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Processo n.º 780/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
(Conselheira Ana Guerra Martins)
Acordam, na 2ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., foi interposto recurso, a título obrigatório, em cumprimento do artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), de despacho proferido pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, em 08 de outubro de 2012 (fls. 86 a 87), que desaplicou a norma extraída do artigo 9º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, com fundamento em inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade.
2. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, das quais se podem extrair as seguintes conclusões:
«1- Segundo o nº 4 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro, quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar á autoridade competente para fiscalizar o setor em causa.
2- A interpretação do artigo 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 156/2005, que considera ser aplicável a coima aí prevista, - cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15.000 euros – nos casos em que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente, viola o princípio de proporcionalidade (artigo 18º, nº 2, da Constituição).
3- Sendo questionável, a nível da interpretação do direito ordinário, aquele entendimento e mostrando-se violador da Constituição, poderá o Tribunal fixar a interpretação do nº 3 do artigo 9º do Decreto-lei nº 156/2005, no sentido de que a coima aí prevista não é a aplicável quando, requerida a presença da autoridade policial para remover a recusa, nos termos do nº 4 do artigo 3º do mesmo diploma, essa recusa é removida, sendo o livro de reclamações facultado ao consumidor.» (fls. 108)
3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida deixou esgotar o prazo para contra-alegações, sem que viesse aos autos apresentá-las.
Posto isto, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A norma cuja fiscalização de constitucionalidade se requer consta do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, que, na parte aqui relevante, dispõe o seguinte:
“Artigo 9.º
Contraordenações
1 – Constituem contraordenações puníveis com a aplicação das seguintes coimas:
a) De € 250 a € 3500 e de € 3500 a € 30 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva, a violação do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3.º, nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 5.º e no artigo 8.º;
b) (…)
2 – A negligência é punível sendo os limites mínimos e máximos das coimas aplicáveis reduzidos a metade.
3 – Em caso de violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4 do mesmo artigo, o montante da coima a aplicar não pode ser inferior a metade do montante máximo da coima prevista.
4 – (…).»
Por sua vez, a agravação da coima resultante do n.º 3 do referido artigo 9.º resulta da violação do seguinte preceito legal, constante daquele mesmo diploma legal:
“Artigo 3.º
Obrigações do fornecedor de bens ou prestador de serviços
1 – O fornecedor de bens ou prestador de serviços é obrigado a:
(…)
b) Facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que por este tal lhe seja solicitado;
(…)
4 – Quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente, este pode requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa.»
- O Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre esta constelação normativa – a conjugação entre os artigos 3.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.os 1, alínea a), e 3, ambos do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro: agravamento – em relação a pessoas coletivas, de € 3 500 para € 15 000 - do limite mínimo da coima que sanciona o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculte imediatamente o livro de reclamações, no caso de ser requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência (todas as decisões deste Tribunal adiante citadas encontram-se disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/ ):
- No Acórdão n.º 62/2011, o Tribunal emitiu um juízo de não inconstitucionalidade, considerando existir fundamento material “para sancionar de forma diferenciada o fornecedor de bens ou prestador de serviços que não faculta imediatamente o livro de reclamações, sendo requerida pelo utente a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa”, já que, “ao ser posteriormente requerida a presença da autoridade policial, está a ser frustrada a intenção precípua da lei de tornar mais acessível ao consumidor o exercício do direito de queixa, reclamando no local onde o conflito ocorreu”;
- No Acórdão n.º 67/2011, o Tribunal, sem embargo de reconhecer que o preceito é suscetível de se aplicar a duas situações distintas - i) por um lado, a pessoa coletiva pode persistir na recusa de facultar o livro de reclamações ao consumidor, mesmo que interpelada pela autoridade policial; e ii) por outro lado, face à intervenção da autoridade policial, a pessoa coletiva pode conformar-se com o cumprimento da lei (como sucedeu no caso analisado nesse aresto) – emitiu um juízo de não inconstitucionalidade, porquanto entendeu que “o bem jurídico violado é exatamente o mesmo, ou seja, a proteção dos consumidores constitucionalmente consagrada”;
- No Acórdão n.º 132/2011, o Tribunal, retomando os argumentos do Acórdão n.º 67/2011,considerados aplicáveis na situação aí analisada “por maioria de razão”, emitiu um juízo de não inconstitucionalidade da norma em apreço, quando tal recusa se mantém mesmo após intervenção da autoridade policial.
O Ministério Público expressou nos vários autos que deram causa aos arestos supra mencionados uma posição, de acordo com a qual a interpretação normativa extraída do artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, apenas não seria inconstitucional, quando reportada à persistência na recusa de disponibilização do livro de reclamações, mesmo após a presença das forças de segurança; mas já seria inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade, quando o arguido se conformasse com o dever jurídico que, até então, recusara cumprir, apresentando o livro de reclamações ao consumidor, perante a presença das forças de segurança. Posição esta que mantém nos presentes autos.
5. No caso sub iudicio está em causa a norma extraída do artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, cuja aplicação foi recusada numa situação em que o livro de reclamações não foi apresentado imediatamente na sequência do pedido do utente que o solicitou, mas somente depois e já na presença da autoridade policial, entretanto chamada pelo mesmo utente. Trata-se, por conseguinte, de situação simétrica à apreciada no Acórdão n.º 132/2011.
6. O fornecedor de bens ou prestador de serviços tem o dever de facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações sempre que este o solicite. Se o não fizer – como sucedeu no caso dos presentes autos – pratica uma contraordenação punível nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, com uma coima de € 250 a € 3 500 ou de € 3 500 a € 30 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva.
Segundo a interpretação normativa do artigo 9.º, n.º 3, do mesmo diploma, a violação do citado dever, “acrescida da ocorrência da situação prevista no n.º 4” do artigo 3.º - o requerimento por parte do utente da presença de autoridade policial a fim de remover a recusa de apresentação do livro de reclamações ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência e a faça chegar à entidade competente para fiscalizar o setor em causa – determina, de per si, o agravamento do limite mínimo da coima aplicável para metade do respetivo montante máximo: ou seja, de € 250 para € 1 750, e de € 3 500 para € 15 000, consoante o infrator seja pessoa singular ou pessoa coletiva.
Por outras palavras: a violação do dever de facultar imediata e gratuitamente ao utente o livro de reclamações é, desde logo, punível com uma coima; o montante mínimo de tal coima – e só este - é agravado, no caso de o utente decidir chamar a autoridade policial a fim de remover a recusa de apresentação do livro de reclamações ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência.
A infração consuma-se logo no momento em que, apesar de solicitado, o livro de reclamações não é facultado; a sua apresentação tardia, isto é, depois de inicialmente recusado ao utente que o solicitou, e eventualmente já na presença da autoridade policial, não remove a infração inicial. Por outro lado, também é evidente que a persistência na recusa, mesmo depois de chamada a intervir a autoridade policial, não pode deixar de relevar como circunstância agravante da infração.
Todas estas ponderações podem ser feitas, desde logo, à luz do disposto no artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro.
O que a interpretação normativa do n.º 3 deste artigo acrescenta é, por um lado, a imposição do agravamento do limite mínimo da coima aplicável em função de um comportamento que imediatamente não é o do infrator, mas o do próprio utente ofendido: a circunstância que desencadeia a aplicabilidade do preceito em apreço é a “ocorrência da situação prevista no n.º 4 do [artigo 3.º]”, ou seja, o utente, confrontado com a recusa de apresentação do livro de reclamações, “requerer a presença da autoridade policial a fim de remover essa recusa ou de que essa autoridade tome nota da ocorrência”. Por outro lado, e com referência ao agravamento do limite mínimo, o mesmo preceito proíbe o tribunal de valorar a circunstância de, apesar de chamada a autoridade policial, o utente ter afinal tido oportunidade de formular a sua reclamação no livro pertinente – uma situação, apesar de tudo, menos lesiva do direito do consumidor do que aquela em que pura e simplesmente o referido livro não foi facultado ao utente, independentemente de ter, ou não, sido chamada a autoridade policial. Nesses casos, a aludida valoração é admissível, mas já no quadro do agravamento do limite mínimo da coima aplicável.
7. O Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma ampla margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver, entre outros, os Acórdãos n.os 304/94, 574/95 e 547/2000), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo. A título de exemplo, no Acórdão n.º 574/95 – e ainda que tenha, naquela situação, afastado a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 16 do artigo 670º do Código dos Valores Mobiliários – o Tribunal Constitucional expressou o seguinte entendimento:
«Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o Tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o Tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - 'uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social', aqui, não faz exigências tão fortes.
De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.»
Na sequência desta linha argumentativa, importa, pois, verificar se o montante mínimo fixado em € 15 000 para sancionar a recusa de apresentação do livro de reclamações, por uma pessoa coletiva, no caso em que, requerida a presença da autoridade para remover a referida recusa, ela é removida, sendo o livro de reclamações facultado ao utente, é (ou não) desproporcionado.
8. O fim normativo prosseguido pelo artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, é o reforço da tutela dos direitos dos consumidores.
Porém, tendo em vista tal objetivo, não se afigura, desde logo, idóneo que o agravamento da punição da violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações seja colocado na exclusiva dependência da iniciativa de o utente ofendido chamar a polícia. Tal iniciativa não está necessariamente associada a um agravamento da infração já perpetrada. Aliás, se o chamamento da polícia é uma condição suficiente do agravamento da coima, não é, todavia, uma condição necessária do agravamento da infração. Com efeito, o utente pode requerer a presença da autoridade policial, logo que confrontado com a recusa do livro de reclamações: não tem de chamar o gerente ou outro responsável nem tem de dar conhecimento prévio da sua intenção. O agravamento da coima pode, por isso, ocorrer sem que da parte do fornecedor de bens ou prestador de serviços exista um qualquer outro comportamento, para além da infração já sancionada pelo artigo 9.º, n.º 1, alínea a), do citado decreto-lei – a recusa inicial de facultar o livro de reclamações solicitado pelo utente.
Acresce que, nos termos da lei, o pressuposto de tal chamamento é a prática da infração (“quando o livro de reclamações não for imediatamente facultado ao utente” – artigo 3.º, n.º 4, do diploma em análise), pelo que, quando muito, a presença da autoridade policial pode contribuir para a remoção da recusa inicial de apresentação do livro de reclamações. E se esta ocorrer – sendo, portanto, facultado ao utente o exercício do seu direito de reclamação - justifica-se a ponderação de tal circunstância, devendo o quadro punitivo demarcar claramente as situações em que, apesar de tardiamente, o direito do consumidor ainda pode ser exercido, daquelas em que, mesmo após a intervenção da autoridade policial, a recusa de apresentação do livro de reclamações é mantida. O agravamento do limite mínimo da coima aplicável, em razão apenas da “ocorrência” consubstanciada no chamamento da autoridade policial por parte do utente ofendido, não permite diferenciar satisfatoriamente as duas situações.
O agravamento do limite mínimo da coima aplicável estatuído no artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, não é, por outro lado, necessário para assegurar uma tutela mais eficaz do direito dos consumidores a formularem as suas reclamações no livro especialmente destinado para o efeito. Na verdade, abrangendo a moldura punitiva para a violação do dever de facultar imediatamente o livro de reclamações prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea a), a totalidade do agravamento da coima aplicável para a mesma infração consignado no n.º 3 do mesmo artigo, nada impede o julgador de, caso a caso, e fazendo aplicação da moldura mais ampla, graduar diferentemente a coima a aplicar em razão de: (i) o direito de reclamação ter sido assegurado, mesmo sem a presença da autoridade policial (por exemplo, em virtude de o gerente ou responsável entretanto ter acedido a fazê-lo); (ii) o mesmo direito ter sido assegurado apenas na sequência do chamamento da autoridade policial; ou (iii) mesmo após ter sido solicitada tal intervenção, nem assim o fornecedor de bens ou prestador de serviços ter permitido ao utente o exercício do seu direito de reclamação.
9. Quanto ao pedido de formulação de uma interpretação conforme, o mesmo deve considerar-se prejudicado, em virtude de in casu o Tribunal Constitucional confirmar o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida e, em consequência, uma eventual interpretação conforme da norma contida no artigo 9.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, não poder ter qualquer efeito útil no processo base (cfr. o artigo 80.º, n.º 3, da LTC).
III – DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
Julgar inconstitucional, por violação do princípio de proporcionalidade consignado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma extraída do artigo 9º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, na interpretação segundo a qual é aplicável a coima aí prevista - cujo limite mínimo para as pessoas coletivas é de 15 000 euros – nos casos em que, não sendo o livro de reclamações imediatamente facultado ao utente, este requer a presença da autoridade policial e tal recusa é removida, acabando o livro de reclamações por ser facultado ao utente;
E, em consequência,
Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins (vencida com base nos fundamentos constantes do Acórdão nº 67/2011, de que fui relatora) – Fernando Vaz Ventura (vencido, conforme declaração junta) – Joaquim de Sousa Ribeiro.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido.
Discordo da ponderação que obteve vencimento por entender, em linha com o decidido no Acórdão n.º 67/2011, que nos encontramos perante circunstância qualificativa da conduta contraordenacional inscrita na ampla margem de conformação do legislador ordinário, dotada de fundamento material e modulada sem violação do princípio da proporcionalidade.
Com efeito, tendo em atenção que a infração prevista no n.º 1 artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de setembro, atinge a sua consumação com a omissão de entrega imediata e gratuita do livro de reclamações ao consumidor que o solicita, a conduta posterior à perfeição do ilícito contraordenacional reveste desvalor importante, na perspetiva da tutela do bem jurídico protegido, pois não só traduz persistência na recusa de cumprimento do dever legal imposto, como coloca o consumidor perante a necessidade de fazer intervir instâncias formais de controlo no local do litígio ou então suportar o ónus de formalizar ulteriormente (e com dificuldades acrescidas de prova) a sua reclamação. E, fundamentalmente, promove a escolha do consumidor pela via da desistência da reclamação, em função do maior esforço que sobre si (e sobre si apenas) recai.
No plano da intervenção legislativa preventiva e contramotivadora da desobediência a dever legal, e da robustez do sistema protetor do direito do consumidor, a previsão de moldura sancionatória agravada no seu limite mínimo quando ocorra a mobilização de meios policiais para assegurar o simples fornecimento de livro de reclamações não se mostra injustificada, pois corresponde exatamente ao plus de desvalor que persiste após a consumação do ilícito contraordenacional de base.
Não procede, em minha opinião, o argumento de que o legislador deixa apenas na mão do consumidor o poder de desencadear o agravamento da moldura sancionatória, sem possibilidade do agente económico a tal obstar ou modular o seu comportamento antes dessa iniciativa. Ciente que ao consumidor assiste a possibilidade de solicitar a intervenção policial, pode o agente económico configurar a sua estrutura organizativa por forma a que todas as solicitações de livro de reclamação sejam apreciadas pelo responsável máximo presente no local – gerente ou gestor de estabelecimento – e assim assegurar a qualidade da avaliação interna das circunstâncias e ponderação plena das consequências sancionatórias associadas à recusa inicial e à sua persistência. Intercede, então, nexo de imputação objetiva entre a conduta omissiva e a intervenção policial, enquanto mobilização indesejada de recursos institucionais, independentemente de, subsequentemente, ter sido (finalmente) cumprido o dever de facultar o livro de reclamações.
Em suma, entendo que a opção legislativa em questão não fere, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade, pelo que me pronunciei no sentido da improcedência do recurso.
Fernando Vaz Ventura