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Proc. nº 1021/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. Nos presentes autos, em que figuram como recorrente M... e como recorridos o Banco... e o Ministério Público, foi proferida decisão a indeferir o pedido de apoio judiciário apresentado pela ora recorrente, já após ter transitado em julgado o acórdão que julgou improcedentes os embargos de executado que deduziu e de ter sido notificada da conta de custas.
2. Inconformada com o assim decidido a requerente agravou para o Tribunal da Relação do Porto, tendo suscitado aí a questão da constitucionalidade dos artigos 17º, 22º e 26º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, “quando interpretados no sentido da inadmissibilidade da formulação do pedido de apoio judiciário depois de transitada em julgado a decisão final da causa”, por alegada violação do disposto no art. 20º, nº 2 da Constituição.
3. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Outubro de 1998, decidiu negar provimento ao recurso.
4. Inconformada com o assim decidido, apresentou a recorrente, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente ver apreciada, nos termos do respectivo requerimento de interposição, a constitucionalidade dos artigos
17º, 22º e 26º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, “quando interpretados no sentido da inadmissibilidade da formulação do apoio judiciário depois de transitada em julgado a decisão final da causa”.
5. Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
“1) O instituto do apoio judiciário constitui um dos meios de concretização do princípio constitucional inserto no art. 20º da Constituição, princípio esse que consiste no direito de acesso aos tribunais que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos daqueles que a ela pretendem recorrer; sendo que tal princípio foi incorporado pelo art. 1º, nº 1 do DL nº 387-B/98, de 29 de Dezembro, que se destina, nessa conformidade, a promover que a ninguém seja impedido ou mesmo dificultado .... fazer valer os seus direitos.
2) Visando tal princípio o livre acesso aos tribunais para garantia de todos os cidadãos da tutela efectiva dos seus direitos, tal só se torna realizável, quer em relação ao cidadão que não dispõe de meios económicos, quer no início da lide, quer na pendência da acção ou até mesmo depois de transitada em julgado a decisão da causa, quando por motivos supervenientes ao desfecho da acção.
3) Fica dificultado o acesso à Justiça e aos Tribunais se se impossibilita a concessão do apoio judiciário mesmo depois de transitada em julgado a decisão no processo em que o mesmo foi requerido, quando só por circunstâncias supervenientes ocorridas já depois da decisão final, o requerente se viu surpreendido – tal como ocorreu com a aqui recorrente na situação dos autos – com uma situação da vida que a colocou carenciada de meios económicos para suportar as despesas da lide.
4) Tal dificuldade de acesso não deixa de existir por nesse pleito ter ficado já definido o direito, já que é inibitório para todo e qualquer cidadão que pretenda recorrer à justiça para defesa dos seus interesses e se encontre em iguais circunstâncias, se sobre este impende o ónus de Ter de arriscar o seu próprio património (se o tiver) contrariamente àquele outro cidadão igualmente carenciado de meios económicos se demonstrada essa situação no início ou na pendência da lide, colocando aquele primeiro numa situação de intolerável desigualdade perante este último.
5) A interpretação dada pelo acórdão recorrido aos art.s 1º, 17º, 22º e 26º do mencionado diploma do apoio judiciário não tem, nem apoio no argumento literal destes normativos, nem na «ratio» do próprio instituto.
6) Se e quando interpretados estes normativos como o foram pelo tribunal recorrido, no sentido da não admissibilidade do pedido de apoio judiciário e da consequente sua concessão se requerido o mesmo em processo com decisão já transitada em julgado e depois de contadas as custas e independentemente dos motivos supervenientes de carência económica alegados pela requerente do apoio ocorridos posteriormente a decisão e desfecho da causa, tal viola, como frontalmente violou o acórdão em crise, o disposto no art. 20º da CRP e o correspondente princípio que este acolhe”.
6. Contra-alegou o Ministério Público para sustentar, a concluir, que:
“1º - A norma do artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, interpretada em termos de se considerar precludido o pedido de concessão de apoio judiciário com o trânsito em julgado da decisão que põe fim ao processo – por, nesse momento, inexistirem meios procedimentais de acesso à justiça de que o requerente se possa encontrar privado de exercitar como consequência da invocada situação de carência económica – não viola os princípios constitucionais do acesso à justiça e da igualdade.
2º - Na verdade, sendo o montante das custas devidas previsível para a parte e seu mandatário, cumpria-lhes ter requerido atempadamente a outorga do benefício do apoio judiciário, perante uma receada e superveniente situação de carência económica.
3º - Radicando, consequentemente, a exigibilidade do débito de custas no princípio da auto-responsabilidade das partes, cuja vigência é plenamente compatível com a titularidade do direito de acesso à justiça e aos tribunais.
4º - Termos em que deverá improceder o presente recurso”.
Corridos os vistos, cumpre decidir
II – Fundamentação.
7. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal pode sintetizar-se nos seguintes termos: são inconstitucionais, designadamente por violação do disposto no art. 20º, nº 1, da Constituição, os artigos 17º, nº 2, 22º e 26º do Decreto-lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, quando interpretados no sentido de considerarem intempestiva a formulação do pedido de apoio judiciário já depois de transitada em julgado a decisão que põe termo ao processo em que aquele pedido é formulado ?
A resposta a dar a esta questão é, como vai ver-se já de seguida, inequivocamente negativa.
Efectivamente, visando o artigo 20º, nº 1 da Constituição - bem como o Decreto Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro (entretanto já revogado e substituído pela Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro) - garantir que a ninguém seja dificultado ou impedido, por insuficiência de meios económicos, o acesso ao direito e aos tribunais de forma a aí poder conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos, parece evidente que tal objectivo não é afectado pelo facto de não se admitir a formulação do pedido de apoio judiciário já depois de transitada em julgado a decisão que põe termo ao processo; ou seja, num momento processual em que se encontram já esgotados todos os meios processuais a que o requerente (ou qualquer pessoa na sua situação) poderia recorrer.
Na realidade, não existindo já meios processuais disponíveis, não vale a alegação de que ao requerente esteja a ser dificultado ou impedido, por insuficiência de meios económicos, o acesso ao direito e aos tribunais. Nestas hipóteses, a impossibilidade de acesso aos tribunais resultará não da insuficiência de meios económicos, mas do simples facto (válido para todos) de terem sido já esgotados todos os meios processuais previstos na lei.
8. O próprio Tribunal Constitucional tem vindo a seguir esta mesma orientação no que se refere aos pedidos de apoio judiciário aqui formulados, sublinhando repetidamente que o mesmo não é admissível já depois de transitada em julgado a decisão que põe termo ao recurso, não podendo o apoio judiciário ser visto como meio para, após o julgamento do mesmo e a condenação em custas, obter a dispensa do seu pagamento (assim, designadamente, os acórdãos nºs 872/96, 508/97, 308/99,
391/01, 297/01, ainda inéditos). Sobre esta questão ponderou-se, mais recentemente, no acórdão nº 297/01: “Com efeito, só com este entendimento se pode realizar a finalidade a que se destina o acesso ao direito e aos tribunais: remover as dificuldades ou impedimentos que obstem a que qualquer cidadão possa conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos. Deste modo, um pedido de apoio judiciário formulado quando a causa a que se dirige está definitivamente julgada é manifestamente extemporâneo, para além de se mostrar claramente inviável, uma vez que o requerente já conhece o direito que era objecto de conflito, depois de o ter feito valer e defender na pendência do processo. De facto, um pedido de apoio judiciário, apenas para evitar o pagamento das custas da acção, depois de se ter litigado sempre sem qualquer apoio, representa a subversão da finalidade do regime de acesso ao direito e aos tribunais e não pode ser permitido”.
9. Refira-se, a concluir, que o Tribunal Constitucional teve mesmo já oportunidade de afirmar que esta interpretação normativa do artigo 17º, nº 2 do Decreto-Lei nº 387-B/87 não era inconstitucional. Nesse sentido, concluiu-se no acórdão nº 765/96, igualmente por publicar, que: “Quanto à alegada inconstitucionalidade da norma do artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, é manifesto não se verificar tal vício, como bem decorre do sentido do instituto do apoio judiciário, tal como foi sublinhado no despacho do relator, e que é o que corresponde ao conteúdo do direito de acesso aos tribunais, previsto no artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental”.
III - Decisão
Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 21 de Dezembro de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida