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Processo n.º 773/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de acórdão daquele tribunal.
2. Pela Decisão Sumária n.º 14/2013 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto.
3. Desta decisão o recorrente reclamou para a conferência que, pelo Acórdão n.º 98/2013 decidiu indeferir a reclamação e confirmar a decisão reclamada. Esta decisão tem a seguinte fundamentação:
“5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar por verificado o requisito da suscitação prévia de forma adequada da questão de inconstitucionalidade posta a este Tribunal.
A presente reclamação em nada contraria este fundamento. O reclamante sustenta apenas que indicou a norma cuja apreciação pretendia, identificando o « art. 198º, nº 2 da Lei 23/2007 (…) quando interpretada no sentido de a aplicação das coimas plasmadas na norma em causa não dever ser feita num sistema de progressividade por escalões, à imagem do sistema fiscal, com efetiva concessão de tratamento diferenciado no caso de serem mais de 5 e sem a inusitada e injustificável virtualidade de a 5ª alterar de forma automática o tratamento jurídico que seria devido às primeiras quatro», como referido no aperfeiçoamento do requerimento de recurso apresentado em resposta à notificação que, para tanto, lhe foi feita.
O fundamento da decisão reclamada não foi, porém, a não satisfação de um dos requisitos do artigo 75.º-A da LTC, antes a não suscitação prévia de forma adequada de uma questão de inconstitucionalidade diante do tribunal recorrido.
Com efeito, quando recorreu para o Tribunal da Relação se, por um lado, questionou a constitucionalidade (e a legalidade) de uma decisão judicial, concluindo que «a interpretação plasmada na douta sentença recorrida [é] inconstitucional» (cfr. alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, p. 27, conclusão EE., fls. 218 dos autos), por outro, não identificou a interpretação normativa que tinha por inconstitucional, omissão esta que, de resto, manteve tanto no requerimento de apresentação de recurso para o Tribunal Constitucional, como no requerimento que em aperfeiçoamento do mesmo apresentou, como, finalmente, na reclamação ora apresentada, limitando-se sempre a identificar o critério normativo que, em seu entender, representa a correta interpretação do preceito legal em causa, nunca a dimensão normativa que reputa de inconstitucional e que atribui à decisão recorrida.
Como resulta da decisão sumária, ora reclamada, quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa é indispensável que o recorrente identifique expressamente essa interpretação em termos de o tribunal, no caso de vir a julgá-la inconstitucional, a poder enunciar na decisão de modo que não só os seus destinatários, como também os operadores do direito em geral, fiquem cientes do sentido da norma que não pode ser aplicado. Ora, «o ónus de suscitação, clara e precisa, da questão de inconstitucionalidade implica que não baste afirmar-se que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição» (v., Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 104 e Acórdãos do Tribunal Constitucional ali citados).
De nada vale, assim, invocar que o tribunal recorrido entendeu a questão de constitucionalidade que era colocada. Indispensável era que aquele tribunal tivesse sido colocado em condições de a decidir o que, manifestamente não é o caso, já que nenhuma questão de constitucionalidade normativa lhe foi colocada de forma adequada. Antes e tão-só o enunciado de princípios constitucionais pretensamente violados, na interpretação de uma disposição infraconstitucional, com a qual o recorrente não se conforma. De resto, o tribunal recorrido, no que respeita à questão de constitucionalidade aludida no recurso, limitou-se a referir o seguinte:
“Prossegue o recorrente alegando que a interpretação e aplicação das coimas deverá ser feita por escalões, à imagem do sistema fiscal, mas sem qualquer razão, pois nada na lei aponta nesse sentido nem se vê como se possa revelar «inconstitucional» interpretação diversa, como o recorrente sustenta, ou que a aplicação da lei nos termos em que foi considerada na decisão recorrida viole qualquer princípio de direito penal”.
Ora, diferentemente do pretendido pelo reclamante, uma tal apreciação está longe de refletir a apreensão de qualquer questão de constitucionalidade (a qual «nem se vê como se possa revelar»), antes evidenciando mera refutação da interpretação feita pelo recorrente do preceito legal aplicado na decisão, por não encontrar na letra da lei correspondência verbal, ao mesmo tempo que se confirma a aplicação do mesmo preceito feita pelo tribunal recorrido, por não importar qualquer violação de princípios do direito penal.
Na falta de verificação de um pressuposto do recurso de constitucionalidade, por ausência de suscitação prévia adequada de uma questão de constitucionalidade, há que confirmar, por conseguinte, a decisão reclamada.”
4. Notificado desta decisão, o reclamante apresenta agora o seguinte requerimento:
“Primeiramente, desde já se invoca expressamente preterição de um processo equitativo recurso de privação do direito ao contraditório e conhecimento prévio do douto articulado formulado pelo Ministério Público.
Na verdade, questiona-se mesmo qual a utilidade do seu envio simultâneo com a douta decisão proferida quanto qualquer esboço de tentativa de resposta, que desde já se deixa protestada e com interesse para a causa assim lhe venha a ser doutamente concedida tal oportunidade emergente da revogação da douta decisão proferida e reconhecimento de tal nulidade, não mais passaria que uma impossibilidade.
Tendo tal resposta do ministério Público dado entrada no dia 29 de janeiro de 2013, como ressalta do carimbo aposto na folha inicial, o exercícìo de contraditório por parte do reclamante em nada colidiria com qualquer outro superior interesse!
E demonstrar-se-ia essencialmente vital para a salvaguarda da sua posição processual boa decisão da causa, situação que não sucede quando a notificação da mesma é simultânea à da douta decisão proferida…
Padece assim a douta decisão, e todo o processado prévio e conducente à mesma, de tal nulidade por preterição de tais garantis de defesa e direitos constitucionalmente tutelados o arguido que se mostram consagradas nos arts. 6º e 13º da convenção Europeia dos Direitos do Homem e demais legislação internacional.
Ademais, como justificar que venham os presentes autos a ter tratamento diferenciado face aos de processo 669/12 e douto acórdão aí proferido (103/2013), uma vez que aí também igualmente se não mostrava a identificação em termos minimamente corretos e inequívocos de qual a norma cuja inconstitucionalidade se invocava e tal não impediu a prolação de douta decisão e conhecimento do mérito do recurso.
Não sendo um primor jurídico, o certo é que nos presentes autos igualmente se justificava fármaco semelhante, uma vez que igualmente também aqui “é possível identificar, com mínimo de certeza que o Recorrente pretende a fiscalização de constitucionalidade da norma contida” não já no nº. 7 do art. 8º RGIT mas no nº 2 do art. 198º da Lei 23/2007.
E cumpre referir que em tal processo nem tão-pouco fazia o recorrente referência a qualquer dos números do art. 8º RGIT e o Tribunal Constitucional (e bem, diga-se reclamando-se unicamente tratamento idêntico por razões de justiça e justeza!) logrou recortar o âmbito recursório!
Mostra-se assim o recorrente seriamente prejudicado nos seus direitos em razão de o recurso ter sido analisado à luz de outro entendimento e sem que, aparentemente, tenha sido efetivado o mínimo esforço sentido da análise do mesmo, o que se entende que deveria ter sido levado a cabo sem lançar mão da ferida de morte d etal direito.
Mostra-se a solução encontrada e doutamente alvo de decisão contrária à metódica de restrição de direitos fundamentais!
Na verdade, com uma dose de boa-vontade concluir-se-ia que o vertido nas conclusões EE e seguintes do recurso então apresentado para o Venerando Tribunal da relação de Coimbra se subsumia na questão concreta e objetiva: I) da inconstitucionalidade da interpretação e dimensão normativa da norma legal em causa (art. 198º nº.2 da Lei 23/2007,) tendo por fundamento não só os princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, em conjugação com o principio da proteção da confiança e estado de Direito, como igualmente igualdade e culpa, quando interpretada no sentido de “a aplicação das coimas plasmadas na norma em causa não dever ser feita num sistema de progressividade por escalões, à imagem do sistema fiscal, com efetiva concessão de tratamento diferenciado no caso de serem mais de 5 e sem a inusitada e injustificável virtualidade de a 5ª alterar de forma automática o tratamento jurídico que seria devido às primeiras quatro, sob pena de violação do art. 9° CC, não se podendo cingir unicamente à letra da lei, devendo considerar igualmente os elementos histórico, sistemático e sobretudo teleológico”.
Denotam-se assim dois pesos e duas medidas por parte do Tribunal Constitucional como se comprova inequivocamente pela análise e decisão do processo 140/11, mediante douto acórdão 360/2011, igualmente interposto pelo signatário relativamente a outra situação conexa que, comprovadamente tendo por base formulação similar em termos de recorte recursório, foi conhecido.
Assim, em que medida ficam observados os princípios da igualdade, proporcionalidade, acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva?!
Continua o recorrente a ter interesse na efetiva análise e decisão de mérito do recurso interposto sob pena de violação das suas mais elementares garantis de defesa e violação do plasmado nos arts. 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem!
De facto, importará sempre explicitar e aquilatar da conformidade do doutamente decidido com tais normas e garantias do recorrente…
Ademais, sendo tal o motivo de não conhecimento do recurso relativo à não suscitação adequada da questão perante o Tribunal recorrido que sentido teve o convite ao aperfeiçoamento quando o mesmo não teria virtualidade de alterar em nada tal situação?”
5. Notificado, o recorrido pronunciou-se pelo indeferimento do requerido.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 98/2013 e requerer a sua aclaração.
7. Como fundamento da nulidade invoca a preterição do processo equitativo em recurso, por privação do direito ao contraditório e conhecimento prévio do articulado apresentado pelo Ministério Público. Tal fundamento não integra, porém, as causas de nulidade da sentença previstas no artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC).
8. Sustenta, todavia, o reclamante que a decisão proferida, bem como todo o processado prévio conducente à mesma, padece de nulidade, por preterição de garantias de defesa e direitos constitucionalmente tutelados ao arguido, consagrados os artigos 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Do teor do requerimento depreende-se que o reclamante se insurge contra o facto de não lhe ter sido dada oportunidade de conhecer e se pronunciar sobre a resposta junta pelo Ministério Público à reclamação para a conferência apresentada pelo reclamante, omissão de ato que reputa de essencial para a sua defesa.
A pronúncia do Ministério Público em referência surgiu, na sequência da reclamação apresentada pelo reclamante, em resposta à mesma, sendo delimitada pelo respetivo objeto. Nada de novo foi invocado que pudesse surpreender o reclamante ou prejudicar a defesa do arguido. E sendo assim, nenhuma omissão ocorreu de um ato prescrito por lei capaz de influir no exame ou decisão da causa.
Tão-pouco se pode afirmar a ocorrência de qualquer violação do princípio do contraditório, uma vez que da intervenção do Ministério Público não decorreu qualquer questão nova relativamente à qual o reclamante tivesse ficado impossibilitado de controlar e responder.
9. A invocação de tratamento diferenciado relativamente ao seguido no Acórdão n.º 103/2013, proferido no processo n.º 669/12, não tem fundamento, não havendo, aqui, similitude com a situação aludida naquele acórdão e que se traduziu na sustentação pelo Ministério Público, nas contra-alegações apresentadas, do não conhecimento do objeto do recurso, o que determinou a notificação do recorrente para, em prazo determinado, se pronunciar sobre aquela nova questão de que ainda não tinha conhecimento.
Improcede, portanto, a nulidade invocada.
10. Suscita ainda o reclamante “pedido de aclaração relativamente à diferença de tratamento conferido aos presentes autos”. Pretende, com o referido pedido, confrontar o decidido nos presentes autos com o decidido noutros processos, designadamente no processo n.º 140/2011.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º do CPC é passível de esclarecimento, a decisão que seja obscura ou ambígua.
Do requerimento agora deduzido não se extrai, porém, qualquer argumento no sentido haver uma qualquer razão para aclarar o acórdão em causa. Toda a argumentação do reclamante evidencia, isso sim, a sua discordância quanto ao decidido, não a verificação de qualquer obscuridade ou ambiguidade a suprir.
Impõe-se, assim, o indeferimento do pedido de aclaração do acórdão formulado.
III - Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade e o pedido de aclaração formulados.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 9 de abril de 2013. - Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.