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Processo n.º 1045/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
1.1. Por despacho do Juiz do 2.º Juízo do
Tribunal Judicial da Comarca de Covilhã, de 19 de Março de 2004 (fls. 3457 do
processo principal e fls. 89 destes autos), foi determinado o desentranhamento
das alegações do recurso de apelação que A., SA, na qualidade de credora,
interpusera do despacho de 26 de Novembro de 2003, que homologara a deliberação
da assembleia definitiva de credores no processo especial de recuperação de
empresa requerido por B., SA. Essa ordem de desentranhamento fundou‑se no facto
de a recorrente, apesar de “devidamente notificada (…) para proceder ao
pagamento omitido da taxa de justiça e multa com a cominação inserta no n.º 2 do
artigo 690.º‑B do CPC”, ter apenas pago a multa devida, omitindo o pagamento da
taxa de justiça em falta.
A A., notificada deste despacho, apresentou
o requerimento de fls. 3463‑3470 do processo principal (fls. 89‑96 destes
autos), em que requereu a sua revogação, com base, além do mais (falta de uma
notificação essencial para o cumprimento do acto omitido e invocação de justo
impedimento), em dever ser recusada a aplicação do disposto no artigo 690.º‑B,
n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), por padecer de inconstitucionalidade
material, bem como do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que o aditou,
por enfermar de inconstitucionalidade orgânica.
Este requerimento foi indeferido pelo
despacho de 28 de Abril de 2004 (fls. 3671 do processo principal e 97 destes
autos), que manteve “o despacho proferido a fls. 3457 nos seus precisos termos”.
1.2. Notificado do novo despacho, a A. veio
interpor recurso, “que aparenta ser de agravo, mas que é de apelação por se
suscitarem as inconstitucionalidades de normas” (requerimento de fls. 3694 do
processo principal e 101 destes autos).
Remetido ao Tribunal da Relação de Coimbra,
o respectivo Desembargador Relator, por despacho de 12 de Outubro de 2004 (fls.
154‑156), qualificou o recurso como de agravo e – após consignar não ter a
recorrente interposto recurso do despacho que determinou o desentranhamento das
alegações, mas caber recurso do segundo despacho (de 28 de Abril de 2004), por,
apesar de não se ter pronunciado expressamente (como devia) pelo menos quanto à
arguição de nulidade e à invocação de justo impedimento, ter mantido a arguida
nulidade da omissão de uma notificação –, constatando ter a recorrente, nas suas
alegações, arguido a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação
de facto e de direito e por não ter conhecido das questões antes suscitadas,
determinou a remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de o Juiz a quo, querendo,
se pronunciar quanto às arguidas nulidades.
O Juiz a quo, por despacho de 21 de Outubro
de 2004 (fls. 160), limitou‑se a exarar que “por não se verificarem as alegadas
nulidades, subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação”.
1.3. Por acórdão de 19 de Abril de 2005
(fls. 204‑225), o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso,
com a seguinte fundamentação:
“Como é também sabido, proferido o despacho fica imediatamente
esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa.
Sendo, porém, lícito ao Juiz rectificar erros materiais,
suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes no despacho e reformá‑lo nos
termos legais – artigo 666.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável aos despachos ex vi
n.º 3 do mesmo preceito legal (sendo todas as disposições a seguir citadas, sem
referência expressa, do mesmo diploma legal).
Pelo que, tal como já dito no despacho preliminar do relator,
não tendo havido recurso do despacho que mandou a ora agravante desentranhar as
alegações antes apresentadas (fls. 3457), transitou o mesmo, em princípio, em
julgado.
Sendo certo não terem sido arguidas nulidades do próprio
despacho, tal como se encontram previstas no artigo 668.º, n.º 1, as quais, a
sê‑lo, deveriam ter sido suscitadas no recurso que sobre ele viesse a recair e
que não foi, na realidade, interposto – n.º 3 deste mesmo preceito legal.
Mas, posteriormente a tal despacho, e sem dele recorrer, veio
a ora agravante arguir a falta de uma notificação essencial para o cumprimento,
por sua banda, do acto omitido, o justo impedimento em relação ao mesmo acto, a
inconstitucionalidade material do artigo 690.º, n.º 2 (deverá querer dizer
artigo 690.º‑B, n.º 2, também aqui se relevando tal lapso), e a
inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
Ora, a arguição de tais inconstitucionalidades têm
directamente a ver com a aplicação do disposto no artigo 690.º‑B, n.º 2, que o
senhor Juiz a quo antes fez no dito despacho que transitou em julgado.
Pelo que neste recurso, e tal como são pela parte arguidas,
não deverão ser conhecidas, esgotado que ficou, com o mesmo despacho, o poder
jurisdicional do senhor Juiz de 1.ª instância – estamos a falar da aplicação do
preceituado no dito artigo 690.º‑B, o qual, no entender da ora agravante,
depende de uma norma habilitante, o artigo 28.º do CCJ. Não podendo também tal
despacho ser reapreciado por esta Relação na falta de recurso.
Restaria, porém, ao senhor Juiz a quo pronunciar‑se sobre a
nulidade e o justo impedimento arguidos.
Não o fez, de todo em todo, tendo omitido pronúncia sobre tal
matéria, ao proferir o seu sucinto despacho que ora está em apreço (fls. 3671) –
artigo 158.º. Sendo esse – e apenas esse, que não também o de fls. 3457 – de que
a seguir curaremos.
Tal omissão, nos termos do preceituado no citado artigo 668.º,
n.º 1, alínea d), acarreta a nulidade de tal despacho (o de fls. [3671]).
Devendo o Tribunal de recurso conhecer, de qualquer modo, do
objecto do agravo, para tal dispondo os autos de elementos – artigo 715.º, n.ºs
1 e 2, ex vi do disposto no artigo 749.º.
Desnecessário sendo ouvir as partes, em obediência ao
preceituado no n.º 3 do citado artigo 715.º, pois as mesmas sobre as questões em
apreço já se pronunciaram, quer na alegação do recurso, quer na contra‑alegação.
Não se podendo defender que tendo transitado o despacho de
fls. 3457, o agravo perde o seu interesse, já que, provido eventualmente que ele
seja, pode tal despacho ser anulado (não revogado, naturalmente).
Vejamos, pois:
Quanto à falta da notificação sucessiva da parte pela omissão
do pagamento da taxa de justiça:
A omissão de tal formalidade, a verificar‑se, é susceptível de
constituir nulidade do respectivo acto – artigo 201.º.
Tendo a mesma sido suscitada mediante reclamação da
interessada, no prazo legal – artigos 202.º, 205.º e 153.º.
Competindo, pois, conhecê‑la.
O questionado artigo 690.º‑B, tal como os artigos 150.º‑A,
486.º‑A e 512.º‑B, todos eles relacionados quer com a comprovação do pagamento
da taxa de justiça, quer com as consequências da sua omissão, foram aditados ao
CPC pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que entrou em vigor no dia
1 de Janeiro de 2004 e que, além de ter alterado o CCJ, alterou ainda normas do
CPC e do CPP.
Dispondo o aludido Decreto‑Lei n.º 324/2003 que, sem prejuízo
do disposto numa sua norma transitória, que aqui não releva, as alterações do
CCJ nele constantes só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada
em vigor. E que os pagamentos e depósitos a efectuar nos processos pendentes à
data da sua entrada em vigor são efectuados de acordo com o disposto no mesmo –
artigo 14.º, n.ºs 1 e 3.
Devendo, porém, entender‑se que as normas do processo civil
atrás aludidas, embora insertas no diploma que também alterou o CCJ, que
estabelecem preclusões de carácter processual, nada regendo sobre a origem ou
montante da dívida tributária nem sobre o modo do respectivo pagamento, não são
uma mera alteração ao CCJ, mas antes uma alteração (in casu por aditamento às
normas já existentes) ao CPC.
Aplicando‑se as mesmas imediatamente, quer pela sua natureza
publicística (…), quer pelo seu carácter instrumental.
Escrevendo, a propósito, Alberto dos Reis: «Quando se publica
uma lei nova, isso significa que o Estado considera a lei anterior imperfeita e
defeituosa para a administração da justiça ou para o regular funcionamento do
poder judicial. Tanto basta para que a lei nova deva aplicar‑se imediatamente»
– Processo Ordinário e Sumário, 2.ª ed., p. 32.
Ensinando, a propósito, e em idêntica posição, Manuel de
Andrade que o princípio da imediata aplicabilidade das leis do processo é
justificado ainda pelo facto de as leis conterem implícito um doravante, um
daqui para o futuro, o qual, quando aplicado às leis do processo, «significa
naturalmente que os diversos actos processuais devem ter como lei reguladora a
lei vigente ao tempo da sua prática» – Noções Elementares de Processo Civil, pp.
42 e 43. Navegando nas mesmas águas, entre outros, Antunes Varela e outros,
Manual de Processo Civil, p. 47.
Daqui resultando que os preceitos atrás mencionados, tendo
iniciado a sua vigência no dito dia 1 de Janeiro de 2004, se aplicam de imediato
aos processos pendentes, aos actos neles praticados depois de tal entrada em
vigor e que não contendam com aqueles cuja regularidade já foi aferida pelo
anterior regime.
Ora, e aqui entramos propriamente no objecto do recurso, à
data da apresentação da alegação pela também ora agravante já vigorava,
seguramente, a obrigatoriedade da autoliquidação da taxa de justiça, devendo o
documento comprovativo do respectivo pagamento ser entregue ou remetido ao
Tribunal, nomeadamente, com a apresentação de tal peça processual – artigos 23.º
e 24.º, n.º 1, alínea c), do CCJ, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto‑Lei
n.º 320‑B/2000, de 15 de Dezembro, em vigor desde o dia 1 de Janeiro de 2001.
A agravante apresentou a sua alegação de recurso em 23 de
Janeiro de 2004 (fls. 3402), não tendo apresentado qualquer documento
comprovativo da autoliquidação devida.
Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2004, com referência ao
processo ora em causa, foi pela secretaria judicial notificada – naturalmente
através do seu mandatário constituído – nos seguintes termos:
«Assunto: Omissão do pagamento da taxa de justiça
inicial/subsequente – 690.º‑B do CPC.
Fica notificado, na qualidade de Mandatário do Credor A., SA,
para no prazo de dez dias efectuar, relativamente ao processo supra
identificado, o pagamento omitido da taxa de justiça bem como da multa – n.º 1
do artigo 690.º do CPC de acordo com os montantes e prazos da guia anexa – sob
pena de desentranhamento da alegação/resposta – n.º 2 do mesmo normativo.
A taxa de justiça em dívida deverá ser paga no mesmo prazo,
por autoliquidação, da qual deverá fazer prova junto da secretaria deste
Tribunal.»
Foi junta uma guia, no montante de 890 euros, com a descrição
de alusivo a «Multas do C.G.T. – multa art. 690.º‑B do CPC», com data limite de
pagamento até 19/2/2004 (o destaque, agora, é apenas nosso).
Montante esse que foi pago em 19/2/2004, através da CGD – fls.
86 e 87.
Não tendo sido autoliquidada a taxa de justiça devida, dentro
do prazo que havia sido facultado pela notificação mencionada, de tal informou a
secretaria o senhor Juiz do processo, que proferiu despacho a, por via de tal
omissão, e ao abrigo do disposto no citado artigo 690.º‑B, ordenar o
desentranhamento da alegação da recorrente.
Ora, tendo em conta o teor da notificação ora relatada – e
deixemos de lado o irrelevante e notório lapso da referência, no seu texto, que
não na sua epígrafe, ao artigo 690.º do CPC, em vez de artigo 690.º‑B, que a ora
agravante bem entendeu e que expressamente diz ter relevado – a verdade é que o
seu conteúdo, lido com a atenção devida e que naturalmente merecia – para além
do não desconhecimento da própria lei por banda do senhor mandatário forense – é
perfeitamente compreensível, não podendo dar lugar a equívocos.
Não se podendo deixar de nela se alcançar que o montante e
prazo indicados na guia anexa se referem apenas à multa devida pela falta de
oportuna autoliquidação.
E que a cominação do desentranhamento da alegação era relativa
quer à falta do pagamento omitido da taxa de justiça, quer à falta do pagamento
da multa que aquela outra originou.
Constando da guia anexa a referência expressa a «Multas do CGT
– multa do art. 690.º‑B do CPC».
Devendo tal pagamento ser acrescido, através da devida
autoliquidação por banda da agravante, da taxa de justiça omitida. A qual, por
ser autoliquidada, não consta de qualquer guia passada pela secretaria.
Não havendo, pois, qualquer erro na redacção do
ofício/notificação, nem qualquer contradição no seu teor.
Mas, defende, ainda, a agravante – e é de tal arguida nulidade
que aqui curamos agora – que foram também omitidas duas notificações, uma delas
constante no n.º 4 e outra no n.º 5, ambos do artigo 486.º‑A. E, embora tal
também não aceite, só perante o incumprimento desta última é que, em seu
entender, poderia haver lugar, segundo a própria lei, ao desentranhamento da
alegação.
Devendo o omitente do pagamento da taxa de justiça em causa
ter sido, assim, sucessivamente notificado.
Mas, salvo o devido respeito, não é assim.
Como é sabido, o Decreto‑Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto,
consagrou várias medidas de combate à morosidade processual civil e, entre
elas, a da desoneração das secretarias dos tribunais das tarefas de liquidação,
emissão de guias e contabilidade da taxa de justiça inicial e subsequente ao
longo do processo, limitando‑se as mesmas a verificar a junção dos documentos
comprovativos do seu devido pagamento ou da sua isenção.
O Decreto‑Lei n.º 320‑B/2000, de 15 de Dezembro, mantendo o
elenco dos actos ou diligências que importam o pagamento da taxa de justiça
inicial e subsequente, alterou o momento, a forma de cálculo e os meios da sua
realização, passando o respectivo pagamento a ser responsabilidade do
interessado, que deverá realizá‑lo antes da prática do acto ou nos dez dias
subsequentes a determinadas notificações do tribunal (sic) – preâmbulo do citado
diploma legal.
Tendo sido, entre outros, alterados os artigos 23.º e 24.º do
CCJ, determinando, na parte que ora importa, o primeiro, que para a promoção
dos recursos é devido o pagamento da taxa de justiça autoliquidada nos termos da
tabela anexa, impondo o segundo que o documento comprovativo de tal taxa seja
entregue ou remetido ao tribunal com a apresentação das alegações de recurso.
Ora, é certo dizer‑nos o preâmbulo do aludido Decreto‑Lei n.º
324/2003 que «volta a ser consagrada a regra do desentranhamento das peças
processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas,
a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito»
(o destaque é nosso).
Assim rezando os preceitos ora em análise:
O artigo 150.º‑A (Comprovativo do pagamento da taxa de
justiça):
«1. Quando a prática de um acto processual exija, nos termos
do Código das Custas Judiciais, o pagamento da taxa de justiça inicial ou
subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou
da concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele
documento já se encontrar junto aos autos.
2. Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a
falta de junção do documento referido no número anterior não implica a recusa da
peça processual, devendo a parte proceder à sua junção nos 10 dias subsequentes
à prática do acto processual, sob pena de aplicação das cominações previstas
nos artigos 486.º‑A, 512.º‑B e 690.º‑B.
3. Quando a petição inicial seja enviada através de correio
electrónico ou outro meio de transmissão electrónica de dados, o documento
comprovativo da taxa de justiça inicial deve ser remetido a tribunal no prazo
referido no n.º 3 do artigo anterior, sob pena de desentranhamento da petição
apresentada.
4. Nos casos previstos no número anterior, a citação só é
efectuada após a junção aos autos do referido documento comprovativo.»
O artigo 486.º‑A (Documento comprovativo do pagamento da taxa
de justiça):
«1. É aplicável à contestação, com as necessárias adaptações,
o disposto no n.º 3 do artigo 467.º, podendo o réu, se estiver a aguardar
decisão sobre a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de
dispensa total ou parcial do prévio pagamento da taxa de justiça inicial,
juntar apenas documento comprovativo da apresentação do respectivo
requerimento.
2. No caso previsto na parte final do número anterior, o réu
deve juntar ao processo o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de
justiça inicial no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que
indefira o pedido de apoio judiciário.
3. Na falta de junção do documento comprovativo do pagamento
da taxa de justiça no prazo de 10 dias a contar da apresentação da contestação,
a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento
omitido, com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem
superior a 10 UC.
4. Após a verificação, por qualquer meio, do decurso do prazo
referido no n.º 2, sem que o documento aí mencionado tenha sido junto ao
processo, a secretaria notifica o réu para os efeitos previstos no número
anterior.
5. Findos os articulados e sem prejuízo do prazo concedido no
n.º 3, se não tiver sido junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça inicial e da multa por parte do réu, o juiz profere despacho nos termos
da alínea b) do n.º 1 do artigo 508.º, convidando o réu a proceder, no prazo de
10 dias, ao pagamento da taxa de justiça e da multa em falta, acrescida de multa
de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 10 UC.
6. Se, no termo do prazo concedido no número anterior, o réu
persistir na omissão, o tribunal determina o desentranhamento da contestação
e, se for caso disso, da tréplica.»
O artigo 690.º‑B (Omissão do pagamento das taxas de justiça):
«1. Se o documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça inicial ou subsequente ou da concessão do benefício do apoio
judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse
efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o
pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC
nem superior a 10 UC.
2. Se, no termo do prazo referido no número anterior, não
tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça inicial ou subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio
judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento
ou da resposta apresentado pela parte em falta.
3. [apenas referente à situação de apoio judiciário].»
O artigo 150.º, n.º 3, atrás mencionado, determina que a parte
que proceda à apresentação do acto processual através de correio electrónico ou
de outro meio de transmissão electrónica de dados remeta ao tribunal, no prazo
de 5 dias, todos os documentos que devam acompanhar a peça processual.
O n.º 3 do artigo 487.º, também antes aludido, determina que o
autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento
da taxa de justiça.
O n.º 1, alínea b), do artigo 508.º determina que o juiz,
findos os articulados, se for caso disso, profira despacho a convidar as partes
ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos que a seguir enumera.
O artigo 512.º‑B, atrás citado, preceitua sobre a omissão do
pagamento da taxa de justiça subsequente, ordenando que, na falta da junção do
documento comprovativo do respectivo pagamento, a secretaria notifique o
interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido
de multa.
Assim, da conjugação de todos estes preceitos verifica-se, com
facilidade, que os mesmos, versando embora sobre a obrigatoriedade da
apresentação pela parte do documento comprovativo do pagamento da taxa devida e
das consequências da respectiva omissão, disciplinam procedimentos a seguir em
relação a actos diferentes, com diferentes cominações:
a) em relação à petição inicial, a falta de comprovação do
pagamento determina, sem qualquer notificação prévia, a recusa do seu
recebimento ou o seu desentranhamento – artigos 474.º, alínea f), e 150.º‑A, n.º
3;
b) em relação à contestação ou à tréplica, tal falta dá lugar,
decorridos 10 dias, à notificação do interessado pela secretaria para efectuar o
pagamento omitido (a taxa não autoliquidada), com o acréscimo da multa. E,
findos os articulados – o n.º 4 do citado artigo 486.º‑A só se aplica aos casos
em que tenha sido pedido o apoio judiciário, com indeferimento, e não a todos os
demais, como a agravante defende – se, não obstante a anterior notificação, o
réu se mantiver relapso, o juiz, por despacho, convida‑o a proceder ao
pagamento em falta – a taxa de justiça e a multa já aplicada – acrescido de
nova multa. E só depois, caso o réu persista na omissão, ordenará o
desentranhamento da contestação ou da tréplica;
c) em relação aos recursos, no caso da omissão em referência,
impõe a lei apenas uma notificação do faltoso para proceder ao pagamento da taxa
de justiça omitida (sempre necessariamente através de autoliquidação, sem guia
passada pela secretaria para o efeito – que só a emitirá quanto à multa que
também for devida para a prática do acto fora do seu momento normal). E,
persistindo o mesmo na omissão – a multa só é devida se o pagamento for
efectuado (citado artigo 486.º‑A, n.º 7) –, o tribunal determina o
desentranhamento da alegação ou da resposta apresentada pela parte em falta.
Verificando‑se, de facto, no caso da contestação ou da
tréplica, a imposição de duas notificações judiciais sucessivas para que o
desentranhamento da defesa e oposição tenha lugar.
E, bem se compreende tal «generosidade» do legislador – se bem
que o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos, a todos consagrado pela nossa Lei Fundamental (cf. artigo
20.º, n.º 1), não estivesse necessariamente posto em causa, já que se a parte
tivesse insuficiência de meios para o pagamento devido sempre poderia pedir a
concessão de apoio judiciário – pois está então em causa a defesa do réu em
relação aos factos que pelo autor lhe são imputados e que terão, em princípio,
repercussão na sua esfera jurídica, com as gravosas consequências da sua falta,
considerando‑se, em princípio, confessados os factos articulados pelo autor
(artigo 484.º), com a possibilidade até, quanto aos processos sumário e
sumaríssimo, de condenação imediata no pedido (artigos 784.º e 464.º).
Já assim não sucedendo, quer em relação à propositura da
acção, podendo o autor, em princípio, sempre propor nova acção, não obstante a
recusa da anterior petição inicial ou do seu desentranhamento, quer em relação
aos recursos, os quais têm por objecto sempre uma decisão judicial já proferida
(sem embargo de se reconhecer que o direito de recurso é também uma forma
essencial do direito à justiça (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 339/90)).
Assim, para situações diferentes, previu a lei soluções
diferentes.
Que nela estão bem expressas, provindo todas as prescrições
atrás mencionadas – e que se transcreveram para melhor compreensão – da mesma
alteração legislativa, a qual, logo no n.º 2 do citado artigo 150.º‑A, adverte
que a parte deve proceder à junção do documento comprovativo da taxa de justiça
nos 10 dias subsequentes á prática do acto processual, sob pena de aplicação das
cominações previstas nos artigos 486.º‑A, 512.º‑B e 690.º‑B.
E, não obstante a talvez não inteira correcção do preâmbulo do
Decreto‑Lei n.º 324/2003 quando genericamente alude às notificações sucessivas
da parte relapsa para que tenha lugar o desentranhamento das peças processuais
então em causa, a verdade é que não deveremos, só por isso, na interpretação da
norma, dar‑lhe o relevo que aquele não tem.
E, sendo certo que a lei, com os seus conceitos e palavras, de
acordo com o seu sentido, o seu sistema intrínseco e os seus objectivos, é
sempre o fundamento e directiva para ponderações, actuações e decisões do
jurista, que a ela deve fidelidade (Heinrich Hörster, A Parte Geral do Código
Civil Português, p. 27), haverá que atender, na sua interpretação – sem se cair
nos excessos em que tantas vezes se deixaram cair os autores objectivistas e
subjectivistas – às prescrições do artigo 9.º do Código Civil. Havendo, desde
logo, que reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em
que a lei foi elaborada, com pouco relevo, in casu, para a nota actualista da
interpretação, tendo em conta a proximidade temporal entre a sua feitura e a
sua aplicação. Devendo ser apurado não propriamente o sentido da mens
legislatoris, mas sim o conteúdo da vontade que alcançou expressão em forma
constitucional (a mens legis) – Manuel de Andrade, Interpretação e Aplicação
das Leis, pp. 134 e 135; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado,
vol. I, pp. 58 e 59; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. I, p. 38.
Contudo, se a interpretação não se deve cingir à letra da lei,
não pode também ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que
não tenha nela um mínimo de correspondência real, devendo ainda o intérprete
presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir
o seu pensamento de forma adequada (n.ºs 2 e 3 do citado artigo 9.º).
Por tudo isto, não pode deixar de se considerar que o
legislador, tendo em conta as diferentes situações, preveniu e estatuiu soluções
diferentes.
Não havendo, no caso dos recursos, lugar às sucessivas
notificações prescritas no artigo 486.º‑A, mas sim apenas a uma, a feita pela
secretaria, dando ao devedor relapso mais uma hipótese de cumprir a norma – a do
artigo 690.º‑B – e não sofrer a cominação que a mesma expressamente impõe.
Não havendo, pois, como já dito, erro de acto praticado pela
secretaria judicial, ao qual alude o artigo 161.º, n.º 6.
Não havendo, assim, qualquer nulidade a este respeito
cometida.
*
Quanto ao justo impedimento também alegado pela parte em
relação à omissão do pagamento da taxa de justiça devida:
A notificação recebida pela ora agravante – que continha a
cominação ora em causa – é clara, sendo perfeitamente compreensível para o comum
cidadão.
Não tendo que alertar a parte sobre a forma de efectuar a
autoliquidação em falta, que é da sua única responsabilidade.
Tendo, aliás, advertido a mesma, de forma destacada, que, no
mesmo prazo do pagamento da multa devida, cujo exacto montante era também
indicado na guia anexa, deveria pagar a taxa de justiça em dívida, por
autoliquidação, comprovando tal na secretaria.
Tal notificação é dirigida ao mandatário da parte, advogado,
que bem tem de conhecer a lei, não justificando a ignorância ou a má
interpretação desta a falta do seu cumprimento, nem a isentando das sanções nela
estabelecidas (artigo 6.º do Código Civil).
Não sendo a mesma notificação susceptível de induzir o seu
destinatário em erro.
Tendo o acto processual em apreço, no fundo, a forma que, nos
termos mais simples, melhor corresponde aos fins que com ele se pretende atingir
– dar, mediante o pagamento de uma multa cujo montante é expressamente indicado
e que consta da guia que se faz juntar, uma segunda oportunidade ao interessado
na manutenção do acto, de autoliquidar a taxa de justiça omitida. Assim
observando o preceituado no artigo 138.º, n.º 1.
Não havendo qualquer erro praticado pela secretaria que
pudesse ter prejudicado a parte – artigo 161.º, n.º 6.
Sendo certo que a autoliquidação da taxa de justiça já era
exigida desde 1 de Janeiro de 2001.
De nada importando, salvo o devido respeito, saber se a ora
agravante, com errada leitura do teor da notificação e, ao que se tem de
depreender, com desconhecimento da lei há muito já vigente a respeito da
autoliquidação da taxa de justiça devida pela apresentação da sua alegação de
recurso, pagou a multa cujo valor constava da guia anexa, convicta de que este
representava também a taxa de justiça omitida. A qual, como já dito e redito,
teria sempre de ser autoliquidada.
Não se podendo concluir, tal como a mesma agravante pretende,
que para o não pagamento da taxa de justiça devida – e pesando sobre ela tão
gravosa cominação – não tivesse havido qualquer negligência sua.
Não se podendo, pois, julgar verificado qualquer impedimento
da parte que tivesse obstado à prática atempada do acto (artigo 146.º).
Não se podendo, assim, contrariamente ao requerido, admitir a
requerente a praticar o acto fora de prazo.
*
Conhecidas que são as questões objecto do agravo interposto e
não obstante a parte dever ter arguido a eventual inconstitucionalidade
material do artigo 690.º‑B, n.º 2, e a eventual inconstitucionalidade orgânica
do Decreto‑Lei n.º 324/2003 no recurso que viesse a interpor do despacho
judicial que tal diploma e norma legal aplicou, sempre se dirá, a respeito, já
que o Juiz, oficiosamente, não deve aplicar lei ferida do invocado vício:
Contrariamente ao expendido pela agravante, quanto a nós,
pelas razões já atrás aludidas, não se verifica qualquer desequilíbrio na
cominação do citado artigo 690.º‑B, n.º 2, nem violação de qualquer direito
fundamental da pessoa jurídica, designadamente o do acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva, expressamente previsto no artigo 20.º da CRP. O qual
inculca a universalidade do respectivo reconhecimento, quando diz que a «todos»
é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais (cf., entre outros, Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 560/2004, de 15 de Setembro de 2004 – Diário da
República, II Série, de 12 de Novembro de 2004).
Tratando‑se da prescrição para uma situação diferente da
atinente à mera oposição do réu, esta «merecedora» de duas notificações
sucessivas prévias ao desentranhamento da defesa.
Não havendo qualquer desequilíbrio entre o interesse
«meramente» patrimonial do Estado no recebimento da taxa de justiça em causa e
o acesso da parte aos tribunais para defesa do seu direito.
Não se vislumbrando qualquer violação do princípio da
proporcionalidade que entre tais interesses deve existir.
Procurando‑se, antes, com tal cominação – com a consagração do
desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento
das taxas de justiça devidas – moralizar o acesso aos tribunais (preâmbulo do
citado Decreto‑Lei n.º 324/2003), sendo certo que aquela que seja
economicamente insuficiente sempre disporá do benefício do apoio judiciário que
lhe permitirá litigar (incluindo o recurso aos tribunais superiores)
gratuitamente.
Não sendo, aliás, tal cominação muito diferente – nos seus
efeitos – das estatuídas no artigo 690.º, quer pela falta da alegação, quer pela
falta ou vício das conclusões respectivas. Não estando aí as mesmas relacionadas
com qualquer vertente economicista do acesso à justiça e aos tribunais.
Dizendo a lei qual o formalismo a adoptar, com sanções para os
que não o cumpram.
Não se vislumbrando, assim, na norma em apreço, qualquer
sentido que não seja compatível ou conforme com o sentido objectivo da
correspondente norma constitucional.
Não se verificando, pois, qualquer inconstitucionalidade
material do citado preceito legal.
Como também não se verifica, ainda a nosso ver, e pese embora
o diploma em questão ter sido decretado pelo Governo, nos termos do n.º 1 do
artigo 198.º da Constituição, inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º
324/2003. Por não se verificar, in casu, com o aí legislado, designadamente
tendo em conta as normas em apreço, infracção da reserva de competência
legislativa da Assembleia da República consagrada no artigo 165.º da CRP – cf.,
embora a propósito do Decreto‑Lei n.º 387‑D/87, de 29 de Dezembro, os Acórdãos
do Tribunal Constitucional, de 31 de Maio de 1989 (Diário da República, de 15
de Setembro de 1989), de 14 de Março de 1990 (Diário da República, de 17 de
Julho de 1990), de 28 de Março de 1990 (Messias Bento), de 3 de Maio de 1990
(Mário de Brito), de 22 de Maio de 1990 (Ribeiro Mendes) e de 28 de Novembro de
1990 (Diário da República, de 4 de Março de 1991).
(…)
Face a todo o exposto, acorda‑se nesta Relação em se negar
provimento ao agravo e, em consequência, embora se anulando o despacho
recorrido, julga‑se improcedente quer a arguida nulidade, quer o justo
impedimento da parte, assim se indeferindo o por ela requerido.”
1.4. Contra este acórdão interpôs a
agravante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas como, nas
respectivas alegações (fls. 392‑464), além do mais, arguira, ao abrigo do
disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC nulidades do acórdão
recorrido, por omissão de pronúncia – (i) por não ter conhecido nem apreciado o
recurso do despacho de fls. 3457, que, contrariamente ao decidido, não teria
transitado em julgado; (ii) por nada ter dito sobre as consequências processuais
decorrentes da declaração de nulidade do despacho de fls. 3671; (iii) por não se
ter pronunciado sobre a aplicação no tempo do artigo 690.º‑B do CPC introduzido
pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 17 de Dezembro, em face das alterações
introduzidas ao Código das Custas Judiciais, nem sobre a falta de notificação
sucessiva da parte pela omissão do pagamento da taxa de justiça; e (iv) por não
se ter pronunciado sobre a questão da verificação do justo impedimento, pela
recorrente arguida −, o Tribunal da Relação de Coimbra, nos termos doa artigos
668.º, n.º 4, e 716.º, n.º 2, do CPC, procedeu à apreciação dessa arguição de
nulidades da decisão, indeferindo‑a, por acórdão de 9 de Novembro de 2005 (fls.
519‑522, rectificado pelo acórdão de 7 de Fevereiro de 2006 – fl. 529), com a
seguinte fundamentação:
“Quanto à primeira delas:
É um facto que este Tribunal da Relação não conheceu nem
apreciou o recurso do despacho de fls. 3457, por termos aqui entendido, pelas
razões que melhor então explicitámos, ter o mesmo transitado em julgado.
Já que, cabendo dele recurso ordinário, entendeu antes a
parte − por razões que não nos cumpre apreciar − arguir, perante o senhor Juiz
de 1.ª instância, a incorrecta aplicação do artigo 690.º‑B do CPC, o justo
impedimento, a inconstitucionalidade material do artigo 690.º, n.º 2, do CPC e a
inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
Apenas tendo interposto recurso do despacho judicial que
indeferiu tal requerimento, ou seja, do despacho de fls. 3671.
Sempre se dizendo, contudo, não se ver ter a ora recorrente
arguido expressamente a nulidade do referido despacho de fls. 3457,
contrariamente ao que agora afirma.
Tendo‑se explicitado as razões porque em nosso entender o
despacho em apreço não foi aqui apreciado.
Não se podendo, assim, alegar, salvo o devido respeito, e não
obstante a expressa discordância da recorrente, ter havido a propósito omissão
de pronúncia.
Passemos à segunda das ora arguidas nulidades:
Entendeu‑se aqui que haveria de se conhecer do recurso
interposto do despacho de fls. 3671, o qual, sem qualquer fundamentação do
senhor Juiz de 1.ª instância, se limitou a manter nos seus precisos termos o
despacho de fls. 3457, sem se ter pronunciado sobre as questões que haviam sido
pela A. suscitadas no seu requerimento de fls. 3463 a 3470.
Sendo esse, quanto a nós, o despacho recorrido.
Tendo‑se, de facto, considerado o mesmo nulo, nos termos do
também agora citado artigo 668.º, n.º 1, alínea d), por omissão de pronúncia do
senhor Juiz de 1.ª instância sobre toda a matéria constante do requerimento que
a ora recorrente entendeu por bem submeter à sua apreciação.
Adiantando‑se desde logo que, anulado tal despacho da 1.ª
instância, iria o Tribunal da Relação conhecer do objecto do agravo, já que,
provido o mesmo, ou seja, dando razão à/s pretensão/ões da agravante, aduzida/s
no seu aludido requerimento de 29 de Março de 2004, poderia, se tal fosse também
ainda possível, ordenar-se o reentranhamento das alegações desentranhadas, com
as legais consequências.
Agora, a terceira nulidade suscitada:
Cremos não se poder duvidar que nos pronunciamos
expressamente − bem ou mal, não cabe agora aqui saber − sobre a aplicação no
tempo do artigo 690.º‑B do CPC, introduzido pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 17
de Dezembro, e sobre a falta de notificação sucessiva da parte pela omissão do
pagamento da taxa de justiça – fls. 8 a 19 do nosso acórdão recorrido.
Finalmente, a quarta nulidade ainda pela recorrente
suscitada:
Cremos, também, não se poder pôr em causa − mau grado a
discordância sobre o aqui decidido – termo‑nos expressamente debruçado sobre o
justo impedimento pela recorrente invocado − fls. 19 e 20 do nosso acórdão.”
1.5. Ao recurso de agravo foi negado
provimento pelo acórdão do STJ, de 27 de Junho de 2006, com a seguinte
fundamentação:
“II – Em processo de recuperação de empresa teve lugar uma assembleia
definitiva de credores, onde foi votada e aprovada por credores com 68,0185% dos
créditos aprovados, uma proposta de recuperação, que veio a ser homologada por
sentença.
A ora recorrente, um dos muitos credores, não se conformando com a sentença
homologatória, interpôs recurso.
A recorrente juntou a sua alegação em 23 de Janeiro de 2004, não tendo
apresentado qualquer documento comprovativo da autoliquidação devida.
Por carta datada de 5 de Fevereiro de 2004 foi a recorrente notificada nos
seguintes termos:
«Assunto: Omissão de pagamento da taxa de justiça inicial subsequente – 690.º‑B
do CPC.
Fica notificado, na qualidade de Mandatário do Credor A., SA, para no prazo de
10 dias efectuar, relativamente ao processo supra identificado, o pagamento
omitido da taxa de justiça bem como da multa – n.º 1 do artigo 690.º do CPC de
acordo com os montantes e prazos da guia anexa – sob pena de desentranhamento
da alegação/resposta – n.º 2 do mesmo normativo.
A taxa de justiça em dívida deverá ser paga no mesmo prazo, por autoliquidação,
da qual deverá fazer prova junto da secretaria deste Tribunal.»
Foi junta uma guia no montante de 890 euros, com a descrição de «Multas do CGT –
multa artigo 690.º‑B do CPC». A secretaria veio a lavrar, em 19 de Março de
2004, a informação «de que a recorrente A., apenas procedeu ao pagamento da
multa prevista no artigo 690.º‑B do CPC, não tendo efectuado o pagamento da taxa
de justiça devida pela interposição do recurso, apesar de notificada para o
efeito, conforme fl. 3430».
A Senhora Juíza ordenou em seguida o desentranhamento das alegações da
recorrente.
Notificada desse despacho, A. veio requerer «a recusa de aplicação do artigo
690.º‑B do CPC, com todas as legais consequências, designadamente revogando o
despacho de fls. … que ordenou o desentranhamento das alegações», o que foi
indeferido.
A. interpôs então recurso, que veio a ser admitido como de agravo.
A partir desta evolução processual, o Tribunal da Relação negou provimento ao
agravo.
Inconformada, recorre A. para este Tribunal, referindo, além das várias questões
aqui suscitadas, ainda a problemática de um outro agravo que subiu em separado,
constituindo um apenso, e onde foi decidido que era inútil a instância de
recurso por prejudicada pelo curso do processo principal.
Face ao «mar» de certidões que compõem este agravo e às 92 (!) conclusões das
alegações, importa definir e clarificar o objecto do recurso.
A recorrente suscita, em síntese, as seguintes questões:
Admissibilidade e espécie do recurso para o Supremo;
Nulidade do acórdão recorrido;
Apreciação da decisão da 1.ª instância que ordenou o desentranhamento das
alegações de recurso;
Violação das regras e princípios expressos na Constituição da República
Portuguesa;
Denegação de acesso ao direito e ao recurso para o Tribunal Europeu.
Saliente‑se, antes de mais, que está em causa somente o recurso interposto no
processo n.º 3058/04‑2 da Relação de Coimbra (neste Tribunal com o n.º
1162702‑1) e não o que foi decidido no processo 3033/02 da mesma Relação.
Decisão que surge repetidamente referida nestes autos, mas que, obviamente, não
faz parte da matéria a analisar.
Vejamos então os problemas levantados.
O recurso foi interposto para este Supremo como de agravo e como tal recebido. A
decisão que admite o recurso, fixa a sua espécie ou determina o efeito que lhe
compete não vincula o Tribunal Superior, e as partes só a podem impugnar nas
suas alegações (artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Entendeu‑se,
contudo, que o despacho de recebimento estava correcto e recebeu‑se o recurso
igualmente como de agravo. Não há qualquer razão para alterar o decidido.
Por um lado, porque aquilo que aqui está em causa não é a homologação da
deliberação da assembleia sobre o meio de recuperação aprovado, caso em que
caberia recurso somente para o Tribunal da Relação (artigo 56.º, n.º 2, do
Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência). O que
aqui é posto em causa é sim o despacho da 1.ª instância que mandou desentranhar
as alegações.
Por outro lado, não está em apreciação sentença ou despacho saneador que decidam
do mérito da causa, nem há motivo para rejeição do recurso (artigos 691.º e
754.º do Código de Processo Civil).
Mantém‑se, pois, o que já foi decidido, ou seja, o recebimento do agravo.
Invoca a recorrente a nulidade do acórdão recorrido.
Na sua tese, o acórdão é nulo porque, tendo considerado que o despacho
recorrido transitou em julgado, não apreciou as questões suscitadas pela
recorrente, ou seja, a errada aplicação do disposto no artigo 690.º‑B do Código
de Processo Civil, a não verificação da notificação nos termos legais, o justo
impedimento, a inconstitucionalidade do referido artigo 690.º‑B.
Socorre‑se a recorrente do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código
de Processo Civil. Aí se estipula que é nula a sentença quando o juiz deixe de
pronunciar‑se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que
não podia tomar conhecimento.
Disposição essa que está em consonância com o disposto no artigo 660.º, n.º 2,
que determina dever o juiz resolver todas as questões que as partes tenham
submetido à sua apreciação, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada
pela solução dada a outras. Não pode ocupar‑se senão das questões suscitadas
pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de
outra.
É jurisprudência firme – com raízes no Prof. Alberto dos Reis, Código de
Processo Civil Anotado, 5.º vol., pág. 54 – a que defende que só a falta de
apreciação das questões (que se ligam directamente ao fundamento ou razão do
pedido feito), é motivo de nulidade, e não já a falta de análise das razões,
argumentos, opiniões, doutrina, pareceres apresentados.
Dentro deste entendimento não se verifica a invocada nulidade. Considerou‑se na
decisão em causa que o despacho impugnado (fl. 3457) tinha transitado em
julgado e daí que perdesse interesse a apreciação de algumas das questões
levantadas pela recorrente. Essa omissão de pronúncia não constitui nulidade,
resultando directamente da lei, já que o juiz não deve apreciar as questões cuja
decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do
Código de Processo Civil).
Mas, para além disso, no acórdão recorrido analisou‑se a notificação, em causa,
a aplicação do artigo 690.º‑B, a problemática do chamado «justo impedimento» e a
pretendida inconstitucionalidade.
Não há, claramente, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
Chega‑se assim ao cerne da questão, ao que verdadeiramente aqui está em causa,
que deu origem ao recurso e à discussão da problemática enunciada, ou seja, o
despacho ordenando o desentranhamento das alegações apresentadas pela recorrente
e referentes à decisão homologatória da proposta de recuperação aprovada em
assembleia de credores.
Em causa a aplicação do artigo 690.º‑B do Código de Processo Civil.
O n.º 1 determina que:
«Se o documento comprovativo de pagamento da taxa de justiça inicial ou
subsequente ou da concessão de beneficio de apoio judiciário não tiver sido
junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o
interessado para em 10 dias, efectuar o pagamento omitido, acrescido de multa de
igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.»
No n.º 2 estipula‑se que:
«Se, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido
junto no processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça
inicial ou subsequente e da multa ou da concessão do beneficio do apoio
judiciário o Tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento
ou da resposta apresentada pela parte em falta.»
A notificação feita à recorrente, pela forma já referida, foi‑o em termos
inequivocamente claros e em rigorosa consonância com o disposto no artigo
690.º‑B do Código de Processo Civil, pelo que carece de fundamento a invocação
do artigo 228.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Também não se pode falar de justo impedimento, que só existiria se a notificação
fosse feita em termos de não permitir a perfeita compreensão, o que não é o
caso.
Onde a questão pode suscitar algumas interrogações é na aplicação do artigo
690.º‑B do Código de Processo Civil, disposição aditada pelo Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro.
Clarifique‑se que está em causa somente o recurso, e o que a esse respeito
dispõe o artigo 690.º‑B. Não é, assim, de extrapolar para o regime comprovativo
do pagamento da taxa de justiça referente à petição inicial ou à contestação e
as consequências de tais omissões (artigos 150.ºA e 486.º‑A, ambos do Código de
Processo Civil).
No que respeita ao recurso, a omissão do pagamento do pagamento da taxa de
justiça acarreta, no que aqui importa, o desentranhamento das alegações, não
existindo a pretendida notificação sucessiva, como resulta claramente do texto
legal (artigo 690.º‑B do Código de Processo Civil).
O Decreto‑Lei n.º 394/2003, de 27 de Dezembro, entrou em vigor no dia 1 de
Janeiro de 2004, tendo as alegações em questão sido apresentadas em 23 de
Janeiro, sendo, obviamente, posterior a notificação feita e aqui posta em causa.
Relativamente à aplicação no tempo da lei processual civil, a regra é a que
vigora na teoria geral do direito, ou seja, a lei nova é de aplicação imediata
aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva. Exceptuar‑se‑á,
evidentemente, o disposto em normas transitórias.
Não há no Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (com as rectificações
introduzidas pela Declaração n.º 26/2004, Diário da República, n.º 46‑A, de 24
de Fevereiro) norma transitória que impeça a aplicação do enunciado princípio.
A doutrina e a jurisprudência têm entendido que a nova lei processual deve
aplicar‑se imediatamente não apenas às acções que venham a instaurar‑se após a
sua entrada em vigor, mas a todos os actos a realizar futuramente, mesmo que
tais actos respeitem a acções pendentes, ou seja, a causas já intentadas.
A razão desse entendimento consiste no facto de o direito processual ser um ramo
do direito público, logo acima dos interesses dos particulares, e na
circunstância de o direito processual ser um ramo de direito adjectivo, que
regula tão‑somente o modo como as partes podem fazer valer em juízo os seus
direitos, não sendo com base nele que o juiz decide sobre a existência ou
inexistência do direito, cabendo tal ao direito substantivo.
No que especificamente respeita aos recursos, entende‑se que são imediatamente
aplicáveis as normas que regulam as formalidades da preparação, instrução e
julgamento do recurso. Os trâmites do recurso são regulados pela lei processual
nova, que tem aplicação imediata – Em sentido próximo: Antunes Varela, Manual de
Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, 1985, págs. 47, 48, 55, 56 e 57; Prof.
Teixeira de Sousa, Estudos de Processo Civil, 2.ª ed., pág. 14 e seguintes;
Acórdão do STJ, de 6 de Junho de 2000, Agravo n.º 202/00, 6.ª Secção, Sumários,
2000, pág. 201; Acórdão do STJ, de 2 de Junho de 1999, Agravo n.º 305/99, 2.ª
Secção, Sumários, 1999, pág. 230.
No caso em análise, não se trata da admissibilidade ou não admissibilidade do
recurso, ou eventual limitação na admissão do mesmo, mas sim do cumprimento ou
não cumprimento de uma condição necessária à sua apreciação.
Defende a recorrente que da conjuntura dos artigos 28.° do Código das Custas
(aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro) com o artigo 690.º‑B
do CPC, tem que se concluir que a sua imediata aplicabilidade ao caso em apreço
é contrária aos princípios do acesso ao direito e da confiança, de onde
resultará a sua inconstitucionalidade. Acresce, diz, que estava vedado ao
Governo invocar competência legislativa própria para aprovar o Decreto‑Lei n.º
324/2003.
O acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição,
engloba vários direitos, entre os quais se inclui o direito de recurso das
decisões jurídicas, objectivado no direito ao duplo grau de jurisdição.
Não existe, contudo, preceito constitucional a consagrar o «duplo grau de
jurisdição» em termos gerais. Embora o recurso das decisões judiciais, que
afectem direitos fundamentais, se apresente como uma garantia imprescindível
desses direitos, a verdade é que o legislador dispõe de «liberdade de
conformação quanto à regulação dos requisitos e graus de recurso», embora não
possa «regulá‑lo de forma discriminatória, nem limitá‑lo de forma excessiva» –
Prof. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª ed, pág. 164.
Em concreto, não se trata de decisão que afecte direitos fundamentais, estando
em causa um despacho homologatório de aprovação de uma medida de recuperação de
empresa, que é posto em causa por um único dos vários credores.
Por outro lado, o recurso foi recebido e as alegações desentranhadas por não ter
sido cumprido o comando do artigo 690.º‑B do Código de Processo Civil, que
determina a junção de documento comprovativo do pagamento de uma taxa de
justiça, sendo certo que nada na nossa lei impõe uma justiça gratuita, pelo
menos para todos.
Não se vê assim qualquer inconstitucionalidade.
Igualmente não se nos afigura possível falar em violação do direito a um
processo equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos
do Homem.
A obrigatoriedade de pagamento de uma taxa de justiça (a quem a lei não isentar
de tal) não colide com nenhum dos direitos discriminados no referido artigo
6.º. A gratuitidade de justiça para todos não é consagrada em parte alguma da
mencionada Convenção.
Assim, nega‑se provimento ao agravo.”
1.6. Notificada deste acórdão, veio a
recorrente, em 12 de Julho de 2006, através de requerimentos separados, arguir
a sua nulidade (fls. 566‑580) – arguição desatendida pelo acórdão do STJ de 3 de
Outubro de 2006 (fls. 631) – e dele interpor recurso para o Tribunal
Constitucional (fls. 598‑611), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade material (por violação do artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da
Constituição da República Portuguesa – CRP) do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC,
com a redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, e a
inconstitucionalidade orgânica (por violação do artigo 165.º, n.º 1, alíneas
b), i) e p), da CRP) deste decreto‑lei, na interpretação que aos mesmos foi dada
pelo acórdão recorrido.
Neste Tribunal, a recorrente apresentou
alegações, formulando a final as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
2. Pois pretende a ora recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade material
do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC, com a redacção dada pelo Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro, e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei
n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na interpretação que aos mesmos foi dada pelo
acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra e confirmada pelo acórdão
do STJ.
3. Já que, em seu entender, a interpretação e aplicação dada às invocadas
disposições legais, sustentada pelo acórdão sub judice, viola frontal e
ostensivamente o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da CRP.
4. Na verdade, perante tal preceito constitucional, é inquestionável a garantia
de todos os cidadãos e, no caso concreto, da ora requerente, do direito de
acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos e, de igual modo, o direito a um processo equitativo.
5. Assegurando, desta forma, a protecção contra a violação deste direito, quando
as leis de processo aplicadas carecem de clareza ou se o efeito delas é perverso
do ponto de vista dos cidadãos.
6. O recurso intentado para o Tribunal da Relação de Coimbra abrangia não só o
despacho de fls. 3671, que veio a ser declarado nulo por este Tribunal, mas
também o despacho de fls. 3457, absorvido pelo anterior.
7. O despacho de fls. 3457 não transitou em julgado, porquanto foi o mesmo
impugnado e posto em «crise» através do requerimento da recorrente datado de 29
de Março de 2004 (cf. fls. 3463 a 3471 dos autos), onde invocou a sua nulidade,
invocou o justo impedimento e arguiu a inconstitucionalidade material do n.º 2
do artigo 690.º‑B do CPC e a inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Novembro, e pelo requerimento de fls. 3694, com base no n.º 2
do artigo 669.º, onde se invocou a ilegalidade do despacho de fls. 3457, por
aplicação do actual artigo 28.º do CCJ, inaplicável aos presentes autos por
imposição expressa do artigo 14.º do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de
Novembro.
8. As nulidades invocadas sobre um despacho emitido por Juiz do Tribunal de 1.ª
instância devem ser arguidas junto desse mesmo tribunal através de requerimento
e não perante o tribunal de 2.ª instância em sede de recurso.
9. Permitindo assim que o tribunal de 1.ª instância possa «sanar» a nulidade
cometida ou, caso contrário, fundamentar a decisão de manutenção do despacho
atacado pela parte.
10. Só depois de o tribunal se pronunciar e de dar a conhecer à parte a sua
decisão sobre a verificação ou não verificação das nulidades invocadas pode,
então, a parte recorrer da decisão proferida (cf. artigos 686.º, n.º 1, e 677.º
do CPC).
11. O mesmo ocorre quando contra um despacho é apresentado requerimento onde se
recorre ao artigo 669.º do CPC (cf. artigo 677.º do CPC).
12. E, caso o tribunal venha reformar a sua decisão, esta passa a fazer parte
integrante do despacho assim impugnado (cf. n.º 2 do artigo 670.º do CPC),
podendo, nessa altura, a parte prejudicada com a alteração da decisão recorrer,
para manifestar a sua discordância (cf. artigo 670.º, n.º 4, do CPC).
13. Pelo que os requerimentos apresentados pela ora recorrente e dirigidos
contra o despacho de fls. 3457, ou seja, o requerimento de fls. 3463 a 3471 e o
requerimento de fls. 3713/3714, obstaram ao seu trânsito em julgado, pois
visavam obter a reforma da decisão ali impugnada (cf. artigo 677.º do CPC).
14. Não se pode falar em trânsito em julgado do despacho de fls. 3457, enquanto
não existisse a decisão definitiva sobre o requerimento apresentado contra ele,
pela recorrente, o que ocorreu através do despacho de fls. 3671, sendo que,
mesmo aí, a recorrente obstou ao trânsito em julgado de ambos os despachos, ao
interpor recurso que configurou como de apelação e que abrangia ambos os
despachos, porquanto o despacho de fls. 3671 é consumido pelo próprio despacho
de fls. 3457.
15. Assim, a interpretação e aplicação que o Acórdão do Tribunal da Relação fez
do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, no sentido de que a não interposição de
recurso sobre o despacho de fls. 3457 [fez] com que tal despacho transitasse em
julgado afronta, como se invocou e se reitera, o artigo 205.º da CRP e bem assim
os preceitos constitucionais com ele correlacionados, a saber: artigos 20.º, n.º
2, 113.º, 206.º e 208.º, e, por consequência, tal interpretação é materialmente
inconstitucional.
16. Devendo, antes, interpretar‑se, em face do disposto no n.ºs 2 e 3 do artigo
666.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 669.º, [artigo] 670.º, n.ºs 2 e 4, e
n.º 1 do artigo 686.º, todos do CPC, que, tendo a parte requerido a reforma do
despacho de fls. 3457 (o mesmo que ordenou o desentranhamento das alegações de
recurso), tal pedido obsta ao trânsito em julgado daquele despacho, impondo‑se
que seja conhecido e objecto de pronúncia, o que se invocou sobre o facto de o
preceituado no artigo 690.º‑B do CPC depender de uma norma habilitante, o artigo
28.º do CCJ.
17. Por força desta declaração de inconstitucionalidade, deve ser declarado
nulo o acórdão do Tribunal da Relação por desconformidade com a Lei e os
princípios [c]onstituciona[is].
18. O Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, procedeu à revisão do Código
das Custas Judiciais e, por via desta, introduziu importantes alterações no
regime processual e respectivos princípios orientadores do Código de Processo
Civil, originado pelo Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro.
19. E voltou a reintroduzir todos os preceitos legais que, por via do não
cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de legislação sobre custas,
tinham sido eliminados pelo Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro.
20. Para acautelar esta transição de regimes, distintos entre si, o artigo 14.º
do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, estabeleceu, expressamente, que
«as alterações ao CCJ constantes deste diploma só se aplicam aos processos
instaurados após a sua entrada em vigor».
21. A norma aplicada pelo despacho de fls. 3457 dos autos, que ordenou o
desentranhamento das alegações de recurso, o n.º 2 do artigo 690.º‑B do C.P.C.,
foi aprovada e introduzido no actual Código de Processo Civil por via do
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
22. Sendo que a aplicabilidade do artigo 690.º‑B, n.º 2, mais não é do que a
cominação a que se refere o artigo 28.º do CCJ (na redacção dada pelo
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro).
23. Norma habilitante que só entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2004 e cuja
aplicabilidade se destina aos processos instaurados após tal data.
24. Atendendo que o novo regime de custas apenas se aplica aos processos
instaurados após 1 de Janeiro de 2004 e o artigo 28.º do actual CCJ só se aplica
aos processos igualmente iniciados em 1 de Janeiro de 2004 e não aos pendentes,
seria de aplicar no presente caso o artigo 28.º do CCJ na sua anterior versão,
a qual se conjuga com o artigo 14.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95 de 12 de
Dezembro, estabelecendo, assim, uma consequência da omissão de pagamento
essencialmente diversa da que foi aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância.
25. Face ao mencionado regime aplicável ao recurso da ora recorrente, constatada
a omissão de junção atempada do documento comprovativo do pagamento da taxa de
justiça inicial, a secção de processos deveria ter notificado para, em cinco
dias, efectuar o pagamento do valor omitido, com acréscimo de taxa de justiça
de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
26. Se a parte obrigada ao pagamento da taxa de justiça sancionatória
persistisse no incumprimento da obrigação que sobre ela recaía, o processo é
concluso ao juiz para aplicação da multa prevista no n.º 2 do artigo 14.º do
Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro, que a deve graduar consoante as
circunstâncias concretas do caso entre o triplo e o décuplo da taxa de justiça
em divida, com o limite máximo de 20 UCS.
27. E nunca o desentranhamento das alegações de recurso ex vi do actual regime
preconizado pela conjugação do novo artigo 28.º do CCJ e artigo 690.º‑B do CPC,
aplicável aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004.
28. Pelo que se afirma mais uma vez a inconstitucionalidade da interpretação da
norma constante no artigo 28.º do CCJ (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003,
de 27 de Dezembro) e no artigo 690.º‑B do CPC (de igual modo aditado ao Código
de Processo Civil pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro), nos termos
da qual seja literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos
pendentes, ou seja, instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004.
29. Devendo, antes, interpretar‑se, em face do disposto no n.º 1 do artigo 14.º
do próprio Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, conjugadamente com o
disposto no artigo 14.º, n.º 2, do Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro,
no sentido de não serem aplicáveis aos recursos interpostos em processos
instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, por constituir manifesta violação do
princípio do acesso ao direito, este enquanto direito análogo aos direitos,
liberdades e garantias.
30. A interpretação da norma constante no actual artigo 28.º do CCJ, conjugada
com o artigo 690.º‑B do CPC, no sentido da sua aplicação literal ao recurso
intentado pela ora recorrente viola, desta feita, os artigos 2.º, 13.º, 17.º,
20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP, o artigo 6.º da CEDH e o artigo
47.º [da Carta dos] Direitos Fundamentais da União Europeia.
31. Acresce ainda que a norma (cuja inconstitucionalidade deve ser declarada)
retirada da conjugação dos artigos 28.º do CCJ (aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro) com o artigo 690.º‑B do CPC (aditado ao CPC pelo
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro), na interpretação da sua imediata
aplicabilidade ao caso em apreço, é contrária aos princípios do acesso ao
direito e da confiança, este último ínsito no princípio do Estado de Direito
Democrático.
32. É de igual modo evidente a inadequação e desproporcionalidade da norma
consagrada no n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC, pela violação dos propósitos do
legislador, que, no próprio preâmbulo do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de
Dezembro, impõe que a cominação de desentranhamento só possa ser ordenada após o
interessado ter sido «sucessivamente notificado para o efeito».
33. O artigo 486.º‑A do CPC prevê e respeita tal objectivo, porquanto:
a. O réu deve juntar o comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça
(artigo 486.º‑A, n.º 1);
b. Se o não fizer, a secretaria notifica‑o para efectuar o pagamento e uma multa
(n.º 3 do preceito);
c. Se mantiver a omissão, a secretaria volta a notificá‑lo (n.º 4 do preceito);
d. Findos os articulados e perante a omissão, o juiz profere despacho convidando
ao pagamento da taxa e de uma multa (n.º 5);
e. Só perante o incumprimento deste despacho o tribunal desentranha a
contestação (n.º 6).
34. Esta sucessão estabelece algum equilíbrio entre um crédito patrimonial do
Estado e a destruição de um direito fundamental com dignidade constitucional, o
que não ocorre no artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC.
35. Neste preceito é feita uma – e só uma – notificação e, perante a omissão de
pagamento é logo destruído o direito de recorrer.
36. Afigura‑se ostensivo, pois, que um crédito de natureza puramente material do
Estado possa destruir o direito de aceder aos tribunais e à justiça e promover a
amputação do direito de defender os seus direitos e de alcançar a tutela
efectiva e em tempo útil desses mesmos direitos.
37. Estamos, assim, perante regimes contraditórios, originados pelo Decreto‑Lei
n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que, em obediência ao espírito do Decreto‑Lei
n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro, preconiza a sucessiva notificação da parte no
artigo 486.º‑A em detrimento de uma única notificação à parte no artigo 690.º‑B,
com a imediata aplicação da sanção: desentranhamento das alegações de recurso.
38. Do exposto decorre que as preclusões processuais não podem emergir de um
incumprimento de natureza patrimonial, ou, no mínimo, as preclusões que
envolvam consequências que atinjam a exclusão de direito de acesso aos tribunais
e a um processo justo e equitativo têm de se mostrar gritantemente
inconstitucionais, por ofensa aos artigos 2.º e 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da CRP.
39. No mesmo sentido e com igual intensidade, a norma em causa agride o artigo
6.º da CEDH e o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, cuja violação se invoca nos mesmos termos e finalidades que estribam a
arguida violação do artigo 20.º da Lei Fundamental.
40. Consequentemente, não deveria ter sido aplicada tal cominação e recusada a
aplicação do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC, por violação das citadas normas
constitucionais.
41. Entende‑se, pois, que deve ser declarada a inconstitucionalidade material do
artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC, recusada a sua aplicação e, consequentemente,
revogado o acto de desentranhamento das alegações.
42. Para além disso, a cominação e preclusão impostas emergiram de uma
comunicação feita pelo Tribunal Judicial da Covilhã com o seguinte teor: «Fica
notificado, na qualidade de mandatário do credor A. SA, para no prazo de 10 dias
efectuar, relativamente ao processo supra identificado, o pagamento omitido da
taxa de justiça, bem como da multa – n.º 1 do artigo 690.º do CPC, de acordo com
os montantes e prazos da guia anexa – sob pena de desentranhamento da
alegação/resposta – n.º 2 do mesmo normativo.»
43. Desta notificação retira‑se:
Que há um pagamento omitido;
Que arrasta o pagamento da taxa de justiça em falta;
Bem como da multa;
Cujos montantes se identificam na guia anexa.
44. O que a recorrente cumpriu quando pagou a quantia constante da guia que,
como se dizia na notificação, tal quantia representava:
a taxa de justiça em falta;
bem como a multa.
45. Coloca‑se aqui uma questão de interpretação da notificação em causa, de
forma a aferir se efectivamente a mesma cumpre ou não os requisitos consagrados
no artigo 228.º do CPC.
46. De acordo com jurisprudência firmada pelo Tribunal Constitucional, não cabe
ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou
fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos.
47. Aliás, igual entendimento sufragou o Tribunal Constitucional sobre a norma
do artigo 259.º do CPC, tendo sido considerado inconstitucional a interpretação
deste preceito legal, em termos de caber ao juiz avaliar e decidir sobre a
legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou fotocópias dos texto de despachos,
sentenças ou acórdãos por si manuscritos, enviados ou entregues às partes
juntamente com a notificação (Acórdão n.º 444/91 do Tribunal Constitucional –
in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 411, p. 155).
48. Daí que a interpretação dada ao artigo 146.° do CPC segundo a qual é o juiz
que decide sobre a inteligibilidade de uma notificação, quando a parte
justificadamente invocou a sua ininteligibilidade, põe em crise o artigo 20.º da
CRP, razão porque aquele preceito, interpretado naquele sentido e conteúdo,
afronta o artigo 20.º da CRP e deve ser julgado materialmente inconstitucional.
49. De igual modo, a interpretação e aplicação que se fez do artigo 146.º do
CPC, no sentido de que a errónea notificação da Secretaria do Tribunal Judicial
de 1.ª Instância não configura justo impedimento, afronta o artigo 20.º da CRP
e, por consequência, tal norma, nesta acepção, é, igualmente, materialmente
inconstitucional.
50. Invocou ainda a ora recorrente que o diploma legal – o Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro – que aprovou as alterações ao CCJ e por via do qual
foram introduzidas alterações ao CPC, alterações que criaram as cominações e
preclusões supra citadas – no caso concreto, o n.º 2 do artigo 690.º‑B – foi
aprovado no âmbito e sob a invocação da competência legislativa do Governo – e
própria dele – ou seja, sob invocação do artigo 198.º, n.º 1, alínea a), da CRP.
51. A matéria em causa não só não é da competência legislativa própria do
Governo, mas, ao invés, é da competência reservada à Assembleia da República.
52. Este diploma legal consagrou novas taxas de justiça, novos critérios de
tributação, novos critérios para a cobrança das taxas e impostos judiciais,
amputação de direitos fundamentais, criação de um novo conceito de taxa de
justiça distinto de sujeito processual (artigos 21.º, 32.º e 33.º do CCJ),
alargou a competência dos tribunais ao permitir que recusem peças processuais e
extraiam consequências substantivas e de mérito para tal recusa.
53. Matérias que se subsumem à disciplina do artigo 165.º da CRP, alíneas b),
i) e p), e, consequentemente, da competência exclusiva da Assembleia da
República, pelo que estava vedado ao Governo invocar a sua competência
legislativa própria para aprovar o referido diploma legal.
54. Só munido da competente autorização legislativa é que o Governo obteria
legitimidade constitucional para produzir tais normas sobre tais matérias.
55. Sendo inequívoca a inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º
324/2003, de 27 de Dezembro, fundamento suficiente para a recusa de aplicação
da cominação prevista no artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC.
56. A decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Covilhã é nula por se
encontrar ferida de inconstitucionalidade, pois não recusou a aplicação do n.º 2
do artigo 690.º‑B do CPC e não revogou o acto de desentranhamento das alegações
de recurso de apelação da ora recorrente, por via da destruição da cominação e
preclusão nela consagradas.
57. Não pode, pois, ter acolhimento o entendimento sustentado pelo acórdão sub
judice de que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância que ordenou o
desentranhamento das alegações de recurso de apelação da ora recorrente não
enferma de qualquer nulidade por força da invocada inconstitucionalidade
material do n.º 2 do artigo 690.°‑B do CPC e da inconstitucionalidade orgânica
do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro.
58. A decisão recorrida é, pois, nula, por se encontrar ferida de morte por
agressão à Lei Fundamental.
59. Interpretação inversa – tal como a sustentada no acórdão recorrido – viola,
de forma expressa e ostensiva, o disposto no artigo 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, da CRP
e ainda o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais
da União Europeia.
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser dado provimento ao presente
recurso, e, em consequência:
I. Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 28.º do CCJ
(aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro) quando conjugado com
o n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC (de igual modo aditado ao Código de Processo
Civil pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro), por violação dos
artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da CRP (e também o
artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado, como o foi, no
sentido de esta norma, quando conjugada com o n.º 2 do artigo 690.º‑B do CPC,
ser literalmente aplicável aos recursos jurisdicionais em processos pendentes,
ou seja, instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, em detrimento do artigo
28.º do CCJ, na sua anterior versão, conjugada com o artigo 14.º, n.º 2, do
Decreto‑Lei n.º 329‑A/95, de 12 de Dezembro.
II. Deve ser declarada a inconstitucionalidade material do n.º 2 do artigo
690.º‑B do CPC, por violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e
268.º, n.º 4, da CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE),
se interpretado, como o foi, por permitir que o incumprimento, de natureza
patrimonial, de crédito de natureza puramente material do Estado possa destruir
o direito de acesso aos tribunais e a um processo justo e equitativo, para além
de consagrar um regime sancionatório mais gravoso que o preconizado para a
contestação, expresso no artigo 486.º‑A do CPC, onde se consagra a sucessiva
notificação à parte, em obediência ao espírito consagrado no Decreto‑Lei n.º
329‑A/95, de 12 de Dezembro.
III. Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por
violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da
CRP (e também o artigo 6.° da CEDH e o artigo 47.° da CDFUE), se interpretado,
como o foi, no sentido de caber ao juiz avaliar e decidir sobre a
inteligibilidade de uma notificação, quando a parte justificadamente invocou a
sua ininteligibilidade.
IV. Ser declarada a inconstitucionalidade material do artigo 146.º do CPC, por
violação dos artigos 2.º, 13.º, 17.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da
CRP (e também o artigo 6.º da CEDH e o artigo 47.º da CDFUE), se interpretado,
como o foi, no sentido de que a errónea notificação da Secretaria do Tribunal
Judicial de 1.ª Instância não configura justo impedimento.
V. Ser declarada a inconstitucionalidade orgânica do Decreto‑Lei n.º 324/2003,
de 27 de Dezembro, porque foi aprovado pelo Governo no âmbito de competência
legislativa própria, sob a invocação do artigo 198.º, n.º 1 alínea a), da CRP,
quando a matéria em causa é da competência reservada da Assembleia da
Republica.”
1.7. A recorrida B., SA, contra‑alegou (fls.
726‑755), sustentando a inadmissibilidade do recurso por a decisão (o despacho
de fls. 3457) que aplicou a norma neste impugnada – a do artigo 690.º‑B, n.º 2,
do CPC – já ter transitado em julgado e por, relativamente ao despacho de fls.
3671 e decisões dos tribunais superiores que o confirmaram, não ter sido
adequadamente suscitada a questão da inconstitucionalidade das normas dos
artigos 146.º do CPC e 28.º do CCJ, apenas levantada no próprio recurso para o
Tribunal Constitucional. Mais aduziu que, a ser conhecido o mérito do recurso,
ao mesmo devia ser negado provimento, por insubsistência das questões de
inconstitucionalidade suscitadas.
Determinada pelo relator a notificação da
recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia da
inadmissibilidade do recurso suscitada nas contra‑alegações da recorrida, aquela
apresentou requerimento (fls. 760‑777) sustentado a sua improcedência.
A recorrida veio requerer o desentranhamento
dessa resposta, por legalmente inadmissível (fls. 798‑799), o que foi
contrariado pela recorrente (fls. 801‑802).
Tudo visto, cumpre apreciar de decidir.
2. Fundamentação
2.1. Carece de razão a recorrida ao
pretender o desentranhamento da resposta da recorrente à questão prévia da
inadmissibilidade do recurso, suscitada nas contra‑alegações daquela, pois tal
resposta foi emitida, aliás na sequência de notificação para esse efeito
expressamente determinada pelo relator, de acordo com o comando do artigo 704.º,
n.º 2, do CPC (aplicável por força do artigo 69.º da LTC), que determina que se
a questão do não conhecimento do recurso for suscitada pelo apelado (leia‑se:
recorrido), na sua alegação, se aplica o disposto no n.º 2 do artigo 702.º do
CPC, a propósito da questão do erro na espécie de recurso, que impõe, quando tal
questão seja levantada por alguma das partes na sua alegação, a audição da parte
contrária que não tenha tido oportunidade de responder.
2.2. Quanto à admissibilidade e delimitação
do objecto do recurso, há que começar por referir que este objecto se cinge à
questão da inconstitucionalidade (material) da norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B
do CPC, aditado pelo Decreto‑Lei n.º 324/2003, e da inconstitucionalidade
(orgânica) deste decreto‑lei na parte em que aditou aquela norma. Foi essa a
delimitação do objecto do recurso expressamente feita pela recorrente no seu
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, sendo
certo que, apesar de se referir globalmente ao Decreto‑Lei n.º 324/2003, apenas
está em causa no presente recurso, atenta a sua natureza instrumental, a parte
desse diploma que aditou o artigo 690.º‑B ao CPC. Sendo sabido que, delimitado o
objecto do recurso pelo respectivo requerimento de interposição, é lícito às
partes, nas subsequentes alegações, restringi‑lo mas nunca ampliá‑lo, é óbvio,
desde logo por essa razão, ser inadmissível a apreciação das questões de
inconstitucionalidade reportadas às normas dos artigos 28.º do CCJ e 146.º e
668.º do CPC.
Assim delimitado o objecto do recurso, a sua
admissibilidade depende do juízo que se faça quanto à efectiva aplicação, pelo
acórdão recorrido, da norma do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC, aditado pelo
Decreto‑Lei n.º 324/2003. A resposta a esta questão seria inequivocamente
negativa se o acórdão recorrido fosse o acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra. Na verdade, este acórdão é claro na afirmação de que a única decisão
da 1.ª instância que aplicou tal norma foi o despacho de fls. 3457, que
considerou transitado em julgado (juízo este que é insindicável por este
Tribunal, não vindo suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa pela recorrente a propósito desse juízo). A Relação conheceu apenas do
recurso do despacho de fls. 3671, que anulou por não ter conhecido das questões
da nulidade por falta de uma segunda notificação e do justo impedimento
suscitadas no requerimento em que se solicitava a revogação do despacho de fls.
3457, mas já não por não ter conhecido das questões da inconstitucionalidade do
artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC e do Decreto‑Lei n.º 324/2003 (questões que
expressamente entendeu que o despacho de fls. 3671 não tinha obrigação – nem
podia – conhecer). Apesar de reafirmar que o despacho de fls. 3457 não podia ser
revogado, por se dever considerar transitado em julgado, a Relação conheceu do
recurso do despacho de fls. 3671 por da sua eventual procedência, com o
consequente reconhecimento da ocorrência de uma nulidade processual (seja por
falta da “segunda notificação”, seja pela efectiva existência de uma situação
de justo impedimento) poder reflexamente derivar a anulação do processado
ulterior, abrangendo o próprio despacho de fls. 3457. Mas, não tendo a Relação
reconhecido a verificação dessas nulidades (por entender não ser legalmente
exigível segunda notificação para pagamento da taxa de justiça e não ter
ocorrido situação de justo impedimento), ficou afastada a eventualidade de
insubsistência do despacho de fls. 3457, que continuou a ser tido como
transitado em julgado, pelo que as considerações que nesse acórdão se tecem
sobre a constitucionalidade da norma do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC,
constituem mero obter dictum, que não integra a ratio decidendi desse aresto.
Há, no entanto, que reconhecer que a
situação é menos clara no que tange ao acórdão do STJ e é esse o acórdão ora
recorrido. Embora, numa primeira fase, reitere o entendimento da Relação quanto
ao trânsito em julgado do despacho de fls. 3457, o certo é que, posteriormente,
parece conhecer do mérito desse despacho, que determinou o desentranhamento da
alegação, apreciando sucessivamente, de forma expressa, a aplicação no tempo do
regime do artigo 690.º‑B, n.º 2, do CPC e a sua conformidade constitucional, em
termos que se assumem como razão da decisão e não mera argumentação ad
ostentationem.
Sendo, assim, defensável que o STJ terá
feito aplicação, como ratio decidendi, das dimensões normativas impugnadas pela
recorrente, entende‑se, na dúvida e em homenagem ao princípio do
privilegiamento das decisões de mérito sobre as decisões de forma,
justificar‑se o conhecimento do objecto do presente recurso, tal como foi
delimitado.
2.3. Mas, aqui chegados, pouco mais resta do
que reconhecer a manifesta falta de fundamento das questões de
inconstitucionalidade suscitadas.
Contrariamente ao que a recorrente pretende
fazer crer, a interpretação normativa impugnada não padece de
desproporcionalidade ou de desrazoabilidade por pretensamente sacrificar
injustificadamente um relevante direito processual da parte. É sabido que não é
constitucionalmente imposta a gratuidade da justiça, mas apenas que ninguém veja
a justiça ser‑lhe denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1 do
artigo 20.º da CRP), o que, manifestamente, não é o caso da recorrente, que não
sentiu necessidade de recorrer ao instituto do apoio judiciário. Por outro
lado, a jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente afirmado a
admissibilidade da imposição legal de ónus processuais às partes. Como se
recordou no recente Acórdão n.º 277/2007, desta 2.ª Secção, da análise da
jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a garantia da via judiciária,
sob o prisma da exigência constitucional do processo equitativo, apura‑se que o
juízo de proporcionalidade a emitir neste domínio tem de tomar em conta três
vectores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a
maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a
gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus.
No presente caso, não sendo questionada a
constitucionalidade da exigência do pagamento de taxa de justiça no decurso do
processo como condição de admissão da prática válida de actos processuais, nem a
capacidade económica da recorrente para satisfazer esse pagamento, não é
manifestamente excessivo ligar o desentranhamento de peça processual apresentada
pela parte (no caso, a apresentação de alegação de recurso de apelação) ao
reiterado incumprimento desse ónus. Na verdade, são exclusivamente imputáveis à
recorrente duas falhas de diligência processual: primeiro, não procedeu à
autoliquidação da taxa de justiça a que estava legalmente obrigada, por
alteração legislativa entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2001 e, portanto, que
não podia desconhecer; depois, notificada para proceder a essa autoliquidação e
ao pagamento de multa, com a cominação do desentranhamento das alegações, apenas
pagou esta última. Contrariamente ao que a recorrente sustenta, e de acordo com
o entendimento unânime das instâncias, dessa notificação resultava, para um
destinatário minimamente atento e diligente, que eram devidos dois pagamentos:
um da multa, através da guia, que expressamente referia respeitar apenas à
multa; e outro da taxa de justiça em dívida, através de autoliquidação, como
consta - com sublinhado – na parte final da notificação, parte essa que a
recorrente omite na sua alegação.
Neste contexto de reiterado incumprimento,
ou cumprimento defeituoso, pela parte, dos seus ónus processuais, a consequência
do desentranhamento da peça processual, que a recorrente não podia desconhecer
que tinha a sua validade dependente desse cumprimento, cuja satisfação não
representava para ela excessiva onerosidade, não constitui restrição excessiva
ou intolerável ao direito de acesso aos tribunais nem viola os restantes
princípios constitucionais invocados pela recorrente.
Igualmente improcedente é a alegação – aliás
nem sequer adequadamente consubstanciada – da inconstitucionalidade orgânica do
Decreto‑Lei n.º 324/2003, na parte em que aditou o artigo 690.º‑B ao CPC. Em
matéria processual – como este Tribunal tem reiterada salientado – a
Constituição só integra expressamente na reserva de competência legislativa da
Assembleia da República o processo no Tribunal Constitucional (artigo 164.º,
alínea c)), o processo criminal e o regime geral do processo contra‑ordenacional
(alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 165.º), sendo descabida a invocação das
alíneas b), i) e p) deste preceito, já que a normação em causa, versando sobre
os efeitos processuais civis do incumprimento de ónus processuais, não respeita
directamente à categoria constitucional dos “direitos, liberdades e garantias”,
nem ao sistema fiscal, nem à organização e competência dos tribunais.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar materialmente inconstitucional
a norma do n.º 2 do artigo 690.º‑B do Código de Processo Civil, aditado pelo
Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, nem organicamente inconstitucional
este decreto‑lei, na parte em que procedeu ao aditamento daquele preceito; e,
consequentemente,
b) Negar provimento ao presente recurso,
confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Maio de 2007.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos