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Processo n.º 783/12
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público e outros, o primeiro reclamou, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC) do despacho daquele Tribunal que, em 29 de outubro de 2012, não admitiu o recurso interposto, pelo reclamante, para o Tribunal Constitucional.
2. Pelo Acórdão n.º 588/12 decidiu-se indeferir aquela reclamação.
Para o que agora releva, esta decisão tem a seguinte fundamentação:
“(…)7. Importa começar por recordar que o despacho reclamado se desdobra em dois segmentos diferenciados:
- um primeiro a admitir o recurso para o Tribunal Constitucional na parte referente à decisão da reclamação proferida no âmbito dos poderes do artigo 405.º do CPP (respeitante aos pontos 7 e 14 do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional), e
- um segundo a esclarecer que, respeitando as restantes invocações do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional à decisão do Tribunal da Relação, nessa parte não cabe pronúncia do STJ sobre a admissão ou não admissão daquele recurso.
A presente reclamação tem por objeto apenas a segunda parte do aludido despacho, sendo que as questões de inconstitucionalidade ali suscitadas se reportam à decisão proferida no Tribunal da Relação que rejeitou o recurso (interposto do acórdão condenatório proferido em 1ª instância) por intempestividade sem prolação de despacho a convidar o recorrente a suprir deficiências das conclusões do recurso.
8. A decisão proferida no STJ limitou-se, assim, ao conhecimento da reclamação do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal, não tendo interpretado ou aplicado as normas cuja inconstitucionalidade é suscitada naquela parte do recurso e se traduzem, por um lado, na interpretação dos artigos 412.º, n.ºs 3 e 4 e 411.º, n.º 4 que fundou a rejeição do recurso por intempestividade, pelo Tribunal da Relação, e em segundo lugar na interpretação do art.º 417.º, n.º 3 não conducente ao convite, mais uma vez pelo Tribunal da Relação, para suprimento das deficiências das conclusões da motivação.
Não tendo o Supremo Tribunal de Justiça apreciado aquelas duas questões, foi entendimento do despacho reclamado não caber àquele Tribunal, pronunciar-se sobre a sua admissibilidade. Com efeito, nos termos do art. 76.º, n.º 1, da LTC, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciar a admissão do respetivo recurso.
9. Dispõe, por sua vez, o n.º 4 do referido art. 76.º da LTC, que do despacho que indefira o requerimento de interposição de recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para o Tribunal Constitucional.
A decisão reclamada não admitiu o recurso de constitucionalidade por, devendo o mesmo ter sido interposto no tribunal que proferiu a decisão recorrida – Tribunal da Relação de Lisboa – a este último competia apreciar a sua admissão.
Termos em que se impõe indeferir a presente reclamação.”
3. Notificado desta decisão, o reclamante apresentou pedido de «esclarecimento» da mesma, que viria a ser indeferido, pelo Acórdão n.º 61/2013.
4. Vem agora o reclamante arguir a nulidade do referido Acórdão n.º 61/2013, invocando omissão de pronúncia. Concretamente, pretende o reclamante que:
“2. A decisão que se reputa nula é a deste mui douto areópago no que tange ao desconsiderar a dúvida do recorrente por inexistência de ambiguidade ou obscuridade no Acórdão cujo esclarecimento se pediu que assim se vê reconduzido a:
“O que o reclamante interroga é como deve proceder de seguida e não o sentido ou a razão do indeferimento da reclamação por si apresentada da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional. Ora não compete ao Tribunal indicar ao reclamante a estratégia processual a adotar”
3. A ser assim, decide o Tribunal, “(…) impõe-se o indeferimento do presente pedido de aclaração.” Isto é:
4. Remetendo a “dúvida” do recorrente para o plano da “estratégia processual” esvazia o cerne da ambiguidade que se invocou e que, pese embora a douta decisão ora em análise, se mantém.
II. Da dúvida:
5. Sem embargo de se reconhecer que a dúvida do recorrente é de âmbito processual, o que é certo é que é fundamental e pode contender com o direito constitucional ao recurso.
6. Mas a dúvida não é, salvo o devido respeito que é muito, de “estratégia processual”;”
Depois de repetir as dúvidas invocadas no requerimento que originou o acórdão em referência, e que afirma manter, sustenta que «o Tribunal não esgotou todas as questões que lhe estavam a ser postas e exigiam apreciação e decisão».
Apelando «ao artº 660º, nº 2 do Cód. Proc. Civil – enquadrado na nulidade da alínea d) do nº 1 do artº 668º também do mesmo diploma legal», lembrando que cabe aos tribunais «administrar a justiça em nome do povo (ex. vi dos nºs 1 e 2 do artº 202º da C.R.P.)» e invocando, finalmente, os princípios do «poder de direção e (…) do inquisitório», da «adequação formal» e da «cooperação» contidos nos artigos 265.º, 265.º-A e 266.º do Código Processo Civil, conclui:
“(…) 22. Em face do pedido de esclarecimento que requereu do douto Acórdão 588/2012 que, salvo sempre o devido respeito, era subsumível, em termos de análise critica e final, ao que em 2/10/2003 o STJ decidiu no âmbito do proc. 4635 (SASTJ, n.º 74, 169):
“Uma decisão só é (…) confusa (…) ou de interpretação difícil (…) nos seus propósitos decisórios (…) quando a (…) ambiguidade na possibilidade de, à dita decisão serem razoavelmente atribuídos dois ou mais sentidos diferentes (…)”.
Veio o Tribunal Constitucional a indeferir o pedido de esclarecimento por entender que o que se pretendia era, não um esclarecimento, mas a indicação de uma estratégia processual a adotar pelo recorrente.
23. É aqui que nasce a nulidade que se invoca.
24. A douta decisão proferida não esgota a questão (ou questões) que lhe são verdadeiras e fundamentadamente postas e que se repetiram no ponto 7 deste requerimento.
25. E, para além de não as esgotar – o que de per si já constituiria uma nulidade – a decisão expendida, salvo o sempre devido respeito, está longe de dar cumprimento às exigências dos artigos 265º, 265º-A e 266º do Cód. Civil o que, por arrasto, também coloca em crise a própria função jurisdicional dos nºs 1 e 2 do artº 202º da C.R.P..
26. Em rigor, o acervo d dúvidas que foram respeitosa e expectantemente colocados ao douto Tribunal Constitucional, por serem por este considerados “estratégia processual” não obtiveram qualquer esclarecimento e redundaram numa espécie de “indeferimento liminar”…
27. Não logrando esclarecer e muito menos fazer uso ativo dos invocados princípios de direção, adequação formal e cooperação.
28. O que o recorrente, salvo o devido respeito que já se disse mas mais uma vez se refere e anota, entende ser seu direito e motivo/causa de pedir do próprio movimento processual que desencadeou e que, assevera-se, foi feito tendo também bem presente o teor do artº 266º-A do C.P.C..”
5. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento da arguição da nulidade.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
6. O reclamante vem arguir a nulidade do Acórdão n.º 61/2013, invocando que o mesmo não conheceu de todas as questões que eram colocadas no requerimento de aclaração apresentado. No essencial, entende o reclamante que cabia ao Tribunal esclarecer as dúvidas que eram colocadas no aludido requerimento.
Como já se deixou salientado no Acórdão n.º 61/2013, as dúvidas colocadas pelo reclamante traduziam-se em:
“-(i) saber se a decisão de remeter a admissão do recurso para o Tribunal da Relação não é equivalente a negar o direito ao recurso;
- (ii) saber como deve proceder para fazer valer o seu direito ao recurso do segmento da decisão do Tribunal da Relação que está em causa na presente reclamação”, pelo que “não integram fundamento de aclaração do decidido, delas não sendo possível extrair nenhum argumento no sentido de se verificar alguma obscuridade ou ambiguidade no acórdão em referência”.
Em face do exposto, explicando o acórdão cuja aclaração era requerida, com clareza, as razões e o âmbito do ali decidido, e não competindo ao Tribunal «indicar ao reclamante a estratégia processual a seguir», foi indeferido o referido pedido de aclaração.
Na verdade, o que o reclamante interrogava era «como deve[ria] proceder de seguida e não o sentido ou a razão do indeferimento da reclamação por si apresentada da não admissão do recurso para o Tribunal Constitucional».
No requerimento ora apresentado o reclamante insiste na colocação das mesmas dúvidas, sustentando integrar nulidade, por omissão de pronúncia, a falta de resposta do Tribunal às mesmas.
Deste modo, é de concluir que estamos perante um incidente pós-decisório manifestamente infundado. Por esta razão, justifica-se que seja processado em separado, nos termos previstos no artigo 720.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 84.º, n.º 8, da LTC, determinando-se a imediata remessa do processo ao tribunal recorrido, precedida de extração de traslado, sem aguardar a decisão que venha a incidir sobre o presente requerimento, a qual será proferida no referido traslado, onde igualmente será tramitado qualquer ulterior incidente que sobrevenha.
Assim sendo, o processo deverá seguir os seus regulares termos no tribunal recorrido.
III - Decisão
8. Pelo exposto, decide-se:
a) Mandar extrair traslado dos presentes autos para processamento em separado do requerimento de arguição de nulidades do Acórdão 61/2013 (fls. 99 e seguintes) e de quaisquer outros que sobrevenham, cuja decisão será proferida uma vez pagas as custas em que o reclamante foi condenado neste Tribunal, as quais devem ser, entretanto, contadas.
b) Ordenar que, extraído o traslado, sejam os autos de imediato remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça, para prosseguirem os seus termos (artigo 720.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Lisboa, 9 de abril de 2013. - Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.