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Processo n.º 654/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e outros, e recorrida a JAE – Junta Autónoma das Estradas, foi interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas a) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
2. Pela Decisão Sumária n.º 525/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, no que ora releva, tem a seguinte fundamentação:
«5. Os Recorrentes pretendem interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo das alíneas a) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC.
5.1. A alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tipifica recurso para o Tribunal Constitucional de decisão judicial que recuse a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, o que manifestamente não ocorre no caso em presença.
5.2. Por sua vez, a alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC tipifica recurso para o Tribunal Constitucional de decisão judicial que aplique norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional. No entanto, para que um recurso seja admitido ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é necessário que a norma alegada pelo Recorrente tenha sido efetivamente aplicada pela decisão recorrida e que exista identidade entre norma efetivamente aplicada e norma anteriormente julgada inconstitucional (cfr. v.g., o Acórdão n.º 568/08 do Tribunal Constitucional, disponível em www.tribconstitucional.pt). Ora, mais uma vez, tal não ocorre no caso em presença.
De facto, os Recorrentes invocam no requerimento de recurso (cfr. fls. 1654 dos autos) o Acórdão n.º 267/97 do Tribunal Constitucional (disponível em www.tribconstitucional.pt) – que diz respeito à declaração de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, da norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações então vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, e revogado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro), enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola. Na medida em que este preceito não foi aplicado pela decisão recorrida, não se pode entender como preenchida a situação constante da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Os Recorrentes também invocam (cfr. fls. 1655 dos autos) os Acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90 (disponíveis em www.tribconstitucional.pt), nos quais o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, sucessivamente, dos n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro. Ora, o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa refere expressamente este facto, não aplicando as referidas normas (cfr. fls. 1629-1630 dos autos). Assim, não se pode entender como preenchida a situação constante da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC».
Admitindo-se como configurável, no caso, a interposição de recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, foi o mesmo igualmente rejeitado pela referida decisão sumária, com fundamento na falta de verificação dos respetivos pressupostos de admissibilidade.
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
4. Notificada da reclamação, a recorrida limitou-se a aderir aos fundamentos da decisão sumária proferida, entendendo dever manter-se a decisão de não conhecimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. O recorrente recorreu para este Tribunal ao abrigo das alíneas a) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Através da decisão reclamada não foi conhecido o objeto do recurso por se considerar, entre outros fundamentos, não contrariados na reclamação, que as normas cuja apreciação de inconstitucionalidade é requerida não foram objeto de declaração de inconstitucionalidade nos acórdãos do Tribunal Constitucional citados pelo recorrente o que afasta a admissibilidade do recurso ao abrigo da alínea g), e que não se mostravam reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
Sendo especificamente contra estes fundamentos que o reclamante se insurge, limitando-se no mais expendido na sua reclamação a procurar demonstrar a falta de razão da decisão de mérito da decisão recorrida, importa analisá-los separadamente:
(i) Pretendendo que o artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro corresponde ao artigo 24.º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, por serem materialmente equivalentes os dois regimes no que respeita à classificação dos solos, o Reclamante sustenta que a referida norma («o art. 24.º do CE/91 ou o art. 25.º do CE/99 na sua versão equivalente») foi efetivamente aplicada «no seu estrito conteúdo classificativo».
A admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC pressupõe perfeita coincidência entre a norma (ou interpretação normativa) já precedentemente julgada inconstitucional e a norma (ou interpretação normativa) efetivamente aplicada.
Como identificado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 568/08, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto no al. g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, pressupõe a verificação de «uma dupla relação de identidade: - Em primeiro lugar, exige-se que a norma que o recorrente quer ver apreciada tenha sido efetivamente aplicada pela decisão recorrida, como sua ratio decidendi; - Em segundo lugar – e aqui reside o pressuposto específico desta abertura de recurso para o Tribunal Constitucional – tem de haver identidade entre a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Não basta que possa ser sustentado que as mesmas razões que levaram a julgar inconstitucional determinada norma justificariam que juízo de igual sentido fosse formulado a propósito da norma aplicada na decisão recorrida».
No caso, o acórdão recorrido aplicou o regime constante do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro, em especial os seus artigos 27.º a 38.º (com expressa exclusão do artigo 30.º, por ter sido objeto de declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional nos seus Acórdãos n.os 131/88, quanto ao n.º 1, e 52/90, quanto ao n.º 2), pelo que, manifestamente, inexiste coincidência entre as normas aplicadas e aquelas cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada, como não existe coincidência entre estas e aquelas que foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional nos acórdãos invocados pelo recorrente (Acórdão n.º 267/97 do Tribunal Constitucional – que diz respeito à declaração de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, da norma do n.º 5 do artigo 24.º do Código das Expropriações então vigente [aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, e revogado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro] e os Acórdãos n.os 131/88 e 52/90, nos quais o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, sucessivamente, dos n.os 1 e 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro).
(ii) No que respeita à argumentação dirigida contra a não verificação dos pressupostos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, numa apreciação que classifica de meramente formal e «suscetível de colidir com as normas dos arts. 20.º e 204.º da Constituição», entendendo que o «art. 72.º, n.º 2 da LTC é uma norma de caráter processual manifestamente inconstitucional, de puro e retorcido arbítrio, da mais desenfreada limitação recursiva» conclui que «os recorrentes fizeram um apelo expresso às normas e ao seu sentido ilegal e inconstitucional».
Bastará, no entanto, compreender a razão de ser da exigência da suscitação de modo processualmente adequado da questão de constitucionalidade contida no artigo 72.º, n.º 2 da LTC, para se demonstrar a falta de razão de uma tal argumentação. Na verdade, trata-se de garantir que o tribunal a quo fique obrigado a conhecer da questão de constitucionalidade suscitada, criando um específico dever de pronúncia do tribunal sobre a matéria, o que encontra plena justificação na natureza da via de acesso concedido ao Tribunal Constitucional, consistente numa via de recurso. Como o Tribunal Constitucional tem entendido, esta exigência de um rigoroso cumprimento do ónus de suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade não integra «uma mera questão de forma secundária – constituindo antes uma exigência formal sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade e para que o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame (e não a um primeiro julgamento) de tal questão - cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.os 352/94, 560/94, 155/95, 156/00 e 195/06» (Lopes do Rego, in Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina. 2010, p. 103).
Confirmando-se, assim, a falta de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade interposto que o reclamante impugnou, impõe-se indeferir a reclamação apresentada.
III - Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 15 de dezembro de 2012. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.