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Proc.º n.º 58/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Por despacho proferido em 30 de Março de 2000 pela Juíza de Instrução Criminal de Paços de Ferreira foi entendido que o arguido A, advogado, teria de ser defendido por intermédio de advogado, não podendo, assim, defender-se a si próprio e a si mesmo representar-se em processo crime no qual requereu a abertura da instrução.
Desse despacho recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto, recurso que não foi admitido por despacho lavrado pela aludida Juíza em 3 de Maio de 2001, o que motivou aquele a de tal despacho a reclamar para o Presidente do aludido Tribunal de Relação, dizendo a dado passo no requerimento consubstanciador da reclamação que entendia que a nomeação de defensor ao arguido era um 'direito disponível', pelo que o mesmo podia 'auto-defender-se nos processos crimes contra si instaurados'.
Tendo, por despacho prolatado pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto em 3 de Agosto de 2000 sido indeferida a reclamação, dele pretendeu recorrer o arguido para o Tribunal Constitucional com vista à apreciação das normas constantes dos artigos 61º, 62º, 63º e 64º do Código de Processo Penal quando interpretadas no sentido de vedarem a um arguido constituir-se como advogado em causa própria, a fim de se defender em processo crime contra si instaurado.
Não tendo o recurso sido admitido, reclamou o arguido para este
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, o qual, por intermédio do Acórdão nº 599/2000, deferiu a reclamação.
2. Na sequência desse aresto foram os autos remetidos ao Tribunal Constitucional e, tendo em conta o nº 4 do artº 77º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e determinada a feitura de alegações, rematou o recorrente a por si produzida com as seguintes «conclusões»:-
'1º - Após a publicação de um texto jornalístico, num jornal da Comarca de ..., o Presidente da Câmara daquela localidade instaurou contra o recorrente um processo crime por difamação.
2º - Na nota acusatória, o MP oficiosamente, nomeou-lhe um advogado que, o mesmo resolveu dispensar, por forma a isentá-lo que no futuro, pudesse ser vítima do caciquismo patenteado naquela cidade e sofresse as inerentes consequências.
3º - Não obstante a dispensa observada, o certo é que durante o prazo [d]a abertura da instrução, o recorrente deslocou-se a Paços de Ferreira para ali contactar um mandatário que assumisse a sua defesa.
4º - Embora se houvesse avistado com três colegas, certo é que todos eles, de uma forma ou outra, eufemisticamente declinaram esse pedido, pelo que o recorrente se viu forçado a subscrever o requerimento da abertura da instrução.
5º - Na qual, solicitou as diligências, tendentes à produção de prova que entendeu necessárias à sindicância da verdade, considerado a exclusão da ilicitude, atendendo aos processos crimes movidos contra o autarca, dos quais o recorrente é mandatário.
6º - Diligência essa que veio a ser designada para o dia 30 de Março de 2000, na qual seriam ouvidos o arguido, assistente e quatro testemunhas.
7º - Tendo, nessa altura, o impetrante manifestado à Mma. Juiza a necessidade de autodefender-se, dada a dificuldade em constituir mandatário, situação que, todavia, foi liminarmente rejeitada.
8º - Desse despacho atravessou-se recurso para o Tribunal da Relação do Porto que veio a ser recusado por falta de mandatário, vindo, por isso, a reclamar-se para o seu Presidente que, de igual forma, manteve o despacho impugnado.
9º - Em razão do que, vem subido recurso ao Venerando Tribunal Constitucional, já que sem embargo do devido respeito pelos argumentos aduzidos, estamos certos que os incisos consagradores dos direitos e interesses do arguido.
10º - Visam a protecção de igualdade de armas e não a sujeição de um mandatário que, no caso sub judice, atentos os temores reverenciais da política local, ao arguido foi impossível contratualizar como patrocínio destinado à sua defesa.
11º - Pois bem, sendo este advogado, parece-nos que a proibição da sua autodefesa, com fundamento na interpretação conseguida nos artigos 61º, 62º e
6º4 do CPP, viola frontalmente o disposto no art. 164º do Estatuto da Ordem do Advogados, aprovado pelo D.L. Nº 8/84, de 16 de Março.
12º - Como contende com as disposições do art. 32º da CRP, que assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo, naturalmente, o autopatrocinar-se quando considere ser esta a melhor forma de garantir o seu direito.
13º - Desde que compaginável com a descoberta da verdade, erigida como núcleo central do processo penal e fim último da justiça inerente a um Estado de direito democrático.
14º - Sendo que as prerrogativas do acusado têm de interpretar-se como direitos disponíveis na sua esfera jurídica e não entender-se como a imposição do mandatário, em razão da qual o exercício deste deixa de ser uma garantia constitucional para ser um ritual forense exibido na fachada de um qualquer regime ditatorial.
15º - Daí que o sentido observado nos tribunais recorridos, para lá de violar os interesses e direitos do acusado, que teve de sujeitar-se ao interrogatório da Mma. Juiza e do assistente, desacompanhado de qualquer mandatário.
16º - Também postergou os termos das als. d) e e) do nº 3 do art. 14º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, aprovado para ratificação pela Lei nº 29/78, de 12 de Julho.
17º - Bem assim, afrontou as disposições das als. c) e d) do nº 3 do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem,, aprovada para ratificação pela Lei nº
65/78, de 13 de Outubro.
18º - Segundo os quais todo o acusado ‘pode defender-se a si próprio’ e
‘interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas da acusação’.
19º - De harmonia com o disposto no art. 8º da CRP, as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum, após ratificados pela Assembleia da República, adquirem dignidade constitucional e fazem parte integrante do direito interno, vigorando na ordem jurídica enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
20º - Donde, salvo o devido respeito, a leitura consignada aos preceitos daquelas disposições e seguida nos tribunais recorridos, a nosso ver, está ferida de inconformidade constitucional. Nestes termos e, nos demais de direito que, doutamente, V.Exas. suprirão, deve declarar-se a inconstitucionalidade da interpretação avistada face aos termos dos arts. 61º, 62º e 64º, todos do Código Processo Penal, em obediência à qual é vedado ao arguido poder autopatrocinar-se em processo penal, mesmo quando considere que dessa forma melhor pode assegurar a sua defesa, violando-se, assim, a doutrina constitucional sufragada no art. 32º da CRP e o estabelecido na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966 e, em consequência, deverá anular-se todos os actos processuais proferidos nos presentes autos, a partir da abertura da instrução'.
Por seu turno, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste Tribunal concluiu a sua alegação dizendo que 'deverá julgar-se inconstitucional, por violação do artigo 32º da Constituição, a interpretação acolhida na decisão recorrida dos artigos 62º a 64º, ambos do Código de Processo Penal, segundo a qual não pode o arguido pretender defender-se a si próprio, já que assim violaria as normas que impõem a obrigatoriedade de assistência do defensor, mesmo quando, como no caso, o arguido considere que essa será a melhor forma de assegurar a sua defesa'.
Cumpre decidir.
II
3. São, por intermédio do presente recurso, questionados os preceitos constantes dos artigos 61º, 62º e 64º, todos do diploma adjectivo criminal, quando interpretados por forma a que deles decorra que em processo crime é imposto que ao arguido seja nomeado um advogado, dessa arte decorrendo também que ao dito arguido é vedado representar-se a si mesmo, ainda que entenda que essa «auto- -representação» seja a melhor forma de assegurar a sua defesa.
Segundo o recorrente, uma tal interpretação normativa não é compaginável com as disposições constantes do artigo 32º da Constituição, no ponto em que de tal interpretação decorre uma diminuição das garantias de defesa do arguido, que pode entender ser melhor defendido se se «auto-patrocinar»
(tendo em atenção o objecto dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade normativa, como é o caso, não será da circunstância de a referida interpretação, na perspectiva do impugnante, violar 'frontalmente o artº 164º do Estatuto da Ordem do Advogados' que resultaria a sua desconformidade constitucional; e, aliás, o mesmo se diga quando é, pelo recorrente, apontada a postergação de disposições constantes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e isto seja qual seja a forma como é concebida a eventual prevalência do dito «direito supranacional» sobre o direito interno - cfr., sobre o problema, por entre outros, Moura Ramos, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Sua Posição Face Ao Ordenamento Jurídico Português, in Da Comunidade Internacional e do seu Direito, Estudos de Direito Internacional Público e Relações Internacionais, 1996, maxime, pags. 39 e segs. e 70 e segs.).
Ponderando a dimensão interpretativa em causa, resulta evidente que se não coloca aqui nos mesmos termos a questão que foi tratada nos Acórdãos deste Tribunal números 252/97 e 326/97 (publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 20 de Maio de 2 de Julho de 1997), a qual se reportava a saber se era contrário à Lei Fundamental a ou as normas (ou uma sua forma interpretativa) de onde decorria a proibição do exercício da advocacia por licenciados em direito não inscritos como advogados na respectiva Ordem.
Vejamos, pois.
4. De entre as várias garantias postuladas pelo artigo 32º do Diploma Básico, avultam, no caso, as prescrições ínsitas nos seus números 1 e 3
(sendo certo que aquele nº 3 não deixa, como se assinalou no Acórdão deste Tribunal nº 512/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 40º Volume, 557 a
564, de se assumir 'como expressão e concretização das garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar'). Assim, mister é saber se a já mencionada interpretação deve ser considerada como postergadora das garantias de defesa em processo criminal, nomeadamente por ofender o direito de livre escolha do defensor por banda do arguido.
Tratando aquele artigo de garantias fundamentais em processo criminal, não poderá deixar de se ter em consideração, na respectiva interpretação, o que se prescreve no nº 2 do artigo 16º da Constituição.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 138), 'o recurso à Declaração, como base interpretativa e integrativa dos preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais, não dispensa o intérprete e aplicador do direito da necessidade de recurso, em primeiro lugar, de acordo com a regras hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais' sendo que 'a declaração não assume a natureza de direito constitucional, visto que a Constituição não efectua aqui uma recepção da Declaração enquanto tal, antes remete para ela como parâmetro exterior', finalizando com a asserção de que
'[d]e resto, a questão é praticamente irrelevante, pois a Constituição não só consumiu a Declaração - sendo muitas das disposições constitucionais reprodução textual, ou quase textual, de disposições daquela - mas também inclui direitos não referidos na Declaração' (cfr., ainda, Moura Ramos, ob. e local citados e nota 128 a pags. 73). Todavia, não deixa, como é sabido, de haver, na doutrina, divergência sobre o alcance do citado artigo 16º, nº 2, da Constituição, pois que alguma dela sustenta que existe uma real «constitucionalização» da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
De todo o modo, o que se torna inquestionável é que na aludida Declaração se não surpreende qualquer disposição que, directa ou indirectamente, próxima ou remotamente, tenha a ver com a questão da «auto-defesa».
4.1. Não deixa de ser certo, todavia, que na alínea c) do nº 3 do artº 6º da Convenção Europeia do Direitos do Homem se estipula que o acusado tem, como mínimo, e entre outros, o direito a [d]efender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha ... .
Comentando aquela alínea, Ireneu Cabral Barreto (in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 167 e segs.), refere que as garantias nela oferecidas apresentam-se em três níveis, sendo um deles o da autodefesa do arguido ('Defender-se a si próprio', nas palavras do anotador), dizendo, em determinada altura (pag. 168) que '[p]or consequência, um acusado que não quer defender-se a si próprio, deve poder recorrer aos serviços de um advogado da sua escolha'.
E, mais adiante:-
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Portanto, só os dois primeiros direitos se apresentam em alternativa, deixados à opção do acusado; poderá esta escolha ser objecto de restrições?
Da leitura do Acórdão no caso Engel e outros, poderia deduzir-se que o acusado que se encontra apto a defender-se por si próprio não terá direito a escolher um defensor; parece preferível, no entanto, entender-se que este direito de escolha de um advogado é deixado à discrição do acusado que, não tendo meios para o remunerar, será assistido por um defensor oficioso.
O direito do acusado de se defender por si próprio não é um direito absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado.
Assim, é possível que a representação nas instâncias de recurso seja assegurada por um advogado.
Deixa-se aos Estados a eleição dos meios de defesa do acusado.
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Se, podendo fazê-lo, o acusado não assume a sua defesa, o acusado terá, repete-se, o direito à assistência de um advogado da sua escolha.
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De outro lado, disposição idêntica à da transcrita parte da alínea c) do nº 3 do artº 6º se retira da alínea d) do nº 3 do artº 14º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, onde se prescreve que qualquer pessoa acusada de infracção penal tem direito a defender-se a si própria (ou ter a assistência de um defensor da sua escolha).
5. Significará isto que os direitos fundamentais consistentes no asseguramento da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na liberdade de escolha de defensor por parte do arguido impõem que este (naquele tipo de processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si mesmo?
A esta questão responde o Tribunal negativamente.
Efectivamente, a tese do recorrente só seria de aceitar se se partisse de uma posição de harmonia com a qual, sendo o arguido um advogado
(regularmente inscrito na respectiva Ordem), a sua «auto-representação» no processo criminal contra si instaurado representasse, de modo objectivo, um melhor meio de se alcançar a sua defesa e se a lei processual penal não reconhecesse ao arguido um conjunto de direitos processuais estatuídos, verbi gratia, no artº 61º no 1 e 63º, nº 2, quanto a este último avultando o de poder, pelo mesmo arguido. ser retirada eficácia a actos processuais praticados pelo seu defensor em seu nome, se assim o declarar antes da decisão a tomar sobre tal acto.
E é justamente dessa posição que se não pode partir.
Não se nega que, na óptica (naturalmente subjectiva) do recorrente, este possa entender que a sua defesa em processo criminal seria melhor conseguida se fosse prosseguida pelo próprio na qualidade de «advogado de si mesmo», do que se fosse confiada a um outro advogado.
Só que, como este Tribunal já teve oportunidade de salientar (cfr. citado Acórdão nº 252/97) '«há respeitáveis interesses do próprio interessado, a apontar para a intervenção do advogado, mormente no processo penal», sendo certo que, «mesmo no caso de licenciados em Direito, com reconhecida categoria técnico-jurídica, a sua representação em tribunal através de advogado, em vez da auto-representação, tem a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus interesses seja feita de modo desapaixonada» , ou, como se disse no Acórdão nº
497/89 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º volume, 227 a
247), 'mesmo relativamente aos licenciados em Direito (enquanto parte) se pode afirmar, com Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, p.85), que «às partes faltaria a serenidade desinteressada (fundamento psicológico)
[...] que se fazem mister à boa condução do pleito»'.
A opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição.
O agir desapaixonado torna-se, desta arte e de modo objectivo, uma garantia mais acrescida no processo criminal, o que só poderá redundar numa mais valia para as garantias que devem ser prosseguidas pelo mesmo processo, sendo certo que, como se viu acima , ao se não poder silenciar a corte de outros direitos consagrados ao arguido pela lei adjectiva criminal, isso redunda na conclusão de que se não descortina uma diminuição constitucionalmente censurável das garantias que o processo criminal deve assegurar.
De outro lado, como resulta da transcrição do acima citado comentador da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o preceituado na alínea c) do nº 3 do artº 6º não impede os Estados aderentes de imporem, por via legislativa, a obrigação da representação dos arguidos por intermédio de advogado.
Sequentemente, não se vislumbra que a interpretação normativa em causa seja colidente com qualquer preceito ou princípio constante da lei Fundamental. III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 18 de Dezembro de 2001 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida, pelo essencial das razões constantes da declaração de voto do Senhor Guilherme da Fonseca) José Manuel Cardoso da Costa (votei o acórdão, mas não sem algumas dúvidas – e até sobre se a interpretação da lei, agora sindicada é a que necessariamente há-de retirar-se das disposições pertinentes do Código de Processo Penal. Tais dúvidas, porém, não foram de molde a fundar uma convicção firme, que me levasse a afastar agora da posição assumida no Acórdão nº 252/97, e a entender que tal interpretação é vedada pela Constituição). DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, pois concederia provimento ao recurso, na base de um juízo de inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, nºs 1 e 3 da Constituição, dos preceitos constantes dos artigos 61º, 62º e 64º, do Código de Processo Penal
'quando interpretados por forma a que deles decorra que em processo crime é imposto que ao arguido seja nomeado um advogado, dessa arte decorrendo também que ao dito arguido é vedado representar-se a si mesmo, ainda que entenda que essa «auto-representação» seja a melhor forma de assegurar a sua defesa'
(formulação do acórdão).
À questão correctamente enunciada no acórdão de saber se 'os direitos fundamentais consistentes no asseguramento da totalidade das garantias de defesa em processo penal e na liberdade de escolha do defensor por parte do arguido impõem que este (naquele tipo de processo), ao menos sendo advogado, se o desejar, possa defender-se a si mesmo?', foi dada uma resposta negativa.
2. Mas a resposta acertada deveria ser antes positiva. Na verdade, não se extrai da Constituição nenhuma proibição ou restrição quanto a um direito do acusado ou arguido de se defender a si próprio, nem da Lei Fundamental se colhe a imposição de a defesa ser assegurada sempre por um advogado (o nº 3 do artigo 32º assegura ao arguido 'o direito de escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo', mas não o impõe). Por outro lado, como se reconhece no acórdão, à luz dos textos internacionais, está garantida a auto-defesa do arguido. Esta garantia, aliás, é a que melhor se coaduna com os interesses do arguido e até com os valores constitucionalmente protegidos do bom nome e reputação e da reserva da intimidade da vida privada e familiar (nº 1 do artigo 26º). É que só o arguido muitas vezes sabe como orientar a sua própria defesa e reservar para si e para a sua família os dados que não quer transmitir em público, nem quer dar a conhecer a um defensor (isto é, como sujeito do processo, tem o direito de organizar a sua própria defesa). Depois, porque o arguido pode querer pura e simplesmente silenciar o assunto, como lhe é facultado pela lei, e para isso nem precisa de advogado. O argumento essencial do acórdão assenta na ideia de que o 'agir desapaixonado' de um advogado torna-se 'uma garantia mais acrescida no processo criminal', mas isto é falacioso. Exactamente ao arguido pode interessar mais um 'agir apaixonado' na condução do seu processo e ninguém melhor do que ele sabe e pode controlar essa 'paixão' (e no presente caso, sendo o arguido advogado de profissão, mal se compreende, independentemente dos seus direitos estatutários, que seja impedido de assinar um requerimento de interposição de recurso jurisdicional para tribunal superior, só o podendo fazer um mandatário por ele constituído para tal fim). Guilherme da Fonseca