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Processo nº 564/2007 e 569/2007
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. O Partido da Terra‑MPT, através de requerimento subscrito por Paulo
Trancoso, na qualidade de Presidente do Partido da Terra, interpôs recurso do
despacho da Governadora Civil de Lisboa, de 14 de Maio de 2007, que designou o
dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições intercalares para a Câmara
Municipal de Lisboa.
O recurso deu entrada no Governo Civil de Lisboa, via fax, no dia 15 de Maio de
2007, pelas 16 h. 35 m.. O recorrente juntou cópia de uma certidão do Tribunal
Constitucional.
O recurso foi remetido pelo Governo Civil de Lisboa ao Tribunal Constitucional,
acompanhado de fotocópia autenticada do despacho recorrido.
O recurso tem a seguinte fundamentação:
1 – De acordo com o consubstanciado no artigo 15° conjugado com o artigo 228º da
Lei 1/2001 de 14 de Agosto, o prazo mínimo para marcação de Eleições Autárquicas
Intercalares é de 60 dias,
2 – Contudo a Exma Senhora Governadora Civil de Lisboa procedeu à marcação com
um prazo de 45 dias,
3 – Com base no prazo referido a data limite para entrega de listas de
candidatura é o dia 20 de Maio,
4 – Situação que vem impossibilitar de forma irremediável a participação de
Grupos de Cidadãos Eleitores, a constituição de Coligações e a possibilidade de
os pequenos Partidos puderam [sic] exercer de forma digna os seus direitos de
participação na vida política de uma Democracia.
5 – O exercício dos direitos de cidadania não podem ser praticados sem uma
verdadeira participação de todos na construção da cidade.
6 – Assim o Despacho objecto do presente Recurso peca por ser “contra legem” e
por no seu âmago consubstanciar uma violação dos direitos de todos os cidadãos
pondo em causa os princípios democráticos e a possibilidade de a cidade de
Lisboa viver um Processo Eleitoral verdadeiramente livre e Democrático.
2. Por seu turno, Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, na qualidade de
primeira subscritora do “Grupo de Cidadãos Eleitores”, constituído nos termos e
para os efeitos do artigo 16º, nº 1, alínea c), da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14
de Agosto, e na qualidade de candidata a Presidente da Câmara de Lisboa,
interpôs recurso do despacho da Governadora Civil de Lisboa, de 14 de Maio de
2007, que fixou a data das aludidas eleições intercalares.
A recorrente juntou procuração forense, fotocópias do cartão de eleitor, do
cartão de identificação de entidade equiparada a pessoa colectiva e de um recibo
do Registo Nacional de Pessoas Colectivas relativo a emolumentos.
O recurso foi apresentado a 16 de Maio no Tribunal Constitucional, tendo o
respectivo Presidente, por despacho da mesma data, determinado a sua remessa ao
Governo Civil de Lisboa, que ainda na mesma data, após registado, o reenviou ao
Tribunal Constitucional, acompanhado de fotocópia autenticada do despacho
recorrido.
O recurso tem os seguintes fundamentos:
1º
A Lei Fundamental prevê o direito de constituição de “Grupos de Cidadãos
Eleitores” como direito instrumental de outro direito: o de apresentação de
candidaturas para as eleições dos órgãos das Autarquias Locais (Artº 239, nº 4
do CRP)
2º
A Lei Orgânica 1/2001 de 14 de Agosto atribui a faculdade de apresentação de
candidaturas quer aos Partidos Políticos, quer a Coligações de Partidos
Políticos, quer aos “Grupos de Cidadãos Eleitores” (Art. 16º, n° 1 alínea c)
deste diploma).
3º
A Recorrente e estes cidadãos constituíram-se em Grupo de Cidadãos Eleitores,
promoveram o respectivo registo junto da entidade legalmente competente (Doc.
junto).
4º
Sempre e só com a finalidade de se agruparem, promoverem e apresentarem a sua
candidatura às eleições intercalares à Câmara Municipal de Lisboa.
5º
Onde a Recorrente assumirá o lugar de Candidata a Presidente da Câmara.
6º
Para que a candidatura do “Grupo de Cidadãos Eleitores” seja validamente
proposta terá de ser subscrita por 4000 eleitores por força do que dispõe o Artº
19º, nºs 1 e 2 da citada Lei Orgânica.
7º
Ou seja, apesar de a Lei Orgânica colocar em pé de igualdade os Partidos, as
Coligações e os Grupos de Cidadãos, o certo é que aqueles se acham em normal e
permanente exercício das suas funções, sendo dotados de órgãos próprios, de um
aparelho adequado e hábil para, em poucas horas, constituir uma candidatura.
8º
No entanto, um “grupo de cidadãos” para alcançar o benefício e o direito à
apresentação de uma candidatura, terá de recolher uma abundante adesão, muito
próxima da necessária para constituir um partido político ou erigir uma
candidatura à Presidência da República.
9º
Com a agravante de os subscritores, naqueles casos, poderem ser obtidos em todo
o território nacional e na emigração, num universo de mais de uma dezena de
milhão de eleitores,
10º
Ao passo que os subscritores dos “grupos de cidadãos” terão de provir dos
recenseados na autarquia a eleger – e só dessa autarquia (Artº 19º, nº 4 da Lei
Orgânica).
11º
Como se tal desigualdade não bastasse, eis que a Sra. Governador Civil de Lisboa
designou, no dia 14 de Maio, o dia 1 de Julho de 2007 para a realização da
eleição intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa.
12º
Apesar de a dissolução ou vacatura da Câmara se ter operado no dia 12 de Maio.
13º
O que exigiria que o acto eleitoral fosse designado para o dia 14 de Julho ex vi
do Art. 222º da Lei Orgânica 1/2001, ou para um Domingo próximo dessa data.
14º
Daí que, como se pode facilmente concluir, a designação do dia 1 de Julho,
afronta directamente o que impõe o Art. 222°, nº 1 do Diploma Legal referido.
15º
Nem se diga que a redução em 25% da duração dos prazos, prevista no Art. 228º
desta Lei Orgânica tem aplicação neste particular caso.
16º
Na realidade, o prazo previsto no Art. 222º, nº 1, emana da norma especial
dirigida à particular hipótese de eleições intercalares, sendo, pois, caso
resolvido pela própria norma que expressamente previne e regula a situação
eleitoral em causa.
17º
Daí que a redução dos prazos em 25% só pode operar-se relativamente a todos os
demais prazos que a lei previne para as eleições não intercalares.
18º
Assim, o prazo a que se refere o Art. 20º (55 dias), uma vez reduzido em 25%,
ficará a durar 42 dias.
19º
Como se conclui, pois, a data do acto eleitoral deve ter lugar em data próxima
do dia 14 de Julho de 2007.
20º
Não abandona a Recorrente a contradição aparente entre o que dispõe o Art. 222º
da Lei Orgânica, dum lado, e o Art. 59º, nº 4 da Lei 169/99 de 18 de Setembro,
por outro lado.
21º
Na realidade, aquela Lei impõe que “as eleições intercalares a que haja lugar
realizam-se dentro dos 60 dias posteriores ao da verificação do facto de que
resultam, salvo disposição em contrário”.
22º
Ao passo que a norma da Lei 169/99 diz que “As eleições realizam-se no prazo de
40 a 60 dias a contar da data da respectiva marcação”.
23º
São evidentes as antinomias entre uma norma e outra, impondo-se apurar se se
complementam ou se a Lei Orgânica, porque posterior, revoga a Lei das Autarquias
Locais, neste particular aspecto.
24º
Na realidade, enquanto aquela norma da Lei 1/2001 se reporta a todas e quaisquer
eleições “a que haja lugar”, o preceito da Lei 169/99 teria de ser interpretado
à luz da previsão dos seu nºs 1, 2 e 3, ou seja, nos caso de:
• Morte, renúncia, suspensão ou perda de mandato;
• Esgotamento da possibilidade da sua substituição e desde que não esteja em
efectividade de funções a maioria legal dos membros do órgão em causa;
• Esgotada, em definitivo, a possibilidade do preenchimento da vaga de
Presidente da Câmara.
25º
No que diz respeito aos termos “a quo”, enquanto que a Lei Orgânica os fixa a
partir do momento da “verificação do facto de que resultam”,
26º
Sem definir a natureza desse facto (podendo ser a comunicação do Presidente da
Câmara à Assembleia Municipal (Artº 59º, nº 2 ou ao Governador Civil (mesma
norma), a deliberação daquele órgão ou a decisão deste, assim como a
publicitação da designação de data de eleição intercalar).
27º
Tal regime de fixação de termos “a quo” não coincide com o que a Lei 169/99
estabelece pois que, para esta Lei, ele deve contar-se “da data da respectiva
comunicação”.
28º
Finalmente (e para o que ora mais releva) no que diz respeito ao período
intercalar, a Lei 1/2001 diz que as eleições devem realizar-se “dentro dos 60
dias posteriores...”
29º
Ao passo que a Lei 169/99 diz que tais eleições devem ter lugar” no prazo de 40
a 60 dias a contar da data...”
30º
Perante estas insanáveis contradições, mandam as regras da interpretação
alcançar, a partir destas normas, “o pensamento legislativo, tendo sobretudo em
conta a unidade do sistema jurídico, as circunstancias em que a lei foi
elaborada” (Artº 9º, nº 1 do Código Civil), sem abandonar a presunção que o
legislador consagrou “as soluções mais acertadas que pretende alcançar” (Artº
9º, nº 3 do mesmo Diploma).
31º
Para obter tais objectivos, havemos de nos socorrer de alguns princípios gerais
do ordenamento jurídico eleitoral para as autarquias locais.
32º
Assim e em primeiro lugar, o prazo intercalar consagrado como regra é o de “80
dias de antecedência” e é marcado por decreto do Governo (Artº 15°, nº 1 da Lei
1/2001).
33º
No caso das eleições intercalares os prazos deverão ser reduzidos em 25% (Artº
228º da mesma Lei).
34º
Como se verifica, não foi por acaso que o Artº 222º fixou em 60 dias o prazo
intercalar, já que, como se sabe, 60 é 25% de 80.
35º
Por outro lado, a publicitação da data da eleição há-de operar-se em Diário da
República.
36º
Sendo o termo “a quo”, inexoravelmente, o da publicitação dessa data no órgão
oficial da República Portuguesa.
37º
Não sendo legalmente suportável a comunicação particular (ou seja, a ausência de
comunicação) do Governador Civil para fixar o momento juridicamente relevante
para accionar os mecanismos eleitorais.
38º
Tanto mais que, no particular caso das eleições para as Autarquias Locais, o
universo de candidaturas não se cinge aos Partidos Políticos.
39º
Pelo que os cidadãos terão de ser informados pelo único meio legalmente
admissível: o da publicidade dos actos genéricos da Administração Pública ou o
da publicitação dos actos legislativos.
40º
Daí que o momento juridicamente relevante para fixar o termo “a quo” do prazo
intercalar terá de ser o da publicação em Diário da República do acto do
Governador Civil que designa o dia para a realização das eleições.
41º
Pois é a partir desse momento que todos os prazos consequenciais iniciam a sua
contagem decrescente.
42º
Seja para a actualização dos cadernos eleitorais,
43º
Seja para as transferências de inscrição de eleitores, nos respectivos Cadernos
Eleitorais,
44º
Seja para a inscrição como novo eleitor, por aquisição de capacidade eleitoral
activa,
45º
E, principalmente, para a constituição dos eventuais “Grupos de Cidadãos
Eleitores” que detêm legitimidade eleitoral similar à dos Partidos Políticos ou
Coligações de Partidos.
46º
Seja, finalmente, para a obtenção das 4.000 subscrições necessárias para
adquirir tal legitimidade (que, como se disse, têm de ser alcançadas num
universo restritíssimo de cidadãos eleitores).
47º
Como se verifica, o legislador de 2001 actualizou os requisitos eleitorais, a
duração dos prazos intercalares, a redução em 25% desses prazos gerais,
tabelares, em caso de eleições intercalares.
48º
Nem se diga que uma interpretação puramente literal da expressão “dentro de 60
dias” adoptada pelo Art. 222º da Lei Orgânica absorve a redacção do Art. 59°, nº
4 da Lei das Autarquias Locais.
49º
E muito menos se utilize o fácil argumento (lateral e enviesado) que se poderá
extrair da expressão final da mesma norma da Lei Orgânica (“salvo disposição
especial em contrario”).
50º
Quer um, quer outro dos argumentos, abandonariam o pensamento actual do
legislador, dum lado.
51º
E, acima de tudo, os princípios gerais de direito eleitoral que exigem:
• A publicidade e a publicitação da convocatória do acto eleitoral por via
dos meios legalmente impostos;
• O início do termo a quo (e dos que dele decorrem) para a contagem do
período intercalar a partir da publicitação da data do acto eleitoral;
• A igualdade de tratamento e de oportunidades entre os Partidos Políticos e
os “Grupos de Cidadãos Eleitores” (com expressão constitucional).
52º
Todos estes princípios foram abandonados pela Sra. Governador Civil de Lisboa,
quando designou o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de eleições para a
Câmara Municipal.
53º
O que fez no dia 14 de Maio de 2007.
54º
Ou seja, com 46 dias de antecedência.
55º
Sem qualquer publicidade, nos termos legalmente impostos.
56º
Sem permitir aos cidadãos constituir-se em “grupos de cidadãos eleitores”.
57º
Estiolando todos os prazos, quer o que diz respeito à actualização dos cadernos
eleitorais, quer o que se reporta à obtenção de subscrição para as candidaturas
para que os Grupos de Cidadãos Eleitores se constituam.
58º
Privilegiando de forma acentuada e constitucionalmente inadmissível as
candidaturas institucionalizadas por via dos Partidos Políticos.
59º
Curiosamente, impedindo absolutamente a constituição de Coligações de Partidos.
60º
Já que tinham de ser constituídas e publicitadas até ao dia 14 de Maio, ou seja,
o prazo começava e acabava quase no mesmo dia (Artº 16°, nº 5 e 17°, nº 2 da Lei
Orgânica).
61º
Uma vez que o prazo do Art. 17º, nº 2 (reduzido em 25%) era de 48 dias, e entre
o dia 15 de Maio e o dia 1 de Julho medeiam 46 dias.
62º
Ou seja, nem os Grupos de Cidadãos Eleitores gozam de prazo razoável para se
constituírem, nem sequer as coligações de Partidos beneficiam de qualquer
hipótese de surgirem.
63º
Verifica-se, em suma, que o Acto da Sra. Governador Civil de Lisboa, que designa
o dia 1 de Julho de 2007 para a realização de Eleições Intercalares para a
Câmara Municipal de Lisboa, enferma dos seguintes vícios:
a) Violação do Artº 239º, nº 4 da CRP;
b) Violação do Artº 13º e Art. 113º, nº 3, alínea b) e c) da CRP;
c) Violação do Artº 16º, nº 1, alínea c) e Artº 19º da Lei Orgânica nº 1/2001
de 12 de Agosto;
d) Violação do Artº 222º, nº 1 da Lei Orgânica nº 1/2001 de 14 de Agosto.
O pedido formulado pela recorrente tem o seguinte teor:
Neste termos, e nos mais de direito, deve ser julgado procedente o presente
Recurso e, consequentemente, declarado que:
a) O Acto da Sra. Governador Civil de Lisboa que designa dia para Eleição
Intercalar para a Câmara Municipal de Lisboa deve ser publicado no Diário da
República;
b) O termo a quo para os prazos dele decorrentes se inicia com tal publicidade;
c) O período intercalar entre o termo “a quo” e a data de realização do acto
eleitoral não pode provocar uma desigualdade de oportunidades e tratamento entre
as diversas candidaturas, maxime o da constituição de Coligações entre Partidos
Políticos;
d) O prazo intercalar de 46 dias estiola ou destrói a faculdade constitucional
e legal de constituição de Grupos de Cidadãos Eleitores se apresentarem a
sufrágio;
e) O prazo legal intercalar entre o termo “a quo” e o acto eleitoral é de 60
dias, ou, no mínimo, próximo de 60 dias, face à imposição legal de o acto
eleitoral ter de coincidir com o Domingo.
Cumpre apreciar.
II
Fundamentação
3. Começando pela apreciação do recurso interposto pelo Partido da Terra
(recurso nº 564/2007).
O recorrente interpõe, junto do Tribunal Constitucional, recurso do Despacho da
Governadora Civil de Lisboa – que designa o dia 1 de Julho de 2007 para a
realização das Eleições Intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa – ao
abrigo do artigo 102º‑B da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82).
Com efeito, e de acordo com o nº 2 do artigo 222º da Lei Eleitoral para as
Autarquias Locais, é ao governador civil que cabe marcar o dia da realização das
eleições intercalares. Assim sendo, a Governadora Civil de Lisboa, ao exarar o
despacho datado de 14 de Maio, exerceu competências próprias de um órgão da
administração eleitoral, pelo que, nos termos do nº 7 do referido artigo 102º‑B,
da sua decisão cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
Não se suscitam dúvidas quanto à tempestividade do recurso, que cumpre o
disposto no nº 2 do artigo 102º‑B da Lei nº 28/82. Do mesmo modo se reconhece a
legitimidade do recorrente que, sendo um Partido político, goza do direito de
formar coligações, designadamente para efeito de apresentação de candidaturas a
eleições autárquicas, sendo certo que, na petição do recurso, alegou o mesmo que
o acto impugnado impossibilitava a constituição das referidas coligações.
Dado o curto prazo de interposição de recurso – e a não exigência de patrocínio
judiciário no mesmo (nº 6 do referido artigo 102º‑B) – entende‑se finalmente que
a invocação do vício do acto foi feita em termos suficientes para que se
reconheça o interesse em agir do recorrente.
4. O Partido da Terra requer que o Tribunal declare a nulidade do despacho da
Governadora Civil por esta ter marcado a data das eleições com uma antecedência
de 45 dias e não de 60, o que, no seu entender, violaria as normas conjugadas
dos artigos 15º e 228º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais, dos quais
resultaria que o prazo mínimo para a realização das eleições intercalares seria
de 60 dias.
Deve, por isso, antes do mais decidir‑se se tem ou não razão, quanto a este
ponto, o recorrente, ou seja, se devem ou não estas eleições ser marcadas com
uma antecedência não inferior a 60 dias.
Para este efeito, não são aplicáveis ao caso as normas invocadas pelo recorrente
(artigos 15º e 228º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais) tendo em conta a
existência de normas especiais que valem para a realização das eleições
intercalares.
Dispõe o nº 1 do artigo 222º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais:
As eleições intercalares a que haja lugar realizam‑se dentro dos 60 dias
posteriores ao da verificação do facto de que resultam, salvo disposição
especial em contrário.
Dispõe o nº 4 do artigo 59º da Lei das Autarquias Locais:
As eleições realizam‑se no prazo de 40 a 60 dias a contar da data da respectiva
marcação.
De nenhuma destas normas se retira a proibição de fixação de um prazo inferior
ao de 60 dias.
Com efeito, elas não podem deixar de ser lidas em conjugação com o disposto no
nº 4 do artigo 15º (também da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais), segundo
o qual o dia dos actos eleitorais recai em domingo, feriado, ou, para o que
agora interessa, ainda feriado municipal, pelo que a antecedência de 60 dias
nunca deve, evidentemente, ser tida como um prazo que não permita modulações.
Ponto é que a sua fixação implique uma antecedência côngrua, adequada a todas as
exigências que a realização de um acto eleitoral comporta. Nesta medida, a
indicação da Lei das Autarquias Locais (Lei nº 169/99, de 18 de Setembro),
segundo a qual as eleições podem ser marcadas entre os 40 e os 60 dias a seguir
à data da convocação, poderá servir como um critério interpretativo do que deva
ser tido como uma antecedência côngrua: nunca menos que 40, não mais do que 60
dias.
Dentro destes parâmetros, a Governadora Civil de Lisboa tinha à sua escolha
várias datas possíveis para a marcação do acto eleitoral: escolheu a Senhora
Governadora o dia 1 de Julho. Ao fazê‑lo, exerceu o poder que a lei lhe confere.
No exercício de um tal poder, porém, a Governadora Civil deveria ter ponderado
todos os interesses em presença: por um lado, o interesse público em não
protelar excessivamente no tempo a situação de crise vivida na Autarquia, e, por
outro, a garantia de exercício, por parte de cidadãos e partidos, de direitos,
liberdades e garantias de participação política.
Porém, no caso, tal não ocorreu.
5. Determina o artigo 228º da Lei das Autarquias Locais:
No caso de realização de eleições intercalares, os prazos em dias previstos na
presente lei são reduzidos em 25%, com arredondamento para a unidade superior.
Esta norma é aplicável quer ao prazo em dias previsto para o anúncio público de
apresentação de coligações de partidos e a consequente comunicação da sua
constituição ao Tribunal Constitucional (até ao 65º dia anterior à realização da
eleição: nº 2 do artigo 17º da Lei Eleitoral para as Autarquias Locais), quer ao
prazo em dias previsto para apresentação das listas de candidatos perante o juiz
do tribunal competente (e que é até ao 55º dia anterior ao da realização das
eleições: artigo 20º, nº 1, da mesma Lei).
Ao escolher‑se o dia 1 de Julho como data de realização das eleições, o termo do
prazo para a apresentação das candidaturas coincidirá – nos termos conjugados
dos já referidos artigos 20º e 228º da Lei Eleitoral – com o dia 21 de Maio. Por
seu turno, o termo do prazo para o anúncio e comunicação das coligações
coincidiria – nos termos conjugados dos artigos 17º, nº 2, e 228º da mesma Lei –
com o dia 14 de Maio, ou seja, com o próprio dia em que se emitiu o despacho em
que se convocou as eleições.
Significa isto que o acto do Governo Civil, ao escolher, entre as várias datas
possíveis, a de 1 de Julho, tornou inviável o exercício de um direito de
participação política com assento expresso no texto constitucional (artigo 239º,
nº 4) – o direito à formação de coligações de partidos.
Por este motivo, é inválido o acto impugnado, por ter decorrido do seu exercício
o sacrifício do direito dos partidos a constituírem coligações.
A consequente anulação do despacho recorrido tem por efeito a necessidade de
emissão de um novo despacho que marque a data das eleições, data essa que deverá
ser escolhida de forma a assegurar o exercício efectivo dos direitos, liberdades
e garantias de participação política, ainda que tal justifique a desconsideração
do prazo fixado no nº 1 do artigo 222º da Lei Eleitoral para as Autarquias
Locais.
6. Na medida em que a anulação do despacho determina uma ampliação do prazo
para apresentação de candidaturas de Grupos de Cidadãos, julga‑se prejudicada a
apreciação do recurso nº 569/2007, interposto por Maria Helena do Rego da Costa
Salema Roseta, na qualidade de primeira subscritora do “Grupo de Cidadãos
Eleitores”.
III
Decisão
7. Pelos fundamentos expostos, decide‑se:
a) Dar provimento ao recurso apresentado pelo Partido da Terra-MPT anulando
o despacho recorrido, sem prejuízo das formalidades procedimentais antes
praticadas; e em consequência,
b) Julgar prejudicado o conhecimento do recurso nº 569/2007, interposto por
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta, na qualidade de primeira
subscritora do “Grupo de Cidadãos Eleitores”.
Lisboa, 18 de Maio de 2007
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
José Borges Soeiro
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Mário José de Araújo Torres
Carlos Fernandes Cadilha (vencido nos termos da declaração de
voto anexa)
Ana Maria Guerra Martins (vencida conforme declaração de voto
Anexa)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Teria rejeitado o recurso apresentado pelo Partido da Terra, por considerar que
o recorrente não concretizou o seu interesse processual quanto à impugnação do
acto recorrido, com fundamento na violação do direito à apresentação de
candidaturas coligadas, e por entender que, nessa circunstância, a eventual
violação desse direito apenas poderia ser apreciada oficiosamente pelo Tribunal
Constitucional caso pudesse caracterizar um vício de nulidade por ofensa do
conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 33º, n.º 1, alínea d), do
Código de Procedimento Administrativo), o que não sucede, na hipótese, porquanto
a possibilidade de apresentação de candidaturas em coligação constitui um mero
princípio do sistema eleitoral (artigo 239º, n.º 4, da Constituição), que apenas
indirectamente se repercute no direito fundamental dos cidadãos à participação
política (artigo 48º da Constituição).
Nestes termos, não julgaria prejudicado a apreciação do recurso apresentado pela
1ª subscritora do “Grupo de Cidadãos Eleitores”, que suscitou, com legitimidade
e em tempo, a questão da impossibilidade de apresentação de candidaturas por
grupos de cidadãos.
Carlos Fernandes Cadilha
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida por considerar que não estão reunidos os pressupostos processuais
de conhecimento do pedido.
É meu entendimento que o acto da Governadora Civil de Lisboa de marcação de
eleições intercalares para a Câmara Municipal de Lisboa para o dia 1 de Julho de
2007, embora provindo de um órgão administrativo, não configura verdadeiramente
um acto de administração eleitoral, recorrível para este Tribunal, ao abrigo do
artigo 8º, alínea f), da LTC, antes se apresentando como um acto da função
política stricto sensu.
Como afirma Jorge Miranda, os actos da função política stricto sensu
caracterizam-se por visarem dirigir a actividade do Estado e definir a título
primário e global, o interesse público, ao contrário dos actos típicos da função
administrativa, que visam a satisfação quotidiana das necessidades colectivas,
mediante a necessária subordinação à Constituição e à lei (in Manual de Direito
Constitucional, Tomo V, Coimbra, 2004, p. 23).
Com efeito, no que diz respeito aos actos de marcação de eleições, todos eles
são praticados no exercício de poderes políticos do Presidente da República ou
do Governo. A alínea b) do artigo 133º da CRP atribui tal poder ao Presidente da
República, órgão de soberania que não participa no exercício da função
executiva. E quanto às eleições autárquicas, compete ao Governo a marcação da
data do acto eleitoral, por força do n.º 1 do artigo 15º da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais (aprovada pela Lei Orgânica 1/2001. Ora, tal poder
não pode deixar de encontrar o seu fundamento constitucional na alínea j) do n.º
1 do artigo 197º da CRP (“Praticar os demais actos que lhe sejam cometidos pela
Constituição ou pela lei” – com sublinhado nosso), que integra norma
constitucional epigrafada de “Competência política”. Caso estivéssemos perante
um verdadeiro acto de administração eleitoral, tal poder encontrar-se-ia
certamente em alguma das alíneas do artigo 199º da CRP, correspondente à
“Competência administrativa”.
Não se vislumbram razões para qualificar o acto de marcação de eleições
autárquicas intercalares do Governador Civil de modo diverso dos anteriores,
atento o manifesto paralelismo de situações.
Tendo chegado a esta conclusão, considero que este Tribunal não é competente
para conhecer dos pedidos formulados pelos recorrentes, ficando, assim,
prejudicado o conhecimento de fundo da matéria em apreço.
Lisboa, 18 de Maio de 2007
Ana Maria Guerra Martins