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Proc. nº 498/00 Acórdão nº 375/01 Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
I Requerente e tema do processo
1. Um grupo de dez deputados da Assembleia Legislativa Regional da Madeira veio requerer ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 281º, nº 2 [certamente por lapso, no requerimento vem indicado o 'nº 1'], alínea g), da Constituição da República Portuguesa, 97º, nº 2, alínea e), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, e 17º, nº 1, alínea l), do Regimento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, a fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade do Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, de 25 de Maio, que aprova a orgânica do Serviço do Parque Natural da Madeira (PNM), 'nomeadamente do seu Anexo I, que define os limites do referido Parque'.
2. Para fundamentar o pedido, os requerentes afirmam, em síntese, o seguinte:
– pelo Decreto Regional nº 14/82/M, de 20 de Novembro, foi criado o Parque Natural da Madeira e foram definidos os seus limites;
– o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, de 25 de Maio, que aprovou a orgânica do Serviço do Parque Natural da Madeira, veio alterar, restringindo-os, aqueles limites;
– os regulamentos são 'normas subalternas e complementares das leis' e encontram-se sujeitos aos princípios fundamentais da Administração Pública enunciados na norma do artigo 266º da Constituição - sendo que entre estes se conta o princípio da legalidade da Administração, o qual, 'no que respeita aos regulamentos, caracteriza-se por estes não poderem invadir os domínios constitucionalmente reservados à lei, por supor sempre uma lei antecedente que ele visa regulamentar ou ao abrigo da qual é emitido ou por não poder contrariar a lei ou inovar em relação à lei, designadamente a lei que visa regulamentar ou a lei ao abrigo da qual foi emitido';
– nestes termos, o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, de 25 de Maio, é inconstitucional, por violação do artigo 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, e ilegal, 'por fixar limites ao Parque Natural em regime diferente do anteriormente definido por Decreto com força de lei', 'tudo por força – acrescentam – do disposto no artigo 112º da Constituição', e mostra-se, bem assim, desconforme a 'um dos princípios fundamentais inerentes ao princípio do Estado de direito democrático, o princípio da hierarquia das fontes'.
3. Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54º, 55º, nº 3, e
56º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, o Presidente do Governo Regional da Madeira veio responder do seguinte modo:
– o Parque Natural da Madeira foi efectivamente criado pelo Decreto Legislativo Regional nº 14/82/M, prevendo o nº 1 do seu artigo 5º que o mesmo ficaria na dependência da Secretaria Regional de Agricultura, Florestas e Pescas;
– posteriormente, houve necessidade de o estruturar organicamente, pondo termo ao regime de instalação em que tinha vivido, pelo que foi emitido o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, que aprovou a orgânica do Serviço do Parque Natural da Madeira;
– a fixação da linha de demarcação da área do Parque Natural é um acto do exercício e do desempenho do poder administrativo;
– os limites geográficos da área do Parque Natural estão sujeitos a ser modificados 'em obediência às exigências sempre mudáveis de um interesse público específico em permanente evolução', como ocorreu aquando da criação da Zona Franca Industrial da Madeira, altura em que se mostrou necessário, para a sua implantação, ocupar área que pertencia ao Parque Natural;
– 'e, como a alteração dos limites do Parque Natural se trata de um preceito de natureza regulamentar, encontra-se como tal coberto pela figura de Decreto Regulamentar'.
4. Nos termos do artigo 63º da Lei do Tribunal Constitucional, foi discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Presidente do Tribunal. Fixada a orientação a seguir, foi o processo distribuído à relatora para elaboração do acórdão.
II Questão prévia
5. O requerimento apresentado inclui, simultaneamente, um pedido de fiscalização da constitucionalidade e um pedido de fiscalização da legalidade tendo como objecto o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, designadamente – ou mais precisamente – o seu Anexo I, que define os limites do Parque Natural da Madeira.
O pedido tem como fundamento a circunstância de o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M, na parte em que procede à fixação dos limites do Parque Natural da Madeira, não respeitar os limites anteriormente traçados pelo Decreto Regional nº 14/82/M.
Deste modo, alegam os requerentes, um diploma de natureza regulamentar desrespeitou um diploma de natureza legislativa, o que afronta o nº
2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, o princípio da hierarquia das fontes, que é, segundo eles, 'um dos princípios fundamentais inerentes ao princípio do Estado de direito'.
Por outro lado, o Decreto Regulamentar Regional nº 13/93/M seria ilegal, pois criaria um 'regime diferente do anteriormente definido por Decreto com força de lei' – e os requerentes convocam aqui a norma do artigo 112º da Constituição ('tudo por força do disposto no artigo 112º da Constituição').
O problema que se coloca ao Tribunal é, pois, tão-só o da desconformidade entre um acto regulamentar e um acto legislativo.
Ora, como o Tribunal tem afirmado, em reiterada jurisprudência, este
é um problema de mera ilegalidade (ilegalidade simples) e não de inconstitucionalidade, que não cabe na sua competência (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos nºs. 113/88 e 169/88, in AcTc, 11º e 12º vols., respectivamente).
Disse, a este propósito, o Tribunal Constitucional no primeiro daqueles acórdãos:
'[...]
O desrespeito das normas constitucionais de hierarquia ou de preferência normativa não é, em princípio, uma inconstitucionalidade, nem sequer para efeitos do sistema de jurisdição constitucional. Quando teve de qualificar tais situações, a CRP adoptou claramente a qualificação de ilegalidade, mesmo nos casos especiais em que atribuiu ao TC competência para conhecer delas.
Os artigos 280º e 281º da CRP, ao distinguirem nitidamente entre as figuras da inconstitucionalidade e da ilegalidade, não deixam dúvidas sobre o conteúdo e alcance da distinção: em princípio, só existe inconstitucionalidade quando, num conflito de duas normas de hierarquia diferente, uma das normas em confronto directo seja uma norma constitucional; quando, ao invés, o conflito de normas ponha em confronto duas normas infraconstitucionais, então não há inconstitucionalidade.
É certo que a CRP não atribui ao TC apenas a resolução de conflitos entre normas constitucionais e normas infraconstitucionais mas identificou explicitamente os tipos de outros conflitos para cujo conhecimento deu competência ao TC, não havendo nenhuma razão para equiparar aos especiais casos de ilegalidade expressamente previstos na Constituição os casos comuns de ilegalidade dos regulamentos (situação que, além do mais, transformaria o TC em tribunal comum de última instância em matéria de contencioso da legalidade dos regulamentos, o que, além das indesejáveis consequências práticas, não seria uma solução congruente com o sistema constitucional de jurisdição constitucional e o sistema de fiscalização de legalidade administrativa).
[...]'
De acordo com a jurisprudência citada, não compete, pois, ao Tribunal Constitucional conhecer de eventuais vícios de desconformidade entre regulamentos e actos legislativos.
Tanto basta para concluir que, no caso dos autos, este Tribunal não tem competência para conhecer do pedido apresentado.
III Decisão
6. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido. Lisboa, 18 de Setembro de 2001- Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa