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Processo 4/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. interpôs recurso, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 de 15 de novembro (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/10/2012, que confirmou a sua condenação pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.º 105.º, n.ºs 1, 2 e 5, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).
Nas alegações que apresentou, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade do art.º 105.º do RGIT, com base nas seguintes conclusões:
1. A sentença, aqui em apreço, aplicou art. 105.º do RGIT para condenar os arguidos, como autores materiais, de um crime de abuso de confiança fiscal.
2. Esta norma penal afasta-se da norma equivalente existente na última versão do RJIFNA, redação introduzida pelo Dec-lei n.º 394/93 de 24/11 ao dispensar a apropriação como elemento típico.
3. Ao dispensar a apropriação como elemento distintivo que até à sua entrada em vigor marcava a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, o RGIT não só afasta o crime de abuso de confiança do previsto na lei comum como faz sobrepor a uma mesma conduta tanto a comissão de um crime (art. 105.º) como a de uma contraordenação (art. 114.º), ainda que aquele só seja punível decorridos mais de 90 dias a contar da data em que a prestação deveria ser entregue.
4. A redação do art. 105.º, n.º 1 e, 4.º do RGIT eleva a dignidade penal o que anteriormente qualifica como de mero ilícito de natureza administrativa.
5. Deste modo e à semelhança do que sucede com o tipo de ilícito previsto no referido art. 105.º, n.º 1, do RGIT, também o art. 114.º do RGIT estabelece como preponderante o elemento de “não entrega” no âmbito da consumação deste ilícito de mera ordenação social.
6. Deste modo e também à semelhança do que sucede com o tipo criminal, no âmbito desta contraordenação não se pode deixar de entender que a mesma possui a natureza de um ilícito omissivo puro, no que respeita aos termos da respetiva consumação.
7. O único elemento distintivo relevante, reporta-se ao referido prazo de 90 dias, pois a lei considera que a não entrega da prestação tributária decorrido este prazo passa a preencher o tipo de crime previsto no referido art. 105.º, nº 1.
8. Analisando os preceitos constitucionais plasmados nos arts. 18.º, n.º 2 e 13.º da Constituição da República Portuguesa e compulsados os elementos típicos dos citados arts. 105.º, n.º 1 e 114.º, n.º 1, do RGIT, efetivamente nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante, que justifica a previsão legal constante daquele art. 105.º, n.º 1, conferindo-lhe dignidade penal.
9. A identidade e similitude entre o tipo criminal previsto no art. 105.º e a facti species contraordenacional, constante do art. 114.º, e a indistinção do bem jurídico tutelado, por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o art. 105.º do RGIT”.
2. O MP sustenta, por seu turno:
“[…]
21º
A criminalização da não entrega dolosa daquilo que se recebeu a título não translativo de propriedade não corresponde a qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, suscetível de violar o disposto no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
22º
Por outro lado, a previsão do art. 105º do RGIT não coincide com a previsão dos ilícitos de mera ordenação social previstos no artigo 114º do RGIT, uma vez que nesta última disposição são contemplados, apenas e tão só, condutas negligentes, ou condutas dolosas, mas não consideradas criminosas.
23º
O jus puniendi do Estado, relativamente a devedores de impostos e a todos aqueles que incorrem em fraudes na sua liquidação, não reveste tratamento chocante, ou forma desproporcionada em favor do Estado, em colisão com os princípios com dignidade constitucional sedeados ao nível da igualdade dos cidadãos e da menor compressão dos direitos fundamentais – arts. 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
24º
Cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador, a determinação das condutas que devem ser criminalizadas.
25º
Com efeito, o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais pertence, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, uma larga margem de discricionariedade.
26º
A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente “excessiva”.
27º
Se se atentar nos fins em vista com a incriminação da não entrega de quantias retidas a terceiros com o consequente dever de posterior entrega ao Estado, e se analisar o regime específico de financiamento do Estado, para assegurar os fins em vista com a redistribuição fiscal, afigura-se ser legítimo, ao legislador ordinário, estabelecer normas sancionatórias distintas, em função de objetivos de preservação daquele sistema de financiamento, atentas as suas peculiaridades, por um lado e, por outro o caráter essencial das finalidades, que com tais entregas visa satisfazer.
28º
É legítimo, por esse motivo, que o legislador ordinário opte por incriminar, de modo mais intenso, condutas que, embora aparentemente se mostrem similares a outras, revelem, em função das suas específicas características, causas e consequências, aspetos juridicamente mais desvaliosos.
29º
Afigura-se, assim, aceitável estabelecer um regime de responsabilidade criminal mais intenso, no caso de atuações dolosas, densificadas, ainda por cima, pela permanência na conduta omissiva, por um maior período de tempo, em relação a atuações ainda que dolosas, que se reconduzem, tão só a um atraso na não entrega da prestação tributária, que não ultrapassa os 90 dias, ou que se reconduzam, mesmo que ultrapassado este limite temporal, a atuações, meramente negligentes.
30º
A diferenciação é feita, não tanto em função da origem das prestações não entregues, não tanto em função do destino que lhes é dado, não tanto em função da finalidade que preside à tipificação, mas sim numa maior ilicitude do facto praticado.
31º
Não é desproporcionado, nem viola o princípio da igualdade, que o legislador, ao abrigo da sua margem de liberdade normativa, opte por punir, de modo mais intenso, condutas que envolvam a dolosa falta de entrega de prestação tributária retida, em detrimento daquela outra situação, em que o mesmo facto ocorre de forma negligente, ou é colocado termo ao atraso na não entrega, dentro de um prazo de 90 dias.
32º
Não é pelo facto de o artigo 105º nº 1 do RGIT passar a conferir dignidade penal ao que anteriormente era qualificado como mera contraordenação – a não entrega – desaparecendo a fronteira, que então era estabelecida, entre crime e contraordenação, feita no âmbito da apropriação versus não entrega, que a nova tipificação passa a padecer de inconstitucionalidade, mormente pela violação dos artigos 13º e 18º nº 2 da Constituição.
33º
O bem jurídico tutelado é o mesmo, mas a potência, a densidade lesiva e as consequências da sua violação, justificam, em absoluto, uma diferenciação de tratamento, por um lado, atribuindo dignidade penal á infração mais grave e com maior grau de ilicitude e, por outro reduzindo a mero ilícito de ordenação social, a menos grave e com menos grau de ilicitude.
34º
A questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente afigura-se, por último, contrária a jurisprudência firmada deste Tribunal Constitucional”
II. Fundamentos
3. O acórdão recorrido analisa a questão de constitucionalidade nos termos seguintes:
3 – Da inconstitucionalidade do artigo 105º do RGIT:
Neste derradeiro capítulo, alega o recorrente que o artigo 105º do RGIT, aqui aplicado, ao dispensar a apropriação como elemento típico, afasta-se da norma equivalente existente na última versão do RJIFNA, na redação introduzida pelo Dec-lei n.º 394/93, de 24/11, e que ao dispensar um tal elemento distintivo, que até então marcava a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito contraordenacional, o RGIT não só afasta o crime de abuso de confiança do previsto na lei comum, como faz sobrepor a uma mesma conduta tanto a comissão de um crime (artigo 105º), como a de uma contraordenação (artigo 114º), ainda que aquele só seja punível decorridos mais de 90 dias a contar da data em que a prestação deveria ser entregue, o que significa que eleva a dignidade penal o que anteriormente qualifica como de mero ilícito de natureza administrativa, uma vez que também o artigo 114°, do RGIT, estabelece como preponderante o elemento de “não entrega” no âmbito da consumação deste ilícito de mera ordenação social, o que lhe confere também a natureza de um ilícito omissivo puro, reportando-se o único elemento distintivo relevante ao referido prazo de 90 dias.
E daí que, acrescenta, analisando os preceitos plasmados nos artigos 18°, n° 2 e 13°, da Constituição da República Portuguesa, e compulsados os elementos típicos dos citados artigos 105°, n° 1 e 114°, n° 1, ambos do RGIT, nada permite distinguir as correspondentes normas legais, designadamente em termos do elemento axiológico-socialmente relevante que justifica a previsão legal constante daquele artigo 105°, n° 1, conferindo-lhe dignidade penal, pelo que, conclui, a identidade e similitude entre os dois referidos tipos, o criminal e o contraordenacional, e a indistinção do bem jurídico tutelado por ambos os normativos, fere de inconstitucionalidade material o artigo 105º, do RGIT
O Ministério Público ripostou, nos moldes que constam da anotada resposta, ulteriormente subscrita no referenciado parecer, através da qual, sublinhando que os recorrentes se limitaram a alegar uma inconstitucionalidade que, contudo, não demonstram, sustentou que a criminalização da não entrega dolosa daquilo que se recebeu a título não translativo da propriedade, mesmo sem a prova da inversão do título da posse, não corresponde a qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, suscetível de vilar o disposto no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, e que não seria exato falar da coincidência apontada por aqueles, uma vez que o artigo 114º do RGIT contempla apenas as condutas negligentes ou dolosas não consideradas criminosas, aqui se incluindo as situações de não entrega da prestação sem ultrapassar o prazo de 90 dias, bem como as que ultrapassem esse prazo, mas não constituam crime, a saber, as situações de não recebimento ou dedução da prestação por atuação dolosa ou negligente do agente passivo da relação tributária, as situações de pagamento do imposto por forma diferente da devida e outras situações e modos de entrega melhor descritos no nº 5 do citado preceito.
Concluiu, em consonância, pela inexistência da pretendida inconstitucionalidade.
Apreciando.
Cremos que, também aqui, nenhuma razão assiste aos recorrentes.
Na verdade, não se questiona a salientada evolução sofrida pelos dois tipos aqui em disputa, o que constituiu uma alteração sensível do paradigma cessante, cujo elemento distintivo radicava, de facto, na existência, ou não, de uma apropriação indevida da prestação tributária, sendo que apenas no primeiro caso estaríamos perante o referenciado crime.
Apesar disso, cremos que esta aproximação conceptual, atualmente estribada apenas na simples não entrega da prestação tributária deduzida, não encerra um tamanho afastamento da anterior apropriação indevida, além de que mantém um diversificado campo de aplicação, e que os recorrentes se encarregaram de anotar também, ambos motivos que afastam a pretendida inconstitucionalidade material.
Na verdade, convém recordar que a génese de todas as receitas fiscais é a sustentabilidade do próprio Estado e, em certos casos, a da própria Segurança Social, atualmente com autonomia, o que ontologicamente legitima a punibilidade dos incumpridores
Cientes desse relevante interesse a proteger, o património do Estado (lato sensu), o legislador entendeu que só as prestações superiores a sete mil e quinhentos euros teriam a necessária relevância penal e que a negligência teria apenas assento em sede contraordenacional. O que, só por esta via, afastaria a pretendida ilegalidade/inconstitucionalidade, já que, e salvo melhor opinião, esta divergência de regimes consubstancia precisamente a não punição do excesso, concretizando uma adequada proporcionalidade. E mais do que isso, a inclusão daquele montante como limite inferior constitui até um avanço relativamente ao regime anterior, pois que configura uma clara despenalização de tais condutas (passou a caber na previsão do artigo 114º, nº 3, do RGIT, a única situação que em sede contraordenacional admite o efetivo recebimento ou retenção da prestação).
Afastada ficaria, assim, a violação do invocado artigo 18º, da Constituição da República Portuguesa.
A par, aquele avanço parece comprometer, só por si, a ilação de que foi elevada a dignidade penal aquilo que antes tinha natureza administrativa.
Mas esta tese é contrariada ainda pela diferente abrangência dos dois tipos em disputa, o que, naturalmente, lhes confere uma natureza também diferente, mas não tão substancialmente diferente da época da referenciada apropriação.
De facto, e pese embora o desaparecimento da apropriação de outrora, a diferença do campo de aplicação de ambos os sobreditos normativos não radica apenas na mera não entrega de prestações de diferente valor, em prazos diferentes, ou com atitudes negligentes.
Na verdade, contrariamente ao que invocavam os recorrentes, e constituía o núcleo que sustentava a propugnada inconstitucionalidade, não poderá afirmar-se que a apontada alteração legal, que atualmente enforma o RGIT, elevou a dignidade penal o que anteriormente era qualificado como de mero ilícito de natureza administrativa, uma vez que, e para além dos mencionados aspetos diferenciadores, continua a existir uma diferença entre o crime e a contraordenação sensivelmente idêntica, sendo um claro exemplo disso o próprio IVA.
De facto, enquanto o artigo 105º, nº 1, do RGIT, fala na não entrega de prestação tributária deduzida e que legalmente era obrigatório entregar, o artigo 114º, nº 1, do mesmo diploma, já fala apenas na não entrega da prestação tributária deduzida. O que, e salvo sempre o devido respeito, nos remete para duas realidades diferentes, uma vez que, e no caso do IVA, por exemplo, nos leva a tratar como crime apenas a não entrega do IVA faturado, mas efetivamente recebido, e como contraordenação o IVA apenas faturado, mas nunca recebido. E isto porque, decorre do Código do IVA, a simples emissão de uma fatura implica a liquidação do IVA correspondente. E tudo isto é corroborado pelo que demais se prevê em ambos os preceitos aqui em discussão, atenta a diversa definição de prestação tributária (já vimos que a única exceção é a que consta do nº 3 do artigo 114º, e que tem a ver com a sobredita despenalização).
Cremos devidamente explicitadas as referenciadas diferenças, o que faz soçobrar a tese dos recorrentes, uma vez que nos faz perceber que aquilo que enforma o ilícito criminal em questão não é a mera omissão da entrega da prestação, mas, isso sim, a não entrega daquilo que, no caso do IVA, foi efetivamente recebido ou, no caso doutros impostos, daquilo que foi efetivamente gerado no seio da atividade de um dado agente económico e que, por isso, foi introduzido no respetivo circuito económico-financeiro, mas que, contrariamente ao legalmente estatuído, foi utilizado para fins diversos. O que vale por dizer que mantém plena atualidade a sustentação de que “a ideia fulcral do crime de abuso de confiança, seja ele fiscal ou não, radica em dar-se a valores licitamente recebidos um destino diferente daquele a que se está vinculado, bastando para a perfeição do crime a simples não entrega do imposto retido”.
Não se vislumbra, pois, que o artigo 105º, nºs. 1 e 4, do RGIT, absorva matéria que anteriormente era qualificada como de mero ilícito de natureza administrativa e que, por esse motivo, seja materialmente inconstitucional. Por tal razão, também não se descortina que tenham sido preteridos ou violados os apontados preceitos, aqui se incluindo o avocado princípio “ne bis in idem”, pois que, atenta a constatada diversidade de campos de aplicação, não existirá uma plúrima punição da mesma conduta.
Improcede, pois, também este aspeto do recurso”.
4. Servindo-se o recorrente da similitude entre os ilícitos de diferente género, um de natureza criminal e o outro de mera ordenação social, previstos nos art.ºs 105.º e 114.º do RGIT respetivamente, para procurar demonstrar a desnecessidade de tutela penal conferida pelo primeiro, convém começar por transcrever esses preceitos legais.
Dispõe o primeiro deles, no elenco dos crimes fiscais:
Artigo 105.º
Abuso de confiança
1 - Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.
3 - É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.
4 - Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
5 - Nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efetuada for superior a € 50000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas coletivas.
6 - (revogado)
7 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
E estabelece o segundo, no domínio das contraordenações tributárias:
Artigo 114.º
Falta de entrega da prestação tributária
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15 % e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstratamente estabelecido.
3 - Para os efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja.
4 - As coimas previstas nos números anteriores são também aplicáveis em qualquer caso de não entrega, dolosa ou negligente, da prestação tributária que, embora não tenha sido deduzida, o devesse ser nos termos da lei.
5 - Para efeitos contraordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária:
a) A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em fatura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em fatura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou retificação sem observância dos termos legais;
b) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva preceder a alienação ou aquisição de bens;
c) A falta de pedido de liquidação do imposto que deva ter lugar em prazo posterior à aquisição de bens;
d) A alienação de quaisquer bens ou o pedido de levantamento, registo, depósito ou pagamento de valores ou títulos que devam ser precedidos do pagamento de impostos;
e) A falta de liquidação, do pagamento ou da entrega nos cofres do Estado do imposto que recaia autonomamente sobre documentos, livros, papéis e atos;
f) A falta de pagamento, total ou parcial, da prestação tributária devida a título de pagamento por conta do imposto devido a final, incluindo as situações de pagamento especial por conta.
6 - O pagamento do imposto por forma diferente da legalmente prevista é punível com coima de (euro) 75 a (euro) 2000.
Note-se, porque esta é uma particularidade da dimensão aplicativa concreta, que o sistema foi interpretado no sentido de que 'remete para duas realidades diferentes, uma vez que, e no caso do IVA, por exemplo, nos leva a tratar como crime apenas a não entrega do IVA faturado, mas efetivamente recebido, e como contraordenação o IVA apenas faturado, mas nunca recebido'.
5. Nas alegações, o recorrente limitou a sua argumentação, no sentido da inconstitucionalidade da tipificação do abuso de confiança fiscal como crime nos termos do art.º 105.º do RGIT, a dois parâmetros de constitucionalidade. Em primeiro lugar e com maior investimento argumentativo, alega a violação do n.º 2 do art.º 18.º da Constituição, enquanto sede material imediata do princípio da subsidiariedade do direito penal. Acrescenta, embora sem discurso autónomo, a indicação do art.º 13.º (princípio da igualdade), como norma constitucional violada.
Argumentação no essencial semelhante à do recorrente foi já apreciada pelo Tribunal no acórdão n.º 61/07, disponível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/. Como então, também no presente recurso está em apreciação uma argumentação dirigida a convencer de que, ao conceber o sistema de tal modo que o mesmo facto possa ser havido como crime ou como contraordenação, a lei, por um lado, reconhece a falta de dignidade penal do mesmo, e, por outro, cria um privilégio injustificado para os créditos de que é titular o Estado.
Lembremos o que nesse acórdão se disse:
'O Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou que cabe no âmbito da liberdade de conformação do legislador a determinação das condutas que devem ser criminalizadas. Necessário é, naturalmente, que a opção se não faça em violação das regras e princípios constitucionais relevantes na matéria. Assim, por exemplo, no acórdão n.º 134/2001 (www.tribunalconstitucional.pt), neste ponto transcrevendo o acórdão n.º 604/99 (Diário da República, II série, de 26 de maio de 2000), relembrou-se o seguinte:
«Como se observou noutro aresto (…), o nº 1142/96, “se é sabido que o direito penal de um Estado de Direito visa a proteção de bens jurídicos essenciais ao viver comunitário, só estes assumindo dignidade penal, o certo é que a Constituição não contém qualquer proibição de criminalização, e, observados que sejam certos princípios, como sejam o princípio da justiça, o princípio da humanidade e o princípio da proporcionalidade [...] 'o legislador goza de ampla liberdade na individualização dos bens jurídicos carecidos de tutela penal (e, assim, na decisão de quais os comportamentos lesivos de direitos ou interesses jurídico-constitucionalmente protegidos que devem ser defendidos pelo recurso a sanções penais)', (na linguagem do acórdão nº 83/95, publicado no Diário da República, II Série, nº 137, de 16 de junho de 1995, que seguiu na linha dos acórdãos nºs. 634/93 e 650/93, publicados no Diário da República, II Série, Suplemento, nº 76, de 31 de março de 1994).
'É evidente – lê-se no citado acórdão nº 634/83 – que o juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva'».
Ora, tal como se concluiu no acórdão n.º 604/99 e se reproduziu no acórdão n.º 134/2001, também as normas em apreciação no presente recurso não infringem os limites constitucionalmente impostos à criminalização, não envolvendo, como ali se escreveu, 'uma situação reconduzível, pela sua excessividade, à violação do princípio da proporcionalidade e ao desrespeito do artigo 18º da CR'.
Com efeito, e tal como o acórdão recorrido claramente explica e o Tribunal Constitucional já também afirmou, as condutas incriminadas (atualmente) pelos artigos 105º (abuso de confiança fiscal) e 107º (abuso de confiança contra a segurança social) põem em causa interesses de tal forma relevantes que legitimam a opção do legislador.
Assim, e por exemplo, no acórdão n.º 312/2000 (Diário da República, II série, de 17 de outubro de 2000) escreveu-se, a propósito do crime de abuso de confiança fiscal, então previsto no artigo 24º do RJIFNA:
«5. – No caso em apreço nos presentes autos, deve entender-se que a norma penal incriminadora do crime de abuso de confiança fiscal não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, princípio implicado no direito à liberdade e segurança (artigo 27º, n.º1, da Constituição).
Antes de mais, importa analisar os valores e os bens jurídicos em causa na criminalização das infrações fiscais.
O entendimento tradicional do nosso direito penal é o de que só certas formas de ofensas aos bens jurídicos tutelados que se revestem de particular gravidade, pelo alarme social que a sua prática justificadamente causa, necessitam da intervenção do direito penal, assim realizando o princípio constitucional da necessidade da pena.
No caso das infrações fiscais, a publicação em 1988 e 1989 dos Regimes Jurídicos dos imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), do imposto sobre os rendimentos das pessoas coletivas (IRC), da contribuição autárquica (CA) e do Estatuto dos Benefícios Fiscais induziu a reforma do tratamento normativo das infrações fiscais não aduaneiras, tendo o Governo pedido e obtido autorização da Assembleia da República para legislar em tal matéria, relativamente a todos os impostos, contribuições parafiscais e demais prestações tributárias e, bem assim, quanto aos benefícios fiscais.
A autorização concedida permitia ao Governo, em matéria penal, adaptar os princípios gerais, os pressupostos da punição, as formas do crime e as causas de suspensão do procedimento e da extinção da responsabilidade criminal, podendo tipificar novos ilícitos penais e definir novas penas, tomando como referência o Código Penal, mas podendo alargar ou restringir a respetiva dosimetria. Define-se, em seguida, o sentido da autorização através da definição dos tipos de ilícito e dos respetivos elementos do tipo, bem como dos valores máximos e mínimos das penas e coimas. Seguidamente, prevê-se na lei de autorização legislativa a adequação do processo penal aos novos tipos de ilícito (penal e contraordenacional) criados.
A Lei de Autorização n.º89/89, de 11 de setembro veio a dar origem ao Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, posteriormente alterado, na parte agora em causa, pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de novembro, aprovado na sequência da Lei n.º 61/93, de 20 de agosto.
Este tratamento sistemático da punição das infrações fiscais não aduaneiras mostra bem o relevo que o legislador pretendeu atribuir à defesa dos interesses subjacentes a tal normação e cuja violação a mesma pretende evitar – os interesses da Fazenda Nacional.
Num Estado de direito, social e democrático, a assunção pelo Estado da realização do bem estar social, através da concretização de uma democracia económica, social e cultural, com respeito pelos direitos e liberdade fundamentais, legitima-se pela necessidade de garantir a todos uma existência em condições de dignidade.
A realização destas exigências não só confere ao imposto um caráter de meio privilegiado ao dispor de um Estado de direito para assegurar as necessárias prestações sociais, como também alarga o âmbito do que é digno de tutela penal.(…)
De facto, um Estado para poder cumprir as tarefas que lhe incumbem tem de recorrer a meios que só pode exigir dos seus cidadãos. Esses meios ou instrumentos de realização das suas finalidades são os impostos, cuja cobrança é condição da posterior satisfação das prestações sociais. Compreende-se, assim, que o dever de pagar impostos seja um dever fundamental (cf. Casalta Nabais, “O dever fundamental de pagar impostos”, Livraria Almedina, 1998, pág. 186,ss) e que a violação deste dever, essencial para a realização dos fins do Estado possa ser assegurado através da cominação de sanções criminais.
No caso em apreço, a obrigação em causa não é meramente contratual, mas antes deriva da lei – que estabelece a obrigação de pagamento dos impostos em questão. Por outro lado, nestas situações, o devedor tributário encontra-se instituído em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário. Na verdade, no IVA e no imposto sobre os rendimentos singulares (IRS), os respetivos valores, são deduzidos nos termos legais, devendo depois o respetivo montante ser entregue ao credor tributário que é o Estado.
Perante a norma em questão há assim que levar em conta este aspeto peculiar da posição dos responsáveis tributários, que não comporta uma pura obrigação contratual porque decorre da lei fiscal.
Finalmente, relevar-se-á que a impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança fiscal; a não entrega atempada da prestação, torna possível a instauração do procedimento criminal nos termos do nº 5 do artigo 24º, mas o que importa para a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da referida prestação.
Tem assim de se concluir que a norma constante do artigo 24º do RJIFNA não viola o princípio de que ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nº 1, da Constituição, em consonância com o previsto no artigo 1º do Protocolo nº 4 adicional à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.»
Este mesmo entendimento foi posteriormente perfilhado pelo acórdão n.º389/2001 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) e pelo acórdão n.º 516/2000 (Diário da República, II série, de 31 de janeiro de 2001), no qual estava em causa a norma do artigo 27º-B do RJIFNA (Abuso de confiança em relação à segurança social), posteriormente seguido pelos acórdãos n.ºs 427/2002 e 494/2004 (ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt):
«7.Os fundamentos utilizados no citado acórdão nº 312/00 são transponíveis para o presente processo: em primeiro lugar, porque as sanções estabelecidas para o abuso de confiança fiscal e para o abuso de confiança em relação à segurança social são as mesmas – as que constam da norma do artigo 24º do RJIFNA, apreciada naquele acórdão; em segundo lugar, porque as considerações feitas a propósito da tipificação do crime abuso de confiança fiscal valem igualmente para o crime de abuso de confiança em relação à segurança social.
Assim, e resumidamente:
A solução de punir criminalmente as infrações às normas reguladoras dos regimes de segurança social revela a importância atribuída à defesa dos interesses públicos subjacentes à legislação em causa, em consonância aliás com a incumbência atribuída ao Estado, pelo artigo 63º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, de “organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social”.
Nos termos do artigo 27º-B do RJIFNA – e do mesmo modo que perante a norma apreciada no acórdão nº 312/00 –, são elementos constitutivos do crime de abuso de confiança em relação à segurança social: a apropriação, total ou parcial, pelas entidades empregadoras, das contribuições que tenham deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e que por estes sejam legalmente devidas; a não entrega do respetivo montante às instituições de segurança social, no prazo de 90 dias. Não estando expressamente prevista a punição por negligência, os factos integradores do crime só podem ser punidos se praticados com dolo (artigo 13º do Código Penal); se não se provar o dolo mas apenas a negligência, pode existir a contraordenação prevista no artigo 29º, nº 2, do RJIFNA.
A obrigação em causa não é meramente contratual, antes deriva da lei – que impõe a entrega pelas entidades empregadoras às instituições de segurança social do montante das contribuições que aquelas entidades tenham deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores e que por estes sejam legalmente devidas. Nestas situações, as entidades empregadoras encontram-se instituídas “em posição que poderemos aproximar da do fiel depositário”.
A mera impossibilidade do cumprimento não é elemento do crime de abuso de confiança em relação à segurança social. A não entrega atempada da prestação torna possível a instauração do procedimento criminal nos termos do nº 5 do artigo 24º do RJIFNA, mas o que importa para a punibilidade do comportamento, como se referiu, é a apropriação dolosa da referida prestação.
A situação pode aproximar-se do crime de abuso de confiança previsto e punido pelo Código Penal (artigos 205º a 207º), que é um crime contra o património, cuja consumação ocorre com a apropriação ilegítima de coisa móvel alheia entregue por título não translativo de propriedade.
8.Concluindo, pois:
A Constituição não contém, para este tipo de casos, proibição de criminalização e reconhece a necessidade de, em Estado de direito democrático, se protegerem penalmente os bens e interesses jurídicos essenciais à vida em comunidade.
A proibição de “prisão por dívidas” é indiscutivelmente princípio decorrente da Constituição da República Portuguesa (cf. acórdão nº 440/87, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 10º vol., p. 521 ss).
Porém, como se escreveu no acórdão nº 663/98 (Diário da República, II Série, nº 12, de 15 de janeiro de 1999, p. 592 ss), “a privação da liberdade não é proibida se outros factos se vêm juntar à incapacidade de cumprir uma obrigação contratual”. Nestes casos, e no caso de a impossibilidade de cumprir não ser devida a negligência, o direito penal pode prever tipos de crimes puníveis com prisão.
Por outro lado, entre nós sempre se entendeu que o princípio da proibição de “prisão por dívidas” só se aplicava aos “devedores de boa fé”, dele se excluindo os casos de provocação dolosa de incumprimento (cfr. o mencionado acórdão nº 663/98) e considera-se que as razões aduzidas para a proibição da «prisão por dívidas» não se aplicam quando a obrigação não deriva de contrato mas da lei (neste sentido e desenvolvidamente, o acórdão nº 663/98 e, mais recentemente, o acórdão nº 312/00).
A norma constante do artigo 27º-B do RJIFNA não viola portanto o princípio segundo o qual ninguém pode ser privado da sua liberdade pela única razão de não poder cumprir uma obrigação contratual, implicado pelo direito à liberdade e segurança consagrado no artigo 27º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Não existe na solução da lei qualquer medida discriminatória, desnecessária ou excessiva, suscetível de constituir violação do artigo 18º, nº 2, da Constituição ou de contrariar o direito à segurança social consagrado no artigo 63º da Constituição.»
Estas considerações, que se reiteram, são válidas para a incriminação constante da atual redação do art.º 105.º do RGIT.
Acrescenta-se, tão somente, que a evolução legislativa entretanto verificada no regime de punição do ilícito previsto no art.º 105.º do RGIT (cfr. redação da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro), introduziu elementos de punibilidade penal, de discutível recorte dogmático, mas que, apertando a malha de requisitos necessários à punição, conduziram à redução do universo das condutas que são puníveis como crime e, inversamente, passaram a cair na punição como contraordenação. O que, em termos prático-jurídicos, significa atenuar o âmbito ou a intensidade da intrusão restritiva do legislador relativamente a direitos fundamentais que é inerente à configuração como crime, contribuindo para observar o princípio da subsidiariedade do direito penal.
6. O recorrente invoca, ainda, a violação do princípio da igualdade, mas sem argumentação autónoma. Admite-se que possa ter pretendido alegar que o legislador estabelece para o Estado, enquanto credor fiscal, um privilégio inadmissível, por dispensar o elemento típico 'apropriação' quanto ao ilícito previsto no art.º 105.º do RGIT, por confronto com o crime de abuso de confiança.
Considera-se, todavia, que a justificação atrás apresentada para não julgar contrária à Constituição a incriminação constante dos artigos 105º do RGIT vale evidentemente para excluir a imputação de violação do princípio da igualdade. Com efeito, é claro que não é arbitrário distinguir, para este efeito, os créditos correspondentes ao incumprimento de obrigações fiscais dos créditos da titularidade de particulares. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, sendo indispensável que essas entidades disponham dos meios que a comunidade política lhe atribuiu para que possam ser cumpridos os fins a que estão adstritas. O incumprimento dos deveres de entregar ao credor tributário o imposto que o substituto fiscal recebeu ou deduziu é especialmente atentatório dos interesses patrimoniais do Estado enquanto credor tributário. Por outro lado, não é só a natureza do crédito que é diferente. Também a causa, o modo e as obrigações acessórias do dever de entregar a prestação pelo substituto tributário são diversas daquelas que podem estar na origem de outros deveres de entrega de coisas móveis recebidas por titulo não translativo de propriedade.
7. Consequentemente, não se considera suscetível de violar o disposto no n.º 2 do art.º 18.º ou no n.º 1 do art.º 13.º da Constituição a norma do art.º 105.º do RGIT na medida em que pune como crime de abuso de confiança fiscal a não entrega à administração tributária da prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, efetivamente deduzida e que o agente estava legalmente obrigado a entregar.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar o recorrente nas custas, com 25 UCs de taxa de justiça
Lisboa, 11 de abril de 2013. – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.