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Processo nº 544/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Notificada do acórdão de fls. 52, que indeferiu a reclamação para este Tribunal por não admissão do recurso, D... veio requerer a respectiva
“ACLARAÇÃO/REFORMA”, a fls. 60, invocando que aquele acórdão não interpretou a sua pretensão com a “maleabilidade” habitual do Tribunal Constitucional e que a não admissão do recurso se baseou numa gralha ocorrida no respectivo requerimento de interposição, nos seguintes termos:
“A decisão aclaranda contraria a jurisprudência desse Venerando Tribunal Constitucional de interpretar as pretensões dos recorrentes com uma certa maleabilidade, para mais atenta a constelação axiológica que paira sobre o direito ao recurso para o Tribunal Constitucional. Isto para dizer que a reclamante nunca esperou encontrar da parte dessa Alta Instância eco da interpretação que ao longo do processo foi sendo feita do seu requerimento, de resto similar a tantos outros que serviram para que sobre várias normas recaísse a fiscalização do Tribunal Constitucional, daí a razão de ser do nosso espanto e do nosso inconformismo.
De uma observação rápida do requerimento inicial de interposição de recurso para o T.C. (Tribunal Constitucional) facilmente se observa que ali existem duas gralhas; uma delas flagrante: a que se refere aos ‘nºs 1, 2 e 5 da CRP'; pois só com falta de vontade não se admite que se omite a indicação da norma da Constituição a que se reportam tais números. Aliás, a prova que estamos perante uma gralha resulta quer da motivação de recurso da Recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa, quer do requerimento de aclaração da decisão proferida por este Tribunal. Na verdade, o não conhecimento do presente recuso baseia-se numa gralha da recorrente! O que contraria, não só o espírito como a letra da Lei, concretamente a norma constante do nº 5 do artº 75-A da LOFPTC.
Termos em que se requer a V. Exa seja aclarado/reformado o douto acórdão, assim e fazendo Justiça”.
Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido de que “o presente pedido de ‘esclarecimento/reforma’ é manifestamente infundado”.
2. Em primeiro lugar, cabe observar que é intrinsecamente contraditório requerer-se, simultaneamente, a aclaração e a reforma de uma mesma decisão, globalmente considerada. Assim, porque do requerimento não consta a indicação de nenhuma “obscuridade ou ambiguidade” a aclarar, como exige a al. a) do nº 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil para os pedidos de aclaração, interpreta-se tal requerimento como um pedido, apenas, de reforma.
3. Transcreve-se do acórdão reclamado a parte relativa à justificação do indeferimento da reclamação, para facilitar a apreciação do requerimento acima transcrito:
“6. (...) há que frisar não poder o Tribunal Constitucional, no âmbito do julgamento de uma reclamação por não admissão do recurso de constitucionalidade, convidar o recorrente a corrigir qualquer deficiência de que eventualmente enfermasse o requerimento de interposição respectivo (admitindo que assim se poderia considerar o requerimento de fls. 43).
7. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no despacho de não admissão da reclamação, depois revogado, que o requerimento de fls. 43 (ou 5) não podia ser considerado como um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por dele não transparecer qualquer vontade de o interpor. Este entendimento (...) é apoiado pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional. Na verdade, a única referência que poderia servir para encontrar naquele requerimento um sinal no sentido de o interpretar como tal seria a referência às iniciais da lei que regula o recurso para o Tribunal Constitucional – LOFPTC.
É com efeito muito duvidoso que tal requerimento – onde se não respeita nenhuma das exigências especificamente exigidas pelo artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro –, que é dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa e solicita a reapreciação das normas que indica, exprima de forma minimamente admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Não se torna, porém, necessário averiguá-lo porque, ainda que como tal pudesse ser tomado, nunca poderia servir de base ao julgamento de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade – se é que de uma questão de constitucionalidade se trata, já que a recorrente fala em “fortes indícios da existência de inconstitucionalidade/ilegalidade”. Em primeiro lugar, não define o objecto de nenhum recurso de constitucionalidade, porque não indica que norma pretende seja julgada inconstitucional; limita-se a referir duas disposições do Código de Processo Penal sem fornecer nenhuma indicação sobre que norma ou que normas dela foram extraídas pela decisão recorrida, e que possam ser objecto de julgamento por este Tribunal. Em segundo lugar, não esclarece que normas ou princípios constitucionais terão sido violados, já que apenas refere os “nºs 1, 2 e 5 da CRP'. Em terceiro lugar, não esclarecendo ao abrigo de qual das alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 é interposto, torna-se impossível ao Tribunal Constitucional averiguar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade que são próprios de cada modalidade.”
4. Cumpre, então, apreciar o pedido de reforma. Há que começar, todavia, por observar que não se entende a que “maleabilidade”, não demonstrada nem exemplificada, se quer referir a reclamante; não está, seguramente, a afirmar que o Tribunal Constitucional se lhe deveria substituir e completar o requerimento de interposição de recurso com a definição do respectivo objecto e com o preenchimento dos demais requisitos que a lei, expressamente, exige para a sua apresentação, constantes do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Bastava ter cumprido tal preceito legal para não ocorrer o “espanto e (...) inconformismo” que refere e para não se verificar a apontada falta de requisitos de admissibilidade, que fundamentou o indeferimento da reclamação.
5. É, pois, inaceitável que a reclamante venha distorcer os motivos apontados no acórdão reclamado afirmando que “o não conhecimento do presente recurso baseia-se numa gralha da Recorrente!”. A mera leitura da transcrição que acima se faz revela que essa observação carece de qualquer consistência; seria totalmente inútil recorrer às peças processuais indicadas pela reclamante, porque, como é manifesto, sempre faltariam condições legalmente exigidas para o conhecimento do recurso que, note-se, apenas se admitiu, como possibilidade, dever considerar-se interposto.
Assim, indefere-se o pedido de reforma. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 9 de Novembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida