seus trabalhadores administrativos viola, em primeiro lugar, o princípio da igualdade, pois que os discrimina por confronto com os restantes trabalhadores do sector portuário. O acórdão recorrido, tal como o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, considerou ser essa a interpretação correcta, pois que o referido Decreto-Lei nº
280/93, no nº 3 do seu artigo 1º, exclui expressamente do seu âmbito de aplicação os “trabalhadores que na zona portuária não se encontrem exclusiva ou predominantemente afectados à actividade de movimentação de cargas”. E entendeu, nos termos já apontados, que tal interpretação – e consequente exclusão dos trabalhadores administrativos do sector portuário – não infringia o princípio da igualdade. Com efeito, basta ler atentamente o Decreto-Lei nº 280/93 para verificar que este diploma define para os trabalhadores portuários, entendidos no sentido restrito definido pelo próprio diploma, um regime específico, distinto em pontos significativos do regime aplicável em geral ao contrato individual de trabalho; e que a razão de ser dessas especialidades radica no tipo de actividade desenvolvido, não se estendendo aos trabalhadores administrativos. Como apontam o acórdão recorrido e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, essa especificidade representa, aliás, a continuação de legislação que sempre regulou de forma particular o trabalho portuário, tomado no mesmo sentido restrito. Na verdade, já o artigo 6º do Decreto-Lei nº 49.408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho, previu a necessidade de adaptações para os “contratos de trabalho portuário”, consideradas “exigida[s] pelas características desses contratos”. Com o Decreto-Lei nº 145-A/78, de 17 de Junho, foi pela primeira vez regulado especificamente o trabalho portuário. Seguiram-se outros diplomas, dos quais se salientam (deixando agora os regulamentos aprovados complementarmente e outros diplomas, também relativos ao sector portuário, mas não em particular ao trabalho portuário) o Decreto-Lei nº 282-A/84, de 20 de Agosto, o Decreto-Lei nº
151/90, de 15 de Maio e o Decreto-Lei nº 280/93. Refira-se que o nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 282-A/84 veio afirmar que o trabalho portuário estava sujeito “ao regime jurídico do contrato individual de trabalho e demais legislação do trabalho em tudo quanto não seja previsto em legislação especial”; e que o mesmo veio posteriormente a constar do nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 151/90 e do artigo 3º do Decreto-Lei nº 280/93. Ao reestruturar o sector portuário, introduzindo exigências especiais quanto às entidades que podiam empregar trabalhadores portuários, o legislador de 93 entendeu conferir aos trabalhadores já existentes uma especial protecção, evitando a caducidade dos seus contratos de trabalho por impossibilidade da entidade patronal que se não enquadre naquelas exigências, como ocorreria se fosse aplicável a lei geral; e a recorrente entende ser inconstitucional que essa especial protecção não abranja os trabalhadores administrativos do mesmo sector. O Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre o princípio constitucional da igualdade, quer em geral, quer, em particular, no que respeita ao Direito do Trabalho. Assim, e recorrendo, por exemplo, ao seu acórdão nº 425/87 (Acórdãos do Tribunal Constitucional , 10º vol., pág. 451 e segs.), lembra-se que “O âmbito de protecção do princípio da igualdade abrange diversas dimensões: proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenças de tratamento entre os cidadãos baseadas em categorias meramente subjectivas ou em razão dessas categorias; obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação pelos poderes públicos de desigualdades fácticas de natureza social, económica e cultural (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1º vol., 2ª ed., Coimbra, próprio. 149 e segs.). A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo.
Todavia, a vinculação jurídico-material do legislador a este princípio não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois lhe pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só existe violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio quando os limites externos da discricionaridade legislativa são afrontados por carência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada. Por outro lado, as medidas de diferenciação devem ser materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade, não se baseando em qualquer razão constitucionalmente imprópria
”.
Ora não se podem levantar dúvidas de que, do ponto de vista da actividade desenvolvida e das consequências decorrentes da extinção do contrato de trabalho, é materialmente distinta, por confronto com a dos trabalhadores administrativos, ainda que do mesmo sector, a situação do trabalhador portuário
(em sentido restrito). Basta pensar que a sua actividade profissional só é adequada no âmbito do sector portuário, e que apenas pode ser prestada a entidades licenciadas para o efeito.
Não viola, pois, as exigências do princípio constitucional da igualdade a não inclusão, no nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 280/93, dos trabalhadores administrativos do sector portuário.
6. E igualmente não ocorre qualquer violação da protecção constitucional da segurança no emprego. Como se sabe, a impossibilidade de a P... continuar a receber o trabalho da recorrente resultou de não ter adoptado a forma exigida pelo Decreto-Lei nº
280/93 como condição para continuar a actividade de gestão de mão de obra portuária. Como se escreveu no acórdão recorrido, “ considerando que a P..., organismo de gestão de mão de obra portuária, não se transformou em empresa de trabalho portuário, deixou de poder exercer a sua actividade a partir de 1/8/94, pois que a transformação só poderia ter lugar até 31/7/94. Tal como decidido nas instâncias este facto determinou uma impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a P... receber o trabalho dos trabalhadores que tinha ao seu serviço, o que acarretou a cessação dos contratos de trabalho por caducidade, nos termos dos arts. 3º, nº 2, al. a) e 4º al. b) da LCCT”. Como, aliás, recorda o Ministério Público nas suas alegações, o Tribunal Constitucional já teve a ocasião de se pronunciar sobre a norma constante desta mesma al. b) do artigo 4º da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro), no seu acórdão nº 117/2001 (Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 2001):
“Ora, como este Tribunal já afirmou, através da proibição de despedimento sem justa causa, a Constituição não quis afastar as hipóteses de desvinculação do trabalhador naquelas situações em que a relação de trabalho não tem viabilidade de subsistência e que não são imputáveis à livre vontade do empregador. Como se diz no acórdão nº 64/91, Diário da República, I Série-A, de 11 de Abril de 1991, “deve entender-se que, ao lado da ‘justa causa’ (disciplinar), a Constituição não vedou em absoluto ao legislador ordinário a consagração de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade patronal com base em motivos objectivos, desde que as mesmas não derivem de culpa do empregador ou do trabalhador e que tornem praticamente impossível a subsistência do vínculo laboral” (cfr., também acórdão nº 252/92, Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1992).” Ao interpretar o nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 280/93 no sentido impugnado no presente recurso de constitucionalidade, o acórdão recorrido interpretou-o igualmente no sentido de ser aplicável este regime à ora recorrente. Assim se justifica que, agora, se remeta para os termos do julgamento de não inconstitucionalidade proferido no citado acórdão nº 117/2001. Note-se que a referência ao artigo 3º, nº 2, al. a) da LCCT em nada exige uma justificação adicional, porque este preceito se limita a incluir a caducidade entre as causas de cessação do contrato de trabalho.
Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 7 de Dezembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida