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Processo nº 481/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente I... e recorrido D...., Lda., foi proferida, em 4 de Outubro
último, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A, daquele diploma legal, no sentido de não conhecimento do objecto do recurso.
2. - Transcreve-se o teor da referida decisão:
“1. - I..., identificada nos autos, propôs acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, contra D..., Lda., pedindo que seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo por esta última, sua entidade patronal, condenado-se a mesma a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir até à sentença, além das quantias que pede a título de créditos laborais vencidos e indemnização de antiguidade, acrescidas de juros de mora desde a citação e a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora desde a citação. Por sentença de 27 de Outubro de 1999 – do 2º Juízo daquele Tribunal – foi a acção julgada parcialmente provada e procedente, condenando-se a ré a pagar à autora parte da quantia pedida, considerando-se o despedimento lícito. Do assim decidido recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, de apelação, o qual, no entanto, por acórdão de 14 de Março de 2001, negou provimento ao recurso e, consequentemente, confirmou a decisão recorrida. Arguiu, em seguida, a nulidade do aresto, no que ora interessa, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ao não se pronunciar sobre as inconstitucionalidades por si invocadas quanto ao artigo 66º do Código de Processo do Trabalho (CPT). O Tribunal da Relação, por acórdão de 20 de Junho último, desatendeu a reclamação apresentada. Inconformada, a autora interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do
“acórdão e despacho de indeferimento de reclamação proferido nos autos” (na verdade, quererá referir-se ao segundo acórdão, tirado em conferência). Pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho, por confronto com o artigo 205º, nº 1, da Constituição e do 66º, nº 1, do mesmo diploma, por violação do princípio do contraditório, o qual, para além da sua dignidade como princípio geral de direito, tem consagração no âmbito do artigo 16º da lei fundamental. O recurso foi recebido pelo Desembargador relator, o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
2. - Considera-se ser caso de proferir decisão sumária, ao abrigo do nº 1 do artigo 78º-A deste diploma legal, por inverificação de pressupostos de admissibilidade do recurso interposto, pelo que do seu objecto não se pode tomar conhecimento.
3. - A norma do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho (aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro). Dispõe-se neste preceito que a arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso. A recorrente, nas alegações de recurso para a Relação, invocou a nulidade da sentença da 1ª instância, por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, ao abrigo do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil. O acórdão de 14 de Março de 2001 não conheceu dessa nulidade, em virtude de a arguição não ter sido feita no requerimento de interposição do recurso, aplicando, para o efeito, o disposto no nº 1 do artigo 77º do novo Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, nos termos do qual “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”. Na reclamação apresentada, a recorrente invoca, além do mais, a inconstitucionalidade desta última norma, por violação do artigo 205º, nº 1, da Constituição. A Relação, no acórdão de 20 de Junho de 2001, que se pronunciou sobre a convocada nulidade, manteve o decidido, aplicando, desta vez o preceituado no nº
1 do artigo 72º, ou seja, o texto do Código de 1981. Na verdade, a norma observável é a do Código antigo, uma vez que o novo só é aplicável aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2000, nos termos do nº 3 do Decreto-Lei nº 480/99 – sendo certo que os presentes autos se iniciaram em 19 de Janeiro de 1999 e o próprio recurso foi interposto anteriormente ao início da vigência do novo Código. A questão poderia obter certa pertinência, na medida em que o teor dos dois preceitos – o nº 1 do artigo 72º do antigo diploma e nº 1 do artigo 77º do novo
– não é exactamente o mesmo. Porém, a razão de ser do não reconhecimento da nulidade invocada fundamentou-se no facto de esta não ter sido arguida no requerimento de interposição de recurso, mas sim nas alegações – o que se mostra inadequado seja qual for a norma aplicada. Assim, independentemente do facto de o Tribunal da Relação ter aplicado, no primeiro acórdão, a nova norma ao caso, contrariamente ao disposto quanto à sucessão no tempo dos dois comandos legais – o que, de resto, escapa ao poder cognitivo deste Tribunal –, o certo é que a concreta questão de constitucionalidade só foi suscitada no requerimento de arguição de nulidades, o que, face à constante, uniforme e reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional não constitui, já, o momento oportuno de o fazer, não podendo a recorrente invocar um hipotético “efeito-surpresa”, já que o acórdão aplicou literalmente a lei e ambos os arestos citam a jurisprudência sobre a matéria, publicada e, como tal, ao alcance do conhecimento da recorrente (caso dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 1995, 3 de Julho de
1996, 22 de Janeiro de 1997, 24 de Março e 14 de Abril de 1999, publicados nos Acórdãos Doutrinais nºs. 412, pág. 524; 419, pág. 1348; 428/429, pág. 1077; 455, pág. 1499 e 456, pág. 1628, respectivamente). Registe-se, aliás, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou relativamente
à norma do nº 1 do artigo 72º do Código de 1981, fazendo-o no sentido da não inconstitucionalidade, face ao disposto nos artigos 2º, 20º, 205º e 207º da Constituição e do princípio da proporcionalidade – cfr. acórdão nº 403/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro de 2000.
4. - A norma do artigo 66º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81. Dispõe-se neste preceito que se no decurso da produção de prova surgirem factos que, embora não articulados, o tribunal considere com interesse para a boa decisão da causa, deve formular quesitos novos, desde que sobre a respectiva matéria tenha incidido discussão. Nas alegações da apelação oportunamente apresentadas a recorrente suscitou, efectivamente, a constitucionalidade desta norma, nos termos que assim condensou nas conclusões l) e m) dessa peça processual:
“l) ao dar por assentes factos não alegados pelas partes, nem sequer constantes da nota de culpa, a sentença recorrida viola ainda o art. 66º, nº 1, do Cód. Proc. Trabalho, pois que, de acordo com tal preceito, a consideração de tais factos não pode constituir um complemento ou elemento explicativo e integrador de factos vertidos no processo ou de superação de lacunas textuais das partes, apenas se direccionando a factos absolutamente originários; m) sendo que, para mais, tal art. 66º do Cód. Proc. Trabalho é evidentemente violador do princípio do contraditório e, inerentemente, inconstitucional, atento o art. 16º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que, através do mesmo, é a recorrente (no caso, a trabalhadora) confrontada com imputações tendentes ao seu despedimento que não teve oportunidade de contradizer, em termos de apresentação de meios de prova que contradigam tais elementos (surgidos apenas depois da prova por si oferecida estar produzida) ou de tomada de posição expressa no processo sobre tais aspectos, nomeadamente em termos impugnatórios.” Sucede, porém, que a norma não foi aplicada na decisão recorrida, pressuposto de indispensável verificação do recurso de constitucionalidade interposto. Com efeito o próprio acórdão de 20 de Julho último o afirma, em termos que não merecem censura no âmbito da cognição do Tribunal Constitucional:
“De qualquer modo [escreveu-se], nos presentes autos não foi formulado qualquer novo quesito, razão pela qual não foi dada qualquer aplicação ao nº 1 do artigo
66º do Cód. Proc. Trabalho.”
Assim, tal como para a norma antecedentemente examinada, também para com esta falta um pressuposto de admissibilidade do recurso, de indispensável verificação.
5. - Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 unidades de conta.
“
Do assim decidido reclamou para a conferência a recorrente, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A daquele diploma legal.
A recorrida não respondeu.
Cumpre decidir.
II
1. - A norma do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro.
Escreveu-se na decisão sumária ter sido tardiamente suscitada a questão da sua inconstitucionalidade, dado que apenas foi levantada no incidente de arguição de nulidades do acórdão recorrido, o que, como então se salientou, não constituía já o momento oportuno para esse efeito, considerando que se não estava perante um caso consubstanciador de “decisão-surpresa”.
É certo que, como defende a reclamante, só nesse acórdão foi invocada e aplicada a norma cuja inconstitucionalidade veio a suscitar.
O que não invalida o anteriormente dito: o acórdão considerou que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, nos termos da norma impugnada, o que não foi feito uma vez que apenas em sede de alegações se arguiu a nulidade da sentença.
Não se está, propriamente, face a um “beco sem saída”, como pretende a reclamante: a arguição foi intempestiva, conclusão que o aresto ilustra com o apoio da orientação jurisprudencial dominante (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Outubro de 1995, 3 de Julho de 1996, 22 de Janeiro de 1997, 24 de Março de 1999 e 14 de Abril do mesmo ano, publicados, respectivamente, in Acórdãos Doutrinais, nºs. 412-524 e segs.; 419-1348 e segs.,
428/429- 1077 segs.; 455-1499 e segs. e 456-1628 e segs.), competindo à ora reclamante, se considera a norma do artigo 70º, nº 1, em causa, inconstitucional, equacionar esse problema a tempo de o Tribunal recorrido sobre ele se pronunciar – tal como fez relativamente à nulidade levantada de acordo com a lei processual civil.
O que não fez.
De qualquer modo, mesmo que não se perfilhe este entendimento, não deixará de se observar que o Tribunal Constitucional já se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma em referência, na interpretação segundo a qual, devendo embora o requerimento de interposição do recurso de apelação ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser reconhecidas pelo Tribunal Superior, caso tenham sido arguidas na parte das alegações e não na parte do requerimento de interposição do recurso: é o caso do acórdão nº
403/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro de 2000, para cuja fundamentação, no essencial, se remete.
2.- A norma do n.º1 do artigo 66º do mesmo diploma legal.
Considerou-se na decisão sumária que esta norma não foi aplicada no acórdão recorrido, como explicitamente se disse no aresto de 20 de Junho último, em resposta ao incidente de arguição de nulidades, porque, “... nos presentes autos não foi formulado qualquer novo quesito”.
Na reclamação, embora concordando que efectivamente não foi formulado quesito novo, porque o processo em causa não envolve a elaboração do questionário, refere a reclamante que no caso concreto “... é dada como provada matéria não invocada pelas partes sem que a mesma tenha uma base de sustentação mínima”, “sendo que o artigo 66º do CPT abrange casos de consagração de matéria não invocada pelas partes, quer em sede de questionário, quer em sede de matéria de facto dada por provada”, concluindo, assim, que o recurso devia seguir os seus termos.
É indiscutível que nesta acção, que seguiu os termos do processo sumário, não há lugar à elaboração do questionário, pois, findos os articulados é designado dia para julgamento (cfr. artigo 88º, n.º1), pelo que, ainda que no decurso da produção de prova surgissem factos que, embora não articulados, o tribunal considerasse com interesse para a boa decisão da causa e sobre eles tivesse incidido discussão, não poderia o tribunal formular novos quesitos, como se prevê no artigo 66º, n.º1, do Código de Processo do Trabalho.
Ora, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente limitou-se a invocar a inconstitucionalidade deste preceito, por ofensa ao princípio do contraditório, sem referir uma qualquer interpretação normativa que implícita ou explicitamente haja sido aplicada pela decisão recorrida.
Por isso, na decisão sumária apenas se disse que o aresto recorrido, como ali expressamente se refere, não aplicou a norma em apreço, como efectivamente sucedeu.
Não obstante, e embora o recorrente não o tenha dito, não deixou este tribunal de equacionar a questão da constitucionalidade da norma do n.º1 do artigo 66º do Código de Processo do Trabalho, no âmbito da aplicação deste preceito ao processo sumário, conforme o recorrente a havia equacionado nas conclusões l) e m) da alegações da apelação (que se transcreveram na decisão sumária), no sentido de possibilitar ao juiz dar como assentes factos não alegados pelas partes.
Só que esta situação em nada infirma a conclusão a que se chegou.
Na verdade, a questão de constitucionalidade que a recorrente suscitou durante o processo tinha por base a constatação de que a sentença recorrida tinha dado por assentes factos não articulados pelas partes, sem que a recorrente tivesse oportunidade de os contradizer.
Mas não foi isso que sucedeu, pois, no acórdão de 14 de Março de 2001, no qual se integrou necessariamente o acórdão de 20 de Junho de
2001, que decidiu das nulidades àquele imputadas, em resposta à questão de saber se a decisão da 1ª instância considerou factos não constantes da nota de culpa e da contestação, entendeu-se, em termos que não merecem censura no âmbito da cognição do Tribunal Constitucional, que a matéria de facto visada constava dos factos relacionados na nota de culpa, ali enumerados, e que na contestação, ainda que de que forma algo sintética, a ré fazia referência aos factos imputados à autora, pelo que, concluiu-se, “não vemos, pois, que a decisão recorrida apurasse matéria não constante da nota de culpa e não referida na contestação”.
Deste modo, não se mostrando preenchidos os pressupostos de aplicação da norma do n.º1 do artigo 66º do CPT, seja porque não se formularam novos quesitos, o que, como se viu, não podia suceder, seja, porque a sentença em causa não deu como provados factos não articulados pelas partes, é de manter a conclusão de que não foi feita aplicação da norma do n.º1 do artigo
66º do Código de Processo do Trabalho, faltando, assim, um dos pressupostos do recurso de constitucionalidade, de indispensável verificação.
III
Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa,3 de Dezembro de 2001 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida