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Processo nº:995/05
Plenário
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A. veio reclamar, “nos termos do disposto no n.º 2 do Art.
78.º-B, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro”, para a
conferência, do despacho do relator que não admitiu o recurso para o Plenário
interposto, do Acórdão n.º 87/2007, proferido nestes autos pela 2.ª Secção do
Tribunal Constitucional.
2 – Fundamentando a sua pretensão, o reclamante discorre do
seguinte jeito:
«Reafirma o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator que não se verifica o
requisito de identidade de normas no Acórdão nº 87/2007 e no Acórdão nº 275/2002
que, com a devida vénia de V. Exas. aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Ora, o recorrente não se pode conformar com o entendimento sufragado no despacho
reclamado onde, na prática, se reafirma a teoria de que, por um lado, a dor pelo
falecimento de parceiro íntimo é diferente nas situações de casamento e de união
de facto e, por outro, se diferencia a relevância da posição do unido de facto
sobrevivo quando, como no caso do Acórdão nº 275/2002, o outro elemento da
relação foi vitima mortal de um crime doloso e, como no caso do Acórdão de fls.
... o nº 87/2007, a morte foi consequência de um crime negligente in casu
acidente de viação.
Na realidade, o referido entendimento é manifestamente chocante, porquanto em
ambas as situações em apreço nos citados Acórdãos estamos perante uma essencial
analogia da relação, na sua base (sexual) e na sua finalidade social (relação
familiar) e, concomitantemente, de factos ilícitos e fatais para as vitimas.
Ao invés do sustentado no douto despacho reclamado e no Acórdão nº 87/2007,
excepcionando os dois votos de vencido que se registam e aplaudem e de cujos
ensinamentos nos socorremos, há objectivamente uma identidade substancial entre
a questão da constitucionalidade apreciada no Acórdão nº 275/2002 e a que
constitui o objecto dos presentes autos.
Na verdade, a questão é, na sua essência, absolutamente idêntica e a sua
essencialidade e identidade não decorre da circunstância do crime ser doloso ou
negligente, decorre do resultado do mesmo em ambos os casos: A MORTE de um dos
elementos, parceiro íntimo da relação que em ambas as situações era a união de
facto.
MORTE que, julgamos ser unânime, causa dor e sofrimento ao parceiro íntimo
sobrevivo e causa igual dor e sofrimento independentemente da circunstância das
pessoas serem casadas ou viverem, como viviam em ambos os casos, em união de
facto.
E, por isso, é manifesto, que esse douto Tribunal já anteriormente procedeu à
apreciação da questão da constitucionalidade do referido Art. 496º, nº 2 do
Código Civil que constitui o objecto do presente recurso em sentido divergente
do agora adoptado.
Com efeito, no acórdão nº 275/2002, de 19 de Junho (D.R. II Série, de 24 de
Junho), o Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma do
artigo 496º, nº 2, do Código Civil, na parte em que, em caso de morte da vítima
de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de indemnização por danos
não patrimoniais pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em
situação de união de facto, estável e duradoira, em condições análogas às dos
cônjuges.
E, agora, no acórdão recorrido nº 87/2007 – tirado com dois votos de vencido –
julgado a questão da inconstitucionalidade em sentido do anteriormente decidido
quanto à mesma norma – o Art. 496º, nº 2, do Código Civil – no referido acórdão
nº 275/2002.
Assim, a questão objecto do presente recurso é substancialmente idêntica à já
anteriormente decidida em sentido diverso, na medida em que os danos morais em
questão têm igual natureza, isto é, emergem em ambos os casos da morte da pessoa
que vivia em união de facto, estável e duradoura, com o sobrevivo.
Nada distingue, na sua essência jurídica, o caso em apreço no presente recurso,
da situação objecto do citado acórdão nº 275/2002.
Existe, portanto, divergência, aliás, chocante, relativamente ao anteriormente
julgado quanto à mesma norma: o Art. 496º, nº 2, do Cód. Civil, pelo que deverá
o recurso oportunamente interposto para o Plenário ser admitido ao abrigo do
disposto no Art. 79º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela
Lei nº 85/89, de 7 de Setembro e pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Nestes termos requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso e ordenar o
processamento do mesmo nos moldes previstos no nº 2 do Art. 79º-D da Lei do
Tribunal Constitucional, revogando o douto despacho reclamado, seguindo-se os
ulteriores termos até final.».
B – Fundamentação
3 – O reclamante contesta a seguinte decisão do relator, de
não admissão do recurso para o plenário do Tribunal:
«A., invocando o disposto no art. 79.º-D, n.º 1 da Lei de Organização e
funcionamento do Tribunal Constitucional, recorre para o Plenário do Acórdão n.º
87/2007 proferido nestes autos, alegando, em síntese, que o mesmo julgou de
forma divergente questão substancialmente idêntica à decidida no Acórdão n.º
275/2002, “na medida em que os danos morais em questão [do número 2 do art.
496.º do Código Civil] têm igual natureza, isto é, emergem em ambos os casos da
morte da pessoa que vivia em união de facto”.
2 – Decorre do disposto no referido n.º 1 do art. 79.º-D da
LTC que constitui pressuposto específico do recurso de constitucionalidade para
o plenário do Tribunal Constitucional que “a questão da inconstitucionalidade ou
ilegalidade” seja julgada “em sentido divergente do anteriormente adoptado
quanto à mesma norma, por qualquer das suas secções” (itálico acrescentado).
Como requisito de tal recurso exige-se, assim, que haja
identidade da norma que foi objecto dos alegados julgados “em sentido
divergente”.
3 – Ora, no caso em apreço, não se verifica este requisito de
identidade de normas.
Na verdade, o Acórdão n.º 275/02 julgou inconstitucional «a
norma do n.º 2 do artigo 496º do Código Civil, na parte em que, em caso de morte
da vítima de um crime doloso, exclui a atribuição de um direito de 'indemnização
por danos não patrimoniais' pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a
vítima em situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas
às dos cônjuges».
Por seu lado, o Acórdão pretendido agora recorrer decidiu “não
julgar inconstitucional a norma do art. 496.º, n.º 2, do Código Civil, na parte
em que exclui o direito à indemnização por danos não patrimoniais da pessoa que
vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação resultante de
culpa exclusiva de outrem”.
Do mero confronto das duas decisões constata-se serem diversas
as dimensões normativas do art. 496.º, n.º 2, do Código Civil que foram objecto
dos dois julgamentos de constitucionalidade, e, consequentemente, também
diversas as questões de constitucionalidade que as mesmas postulavam e foram
julgadas, alegadamente em sentido divergente.
E são diversas porque diferentes são, substancial ou
materialmente, as hipóteses que integram cada uma dessas dimensões normativas,
tal qual se mostram geral e abstractamente recortadas: enquanto, no Acórdão n.º
275/02, se questionou a conformidade constitucional do art. 496.º, n.º 2 do
Código Civil, enquanto entendido no sentido de excluir, «em caso de morte da
vítima de um crime doloso, a atribuição de um direito de 'indemnização por danos
não patrimoniais' pessoalmente sofridos pela pessoa que convivia com a vítima em
situação de união de facto, estável e duradoura, em condições análogas às dos
cônjuges», no Acórdão agora pretendido recorrer, o que se questionou foi a
conformidade constitucional do mesmo artigo do Código Civil, mas entendido agora
no sentido de “excluir o direito à indemnização por danos não patrimoniais da
pessoa que vivia em união de facto com a vítima mortal de acidente de viação
resultante de culpa exclusiva de outrem”.
Tal diversidade substancial das hipóteses normativas não
deixou, de resto, de ser explicitada no Acórdão pretendido agora recorrer, até
para afastar a aplicabilidade à dimensão normativa nele apreciada da doutrina
sufragada anteriormente no Acórdão n.º 275/02.
4 – Destarte, atento tudo o exposto, decide-se não admitir o
recurso interposto para o plenário do Tribunal Constitucional.».
4 – Não se vê que o reclamante infirme a bondade da
fundamentação e da decisão reclamada e que, por isso, aqui se reitera.
No fundo, o que o reclamante refuta é a correcção do juízo feito sobre a
concreta dimensão normativa do art. 496.º, n.º 2, do Código Civil que o acórdão
recorrido apreciou, defendendo que devem valer, também, para ela os fundamentos
em que se abonou o acórdão fundamento relativamente a uma dimensão normativa que
tem por essencialmente idêntica.
Mas essa é já uma questão que se situa fora do âmbito da definição do objecto
dos dois recursos de constitucionalidade e da pronúncia que neles foi efectuada.
Assim sendo, a reclamação não merece deferimento.
C – Decisão
5 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15
UCs.
Lisboa, 6 de Junho de 2007
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Ana Maria Guerra Martins
Mário José de Araújo Torres
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Rui Manuel Moura Ramos