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Processo n.º 149/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., inconformada com o acórdão que, entre outros arguidos, a condenou, em cúmulo jurídico de duas penas, na pena única de nove anos de prisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão da Secção Penal de 8 de outubro de 2012, conhecendo dos recursos interpostos por outros arguidos, decidiu, todavia, não conhecer do recurso, por ela interposto, por o considerar extemporâneo.
2. Interposta reclamação daquela decisão para o Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães foi a mesma indeferida por não caber reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do acórdão daquela Relação, designadamente na parte em que rejeita o recurso da arguida.
3. Desta decisão do Presidente do Tribunal da Relação, interpôs a arguida recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sobre o qual incidiu decisão do Presidente da Relação a reiterar o despacho que indeferira a reclamação.
4. Suscitada a aclaração daquele despacho, viria o Presidente da Relação manter o anteriormente decidido.
5. «Não se conformando com o douto acórdão proferido que decidiu não conhecer do recurso por si interposto por haver sido considerado extemporâneo», dele interpôs, finalmente, recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC.
6. Pela Decisão sumária n.º 119/2013 foi decidido não se conhecer do objeto do recurso pelos fundamentos ali indicados.
7. Solicitada a respetiva aclaração e indeferida esta, vem agora a recorrente reclamar para a conferência da referida decisão de não conhecimento do recurso.
8. No que ora releva, a decisão sumária tem o seguinte teor:
« (…) 7. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a recorrente, depois de desenvolver a motivação e apresentar conclusões, formula o seguinte pedido:
«(…) deverão ser declaradas inconstitucionais as interpretações dadas pelo Tribunal a quo:
1. das normas apostas nos artigos 420º, nº 1 e 414º, nº 3 quando considera intempestivo o recurso interposto pela recorrente, contrariando decisão judicial anterior do Tribunal de Primeira Instância que admitiu aquele por violação dos artigo 20º e 32º da Constituição da República Portuguesa;
2. da norma aposta no artigo 400º, n.º 1 do CPP quando considera que a decisão do Acórdão de intempestividade do recurso é definitiva, não sendo possível o recurso da mesma para o Tribunal Superior violando dessa forma os artigos 20º e 32º da CRP.»
8. O requerimento apresentado, além de apresentar deficiências que comprometem a sua apreciação, não apresenta condições de admissibilidade do presente recurso. Com efeito, se por um lado, integra elementos que não devem ter lugar no requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, como seja a motivação apresentada antes de tempo (artigo 79.º da LTC) e que, nessa medida, não pode ser atendida, por outro, suscita as seguintes questões relativamente a requisitos de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade:
A ausência de objeto normativo, em relação à primeira questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição de recurso;
Não aplicação da norma arguida como inconstitucional pelo Tribunal recorrido, relativamente à questão referida em segundo lugar do requerimento de interposição de recurso.
9. Começa-se por analisar a primeira questão
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional tem natureza estritamente normativa, não contemplando a apreciação da conformidade constitucional da decisão judicialmente proferida. O recurso de constitucionalidade delineado pela Constituição da República Portuguesa (CRP) não prevê o “recurso de amparo” ou “queixa constitucional”.
Em conformidade, os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões de outros tribunais apenas podem ter por objeto “interpretações” ou “critérios normativos” identificados com caráter de generalidade, e nessa medida suscetíveis de aplicação a outras situações, independentemente, pois, das particularidades do caso concreto. A respetiva admissibilidade depende, assim, da identificação da interpretação ou critério normativos – uma regra abstratamente enunciável vocacionada para uma aplicação para lá do caso concreto – cuja desconformidade constitucional se suscita.
Ora tal não ocorre em relação à primeira questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente relativa à violação da CRP, por parte da decisão recorrida. É verdade que a recorrente se refere, no requerimento de interposição do recurso, a interpretações de preceitos do Código de Processo Penal (CPP). No entanto, o desenvolvimento da formulação adotada no recurso não resiste à necessidade de particularização do caso concreto para a sua compreensão.
Ao fazer referência à interpretação do Tribunal a quo «quando considera intempestivo o recurso interposto pela recorrente», a recorrente refere-se à decisão concreta do Tribunal recorrido e não a qualquer interpretação normativa. A questão, assim, colocada encontra-se necessariamente imbricada com as concretas circunstâncias em discussão nos autos, não identificando nenhuma interpretação normativa, limitando-se a remeter para o resultado da interpretação efetuada pelo tribunal recorrido.
Não apresentando, no seu objeto, as características de «normatividade» indispensáveis à realização de um controlo de constitucionalidade, inviabilizado fica o conhecimento do recurso, nesta parte.
10. Analisa-se, de seguida, a segunda questão de inconstitucionalidade suscitada.
O objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade.
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, no que respeita à segunda questão de constitucionalidade suscitada, a recorrente reporta-se à interpretação dada pelo tribunal recorrido à norma constante do artigo 400.º, n.º 1 do CPP, «quando considera que a decisão do Acórdão de intempestividade do recurso é definitiva, não sendo possível o recurso da mesma para o Tribunal Superior». Acontece que o preceito legal em referência não foi aplicado na decisão recorrida, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. O que este tribunal decidiu foi a intempestividade do recurso interposto pela recorrente do acórdão condenatório proferido em 1.ª instância, não a irrecorribilidade de qualquer decisão.
Também no que respeita à segunda questão de inconstitucionalidade suscitada, não se cumpre, portanto, este requisito legal para a admissão do recurso.
11. Conclui-se, assim, que parte do pedido de apreciação de constitucionalidade formulado no recurso não tem objeto normativo, limitando-se a recorrente a questionar a conformidade constitucional do resultado decisório alcançado, e, na parte restante, reporta-se a “interpretação” não aplicada na decisão recorrida.
Termos em que, na falta do preenchimento dos requisitos processuais em causa, não é possível conhecer do recurso.»
9. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, por lhe parecer «evidente, a inverificação daqueles dois requisitos de admissibilidade do recurso», sublinhando que a recorrente não impugna os fundamentos da decisão reclamada e que o aludido na reclamação «apenas reforça o entendimento constante da douta Decisão Sumária sobre a “ausência de objeto normativo”».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
10. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por parte do pedido de apreciação de constitucionalidade formulado não ter objeto normativo, e, a parte restante, reportar-se a “interpretação” não aplicada na decisão recorrida.
Na reclamação ora apresentada a recorrente, discordando da decisão proferida de não conhecimento do recurso, não indica, todavia, qualquer fundamento em sustentação da sua discordância. Limitando-se a assinalar que a decisão reclamada «prejudica os interesses processuais da rogante e foi proferida apenas pela Exma. Relatora», conclui assistir-lhe «o direito que exerce de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”, na literalidade do nº 3, do art. 700º do CPC)».
Na decisão reclamada são explanados os fundamentos da rejeição do recurso. Ali se indicam as razões pelas quais se entendeu que parte do pedido de apreciação de constitucionalidade formulado no recurso não tem objeto normativo e a outra parte se reporta a uma interpretação do preceito legal indicado (artigo 400.º, n.º 1 do Código de Processo Penal) que não foi aplicada na decisão recorrida.
Analisados os autos confirma-se a falta de verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de inconstitucionalidade indicados na decisão reclamada que, assim, deve ser confirmada.
Em face de tudo o que ficou dito impõe-se indeferir a reclamação apresentada.
III – Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de abril de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.