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Processo n.º 95-A/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de traslado referente a reclamação da conta, verifica-se que, na sequência da prolação do Acórdão n.º 114/2013, que condenou em custas o ora reclamante, Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, foi, após o trânsito em julgado daquele aresto, elaborada a Conta n.º 110/2013 (cfr. fls. 10 e 11). Tal Conta foi notificada ao Ministério Público e ao ora reclamante (cfr. fls. 12 e 13).
Este último vem agora, ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Código das Custas Judiciais, apresentar a seguinte reclamação de custas (cfr. fls. 15 a 17):
« I. Previamente:
1) À presente reclamação de custas é aplicável, salvo melhor opinião, o regime previsto no Código das Custas Judiciais, na medida em que o processo judicial se iniciou em 2008,
2) logo antes da entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais (Abril de 2009).
3) Uma vez mais, salvo melhor opinião, é o que resulta do disposto nos próprios arts. 26º e 27º do Regulamento das Custas Processuais.
II. Da reclamação da conta de custas propriamente dita:
4) O reclamante, não obstante a ausência de menção à isenção de custas de que beneficia a fls. 288,
5) entende que, prevalecendo uma Justiça material sobre uma eventual Justiça formal, não pode ser descurado que tais autos já provinham do STA, donde constava a menção à isenção de custas de que beneficia.
6) A isenção de custas subjetiva de que beneficia advém-lhe não só da CRP (arts. 55º e 56º da CRP), mas também do Decreto-Lei nº 84/99, de 19 de Março (nº 3, do seu art. 4º), tendo sido mantida no art. 4º nº 1 al. f) do RCJ, ex vi do art. 310º nºs 2 e 3 do RCTFP (Lei nº 59/2008 de 11/09).
7) Face ao exposto e ponderadas as circunstâncias, impõe-se, portanto, e nos termos sobreditos, uma reforma da conta de custas, por via do art. 60º, nº 1, CCJ.
Termos em que se requer a V. Exa. se digne ordenar a reforma da conta de custas, nos termos do art. 60º, nº 1, CCJ, tendo em vista a conformidade da mesma com a lei, em matéria de isenção de custas.»
2. O Ministério Público emitiu sobre tal reclamação o seguinte parecer:
« 4. Ora, quando notificado do Acórdão 114/03, de 20 de Fevereiro, o Sindicato reclamante nada disse, não tendo questionado a condenação em custas, nem pedido a reforma do acórdão, quanto a essa condenação.
Por outro lado, não beneficiando o requerente de benefício de apoio judiciário, mas sim, como alega, de isenção subjetiva de custas, a conta 110/13, que lhe foi notificada, afigura-se, em si, corretamente elaborada.
5. Afirma, porém, o reclamante, que é aplicável, à presente reclamação de custas, o regime previsto no Código das Custas Judiciais, na medida em que o processo judicial se iniciou em 2008, por isso, antes da entrada em vigor do Regulamento das Custas Processuais (Abril de 2009), ao abrigo dos arts. 26º e 27º deste Regulamento.
Vejamos, assim, se lhe assiste razão quanto a este aspeto.
6. Afirma, o ora reclamante, que beneficia de isenção subjetiva de custas não só em virtude dos arts. 55º e 56º da Constituição, mas também do art. 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 84/99, de 19 de Março, tendo tal isenção sido “mantida no art. 4, nº 1, al. f) do RCJ, ex vi do art. 310º nºs 2 e 3 do RCTFP (Lei nº 59/2008 de 11/09)”.
No entanto, o Decreto-Lei 84/99, na parte relativa à isenção subjetiva de custas, foi revogado pelo art. 25º, nº 1, do Decreto-Lei 34/08, de 26 de Fevereiro (Regulamento das Custas Processuais), na medida em que esta disposição veio determinar:
“São revogadas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamentos e portarias e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, que não estejam previstas no presente Decreto-Lei”.
Mesmo, porém, que assim se não entendesse, o Decreto-Lei 84/99 veio a ser expressamente revogado pela Lei 59/08, nos termos do art. 18º, alínea b), deste último diploma.
7. Por outro lado, referem nºs 2 e 3 do art. 310º da Lei 59/08, relativo ao Regime e Regulamento do Contrato de Trabalho em Funções Públicas:
“2 - É reconhecida às associações sindicais legitimidade processual para defesa dos direitos e interesses coletivos e para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem.
3 - As associações sindicais beneficiam da isenção do pagamento das custas para defesa dos direitos e interesses coletivos, aplicando-se no demais o regime previsto no Regulamento das Custas Processuais.”
Ora, esta isenção, - que se deverá igualmente considerar revogada pelo art. 25º, nº 1, do Decreto-Lei 34/08, que entrou em vigor posteriormente -, só foi prevista para os casos de “defesa dos direitos e interesses coletivos” e não já para “para a defesa coletiva dos direitos e interesses individuais legalmente protegidos dos trabalhadores que representem”, que é o caso dos autos.
Assim, pelo menos ao abrigo das disposições invocadas pelo ora reclamante, não beneficiaria o mesmo de isenção subjetiva de custas.
8. Em matéria de isenção de custas determina, de qualquer modo, o art. 4º do Decreto-Lei 303/98, de 7 de Outubro, que dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional, que “é aplicável à isenção de custas no Tribunal Constitucional, o disposto no art. 4º do Regulamento das Custas Processuais.”
Ora, a reclamação para este Tribunal Constitucional, apresentada pelo Sindicato ora reclamante, por não admissão de recurso, deu nele entrada em 2013.
Assim, o Regulamento das Custas Processuais a que se reportará o art. 4º do Decreto-Lei 303/98, deveria ser, à primeira vista, o constante da sua versão mais recente, ou seja, da versão aprovada pela Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
9. Se assim for, dispõe o art. 4º, nº 1, alínea f), do Regulamento citado, que estão isentas de custas “as pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos, quando atuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
10. No caso dos autos, o reclamante é o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte, em representação do seu associado A..
Em causa, fundamentalmente, como facto determinante dos autos que deram origem à presente reclamação, o despacho, de 22 de Novembro de 2007, do Órgão Diretivo da Caixa Geral de Aposentações, que revogou o anterior despacho da mesma instituição, de 30 de Abril de 2007, que havia reconhecido, a A., o direito à aposentação definitiva, e definido a respetiva pensão e montante.
A matéria controvertida diz, pois, respeito aos direitos de um associado do referido Sindicato.
Crê-se que se verificariam, por esse motivo, as condições referidas no art. 4º, nº 1, al. f) do Regulamento das Custas Processuais, estando, pois, o ora reclamante isento de custas.
11. Todavia, como devidamente salientado pelo Sindicato ora reclamante, os autos que deram origem à reclamação por não admissão de recurso, apresentada a este Tribunal Constitucional, iniciaram-se em 2008.
Regerá, nessa medida, o art. 26º do Decreto-Lei 34/2008, que determina que “o presente decreto-lei entra em vigor no dia 20 de Abril de 2009 …”, não se mostrando, por isso, o Regulamento das Custas Processuais aplicável ao caso dos autos.
12. Que concluir, então?
Crê-se que resultará, quer da atual redação - dada pelo Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de Junho -, quer da anterior, do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (Regime de Custas do Tribunal Constitucional), que estarão isentos de custas, no Tribunal Constitucional, as pessoas, ou entidades, a quem essa isenção tenha sido já reconhecida por outras instâncias, abrangendo a isenção, nessa medida, igualmente o recurso para o Tribunal Constitucional.
13. No caso dos autos, tal isenção foi já reconhecida, pelo Supremo Tribunal Administrativo, ao Sindicato reclamante, uma vez que este Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 25 de Outubro de 2012, determinou, a concluir:
“Sem custas (art. 8º, n.º 4, da Lei n.º 7/12).
Ora, esta última disposição refere:
“4 — Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, ou em que não havia lugar ao pagamento de custas em virtude das características do processo, e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas.”
14. Conclui-se, por todo o exposto, que deverá conceder-se provimento ao requerimento do ora reclamante, na parte em que considera estar isento de custas no âmbito da reclamação, por não admissão de recurso, que dirigiu a este Tribunal Constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
3. O regime de custas no Tribunal Constitucional é objeto do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, que manda aplicar supletivamente, o Regulamento de Custas Judiciais e o Código de Processo Civil (cfr. o artigo 3.º, n.º 1, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de junho).
Segundo o artigo 446.º do Código de Processo Civil – de resto supletivamente aplicável à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, de harmonia com o disposto no artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”) – “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa”. Por isso, deve o juiz, no final da sentença, condenar os responsáveis pelas custas (cfr. o artigo 659.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Ou seja, a matéria da responsabilidade por custas integra ainda o objeto do processo em sentido processual, pelo que, é nula a sentença, caso a mesma seja omissa no que respeita à fixação da responsabilidade por custas (cfr. o artigo 668.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Civil).
Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, com ressalva da possibilidade de retificação de erros materiais, de suprimento de nulidades e de esclarecimento ou reforma da sentença nos termos dos artigos 667.º a 669.º do Código de Processo Civil (cfr. o artigo 666.º, n.os 1 e 2, do mesmo Código). A reforma quanto a custas é justamente um dos casos de manutenção do poder jurisdicional do juiz posteriormente à prolação da sentença (cfr. o artigo 669.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil). Todavia, importa distinguir a retificação de erros materiais dos casos de arguição de nulidades da sentença ou do seu esclarecimento ou reforma.
Assim, a retificação de erros materiais, se nenhuma das partes recorrer, pode ter lugar a todo o tempo (cfr. o artigo 667.º, n.º 3, do Código de Processo Civil); já a arguição de nulidades da sentença ou o pedido do seu esclarecimento ou reforma, tratando-se de decisão irrecorrível, têm de ser deduzidos no prazo geral de 10 dias (cfr. o artigos 153.º, n.º1, e 670.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil). Com efeito, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos dos artigos 668.º e 669.º do Código de Processo Civil (cfr. o artigo 677.º do mesmo Código).
4. No caso sub iudicio verifica-se que o ora reclamante não requereu a reforma da decisão que o condenou em custas antes de a mesma ter transitado em julgado. E, passado esse momento – isto é, depois do respetivo trânsito em julgado - cessou o poder jurisdicional quanto ao decidido no Acórdão n.º 114/2013 (cfr. o artigo 666.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º da LTC).
A responsabilidade por custas do ora reclamante foi precisamente uma das decisões tomadas nesse aresto, que, por força do respetivo trânsito em julgado, já não pode ser alterada.
5. Por último, cumpre recordar que a reforma da decisão sobre a responsabilidade pelas custas não é confundível com a reforma da conta prevista no artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro (ou, anteriormente no artigo 60.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro – sendo certo que a reclamação ora em apreciação foi apresentada ao abrigo deste Código). Com efeito, e como se disse no Acórdão deste Tribunal n.º 83/2013:
« Segundo o artigo 1.º, n.º 2, do referido Código [das Custas Judiciais], as custas compreendem a taxa de justiça e os encargos. Nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 13.º (“Base de cálculo da taxa de justiça”) do mesmo diploma, “a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo I, sendo calculada sobre o valor das ações” e a “taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça inicial e subsequente de cada parte”. A tabela em causa fixa o valor destas duas taxas em unidades de conta ou “UC” em função do “valor da ação, incidente ou recurso” e estabelece uma série de escalões até ao valor de € 250 000,00; para além deste valor, “à taxa de justiça do processo acresce, por cada € 25 000,00 ou fração, 5 UC, a final”.
A elaboração da conta – que, nos termos do artigo 50.º do citado Código das Custas Judiciais, ocorre necessariamente após o trânsito em julgado da decisão final da causa – compreende, deste modo, a liquidação da taxa de justiça, ou seja o apuramento das UC a pagar por cada sujeito processual condenado em custas, de acordo com os critérios fixados na aludida tabela e, bem assim, o apuramento dos encargos previstos no artigo 32.º daquele Código a suportar pela parte responsável pelo pagamento das custas).
Importa, por conseguinte, distinguir duas realidades: a condenação no pagamento das custas – que ocorre na decisão final e que, entre outros aspetos […] pode apreciar e decidir da verificação dos pressupostos da dispensa do pagamento de taxa sobre o remanescente dos € 250 000 000,00 a que alude o artigo 27.º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais (mas que, em qualquer caso, não faz aplicação nem do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais nem da tabela constante do anexo I do mesmo diploma!); e a elaboração da conta de custas, com a inerente liquidação da taxa de justiça.»
(No mesmo sentido, decidiu também o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 104/20013).
A presente reclamação tem por objeto não os vícios próprios da liquidação da taxa de justiça (a conta, tal como elaborada pela Secretaria), mas a correção da decisão quanto à responsabilidade pelas custas, ou seja, a própria condenação do reclamante no pagamento de custas. Ora, esse é um objeto inidóneo para a reclamação a deduzir nos termos do artigo 56.º do Código das Custas Judiciais, uma vez que a decisão sobre tal condenação em custas somente pode ser reformada antes do respetivo trânsito em julgado e a reclamação prevista no citado artigo 59.º do Código das Custas Judiciais pressupõe que a conta tenha sido elaborada, facto que ocorre, nos termos legais, apenas “após o trânsito em julgado da decisão final” (cfr. o artigo 50.º do mesmo Código; cfr. também os artigos 29.º e 30.º do Regulamento das Custas Processuais).
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Sem custas.
Lisboa, 10 de abril de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.