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Processo n.º 826/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Contas, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 2 de julho de 2012.
2. Pela Decisão sumária n.º 602/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. O recorrente pretende a apreciação da inconstitucionalidade das «normas extraídas dos artigos 65.º e 66.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto», no âmbito de recurso que interpôs ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acórdão do Tribunal de Contas.
Em fiscalização concreta da constitucionalidade de normas (artigos 280.º da Constituição da República Portuguesa e 69.º e ss. da LTC) – diferentemente do que sucede na fiscalização abstrata (artigos 281.º da Constituição e 62.º da LTC) – “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta” (Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional em Portugal, Almedina, 2007, p. 66). Consequentemente, o recorrente apenas pode requerer a apreciação de norma (ou normas) que tenha (tenham) sido aplicada (aplicadas), como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido.
Nos presentes autos, é requerida a apreciação das normas dos artigos 65.º (responsabilidades financeiras sancionatórias) e 66.º (outras infrações) da LOPTC, quando o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente só pode ter como objeto a norma (ou normas) aplicada (aplicadas) como razão de decidir, por o mesmo se inscrever no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas.
Não pode, pois, conhecer-se desta parte do objeto do recurso, o que justifica a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. O recorrente pretende também a apreciação da constitucionalidade da «norma extraída do artigo 30.º do Código Penal, na interpretação de que, para efeitos de aferição da unidade ou pluralidade dos comportamentos típicos relevantes suscetíveis de gerar responsabilidade financeira sancionatória, deve relevar apenas o número de bens jurídicos concretamente lesados pelo arguido».
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. No caso, o acórdão de 2 de julho de 2012.
Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 30.º do Código Penal.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
3. O recorrente pretende também a apreciação da constitucionalidade das «normas extraídas dos artigos 67.º, n.º 2, artigo 65.º, n.ºs 2 e 5, e artigo 80.º, alínea c), todos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006 (…), na interpretação de que, para efeitos de determinação da multa a aplicar, vigora um regime de cúmulo material e não jurídico (conforme previsto no artigo 77.º do Código Penal)».
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àqueles preceitos legais.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
4. O recorrente pretende ainda a apreciação da constitucionalidade da «norma extraída do artigo 59.º, n.os 1 e 4 da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006 (…), na interpretação de que, para efeitos de qualificação da ilicitude geradora de responsabilidade financeira reintegratória, basta a invocação de meros princípios gerais de diligência e cuidado, sem necessidade de existência de norma prévia e expressa que delimite o comportamento tipicamente relevante».
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquele preceito legal.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, também nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. É esta decisão que é agora objeto de reclamação, com os seguintes fundamentos:
«17. Nos termos do disposto no artigo 75.º-A, n.os 1 e 2, da LTC o recurso para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique:
a alínea no n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual se recorre; e
se faça constar a indicação da norma ou o princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como a peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.
18. Note-se que a lei não exige que se “cite” ou se “reproduza” a norma ou o teor da peça processual em que o recorrente suscitou a questão, requer, isso sim:
“a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade.” (cfr. n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC).
19. Ora, o verbo transitivo “indicar” significa: (i) mostrar ou apontar o dedo; (ii) assinalar; destacar; (iii) dar a conhecer; expor; mencionar; designar; (iv) ter como significado; revelar; (v) dar sinal de; indiciar; (vi) aconselhar; sugerir; (vii) ensinar (in Infopédia, em linha, Porto: Porto Editora, 2003-2013, disponível em http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/indicar).
20. Nunca, “descrever”, “enunciar” ou sequer “citar”.
21. Assim, nos termos do artigo 1.º do Requerimento de Recurso, o Requerente invocou a norma ao abrigo da qual apresentou o seu Requerimento de Recurso:
“(…) artigo 70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (“Lei do Tribunal Constitucional”)”
22. Identificando, de seguida, relativamente a cada uma das situações objeto de recurso, a(s) norma(s) que considerou violada(s), bem como a peça processual na qual essa invocação foi realizada. Assim,
23. Referia-se, no artigo 5.º da Petição de Recurso que:
“O presente recurso é interposto das normas extraídas dos artigos 65.º e 66.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto, por violação do Princípio do Estado de Direito Democrático e da Legalidade previstos nos artigos 2.º e 3.º da Constituição da República Portuguesa.”
24. Acrescentando, no ponto imediatamente subsequente, que
“A inconstitucionalidade das mencionadas normas foi invocada quer na Contestação apresentada nos presentes autos (cfr. artigos 4.º a 15.º) e na Petição de Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas (cfr. artigos 5.º a 28.º, em especial no artigo 27.º).”
25. No entanto, entendeu o Douto Tribunal ora reclamado que
“o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente só pode ter como objeto a norma (ou normas) aplicada (aplicadas) como razão de decidir, por o mesmo se inscrever no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas.”
26. Ora, o recurso de constitucionalidade teve por objeto normas efetivamente aplicadas: as que procederam à concreta condenação do arguido nas responsabilidades financeiras sancionatórias em que foi condenado: 4 (quatro) multas, no valor total de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da Lei n.º 98/97.
27. E se o Requerente invocou a inconstitucionalidade daquela norma a título prévio foi porque considerou que a procedência do seu argumento implicaria a desresponsabilização de várias das infrações em que foi condenado, não certamente por mero exercício académico !
28. Termos em que, por o presente recurso dizer respeito à aplicabilidade concreta do artigo 65.º da Lei n.º 98/97, se requer a V. Exas. que, reapreciando a Douta Decisão ora reclamada à luz dos argumentos apresentados, a revoguem nesta parte, admitindo e conhecendo da presente questão em sede Recurso.
29. Por outro lado, referia-se, no artigo 7.º da Petição de Recurso que:
“O presente recurso é ainda interposto da norma extraída do artigo 30.º do Código Penal, na interpretação de que, para efeitos de aferição da unidade ou pluralidade dos comportamentos típicos relevantes suscetíveis de gerar responsabilidade financeira sancionatória, deve relevar apenas o número de bens jurídicos concretamente lesados pelo arguido.”
Acrescentando, no ponto imediatamente subsequente, que:
“A inconstitucionalidade daquela norma foi invocada quer na Contestação apresentada nos presentes autos (cfr. artigo 115.º da Contestação) e na Petição de Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas (cfr. artigos 29.º a 45.º, em especial no artigo 47.º).”
No entanto, entendeu o Douto Tribunal ora reclamado que:
“Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 30.º do Código Penal.”
Simplesmente não se compreende a Douta decisão proferida.
Com efeito, conforme se pode ler na Petição de Recurso da Sentença, inclusivamente citada pela Douta Decisão de que ora se reclama:
“33. Face àquele entendimento [do Ministério Público e da Sentença então Recorrida] e à aplicabilidade a esta matéria dos princípios enformadores do Direito Penal, veio o ora Recorrente invocar que o critério relevante para efeito de determinação do número concreto de infrações não consiste nem no número de vezes, naturalisticamente contadas, que foi preenchido o respetivo tipo, nem tão pouco no concreto número de normas subsumíveis àquela(s) conduta(s).
34. O critério relevante é, outrossim, o do sentido da ilicitude do comportamento encontrado na ação normativamente dirigida ao agente, como bem anota Figueiredo Dias a respeito do artigo 30.º do CP: (…)
38. Pugnou o ora Recorrente, em 1.ª Instância, pela configuração unitária das infrações que lhe foram imputadas nos pontos 98.º a 103.º da Acusação porquanto também nelas não é possível descortinar um sentido de ilicitude distinto ou autónomo das demais. (…)
48. Isto sob pena de se valorar várias vezes a mesma conduta do agente e, nessa medida, ser violado o princípio constitucionalmente consagrado do ne bis in idem.”
34. Existem dúvidas de que estava em causa a aplicação do (expressamente mencionado, aliás, na própria epígrafe daquele capítulo) artigo 30.º do Código Penal?
35. Existem dúvidas de que é a interpretação de que é a interpretação de que no artigo 30.º do Código Penal se valoram comportamentos naturalísticos (e não se procura o sentido da ilicitude do comportamento, como se defende) que é suscetível de violar o princípio do ne bis in idem?
36. Existem dúvidas de que o princípio do ne bis in idem se encontra constitucionalmente tutelado pelo artigo 29, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa?
37. Não podem existir.
38. Mas mesmo que existissem, bastaria ao Douto Tribunal ter atentado no artigo 115.º da Contestação (peça processual também indicada no Requerimento de Recurso) para esclarecer cabalmente a questão:
“Tudo sob pena de a valoração daqueles factos como forma autónoma implicar [como veio a suceder], na realidade, a múltipla valoração do substracto material ilícito contido na conduta infraccional (a mesma “resolução criminosa”, nos termos anteriormente definidos) e, nessa medida, colidir expressa e imediatamente com o princípio constitucionalmente consagrado do ne bis in idem.”
39. Ora, o Reclamante indicou o princípio constitucional que se considerou violado, bem como as peça processuais em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade, conforme lhe era exigível.
40. Termos em que se requer a V. Exas. que, reapreciando a Douta Decisão ora reclamada à luz dos argumentos apresentados, a revoguem nesta parte, admitindo e conhecendo da presente questão em sede Recurso.
41. Por seu turno, referia-se, no artigo 9.º da Petição de Recurso que:
“O presente recurso é ainda interposto das normas extraídas dos artigos 67.º, n.º 2, artigo 65.º, n.os 2 e 5, e artigo 80.º, alínea c), todos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006, por violação do princípio da culpa, expressão do princípio da dignidade da pessoa humana previsto no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação de que, para efeitos de determinação da multa a aplicar, vigora um regime de cúmulo material e não jurídico (conforme previsto no artigo 77.º do Código Penal).”
42. Acrescentando, no ponto imediatamente subsequente, que:
“A inconstitucionalidade daquela norma foi invocada na Petição de Recurso Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas (cfr. artigos 49.º a 58.º, em especial no artigo 53.º).”
43. No entanto, entendeu o Douto Tribunal ora reclamado que:
“Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àqueles preceitos legais.”
44. Ora, conforme resulta do mencionado artigo 8.º da Petição de Recurso apresentada junto do Tribunal de Contas, o recurso versa sobre a inconstitucionalidade das normas contidas nos “artigos 67.º, n.º 2, artigo 65.º, n.os 2 e 5, e artigo 80.º, alínea c), todos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto”, por violação do princípio da culpa, na interpretação de que,
“para efeitos de determinação da multa a aplicar, vigora um regime de cúmulo material e não jurídico (conforme previsto no artigo 77.º do Código Penal).”
45. Ou seja, por outras palavras, de que para efeitos de determinação das multas a aplicar, está o Tribunal obrigado a aplicar um sistema de cúmulo jurídico e não material!
46. Ora, conforme expressamente se referiu no Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas (e expressamente citado pelo Douto Tribunal ora reclamado):
“Ora, o que o Douto Tribunal a quo fez, ao desconsiderar o teor do art. 77.º do CP, foi adotar, contra legem, um sistema de acumulação material, nos termos do qual determinou a sanção cabida a cada uma das infrações concorrentes e aplicou ao Recorrente a totalidade das sanções determinadas, com as óbvias consequências que daí advêm, designadamente a violação do princípio da culpa, legal e constitucionalmente consagrado (…) e a contrariedade com as próprias finalidades do direito sancionatório.”
47. Não quererá isto significar – sem grande esforço interpretativo – de que a preterição de um regime de cúmulo jurídico constitui uma violação do princípio da culpa?
48. Não quererá isto significar – sem grande esforço interpretativo – de que no processo de aplicação da sanção (daí a alusão aos artigos artigos 67.º, n.º 2, artigo 65.º, n.os 2 e 5, e artigo 80.º, alínea c), todos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto) está o Tribunal obrigado a adotar um sistema de cúmulo jurídico?
49. A questão da inconstitucionalidade foi corretamente suscitada no Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas e foi concretamente identificada na Petição de Recurso para o Tribunal Constitucional.
50. Termos em que se requer a V. Exas. que, reapreciando a Douta Decisão ora reclamada à luz dos argumentos apresentados, a revoguem nesta parte, admitindo e conhecendo da presente questão em sede Recurso.
51. Por último, referia-se, no artigo 11.º da Petição de Recurso que:
“O presente recurso é ainda interposto da norma extraída do artigo 59.º, n.os 1 e 4 da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006, por violação do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa) e da tipicidade (artigo 29.º, n.os 1 a 3 do mesmo Diploma Fundamental), na interpretação de que, para efeitos de qualificação da ilicitude geradora de responsabilidade financeira reintegratória, basta a invocação de meros princípios gerais de diligência e cuidado, sem necessidade de existência de norma prévia e expressa que delimite o comportamento tipicamente relevante.”
52. Acrescentando, no ponto imediatamente subsequente, que:
“A inconstitucionalidade daquela norma foi invocada na Petição de Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas (cfr. artigos 75.º a 100.º, em especial nos artigos 93.º e 97.º daquela peça).”
53. No entanto, entendeu o Douto Tribunal ora reclamado que:
“Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquele preceito legal.”
54. Transcreve-se, de seguida os excertos do Recurso apresentado da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas onde, salvo melhor opinião, cremos encontrar-se inelutavelmente identificado a concreta invocação da inconstitucionalidade da posição perfilhada por aquele Tribunal:
“86. Sendo certo, porém, que cabia ao Ministério Público, enquanto Demandante, e ao Douto Tribunal recorrido, oficiosamente, demonstrar os factos que alegaram ou pretendem dar como provados (o benefício, recorde-se, não a falta de justificação), sob pena de se violar o princípio da presunção de inocência, princípio de incontornável consagração constitucional (cfr. n.º 2 do art. 32.º da CRP). (…)
92. Cabia, assim, ao Douto Tribunal, para efeitos de subsunção da conduta do Recorrente à violação do art. 82.º da Lei n.º 169/99, de 18 de setembro e do ponto 2.3.4.2. do POCAL (recorde-se: violação do interesse público, não das regras de realização de despesa) demonstrar que esse interesse foi efetivamente violado.
93. Isto, claro, sob pena de uma vez mais ser violado o princípio da presunção de inocência do Recorrente, princípio de incontornável consagração constitucional (cfr. n.º 2 do art. 32.º da CRP).
94. Já no que concerne, porém, à violação do ponto 2.6.1. do POCAL, simplesmente não se vê como possa o mesmo ter sido violado. Isto porque (…)
97. Note-se que não se afirma aqui que não devesse, em benefício da clareza e da transparência, ter sido melhor justificada a realização da despesa. Apenas se afirma – como se afirmou na Contestação – que tratando-se da aferição de responsabilidades que possuem ainda natureza punitiva, assentes ainda expressamente na culpa do agente e subordinada aos princípios estruturantes do processo penal, não pode a aplicabilidade deste regime prescindir dos princípios, legal e constitucionalmente consagrados do (i) nullum crimen, nulla poena sine lege previa (cfr. art. 29.º, nos 1 e 3 da CRP (…) e art. 1.º, n.º 2 do CP (…) e nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (…).
(…)
98. De onde resulta não poder ser relevada para efeitos de aferição de responsabilidade financeira reintegratória a conduta do Recorrente que esteja assente na violação de meros princípios de boa gestão e não assente em regras escritas e prévias expressamente relacionadas com a punição a título de responsabilidades financeiras.
55. A questão da inconstitucionalidade foi, assim, corretamente suscitada no Recurso da Sentença proferida pela 3.ª Secção do Tribunal de Contas e foi concretamente identificada na Petição de Recurso para o Tribunal Constitucional.
56. Termos em que se requer a V. Exas. que, reapreciando a Douta Decisão ora reclamada à luz dos argumentos apresentados, a revoguem nesta parte, admitindo e conhecendo da presente questão em sede Recurso».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1º
Pela Decisão Sumária 602/12, de 18 de dezembro (cfr. fls. 229-239 dos autos), a Ilustre Conselheira Relatora decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade oportunamente interposto pelo ora reclamante, A..
2º
O recorrente requereu, desde logo, a apreciação da constitucionalidade das normas dos arts. 65º (responsabilidades financeiras sancionatórias) e 66º (outras infrações) da Lei 98/97, de 26 de agosto (Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas – LOPTC), na redação introduzida pela Lei nº 48/06, de 29 de agosto, por violação do Princípio do Estado de Direito Democrático e da Legalidade, previstos nos arts. 2º e 3º da Constituição (cfr. fls. 189 dos autos).
3º
Entendeu, porém, a Ilustre Conselheira Relatora, na Decisão Sumária ora reclamada, não conhecer desta parte do objeto do recurso, ao abrigo do art. 78º-A, nº 1, da LTC, dado que “o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente só pode ter como objeto a norma (ou normas) aplicada (aplicadas) como razão de decidir, por o mesmo se inscrever no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas” (cfr. fls. 237 dos autos).
4º
Compulsando a primeira peça indicada pelo recorrente, como sendo uma daquelas em que esta questão de constitucionalidade foi previamente suscitada (Contestação, arts. 4º a 15º - cfr. fls. 194-197 dos autos), refere-se aí (cfr. fls. 194 dos autos):
“5. Sucede, todavia, que versando aqueles preceitos sobre «responsabilidades financeiras sancionatórias», como resulta da própria epígrafe do artigo, deveria tal responsabilidade encontrar-se constitucionalmente consagrada, como o impõe o princípio de Estado de Direito Democrático (art. 2º da CRP) e da Constitucionalidade (art. 3º da CRP).”
5º
Mais adiante, refere-se igualmente, na mesma peça (cfr. fls. 197 dos autos):
“13. Não existe qualquer fundamento constitucional para aplicação de sanções pelo Tribunal de Contas, como o exige o princípio do Estado de Direito Democrático e o Princípio da Constitucionalidade.
14. Não podendo, como vimos, o art. 214º da CRP justificar a consagração de uma quarta via da responsabilidade sancionatória por se tratar de uma interpretação atualista manifestamente contraditória com os seus elementos histórico e teleológico.
15. Sendo, portanto, violadora dos arts. 2º e 3º da CRP a aplicação de qualquer multa pelo Tribunal de Contas, atenta sua natureza sancionatória e, nessa medida e salvo melhor entendimento, está este Tribunal impedido de aplicar qualquer sanção desta natureza, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 204º da CRP.”
6º
Ora, muito embora se possa discutir se é aqui apresentada uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, o que é facto é que o Tribunal de Contas não adotou esta interpretação, tanto que concluiu pela responsabilidade sancionatória do recorrente.
A questão suscitada não integrou, pois, realmente, a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
7º
Relativamente à Petição de recurso (cfr. arts. 5º a 28º, em especial art. 27º - fls. 5-10 dos autos), refere-se aí, designadamente (cfr. fls. 10 dos autos):
“26. O legislador ordinário violou materialmente o princípio do Estado de Direito Democrático e da legalidade (arts. 2º e 3º da CRP, respetivamente) e, nessa medida está o Tribunal de Contas impedido de aplicar qualquer sanção desta natureza, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 204º da CRP.”
Ora, valem aqui as razões anteriormente expressas a propósito do ponto anterior, uma vez que, sem margem para dúvidas, esta interpretação não mereceu acolhimento por parte do Acórdão recorrido do Tribunal de Contas.
8º
O recorrente pretendia, também, a apreciação da constitucionalidade da «norma extraída do artigo 30º do Código Penal, na interpretação de que, para efeitos de aferição da unidade ou pluralidade dos comportamentos típicos relevantes suscetíveis de gerar responsabilidade financeira sancionatória, deve relevar apenas o número de bens jurídicos concretamente lesados pelo arguido» (cfr. fls. 189 dos autos).
9º
A Ilustre Conselheira Relatora entendeu, porém, não conhecer, também desta parte do recurso, com base na seguinte argumentação (cfr. fls. 237 dos autos):
“Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 30º do Código Penal”.
10º
Ora, de facto, compulsando as peças indicadas pelo recorrente como sendo aquelas em que a questão foi previamente colocada (Contestação, art. 115º, Petição de recurso, arts. 29º a 45º, em especial art. 47º), não se descortina a referência a nenhuma questão de constitucionalidade, ou, pelo menos, de constitucionalidade normativa.
11º
No primeiro caso (cfr. fls. 220 dos autos), refere-se, apenas:
“Tudo sob pena de a valoração daqueles factos de forma autónoma implicar, na realidade, a múltipla valoração do substrato material ilícito contido na conduta infraccional (a mesma «resolução criminosa», nos termos anteriormente definidos) e, nessa medida, colidir expressa e imediatamente com o princípio constitucionalmente consagrado do ne bis in idem.”
Ora, uma tal formulação não equivale à apresentação de uma questão de constitucionalidade normativa, na aceção exigida por este Tribunal Constitucional.
Quanto à segunda remissão (cfr. fls. 12-17 dos autos), nem sequer há nenhuma referência a questões de constitucionalidade.
Julgou, pois, bem, nesta parte, a Ilustre Conselheira Relatora.
12º
O recorrente pretendia, em terceiro lugar, a apreciação das normas extraídas dos arts. 67º, nº 2, art. 65º, nºs 2 e 5, e art. 80º, alínea c), todos da Lei 98/97, na redação introduzida pela Lei 48/06, “por violação do Princípio da Culpa, expressão do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana previsto no artigo 25º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação de que, para efeitos de determinação da multa a aplicar, vigora um regime de cúmulo material e não jurídico (conforme previsto no artigo 77º do Código Penal” (cfr. fls. 190 dos autos).
13º
Ora, a este propósito, a Ilustre Conselheira Relatora entendeu, tal como em relação à questão de constitucionalidade anterior, não conhecer do objeto do recurso, pelos fundamentos seguintes (cfr. fls. 238 dos autos):
“Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àqueles preceitos legais.”
14º
Compulsando a peça indicada pelo recorrente, como sendo aquela em que a questão foi previamente colocada (Petição de recurso, arts. 49º a 58º, em especial art. 53º - cfr. fls. 17-21 dos autos), também aí se não descortina a referência a nenhuma questão de constitucionalidade normativa, na aceção exigida por este Tribunal Constitucional.
Apenas se refere, com efeito, o que é manifestamente insuficiente (cfr. fls. 19 dos autos):
“O que o Doutro Tribunal a quo fez, ao desconsiderar o teor do art. 77º do CP, foi adotar, contra legem, um sistema de acumulação material, nos termos do qual determinou a sanção cabida a cada uma das infrações concorrentes e aplicou ao Recorrente a totalidade das sanções determinadas, com as óbvias consequências que daí advêm, designadamente a violação do princípio da culpa, legal e constitucionalmente consagrado, e a contrariedade com as próprias finalidades do direito sancionatório.”
Julgou, assim, bem, também quanto a este ponto, a Ilustre Conselheira Relatora.
15º
O recorrente pretendia, finalmente, a apreciação da norma extraída do art. 59º, nºs 1 e 4 da Lei 98/97, na redação introduzida pela Lei 48/06, “por violação do Princípio da Presunção de Inocência (artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa) e do Princípio da Tipicidade (artigo 29º, nºs 1 a 3 do mesmo Diploma Fundamental), na interpretação de que, para efeitos de qualificação da ilicitude geradora de responsabilidade financeira reintegratória, basta a invocação de meros princípios gerais de diligência e cuidado, sem necessidade de existência de norma prévia e expressa que delimite o comportamento tipicamente relevante” (cfr. fls. 190-191 dos autos).
16º
Quanto a este ponto, entendeu a Ilustre Conselheira Relatora, na Decisão Sumária ora reclamada, que também não podia conhecer desta questão de inconstitucionalidade, pelos seguintes motivos (cfr. fls. 239 dos autos):
“Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade cuja apreciação é requerida. Com efeito, na petição de recurso e, nomeadamente, nas passagens por si indicadas, o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquele preceito legal.”
17º
Compulsando, também aqui, a peça indicada pelo recorrente como sendo aquela em que a questão foi previamente colocada (Petição de recurso, arts. 75º a 100º, em especial art. 93º e 97º - cfr. fls. 27-33 dos autos), não se descortina a referência a nenhuma questão de constitucionalidade.
Também neste ponto, por isso, assiste razão à Ilustre Conselheira Relatora.
18º
Assim, terá de concluir-se que a reclamação para a conferência, em apreciação, não deverá merecer provimento, não havendo razões para alterar a Decisão Sumária 602/12, de 18 de dezembro, que determinou a sua apresentação.
19º
E tal conclusão não é minimamente abalada pelo requerimento de reclamação para a conferência apresentado pelo recorrente.
Desde logo, a questão da eventual prescrição das infrações financeiras sancionatórias não é suscetível de ser apreciada por este Tribunal Constitucional, cabendo a sua análise ao tribunal recorrido.
Por outro lado, a argumentação agora aduzida, relativamente às questões de constitucionalidade anteriormente suscitadas, apenas confirmam a justeza da posição assumida na Decisão Sumária reclamada.
Admite-se que o processo constitucional não seja de fácil apreensão por pessoas com ele menos familiarizadas, mas tal não invalida a correção da decisão reclamada, em face de jurisprudência constante e reiterada deste Tribunal Constitucional.».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, relativamente às «normas extraídas dos artigos 65.º e 66.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006, de 29 de agosto», por o recorrente ter requerido a apreciação de tais normas e não da norma (ou normas) aplicada (aplicadas), como ratio decidendi, pelo Tribunal de Contas. Quando o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, o recorrente apenas pode requerer a apreciação de norma (ou normas) que tenha (tenham) sido aplicada (aplicadas), como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido.
O reclamante argumenta agora que o recurso de constitucionalidade teve por objeto normas efetivamente aplicadas e refere até a alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da Lei n.º 98/97. Sucede, porém, que esta precisão não foi feita no requerimento de interposição de recurso, quando é um ónus do recorrente indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada (artigo 75.º, n.º 1, segunda parte, da LTC). Indicação que tem de ser feita com precisão, na medida em que um dos requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja apreciação é pedida no requerimento de interposição de recurso, a peça processual que define o objeto do mesmo.
A necessidade de precisar, de individualizar, a norma torna-se particularmente evidente quando o preceito ao qual se reporta a inconstitucionalidade, logo pela sua redação, contém vários segmentos normativos, eventualmente passíveis de respostas distintas por parte deste Tribunal (neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 116/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Ora, é o que sucede, manifestamente, quando nos reportamos aos artigos 65.º e 66.º da Lei n.º 97/98, de 26 de agosto, na redação da Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto.
Poder-se-á argumentar que a decisão sumária não se fundou, porém, na não satisfação de um dos requisitos do requerimento de interposição de recurso – a indicação (precisa) da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada (artigos 75.º-A, n.º 1, segunda parte, e 78.º-A, n.º 2, da LTC). Tal deve-se à circunstância de haver boas razões para concluir que o recorrente pretendia, de facto, a apreciação daqueles artigos no seu todo. O recorrente havia questionado, perante o tribunal recorrido, a conformidade constitucional dos artigos 65.º e 66.º da Lei n.º 98/97, no seu todo, por os mesmos versarem sobre responsabilidade financeira sancionatória, prevendo a possibilidade de o Tribunal de Contas aplicar multas. Sustentou, especificamente, no artigo 6.º da petição do recurso da sentença proferida pela 3.ª secção do Tribunal de Contas, que «versando os arts. 65.º e 66.º da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, sobre responsabilidades financeiras sancionatórias, como resulta da própria epígrafe do artigo, deveria tal responsabilidade encontrar-se constitucionalmente consagrada, como o impõem os princípios do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da CRP) (…) e da Constitucionalidade (art. 3.º da CRP)».
Ora, esta configuração da questão de inconstitucionalidade – repetida depois no requerimento de interposição de recurso – não é compatível com a fiscalização concreta de normas, onde “tudo se reconduz a um «recurso», que, embora limitado à questão de constitucionalidade (ou equiparada), não chega a autonomizar-se inteiramente do processo (civil, criminal, administrativo, etc.), em que se enxerta”.
2. Foi também proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, na parte relativa à «norma extraída do artigo 30.º do Código Penal, na interpretação de que, para efeitos de aferição da unidade ou pluralidade dos comportamentos típicos relevantes suscetíveis de gerar responsabilidade financeira sancionatória, deve relevar apenas o número de bens jurídicos concretamente lesados pelo arguido», por não se poder dar por verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal recorrido, da questão da sua inconstitucionalidade.
Para contrariar o decidido, o reclamante começa por se socorrer dos artigos 33, 34, 38 e 48 da petição de recurso da sentença proferida pela 3.ª secção do Tribunal de Contas, os quais já foram considerados na decisão reclamada. A reprodução do conteúdo dos mesmos só confirma, porém, que não foi questionada a conformidade constitucional de uma qualquer norma reportada ao artigo 30.º do Código Penal. Nas passagens agora indicadas e na peça processual em que se inserem não se identifica qualquer norma – e, concretamente, a que indica no requerimento de interposição de recurso – que seja depois considerada inconstitucional. O recorrente limitou-se, então, a defender o critério que considerava relevante para efeito de determinação do número concreto de infrações.
O argumento adicional de que suscitou a questão de inconstitucionalidade na contestação é, desde logo, improcedente. Decorre do artigo 72.º, n.º 2, da LTC que a via do recurso de constitucionalidade só se abre a quem questionar a conformidade constitucional da norma perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. No caso, o acórdão de 2 de julho de 2012.
3. Foi igualmente proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, na parte relativa às «normas extraídas dos artigos 67.º, n.º 2, artigo 65.º, n.ºs 2 e 5, e artigo 80.º, alínea c), todos da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006 (…), na interpretação de que, para efeitos de determinação da multa a aplicar, vigora um regime de cúmulo material e não jurídico (conforme previsto no artigo 77.º do Código Penal)», por não se poder dar por verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal recorrido, de qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àqueles preceitos legais.
Para contrariar o decidido, o reclamante reproduz uma passagem da petição de recurso da sentença da 3.ª secção do Tribunal de Contas. Só que, nesta passagem, o então recorrente apenas acusa o tribunal de ter adotado, contra legem (artigo 70.º do Código Penal), um sistema de acumulação material. Sendo certo que naquela peça processual não foi questionada a conformidade constitucional de norma reportada àqueles preceitos da Lei n.º 98/97.
4. Foi também proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, na parte que se refere à «norma extraída do artigo 59.º, n.os 1 e 4 da Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 48/2006 (…), na interpretação de que, para efeitos de qualificação da ilicitude geradora de responsabilidade financeira reintegratória, basta a invocação de meros princípios gerais de diligência e cuidado, sem necessidade de existência de norma prévia e expressa que delimite o comportamento tipicamente relevante», por não se poder dar por verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal recorrido, da questão da sua inconstitucionalidade.
Para contrariar o decidido, transcreve os pontos 86, 92 a 94, 97 e 98 da petição de recurso da sentença proferida pela 3.ª secção do Tribunal de Contas, os quais já foram considerados na decisão reclamada. A reprodução do conteúdo dos mesmos só confirma, porém, que não foi questionada a conformidade constitucional de uma qualquer norma reportada ao artigo 59.º, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 98/97. Este preceito legal não é sequer referido nas passagens agora identificadas. E naquela peça processual não foi, de facto, questionada a conformidade constitucional deste preceito na interpretação identificada pelo recorrente.
Em face de tudo o que ficou dito, há que confirmar integralmente a decisão que é objeto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 21 de janeiro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria lúcia Amaral.