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Processo nº 352/2007
Plenário
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Em Decisão Sumária datada de 14 de Março de 2007 a Senhora Juíza Conselheira
do Tribunal Constitucional, relatora no processo, negou provimento ao recurso
interposto por A. ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82
(Lei do Tribunal Constitucional), por entender que, de acordo com anterior
jurisprudência do Tribunal, era simples a questão a decidir.
2. Inconformado com tal decisão, o ora reclamante interpôs recurso para o
Plenário do Tribunal, ao abrigo do nº 1 do artigo 79º‑D da Lei nº 28/82.
3. Por Despacho proferido em 27 de Março de 2007 a Senhora Juíza Conselheira do
Tribunal Constitucional, relatora no processo, não admitiu o recurso.
4. É deste Despacho que vem agora reclamar A.. A reclamação, dirigida ao
presidente do Tribunal Constitucional, é apresentada ao abrigo do nº 4 do artigo
76º da Lei nº 28/82.
II
Fundamentos
5. De acordo com o nº 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei
nº 28/82) a reclamação para a Conferência é o meio processual de que dispõem,
junto deste Tribunal, os recorrentes que pretendam reagir contra decisões
sumárias que não conheçam do objecto de recursos de constitucionalidade por si
interpostos ou que considerem que é simples a questão a decidir.
6. É portanto evidente que, ao pretender recorrer directamente de uma decisão
sumária para o Plenário do Tribunal Constitucional, A. lançou mão de um meio
processual inidóneo porque inexistente no ordenamento jurídico.
III
Decisão
7. Pelo exposto, decide‑se indeferir a reclamação e confirmar o despacho
reclamado.
Custas pelo reclamante, fixando‑se em 20 unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa, 6 de Junho de 2007
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues
João Cura Mariano
José Borges Soeiro (com a declaração de voto que junto)
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha (vencido de acordo com a declaração de voto em anexo)
Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junto)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Estatui o artigo 69º da Lei de Organização, funcionamento e processo do Tribunal
Constitucional que à tramitação dos recursos para este Tribunal são
subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil.
Ora, um dos princípios fundamentais da legislação processual civil e que surge
como uma sua afirmação verdadeiramente estruturante, é o princípio da cooperação
constante do artigo 266º.
Preconiza-se no nº 1 deste preceito legal que “na condução e intervenção do
processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes
cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa
composição do litigio”.
Considera-se que este princípio geral consagrado na Reforma Processual Civil de
1995 dá sequência à “tutela jurisdicional efectiva” que deve ser outorgada ao
cidadão para a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais constante do
artigo 20º nº 5 da Constituição.
Assim, em nome dessa “tutela jurisdicional efectiva”, e, encontrando-se o juiz
onerado com a obtenção de “justa composição de litigio”, considero que, no caso
em concreto, em vez de indeferir o incidente utilizado pelo reclamante, deveria
tê-lo feito seguir da forma, processualmente adequada, isto é, como reclamação
para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3 da L.T.C.
Lisboa, 6 de Junho de 2007
José Borges Soeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Por aplicação do disposto no artigo 688º, n.º 5, do Código de Processo Civil,
entendido como um afloramento de um princípio geral de direito (que permite que
o relator possa mandar seguir o meio de reclamação próprio quando haja erro
quanto ao meio impugnatório usado), e em concretização do princípio da
cooperação processual consagrado no artigo 265º, n.º 2, do mesmo diploma (que
impõe ao juiz que providencie, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de
pressupostos processuais e a realização dos actos necessários à regularização da
instância), teria revogado a decisão da relatora e ordenado a remessa da
reclamação para a formação própria, para dela se conhecer se nenhuma outra
circunstância a tal obstasse.
Carlos Fernandes Cadilha
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender que não compete
ao Plenário, mas à conferência da Secção, conhecer da presente reclamação,
correctamente interpretada, e que a mesma mereceria deferimento, pelas
seguintes razões:
1. O requerimento apresentado pelo
recorrente em 26 de Março de 2007, embora referindo no seu cabeçalho que através
dele se pretendia interpor recurso para o Plenário, ao abrigo do artigo 79.º‑D,
n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, contra a Decisão Sumária de 14 de
Março de 2007 – que, pelos fundamentos constantes dos Acórdãos n.ºs 175/2004 e
473/2005, não julgou inconstitucional, face ao artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa, a norma que resulta da conjugação do
disposto no artigo 432.º, alínea c), com o disposto no artigo 434.º, ambos do
Código de Processo Penal, segundo a qual das decisões do tribunal do júri cabe
recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito ao reexame da
matéria de direito, e, consequentemente, negou provimento ao recurso −,
representa substancialmente uma reclamação dessa Decisão Sumária por se entender
que a questão de constitucionalidade suscitada no recurso não podia ser
qualificada como questão simples e, portanto, no caso não era utilizável essa
forma de decisão do Tribunal Constitucional.
Refere‑se, com efeito, no aludido
requerimento:
“1. O arguido havia suscitado em sede de recurso perante o STJ
a inconstitucionalidade do artigo 432.º, alínea c), do CPP, em conjugação com o
artigo 434.º do mesmo Código, na medida em que restringiam o recurso em matéria
de facto das decisões proferidas pelo Tribunal de Júri.
2. Violando assim o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP,
que prevê o duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria
de direito.
3. O STJ, por acórdão de 29 de Janeiro de 2007, julgou tais
normas conformes à Constituição, tendo o recorrente interposto recurso perante
este Venerando Tribunal.
4. Por decisão sumária datada de 14 de Março de 2007,
notificada ao recorrente no dia 19 do mesmo mês, o Tribunal Constitucional
julgou conforme à Constituição as referidas normas, negando provimento ao
recurso.
5. No seu douto entender, estavam reunidas as condições para a
prolação de decisão sumária, nos termos do disposto no artigo 78.º‑A da LTC,
referindo a vasta jurisprudência sobre a questão, citando como paradigma os
Acórdãos n.ºs 175/2004 e 473/2005.
6. Salvo o devido respeito, que não pode deixar de ser muito,
a jurisprudência constitucional sobre esta questão está longe de ser pacífica,
como passamos a demonstrar:
7. Em primeiro lugar, o Acórdão n.º 473/2005 não é um acórdão
do Plenário, mas tão‑somente uma decisão sobre uma reclamação de não aceitação
de recurso, pese embora verse sobre esta matéria.
8. Por seu turno, toda a jurisprudência citada sobre esta
questão ancora‑se no Acórdão n.º 573/98, tirado em Plenário, que, por sua vez,
consagra como princípio previsto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP o duplo grau de
jurisdição em matéria de facto e de direito, embora reconhecendo que a «revista
alargada» cumpre tal desiderato.
9. Os votos de vencido apostos neste aresto, assim como no
Acórdão n.º 486/98, evidenciam que esta jurisprudência não é pacífica, havendo
contradições sobre a mesma questão.
10. Por outro lado, a doutrina tem levantado sérias dúvidas
sobre a ausência do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, quer por
violação directa do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, quer por oposição ao tratamento
dado ao Tribunal Colectivo (do qual se pode recorrer de facto para os Tribunais
da Relação). Neste sentido: Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da
República Portuguesa Anotada, vol. I, em anotação ao artigo 32.º, n.º 1; vide
ainda a doutrina citada por Maria João Antunes, Nuno Brandão e Sónia Fidalgo, «A
Reforma do Sistema de Recursos em Processo Penal», Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, ano 15, n.º 4, p. 616.
11. Por seu turno, o legislador ordinário, em cumprimento das
recomendações formuladas pelo Relatório sobre a Avaliação do Sistema de
Recursos em Processo Civil e Penal do Gabinete de Política Legislativa (RGPLP),
consagrou expressamente os recursos das decisões de júri, em matéria de facto,
para o Tribunal da Relação.
12. O que mereceu a concordância e aplauso da Comissão de
Assuntos Constitucionais e de Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da
República, no seu relatório aprovado na Comissão em 14 de Março de 2007.
13. Tal Proposta de Lei já foi aprovada na generalidade em 14
de Março de 2007.
14. A isto acresce que o anteprojecto do Código Penal,
aprovado na generalidade na Assembleia da República em 21 de Fevereiro deste
ano, consagra o princípio do tratamento mais favorável ao arguido, mesmo nos
casos já transitados em julgado (artigo 2.º, n.º 4, do anteprojecto).
15. Pelo que, ao arguido, após a aprovação do Código, sempre
seria permitido pedir um recurso extraordinário.
16. Aliás, caso assim se não entendesse, haveria uma flagrante
violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição,
porquanto a aplicação da lei no tempo penalizaria aqueles que há muito clamam
por uma lei conforme à Constituição.
17. Por todo o exposto, não estão reunidos os pressupostos
para uma decisão sumária sobre esta matéria, estando o presente acórdão [sic]
em contradição com os Acórdãos n.ºs 486/98 e 573/98.” (sublinhados
acrescentados).
2. Este Tribunal tem reiteradamente afirmado
(o que, aliás, constitui entendimento pacífico em todos os ramos processuais)
não estar vinculado às qualificações jurídicas atribuídas pelas partes às peças
processuais que apresentem. Tem‑no feito, designadamente, ao qualificar
oficiosamente como reclamações para a conferência requerimentos apresentados
pelas partes como sendo pedidos de aclaração ou arguições de nulidade de
Decisões Sumárias, quando o Tribunal constata que nesses requerimentos nenhuma
obscuridade ou ambiguidade se pretende ver esclarecida nem nenhum vício gerador
de nulidade se lhes aponta, mas apenas se manifesta discordância com o uso ou o
sentido dessas Decisões Sumárias (cf., entre inúmeros outros, os Acórdãos n.ºs
379/2006, 501/2006, 560/2006, 618/2006 e 214/2007).
Este poder de correcção oficiosa da
qualificação jurídica das peças apresentadas pelas partes transforma‑se em
poder‑dever quando ele surge – como no presente caso manifestamente ocorre –
como meio necessário ao respeito do princípio da preferência pelas decisões de
mérito em detrimento das decisões de forma, que é uma directa decorrência dos
princípios constitucionais do acesso à justiça e da tutela jurisdicional
efectiva, e que deriva do princípio da cooperação (artigo 266.º do Código de
Processo Civil), inteiramente válido em processo constitucional.
Neste contexto, face ao aludido requerimento
do recorrente, podia – e, a meu ver, salvo o devido respeito, devia – o
primitivo relator, considerando‑o substancialmente como uma reclamação para a
conferência da Secção, apresentá‑lo a esta formação de julgamento e aí ponderar
se, sim ou não, o recorrente tinha razão ao impugnar a qualificação da questão
de constitucionalidade suscitada como uma questão simples, possibilitadora da
prolação de Decisão Sumária.
Não foi esse o entendimento seguido e,
atendendo‑se à qualificação formal do dito requerimento como interposição de
recurso para o Plenário, foi proferido o despacho de 27 de Março de 2007, que
não admitiu tal recurso por duas razões: (i) “[e]m primeiro lugar, porque a
forma prevista na Lei n.º 28/82 para reagir contra uma decisão sumária não
transitada é a da reclamação para a conferência, nos termos do disposto no n.º
3 do artigo 78.º‑A”; e (ii) “[e]m segundo lugar porque, de todo o modo, não
ocorre entre o julgamento de não inconstitucionalidade formulado na decisão
sumária (...) e os Acórdãos n.ºs 486/98 e 573/98, como facilmente se verifica
lendo o respectivo texto, a contradição de julgados sobre a mesma norma exigida
pelo n.º 1 do artigo 79.º‑D citado como condição de recurso para o Plenário do
Tribunal Constitucional]”.
3. É deste despacho que vem interposta a
presente reclamação, a qual – e esta é a razão fundamental da minha divergência
face ao precedente acórdão – não configura, a meu ver, uma reclamação para o
Plenário contra o despacho do relator, na parte em que que não admitiu o recurso
para essa formação, mas antes uma reclamação para a conferência da Secção contra
o mesmo despacho, na parte em que não procedeu à correcção da qualificação do
primeiro requerimento como reclamação para a conferência.
Recordemos o teor deste segundo
requerimento, apresentado em 12 de Abril de 2007:
“1. O recorrente interpôs recurso para o Plenário, ao abrigo
do artigo 79.º‑D da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), ao mesmo tempo que
sustentava, argumentando nesse sentido, que não existia motivo para ter sido
proferida decisão sumária nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A.
2. O despacho de que ora se reclama, por um lado, considera
inexistir contradição entre a decisão e os arestos citados naquele recurso;
3. Por outro lado, considera que a não concordância com a
decisão sumária deveria ter sido sindicada mediante reclamação para a
conferência, conforme o disposto no artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC.
4. Ora, o entendimento do recorrente, ora reclamante, foi o de
que, existindo motivo para o recurso para o Plenário concomitantemente com o da
reclamação prevista no artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC, deveria dirigir‑se ao
Plenário e não à conferência.
5. Porém, o que é certo é que alegou vários motivos, na nossa
modesta opinião pertinentes, para que a questão não fosse objecto de decisão
sumária, desde logo outra jurisprudência deste Tribunal, alteração legislativa
(quanto aos recursos sobre matéria de facto das decisões proferidas pelo
Tribunal Colectivo) e o projecto de reforma do Código de Processo Penal (que
consagra expressamente a possibilidade de recurso da matéria de facto das
decisões dos Tribunais de Júri).
6. Ora, assim sendo, ainda que se entenda que a formulação não
terá sido a mais correcta, estão alegados os fundamentos para a reclamação
prevista no artigo 78.º‑A, n.º 3, da LTC, ao mesmo tempo que se discorda
expressamente que tenha sido proferida decisão sumária.
7. Pelo que deveria este Tribunal, na pior das hipóteses, ter
convidado o recorrente a aperfeiçoar o recurso, de modo a permitir todas as
garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e pelas quais o
arguido vem clamando.
8. Aliás, o despacho de que ora se reclama, não se coaduna com
a jurisprudência deste Tribunal quanto a essas garantias de natureza formal,
maxime o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 320/2002, de 9 de Julho.
9. Ou seja, estão reunidas as condições para que o recurso
seja remetido para a conferência e aí sejam apreciadas todas as questões
suscitadas.” (sublinhados acrescentados).
4. É para mim patente que esta reclamação
não representa uma reclamação para o Plenário contra a decisão que não admitiu o
recurso para ele interposto, pois em parte alguma o recorrente sustenta agora a
verificação dos requisitos de admissibilidade desse recurso nem formula pedido
no sentido de esse recurso ser admitido. O que ele impugna é o despacho do
primitivo relator que não fez seguir o primeiro requerimento como reclamação
para a conferência contra a decisão sumária por entender não ser caso (por não
se tratar de “questão simples”) em que fosse utilizável essa forma de decisão.
Assim interpretado este segundo
requerimento, votei no sentido de o Plenário se declarar incompetente para a sua
apreciação, por caber à conferência da Secção decidir, ao abrigo do n.º 2 do
artigo 78.º‑B da LTC, da reclamação do despacho do primitivo relator, na parte
em que não procedeu oficiosamente à qualificação do primeiro requerimento como
reclamação para a conferência contra decisão sumária, prevista no n.º 3 do
artigo 78.º‑A da LTC (ou em que não convidou o recorrente a aperfeiçoar o
primeiro requerimento).
E, caso integrasse essa conferência de
Secção, votaria no sentido do deferimento da reclamação por entender, pelas
razões sumariamente indicadas no precedente n.º 2, que, no caso, existia o dever
de o tribunal proceder oficiosamente à referida qualificação, em homenagem aos
princípios da cooperação e da tutela jurisdicional efectiva.
Mário José de Araújo Torres