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Processo n.º 550/11
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos em que é recorrente A., Lda e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, de acórdão proferido pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 03 de maio de 2011 (fls. 471 a 512) para fosse apreciada a constitucionalidade de várias interpretações normativas.
Por não ser legalmente admissível conhecer de algumas dessas questões, foi proferida a Decisão Sumária n.º 492/11. Por força do trânsito em julgado dessa decisão, o objeto do presente recurso circunscreve-se, assim, à inconstitucionalidade:
i) “Do art. 20º nº 4 e 5º do DL nº 64/2008 de 08 de abril, por violação do direito à livre iniciativa privada, tal como prevista no art. 61º nº 1 da CRP”;
ii) “Do art. 20º nº 5 do DL nº 64/2008 de 08 de abril, por violação do direito ao Ambiente, tal como previsto no art. 66º nº 1 da CRP” (fls. 516).
2. Notificada para tal pela Relatora, a recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
“1. O Estado, tendencialmente, não pode limitar a liberdade de organização e gestão das unidades produtivas, dos entes coletivos privados.
2. O Estado condiciona a organização e gestão da atividade de operador de gestão de resíduos, uma vez que obriga à despoluição do VFV no prazo máximo de, imagine-se, 8 dias; e obriga à remoção de componentes reutilizáveis no período máximo de 45 dias - ultrapassado este prazo, todos os componentes recicláveis e valoráveis têm de seguir para fragmentação.
3. A haver limitações ao direito à livre iniciativa privada, estas sempre devem estar sujeitas (1) à reserva de lei formal; (2) à existência e salvaguarda de outro princípio, direito ou interesse igualmente defensável; e (3) ao princípio da proporcionalidade.
4. Quanto à reserva de lei formal, verifica-se desde já que de acordo com o preâmbulo do Decreto-Lei n. 64/2008, a aprovação deste diploma legal ocorreu nos termos do artº 198º., nº 1 da CRP, ou seja, não estamos perante uma Lei, como é evidente, nem tão-pouco perante um Decreto-Lei autorizado. Há por isso inconstitucionalidade formal.
5. Estes prazos não beliscam ou salvaguardam o direito ao ambiente, pelo contrário.
6. Em relação ao prazo de 8 dias, verifica-se que inexistindo esse prazo ou, na pior das hipóteses, existindo um prazo substancialmente alargado, os fluidos do VFV seriam igualmente removidos, sem com isso obrigar o operador de resíduos a laborar de forma intensiva, retirando muitas das vezes trabalhadores das áreas de remoção de componentes reutilizáveis para a despoluição dos referidos VFV.
7. Já quanto ao prazo de 45 dias, arrisca-se a Recorrente a referir que própria estipulação de um prazo consubstancia efetivamente uma violação do direito ao ambiente - não há pois qualquer concordância prática, na medida em que face ao período de 45 dias legalmente previsto, grande parte dos componentes que podiam ser reutilizados e valorizados nunca serão sequer removidos dos VFV, seguindo com estes para a fragmentação, prejudicando dessa forma uma maior geração de receitas (direito à iniciativa privada) e o principio da reutilização (direito ao ambiente).
8. Em relação ao terceiro requisito (princípio da proporcionalidade), parece à Recorrente que o seu sub-princípio da adequação está desrespeitado. Parece desrazoável, prejudicando por isso a efetivação do sub-princípio da adequação, que o legislador imponha prazos, ainda para mais de tal forma curtos, que limitam em excesso o direito à livre iniciativa privada, sem com isso beneficiar (pelo contrário) o direito ao ambiente.
9. Desta forma, entende a Recorrente que o prazo de 8 dias previsto no art.º 20º., nº 4 do DecretoLei n. 64/2008, assim como o prazo de 45 dias previsto no art.º 20º, nº 5 do mesmo diploma legal, por serem desproporcionalmente limitativos, são inconstitucionais por violação do direito à livre iniciativa privada.
10. A Constituição normativizou o ambiente em duas dimensões distintas: uma primeira, a que podemos chamar de vertente patológica, relativa ao direito de promover a cessação ou perseguição judicial das infrações ambientais e ao direito do lesado exigir a respetiva indemnização; e uma segunda dimensão, com uma vertente não-patológica, em que se está perante um direito social constitucionalizado, exigindo-se que haja não só uma limitação ecológica à liberdade individual, mas também que exista uma evidente e necessária concordância prática entre os valores de proteção do ambiente e os valores inerentes à liberdade económica e propriedade privada - cfr. MARIA ADELAIDE T. de MENEZES C. LEITÃO, O planeamento administrativo e a tutela do ambiente, Revista da Ordem dos Advogados, 1, 1996, pp. 32 e 33.
11. Ora, o que se pretende com a referida segunda dimensão, em especial ao nível da concordância prática, é que haja a prossecução de um desenvolvimento económico sustentável. De facto, nos termos do art.º 66º., nº 2 da CRP, incumbe ao Estado português, com o envolvimento e participação dos cidadãos, a defesa do ambiente “no quadro de um desenvolvimento sustentável”.
12. De forma a desenvolver e concretizar os princípios e normas constitucionais, o legislador aprovou a Lei n.º 11/87, de 7 de abril, vulgarmente designada de Lei de Bases do Ambiente. Também na Lei de Bases do Ambiente se estabelece a concordância prática entre a conservação da natureza e a prossecução de políticas de crescimento económico. Nestes termos, veja-se o artº 3º, al. b) que refere, no âmbito do princípio do equilíbrio, que se devem criar “os meios adequados para assegurar a integração das políticas de crescimentos económico e social e de conservação da natureza, tendo como finalidade o desenvolvimento integrado, harmónico e sustentável”.
13. Desta forma, verifica-se que um dos limites de toda uma política de ambiente, orientada pela Lei de Bases do Ambiente e assente na Constituição, é precisamente o desenvolvimento económico e social, na ótica da proteção do meio ambiente não poder ser assumida como um objetivo absoluto mas, pelo contrário, dever ser realizada através de um justo equilíbrio entre a referida proteção e a vida económica e social.
14. In casu, a Recorrente foi condenada na infração prevista e punida nos termos do artº 20º, nº 5 do Decreto-Lei nº 64/2008, de 08 de abril.
15. Estabelece o referido artº 20º, nº 5, que tem como epígrafe “Operadores de desmantelamento e de fragmentação”: “Os operadores de desmantelamento ficam obrigados a realizar as operações descritas no nº 2.2 do anexo iv imediatamente após a receção de VFV, em todo o caso nunca excedendo o prazo de 45 dias úteis.”
16. A gestão de VFV compreende a reciclagem e reutilização de alguns componentes, designadamente, a “remoção de todos os componentes suscetíveis de reutilização como peças em segunda mão, quando técnica e economicamente viável; remoção dos catalisadores; remoção dos componentes metálicos que contenham cobre, alumínio e magnésio, se esses metais não forem separados no ato de fragmentação; remoção de pneus; remoção de grandes componentes de plástico (por exemplo, para-choques, painel de bordo, reservatórios de fluidos, etc.) se estes materiais não forem separados no ato de fragmentação; remoção dos vidros”, cfr. anexo IV, 2.2, do Decreto-Lei 64/2008.
17. Ora, caso não sejam removidas as referidas peças, o objetivo de reutilização e valorização de componentes automóveis é totalmente gorado, o que acarreta como é óbvio reflexos nefastos no meio ambiente.
18. Acontece que, o legislador estabeleceu o prazo de 45 dias após a entrada do veículo da unidade de gestão de VFV para que os operadores efetuem a remoção dos componentes respetivos para a reutilização, de acordo com o disposto no art.º 20º, nº 5 do Decreto-Lei n.º 64/2008.
19. Em virtude deste prazo, verifica-se que o operador de gestão de resíduos tem precisamente 45 dias para: (1) encontrar compradores de determinados componentes reutilizáveis e (2) se encontrar comprador, dentro do mesmo prazo, deve remover os referidos componentes.
20. In praxis, o respeito integral destes 45 dias leva a que seja inviável economicamente a reciclagem e reutilização de componentes automóveis.
21. Ao não serem removidos determinados componentes reutilizáveis e valoráveis, por força da compressão imposta por aquele prazo e por nesse prazo não ser técnica e economicamente fazê-lo, há um evidente obstáculo ao princípio da reutilização e valorização, prejudicando pois o ambiente - paradoxalmente (des)protegido por este Decreto-Lei, pela Lei de Bases do Ambiente e pela Constituição da República.
22. Veja-se a missiva junta aos autos na fase de julgamento, enviada pela VALORCAR (entidade de gestão de VFV) à Agência Portuguesa do Ambiente, em que se foca precisamente o desajustamento do referido prazo de 45 dias, na medida em que “prejudica o princípio de promoção da reutilização e o desempenho económico dos operadores de desmantelamento.”
23. De facto, da ponderação entre o bem jurídico afetado pela restrição (o direito ao ambiente e o princípio da reutilização e da valoração de componentes automóveis - art.º 66º, nº 1 da Constituição e artº 20º, nº 2 do Decreto-Lei nº 64/2008, de 8 de agosto, respetivamente) e o direito ambiente não resulta que o prazo de 45 dias para que o operador de resíduos efetue a remoção dos componentes reutilizáveis e valoráveis seja uma medida exigível.
24. Em suma, parece evidente à Recorrente que se está perante uma ilegalidade e inconstitucionalidade deste prazo de 45 dias previsto no artº 20º, nº 5 do Decreto-Lei n.2 64/2008 por violação do princípio da reutilização e valoração de componentes automóveis previsto no artº 20º., nº 2 do mesmo diploma legal e do direito ao ambiente previsto no artº 66º, nº 1 da CRP.” (fls. 548 a 553)
3. Por sua vez, o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões nas contra-alegações:
“1.º - A norma do n.º 4 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2008, de 8 de abril, ao fixar o prazo máximo de oito dias úteis para os operadores de desmantelamento de veículos em fim de vida (VFV) realizarem as operações descritas no n.º 2.1 de Anexo IV, não viola o direito a livre iniciativa previsto no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição.
2.º - Na verdade, destinando-se aquelas operações ao tratamento para despoluição dos VFV, é o direito ao ambiente – constitucionalmente previsto no artigo 66.º, n.º 1, da Constituição -, que se visa proteger.
3.º - Sendo essa também a finalidade com o disposto no n.º 5 daquele artigo 20.º, enquanto fixa um prazo máximo de 45 dias úteis para os operadores de desmantelamento realizarem as operações descritas no n.º 2.2 do Anexo IV, esta norma também não é violadora do direito constitucional, anteriormente referido.
4.º - Visando a fixação de um prazo de 45 dias úteis, precisamente, a proteção do ambiente (como se viu), gozando o legislador de uma ampla liberdade de conformação na adoção em concreto das medidas e não se mostrando tal prazo arbitrário, aquela norma também não é violadora do direito do ambiente.” (fls. 558 e 559)
Assim sendo, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Nos presentes autos, discute-se a inconstitucionalidade das normas infra transcritas, que constam dos n.ºs 4 e 5 do artigo 20º Regime Jurídico dos Veículos em Fim de Vida [RJVFV], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 196/2003, de 23 de agosto, e republicado, de acordo com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 64/2008, de 08 de abril:
“Artigo 20.º
Operadores de desmantelamento e de fragmentação
1 – (…)
2 – (…)
3 – (…)
4. Os operadores de desmantelamento ficam obrigados a realizar as operações descritas no n.º 2.1. do anexo IV, imediatamente após a receção da VFV [veículos em fim de vida], em todo o caso nunca excedendo o prazo de oito dias úteis.
5. Os operadores de desmantelamento ficam obrigados a realizar as operações descritas no n.º 2.2. do anexo IV imediatamente após a receção da VFV, em todo o caso nunca excedendo 45 dias úteis.”
O referido regime jurídico foi adotado, por decreto-lei proferido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 198º da Constituição da República – portanto, sem dependência de prévia lei de autorização legislativa –, e visou transpor a Diretiva n.º 2000/53/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de setembro de 2000, relativa aos veículos em fim de vida. Por sua vez, a referida diretiva foi sucessivamente alterada pelas Decisões n.º 2002/525/CE, de 27 de junho de 2002, n.º 2005/437/CE, n.º 2005/438/CE, ambas de 10 de junho de 2005, n.º 2005/673/CE, de 01 de julho de 2007, e, posteriormente pelas Diretivas n.º 2008/33/CE, de 21 de março de 2007, e n.º 2008/112, de 12 de janeiro de 2009.
Naquilo que se afigura relevante para os presentes autos, a Diretiva n.º 2000/53/CE determinou que:
“Artigo 6.º
Tratamento
1. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que todos os veículos em fim de vida sejam armazenados (incluindo o armazenamento temporário) e tratados de acordo com os requisitos gerais previstos no artigo 4.º da Diretiva 75/442/CEE e com os requisitos técnicos mínimos previstos no anexo I da presente diretiva, sem prejuízo das regulamentações nacionais em matéria de saúde e ambiente.
2. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que qualquer estabelecimento ou empresa que efetue operações de tratamento obtenha uma autorização ou esteja inscrito junto das autoridades competentes, nos termos dos artigos 9.º, 10.º e 11.º da Diretiva 75/442/CEE.
(…)
3. Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que qualquer estabelecimento ou empresa que proceda a operações de tratamento cumpra, no mínimo, as seguintes obrigações, nos termos do anexo I:
a) Os veículos em fim de vida devem ser totalmente despojados antes de se proceder ao seu tratamento subsequente, ou devem ser tomadas disposições equivalentes, a fim de reduzir qualquer impacto ambiental adverso. Os componentes ou materiais rotulados ou de outro modo identificados nos termos do n.º 2 do artigo 4.o devem ser removidos antes de se proceder a qualquer outro tratamento.
b) Os materiais e componentes perigosos devem ser removidos, selecionados e separados de forma a não contaminarem os resíduos retalhados dos veículos em fim de vida.
c) As operações de despojamento e o armazenamento devem ser efetuados de maneira a garantir a possibilidade de reutilização e valorização, especialmente de reciclagem, dos componentes dos veículos.
As operações de tratamento de despoluição dos veículos em fim de vida referidas no ponto 3 do anexo I devem ser efetuadas com a maior brevidade possível. (…)”.
5. Em primeiro lugar, importa apreciar a alegada “inconstitucionalidade formal”, assim qualificada pela recorrente (fls. 538) por estar em causa uma norma restritiva incluída num ato legislativo sujeito à forma de “decreto-lei”, quando aquela entende que o mesmo apenas poderia ficar sujeito à forma de “lei” parlamentar. Em bom rigor, o que aqui está em causa é a eventual inconstitucionalidade orgânica das normas em causa, por violação da reserva parlamentar, em matéria de “direitos, liberdades e garantias” [artigo 165º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP)]. Na verdade, os diplomas que fixaram e desenvolveram o RJVFV correspondem a atos legislativos do Governo da República, sem que sejam portadores de qualquer credencial parlamentar, seja ela “explícita” – mediante lei de autorização legislativa – ou “implícita” – por intermédio de confirmação parlamentar superveniente do conteúdo normativo do decreto-lei. Admitindo – por ora – que as normas sob apreço implicariam uma restrição de um direito, liberdade ou garantia, estar-se-ia, de facto, perante uma situação de exercício governamental de competência que lhe não cabia.
A circunstância de os decreto-leis em causa procederem a uma mera transposição de ato legislativo da União Europeia que, nessa qualidade, vincula o Estado português não desonera o Governo da República de acautelar o estrito cumprimento das regras constitucionais de distribuição de competência legislativa. Apesar de tal transposição poder ocorrer mediante “lei”, “decreto-lei” ou “decreto legislativo regional” (artigo 112º, n.º 8, da CRP), tal não significa que haja uma liberdade incondicionada de opção pela forma de ato legislativo, antes se impondo aos órgãos constitucionais com competência legislativa a adoção do ato adequado, segundo as normas constitucionais de distribuição de competência. Tal já foi, aliás, afirmado por este Tribunal, a propósito da transposição de diretivas pelas assembleias legislativas das Regiões (cfr. Acórdão n.º 423/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Em suma, a verificação de um dever internacional de adequação do ordenamento jurídico português a normas de fonte europeia não desonera o Governo da República de acatar o sistema constitucional de distribuição de competências legislativas.
Além disso, deve referir-se que a “diretiva” em causa – para além de não ser portadora de “aplicabilidade direta”, pois depende, precisamente, de ato nacional de transposição – nem sequer permite que dela seja extraída qualquer norma “clara, precisa e incondicional”, de modo a que se pudesse concluir que a mesma dispõe de “efeito direto”. Com efeito, não foi a Diretiva 2000/53/CE que fixou os concretos prazos de tratamento de veículos em fim de vida, tendo apenas determinado, no artigo 6º, n.º 3, in fine, que “[a]s operações de tratamento de despoluição dos veículos em fim de vida referidas no ponto 3 do anexo I devem ser efetuadas com a maior brevidade possível”. A norma em causa carece, portanto, de “precisão” – ou seja, de uma especificação intensa dos elementos constitutivos da norma –, pelo que não pode negar-se que a situação jurídica é diretamente regida por um instrumento legislativo de fonte nacional e não de fonte europeia.
6. Estando o legislador governamental vinculado às regras constitucionais de competência legislativa, quando procede à transposição de “diretivas” da União Europeia que não contenham normas “claras, precisas e incondicionais”, resta averiguar qual a natureza do “direito à iniciativa privada” (artigo 61º, n.º 1, da CRP), que vem invocado pela recorrente, com vista a aferir se aquele direito fundamental se encontra abrangido pela referida reserva de lei parlamentar. Ora, aquele direito fundamental encontra-se inserido no Título III da Parte I da Lei Fundamental, pelo que não faz parte do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias”, não se aplicando, pelo menos diretamente. Importa, porém, verificar se pode ser qualificado como “direito análogo” (artigo 17º da CRP) e se, em caso afirmativo, pode beneficiar da reserva parlamentar de competência legislativa.
Deve recordar-se que o Tribunal Constitucional já tomou posição acerca da amplitude máxima da reserva de competência parlamentar ínsita na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º. Ao contrário do que defenderia uma “conceção restritiva” – por exemplo, preconizada por Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2008, 160-163), que entende que os “direitos análogos” não ficam abrangidos pelo regime orgânico dos “direitos, liberdades e garantias” –, a jurisprudência consolidada deste Tribunal (a título de exemplo, ver os Acórdãos n.º 329/99, n.º 187/01, n.º 491/02, n.º 358/05 e n.º 304/10, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), que se reitera, entende que a redação daquela norma de reserva relativa abrange igualmente os “direitos análogos”. Nessa perspetiva, caso se viesse a qualificar o “direito à iniciativa privada” como tal, forçoso seria concluir pela violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.
Vejamos, então, se assim é.
Tem sido reiteradamente afirmado que a mera inserção do artigo 61º no Título relativo a “direitos, sociais e económicos” não o priva de uma certa dimensão de “direito à não intervenção estadual”, que é típica dos “direitos, liberdades e garantias” (cfr. Acórdãos n.º 187/01 e n.º 304/10). Não se trata, portanto, de um mero “direito à atuação estadual”, mas antes de um direito que, em certa medida, exige que o Estado (e os demais poderes públicos) se abstenha(m) de o colocar em causa, mediante intervenções desrazoáveis ou injustificadas. Tal direito fundamental compreende, em si mesmo, uma “vertente decisório/impulsiva”, que resulta na faculdade de formação da vontade de prosseguir determinada atividade económica e de lhe dar início, e uma “vertente organizativa”, que pressupõe a liberdade de determinar o modo de organização e de funcionamento da referida atividade económica (cfr. Acórdãos n.º 358/2005 e n.º 304/2010).
Porém, a verificação de que o “direito à livre iniciativa privada” partilha de algumas características dos “direitos, liberdades e garantias” não significa que todo o respetivo conteúdo normativo possa beneficiar da integralidade daquele específico regime constitucional. Para tanto, imperioso se torna que seja possível extrair do conteúdo daquele direito um “conteúdo essencial” que corresponda à “dimensão negativa” dos “direitos de liberdade”. Dito de outro modo, só a parcela do “direito à livre iniciativa privada” que corresponda a um dever de abstenção do Estado face àquela livre conformação do indivíduo (ou da pessoa coletiva) é que beneficia do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias”, ficando assim sujeito à reserva legislativa parlamentar fixada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165º, da CRP. Neste sentido, constitui referência incontornável o Acórdão n.º 289/04:
“7. Sobre o âmbito da liberdade de iniciativa económica privada tem-se pronunciado este Tribunal por várias ocasiões. Assim, recordou-se no Acórdão n.º 187/2001 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 50º, pág. 42), retomando anterior jurisprudência:
«Segundo o artigo 61º, n.º 1 (iniciativa privada, cooperativa e autogestionária), “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.”
Ora, como se escreveu no citado Acórdão n.º 76/85, seguindo a doutrina: “A liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (direito à empresa, liberdade de criação de empresa) e, por outro lado, na liberdade de gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade de empresário). Ambas estas vertentes do direito de iniciativa económica privada podem ser objecto de limites mais ou menos extensos. Com efeito, esse direito só pode exercer-se ‘nos quadros definidos pela Constituição e pela lei’ (n.º 1, in fine), não sendo portanto um direito absoluto, nem tendo sequer os seus limites constitucionalmente garantidos, salvo no que respeita a um mínimo de conteúdo útil constitucionalmente relevante, que a lei não pode aniquilar, de acordo, aliás, com a garantia de existência de um sector económico privado.”
(…)
Sobre os quadros definidos pela lei, disse-se no citado Acórdão n.º 328/94, que “(...) o direito de liberdade de iniciativa económica privada, como facilmente deflui do aludido preceito constitucional, não é um direito absoluto (ele exerce-se, nas palavras do Diploma Básico, nos quadros da Constituição e da lei, devendo ter em conta o interesse geral). Não o sendo – e nem sequer tendo limites expressamente garantidos pela Constituição (muito embora lhe tenha, necessariamente, de ser reconhecido um conteúdo mínimo, sob pena de ficar esvaziada a sua consagração constitucional) – fácil é concluir que a liberdade de conformação do legislador, neste campo, não deixa de ter uma ampla margem de manobra.”
A norma constitucional remete, pois, para a lei a definição dos quadros nos quais se exerce a liberdade de iniciativa económica privada. Trata-se, aqui, da previsão constitucional de uma delimitação pelo legislador do próprio âmbito do direito fundamental – da previsão de uma “reserva legal de conformação” (a Constituição recebe um quadro legal de caracterização do conteúdo do direito fundamental, que reconhece). A lei definidora daqueles quadros deve ser considerada, não como lei restritiva verdadeira e própria, mas sim como lei conformadora do conteúdo do direito.
(…)»
Mais limitado será, todavia, o domínio no qual este direito fundamental beneficia de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, portanto, da sua específica protecção. Este domínio mais restrito diz respeito apenas aos «quadros gerais e aos aspectos garantísticos» da liberdade de iniciativa económica (cfr. Acórdão n.º 329/99, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 44º vol., pág. 129), que digam respeito à liberdade de iniciar empresa e de a gerir sem interferência externa.
É, pois, apenas quanto a este núcleo da liberdade de iniciativa económica privada que, por aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, e por revestir a natureza de direito de natureza análoga, existe uma reserva de lei parlamentar. Como se sustentou no Acórdão n.º 373/91 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol., pág. 111):
«cabem necessariamente na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, por força das disposições combinadas dos artigos 17º e 168º, n.º 1, alínea b) [correspondente ao actual artigo 165º], da Constituição da República, as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos «direitos análogos», por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias.»”
Ora, no caso em apreço nos presentes autos, resulta que o “núcleo essencial” do “direito à livre iniciativa privada” – que pressupõe o direito a não ser impedido, de modo absoluto, desrazoável e injustificado de exercer determinada atividade económica – não foi tocado pela aplicação das normas extraídas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 20º do RJVFV. Com efeito, a imposição daqueles prazos legais para tratamento de veículos em fim de vida não impossibilitou a recorrente, integral e definitivamente, de exercer a sua atividade económica. Quando muito condicionou alguns aspetos do modo de organização e de exercício da mesma, diminuindo os respetivos dividendos lucrativos. Mas tal condicionamento – com vista à proteção de outros valores constitucionais, como o direito ao ambiente (artigo 66º, n.º 1, da CRP) – não interfere com o “núcleo essencial” daquele direito fundamental, que poderia ser equiparado à “dimensão negativa” típica de um direito de liberdade.
Aliás, ao definir a esfera de proteção normativa do “direito à livre iniciativa privada”, a Constituição fixa-lhe um “limite explícito”, que corresponde ao respeito pelos “quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral” (artigo 61º da CRP). Ora, conforme já demonstrado pelo Acórdão n.º 304/2010, a sujeição do “direito à iniciativa privada” àquela “tripla reserva” encontra eco no próprio Direito Constitucional Comparado e demonstra que a própria Lei Fundamental delimita aquele direito fundamental em função do “interesse geral” e de outros valores constitucionalmente protegidos como, neste caso, o direito ao ambiente (artigo 66º, n.º 1, da CRP) e, em última instância, os direitos à saúde (artigo 64º, n.º 1, da CRP), à proteção da integridade física (artigo 25º, n.º 1, da CRP) e à própria vida (artigo 24º, n.º 1, da CRP), que poderiam ficar comprometidos pelo inadequado tratamento de resíduos perigosos.
Por conseguinte, não estando em causa o “núcleo essencial” daquele direito fundamental – único que seria passível de qualificação como “direito análogo” –, não se verifica qualquer exigência de respeito pela reserva de competência legislativa parlamentar fixada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165º, razão pela que as normas que constituem objeto do presente recurso não padecem de inconstitucionalidade orgânica.
7. Quanto à alegada inconstitucionalidade material, invoca a recorrente que a fixação de prazos reduzidos para prática de “operações de despoluição”, fixado em 8 (oito) dias (artigo 20º, n.º 4, do RJVFV), e de “operações de reutilização e de reciclagem”, fixado em 45 (quarenta e cinco) dias (artigo 20º, n.º 4, do RJVFV) configuraria uma restrição desproporcionada do “direito à iniciativa privada”.
Tendo em conta a caracterização supra levada a cabo, impõe-se relembrar que tal direito fundamental não goza do regime específico dos “direitos, liberdades e garantias” e, em especial, do previsto no n.º 2 do artigo 18º da CRP.
Conforme já supra se demonstrou, tal direito fundamental encontra, aliás, um limite imanente no respeito pela Constituição, pela lei e pelo interesse geral (artigo 61º, n.º 1, da CRP). É, portanto, a própria Constituição que faz depender a liberdade de iniciativa privada do respeito por outros valores constitucionais que com ela possam concorrer. Ora, neste caso, quer o Direito da União Europeia [vide Diretiva 2000/53/CE], quer a Constituição, quer a lei, quer o interesse geral determinam a necessidade de acautelar a recolha e tratamento dos veículos em fim de vida, cujos componentes se podem revelar nocivos para o ambiente e para a saúde pública.
Acresce ainda que a Constituição comete ao Estado deveres de proteção do ambiente [artigos 9º, alínea e), e 66º, n.º 1, da CRP`) e da saúde pública [artigos 9º, alínea d) e 64º, n.º 1, da CRP), que se traduzem quer em regimes de licenciamento de determinadas atividades económicas, quer em regimes de controlo administrativo dessas mesmas atividades. Nessa perspetiva, o próprio “direito à livre iniciativa privada” pressupõe que tais missões do Estado e das demais pessoas coletivas públicas sejam devidamente acauteladas.
Reforçando esta ideia, o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de demonstrar, recentemente, no Acórdão n.º 557/11 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), em que se apreciou recurso relativo a contraordenação aplicada ao abrigo, precisamente, do RJVFV, que a proteção do ambiente impõe e justifica a imposição de sanções contraordenacionais pela violação de normas de conduta destinadas à recolha e tratamento de veículos em fins de vida:
“Afigurando-se inquestionável a adequação e exigibilidade da sanção contraordenacional como medida contra atuações que infringem regras destinadas a proteger bens jurídicos ambientais, o que aqui se pode discutir é a proporcionalidade em sentido estrito (ou princípio da justa medida) no estabelecimento daquele limite mínimo de coima aplicável a uma pessoa singular que pratique uma infração qualificada como “muito grave”.” (com sublinhado nosso).
Em suma, não se verifica qualquer violação do “direito à iniciativa privada”, na medida em que o próprio escopo normativo de tal direito fundamental o submete às limitações resultantes do confronto com os demais direitos fundamentais.
8. Significará isto que tal direito fundamental poderia ficar sujeito a restrições desrazoáveis e injustificadas, impostas por decisão do legislador, sem que tal possa ser constitucionalmente sindicado?
Decerto que não.
A força irradiante do princípio da proporcionalidade, que pode ser extraído da noção de “Estado de Direito” (artigo 2º da CRP), espraia-se igualmente sobre as normas jurídicas adotadas em matéria de “direitos sociais, económicos e culturais”. Impõe-se, assim, verificar se a fixação legal de prazos de 8 e 45 dias, respetivamente, para a despoluição e para a reutilização e reciclagem de componentes de veículos em fins de vida se afigura desproporcionada, por constituir uma exigência de excessiva celeridade por parte das empresas que procedem à recolha e tratamento de tais veículos.
Importa ter presente quais são as específicas operações materiais que se encontram em causa. Nos termos do Anexo ao RJVFV, tais operações são descritas nos seguintes termos:
“2.1 — Operações de tratamento para despoluição dos VFV:
Remoção dos acumuladores e dos depósitos de gás liquefeito (GPL);
Remoção ou neutralização dos componentes pirotécnicos (por exemplo, air -bags e pré -tensores dos cintos de segurança);
Remoção do combustível (incluindo o GPL), do óleo do motor, do óleo da transmissão, do óleo da caixa de velocidades, do óleo dos sistemas hidráulicos, dos líquidos de arrefecimento, do anticongelante, do fluidos dos travões, dos fluidos dos sistemas de ar condicionado e quaisquer outros fluidos contidos no VFV, a menos que sejam necessários para efeitos de reutilização das peças visadas;
Remoção, na medida do possível, de todos os componentes identificados como contendo mercúrio;
Remoção de todos os componentes e materiais rotulados ou de outro modo indicados nos termos do anexo I, no caso dos VFV das categorias M1, N1 e veículos a motor de três rodas, com exclusão dos triciclos a motor.
2.2 — Operações de tratamento a fim de promover a reutilização e a reciclagem:
Remoção de todos os componentes suscetíveis de reutilização como peças em segunda mão, quando técnica e economicamente viável;
Remoção dos catalisadores;
Remoção dos componentes metálicos que contenham cobre, alumínio e magnésio, se esses metais não forem separados no ato de fragmentação;
Remoção de pneus;
Remoção de grandes componentes de plástico (por exemplo, para -choques, painel de bordo, reservatórios de fluidos, etc.) se estes materiais não forem separados no ato de fragmentação;
Remoção dos vidros.”
Daqui decorre que o legislador optou por uma gradação das operações de tratamento dos veículos em fim de vida, privilegiando a retirada célere de componentes particularmente nocivos ao ambiente e à saúde pública, num prazo de 8 dias (artigo 20º, n.º 4, do RJVFV), e fixando um prazo mais amplo, de 45 dias, para remoção de componentes que ainda fossem passíveis de reutilização ou reciclagem (artigo 20º, n.º 5, do RJVFV), antes da destruição integral dos mesmos. E deve ter-se sempre presente que o regime jurídico adotado visou transpor a Diretiva 2000/53/CE que, apesar de não fixar prazos concretos, determinou, nos termos do artigo 6º, n.º 3, in fine, que “[a]s operações de tratamento de despoluição dos veículos em fim de vida referidas no ponto 3 do anexo I devem ser efetuadas com a maior brevidade possível”. Assim sendo, torna-se inegável que o legislador ordinário estava internacionalmente vinculado a adotar normas jurídicas que impusesse a máxima brevidade no tratamento de tais resíduos.
Ora, em matéria de “direitos sociais, económicos e culturais”, o legislador goza de ampla margem de decisão legislativa, só cabendo ao Tribunal Constitucional verificar se tais decisões normativas configuram uma violação manifesta do princípio da proporcionalidade. Especificamente neste caso, a medida legislativa afigura-se adequada, pois a fixação de prazos reduzidos de tratamento dos veículos em fim de vida logra diminuir os risco de contaminação do ambiente pelos resíduos nocivos neles contidos, visa assegurar valores constitucionalmente protegidos (v.g., direito ao ambiente e direito à saúde) que conflituam com o direito fundamental da recorrente, e as operações concretas a ser levadas a cabo pelas empresas de tratamento dos veículos em fim de vida, dentro do prazo de 8 dias, não pressupõem o tratamento de todos os componentes daqueles veículos, mas apenas daqueles que se afiguram como mais nocivos.
Quanto ao prazo de 45 dias para remoção de componentes para reutilização e para reciclagem, não se pode concluir que o mesmo seja excessivamente reduzido, antes correspondendo a um prazo adequado a garantir o equilíbrio entre a garantia de que resíduos nocivos ao ambiente não permanecem sem tratamento definitivo e o direito da recorrente a utilizar os componentes removidos para finalidade lucrativas que aquela (legitimamente) prossegue. Aliás, não se alcança a tese esgrimida pela recorrente de que tal prazo abrangeria não só a remoção, como igualmente a busca de comprador (e respetiva negociação contratual) para os componentes destinados a reutilização ou reciclagem, na medida em que o prazo fixado pelo n.º 5 do artigo 20º do RJVFV apenas abrange a remoção física dos referidos componentes. Como é evidente, o licenciamento administrativo das empresas que operam o tratamento de veículos em fim de vida pressupõe que tais materiais extraídos são convenientemente armazenados, até futura reutilização ou reciclagem.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 20º do RJVFV, cabe aos operadores de desmantelamento e de fragmentação obedecer aos requisitos técnicos mínimos que constam do § 2 do Anexo àquele diploma legal e que, entre outros, exige que aquelas empresas disponham de:
“(…) Zona de armazenagem de componentes e materiais retirados, devidamente coberta de forma a proporcionar proteção suficiente contra a chuva e contra o vento, com superfície impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais.
Esta zona deverá estar equipada com recipientes adequados e devidamente identificados para o armazenamento separado de acumuladores (com neutralização dos eletrólitos Zona de armazenagem de componentes e materiais retirados, devidamente coberta de forma a proporcionar proteção suficiente contra a chuva e contra o vento, com superfície impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais.
Esta zona deverá estar equipada com recipientes adequados e devidamente identificados para o armazenamento separado de acumuladores (com neutralização dos eletrólitos eletrólitos no próprio local ou noutro local), filtros, condensadores contendo PCB, fluidos (separados de acordo com as classes referidas no n.º 2.1 deste anexo) e de componentes destinados a reutilização.
As operações de armazenagem são realizadas de forma a evitar danos nos componentes que contenham fluidos, nos componentes recuperáveis ou nos sobressalentes;
Zona de armazenagem de pneus usados (sem empilhamento excessivo), com superfície impermeável e equipada com sistema de recolha e tratamento de águas pluviais, águas de limpeza e de derramamentos, dotado de decantadores e separadores de óleos e gorduras, que permita cumprir a legislação nacional relativa a descarga de águas residuais.”
Na medida em que o prazo de 45 dias apenas se destina à remoção e armazenamento dos componentes dos veículos em fim de vida que tenham entrado num centro de receção, não se pode considerar que o mesmo seja manifestamente desproporcionado, em sentido estrito, cabendo ao legislador ordinário, em função dos conhecimentos técnicos de que dispõe, estabelecer os concretos prazos a cumprir, com ampla margem de liberdade legislativa.
As normas extraídas dos n.º 4 e 5 do artigo 20º do RJVFV não são inconstitucionais, quer por violação do “direito à iniciativa privada” (artigo 61º, n.º 1, da CRP), nem por violação do “princípio da proporcionalidade”, enquanto decorrência do “Estado de Direito” (artigo 2º da CRP).
III – Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) julgar não inconstitucional as normas extraídas do artigo 20.º, nºs 4 e 5, do Decreto-Lei nº 64/2008, de 8 de abril;
E em consequência,
b) não conceder provimento ao recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25UC’s, nos termos do nº1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 31 de janeiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro