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Processo n.º 926/08
 
 2.ª Secção
 Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
 
 
 Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
 
 
 A – Relatório
 
 
 
             1 – A. reclama, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei 
 n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido 
 no Tribunal da Relação do Porto que não lhe admitiu o recurso que interpôs para 
 o Tribunal Constitucional do acórdão proferido naquela instância.
 
  
 
             2 – A reclamação decidenda vem abonada na seguinte argumentação:
 
  
 
 “O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é 
 admissível pois que a invocada inconstitucionalidade não existe. 
 Todavia, é a interpretação que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez dos 
 preceitos invocados (artigo 70° e 71° do Código de Processo Penal) que gera o 
 vício da inconstitucionalidade que se invocou. 
 Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da 
 interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação 
 ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal 
 Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade 
 que cabe a esse alto tribunal. 
 Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia 
 pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto, agiria como agiu, e 
 interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição 
 como interpretou e aplicou. 
 
 É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios 
 e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de 
 maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, 
 pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem 
 jurídica portuguesa: 
 Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: 
 a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do 
 disposto nos arts. 70º e 71° pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na 
 interpretação de que «... ao erguer a culpa — como critério principal de 
 determinação da pena — e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a 
 quo» não avalizou correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio 
 constitucional da adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo 
 aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente 
 aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art. 
 
 32° nº 1 da Constituição; 
 A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso 
 
 às normas do artigo 70.° e 71.° do Código de Processo Penal. 
 
 É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja 
 analisado à luz das normas da Constituição. 
 Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional”. 
 
             
 
  
 
             3 – Como resulta dos autos, o recurso fora interposto mediante 
 requerimento com o seguinte teor:
 
  
 
        “A., arguido nos presentes autos, notificado do acórdão, VEM, ao abrigo 
 do disposto na alín. b) do n.°1 do art. 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, 
 INTERPOR RECURSO, para o Digníssimo Tribunal Constitucional, nos termos e pelos 
 fundamentos seguintes termos: 
 O arguido foi condenado no 1° Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Maia, a 5 
 anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de Tráfico de Estupefacientes 
 agravado, do art. 21° do DL 15/93 de 22/01. 
 Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, 
 por entender que a sua conduta preenche um crime de Tráfico de Menor Gravidade 
 
 (art. 25° DL 15/93), pois estamos perante um caso de mera detenção, não se tendo 
 provado mais nada, nomeadamente o lucro. 
 Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, ter refeito a sua vida, 
 tendo o total apoio e rectaguarda da mãe, desejar ressocializar-se, deveria 
 ser-lhe aplicada uma pena mais leve, atenuada, próxima do seu mínimo legal, o 
 que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na 
 sua execução, mostrando-se violados os art.s 70° e 71° do CP; 25° da Lei 15/93 e 
 
 32° da CRP. 
 Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao 
 recurso. 
 Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto 
 nos arts. 70º, 71° do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na 
 interpretação de que «não registando o recorrente quaisquer antecedentes 
 criminais, sendo jovem e de condição social modesta», não se verifica suficiente 
 para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena 
 que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de 
 prognose mais favorável a esta, todos por violação do art. 32° da Constituição 
 da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no 
 seu recurso do 1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto. 
 Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena 
 
 – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou 
 correctamente o art. 71° do CP, não cumprindo com o principio constitucional da 
 adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma 
 pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para 
 aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada. 
 Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade. 
 Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas 
 jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas 
 jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma 
 constitucional”.
 
  
 
 4 – Por seu turno, no despacho reclamado, sustentou-se:
 
        
 
  
 
 “ (...) Por Acórdão desta Relação (cfr. fls, 3668 a 3695), de 24/09/08, foi 
 confirmado o Acórdão da 1ª instância que condenou o arguido, A. na pena de 5 
 anos e 6 meses de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, 
 p. e p. pelo art. 21°, do DL nº 15/93, de 22/01. 
 Notificado daquele Acórdão vem o arguido interpor recurso para o Tribunal 
 Constitucional, alegando o seguinte:
 
  
 
 (...) 
 Ora, entendemos…que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70°, 71°, 
 do CP, pelo Tribunal da Relação do Porto, na interpretação de que “não 
 registando o recorrente quaisquer antecedentes criminais, sendo jovem e de 
 condição social modesta”, não se verifica suficiente para acautelar as 
 necessidades de prevenção especial e geral da medida da pena que possa ser 
 suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de prognose mais 
 favorável a esta, todos por violação do art. 32° da Constituição da República 
 Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso do 
 
 1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto. 
 Com efeito, ao erguer a culpa — como critério principal de determinação da pena 
 
 — e a prevenção como critério secundário, o Tribunal “a quo” não avaliou 
 correctamente o art. 71°, do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da 
 adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma 
 pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para 
 aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada... 
 
 (...) 
 
  
 X 
 
  
 Salvo o devido respeito, entende-se que o recurso é manifestamente infundado. 
 Desde logo, é incorrecto dizer-se que o arguido-recorrente não regista quaisquer 
 antecedentes criminais; com efeito, deu-se como provado no Acórdão desta Relação 
 que o arguido tem antecedentes criminais, por prática de crimes de condução 
 ilegal, desobediência e furto (cfr. fundamentação — facto provado sob o nº 36). 
 Depois, o arguido não pode ser considerado jovem delinquente, com a valoração 
 que, ao que parece, se lhe pretende emprestar, subsumível ao art. 1°, nº 2, do 
 DL nº 401/82; com efeito, o arguido nasceu em 14/04/1980 e os factos 
 
 “sub-judice” foram praticados em 29/05/2005. 
 Finalmente, não se vislumbra em que medida a modesta condição social do arguido, 
 perspectivando a medida concreta da pena aplicada, possa ter ofendido o preceito 
 constitucional invocado. 
 O princípio da proporcionalidade, também denominado princípio da proibição do 
 excesso, é um princípio geral do Direito que, num sentido muito amplo, preconiza 
 o justo equilíbrio entre os interesses em conflito, obrigando o legislador, os 
 juízes e demais operadores do direito a ponderar os interesses em conflito para 
 em função dos valores subjacentes e os fins prosseguidos os resolver segundo 
 medida adequada. 
 
  
 O princípio da adequação significa que as sanções penais legalmente previstas 
 devem revelar-se adequadas para prossecução dos fins visados pela lei. 
 Ora, de forma liminar, não se descortina em que medida foram ofendidos tais 
 princípios, tendo também em mente a pretensa ofensa ao disposto no art. 32°, da 
 Constituição da República Portuguesa, tal como vem invocado. 
 O que parece perpassar do requerimento em causa é que o arguido não concorda com 
 a medida concreta da pena, nem como o decidido quanto à não suspensão da sua 
 execução; mas tal, a nosso ver, não se compagina com o presente recurso, em que 
 pretensamente se pretende a fiscalização concreta de determinadas normas penais. 
 
 
 Pelo exposto, decide-se indeferir à admissão do recurso para o Tribunal 
 Constitucional, por se entender o mesmo manifestamente infundado”.
 
  
 
  
 
             5 – O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, 
 considerando que “não se mostra suscitada no processo – nem no próprio 
 requerimento de interposição de recurso para este Tribunal – qualquer questão de 
 inconstitucionalidade normativa, susceptível de constituir objecto idóneo da 
 fiscalização concreta, cometida ao Tribunal Constitucional: o recorrente 
 limita-se a questionar a escolha e medida da pena efectivamente aplicada, face 
 
 às particularidades do caso concreto”, pugnou pelo indeferimento da reclamação.
 
  
 
             6 – Notificado do teor deste parecer, veio o arguido responder-lhe 
 do seguinte modo:
 
  
 
 “(...)
 O arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior a 
 inconstitucionalidade ora invocada – pela simples razão de não poder prever que 
 a mesma se registaria em fase de Recurso! 
 
 É a interpretação que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto fez dos 
 preceitos invocados (artigo 70º e 71º do Código de Processo Penal) que gera o 
 vício da inconstitucionalidade que se invocou.
 Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da 
 interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação 
 ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal 
 Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade 
 que cabe a esse alto tribunal. 
 Como é óbvio, também nesta particular questão o arguido/recorrente não podia 
 pressupor, intuir, que o Tribunal da Relação do Porto agiria como agiu, e 
 interpretaria as normas do Código de Processo Penal e da própria Constituição 
 como interpretou e aplicou.
 
 É com a prolação do Acórdão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios 
 e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de 
 maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, 
 pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem 
 jurídica portuguesa:
 Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: a) 
 do art. 70º e 71º, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal de 
 Justiça no sentido de «... ao erguer a culpa – como critério principal de 
 determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a 
 quo» não avalizou correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio 
 constitucional da adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo 
 aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente 
 aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art. 
 
 32° nº 1 da Constituição; 
 A inconstitucionalidade resulta da interpretação dada pelo Tribunal de Recurso 
 
 às normas do artigo 70.º e 71º do Código de Processo Penal.
 
 É, pois, um vício que se regista somente no Acórdão que se pretende seja 
 analisado à luz das normas da Constituição. 
 Desta forma, tem o recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto 
 para o Tribunal Constitucional”.
 
  
 B – Fundamentação
 
  
 
             7.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do 
 disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 280º da Constituição da República 
 Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de 
 Novembro, em cuja categoria se insere o interposto pelo recorrente, e como 
 decorre dos mesmos preceitos, quando falam de aplicação de norma cuja 
 inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, mas que encontra, 
 igualmente, tradução no n.º 2 do art.º 75º-A da LTC, que a questão de 
 inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada como ratio decidendi da 
 decisão recorrida tenha sido suscitada durante o processo.  
 O sentido deste conceito tem sido esclarecido, por várias vezes, por este 
 Tribunal Constitucional. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no 
 Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse 
 requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a 
 inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas 
 
 “num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita 
 em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de 
 esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de 
 constitucionalidade) respeita”. 
 Por seu lado, afirma-se, igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário 
 da República II Série, de 10 de Janeiro de 1995, que «a exigência de um cabal 
 cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da 
 questão de constitucionalidade não é [...] “uma mera questão de forma 
 secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal 
 recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o 
 Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da 
 questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». 
 Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a 
 intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da 
 questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter 
 apreciado (nesta linha de pensamento, podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 
 
 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, 
 aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, 
 publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - e sobre o sentido 
 de tal requisito, José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional 
 em Portugal, 3.ª edição, revista e actualizada, pp. 40 e 72), razão pela qual as 
 partes, ao encararem ou equacionarem na defesa das suas posições a aplicação das 
 normas,  não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas 
 poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa 
 das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em 
 face da lei fundamental, impendendo sobre elas um dever de prudência técnica na 
 antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à 
 sua conformidade constitucional.
 Concretizando, ainda, aspectos do seu regime, cumpre acentuar que, sendo o 
 objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído 
 por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não 
 pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si 
 própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios 
 constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito 
 infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no 
 que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado 
 
 às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
 
             Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos 
 para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de 
 normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da 
 Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub 
 species constitutionis, a concreta aplicação do direito efectuada pelos demais 
 tribunais, em termos de se assacar ao acto judicial de “aplicação” a violação 
 
 (directa) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este 
 Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efectuado in 
 concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não 
 incide sobre a correcção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a 
 conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão recorrida, cabendo 
 ao recorrente, como se disse, nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do 
 n.º 1 do artigo 70.º, o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade 
 normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal 
 Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II 
 Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em 
 
 www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por 
 exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 
 
 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/9, inéditos, e o Acórdão n.º 269/94, 
 publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
 
             A este propósito escreve Carlos Lopes do Rego («O objecto idóneo dos 
 recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações 
 normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência 
 Constitucional, 3, p. 8) que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – 
 embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito 
 legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende 
 controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e 
 específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do 
 juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na 
 sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a 
 aplicação do direito […]».
 
  
 
             7.2 – Postas estas considerações, importa, agora, projectar tais 
 criteria no caso sub judicio.
 
             Ora, perscrutando os elementos disponíveis nos autos, constata-se 
 que o despacho reclamado não merece censura, sendo certo que o reclamante não só 
 não suscitou durante o processo qualquer questão de constitucionalidade 
 normativa, como, também, acabou por erigir o recurso de constitucionalidade em 
 torno de um objecto inidóneo, por ser, imediatamente, referido à decisão 
 recorrida, na valoração, aí projectada, quanto ao circunstancialismo 
 fáctico-jurídico que a determinou.
 
             Vejamos.
 
             Como resulta, claramente, dos autos, e contrariamente ao alegado no 
 requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o 
 reclamante não suscitou, durante o processo, qualquer questão de 
 constitucionalidade normativa, tendo, apenas, impugnado a violação dos artigos 
 
 70.º e 71.º do Código Penal, na óptica da sua concreta aplicação à factualidade 
 valorada em juízo.
 
             De facto, não se vislumbra no requerimento de interposição de 
 recurso qualquer referência susceptível de consubstanciar a menção a um objecto 
 idóneo do recurso de constitucionalidade, definido, como tal, em torno de um 
 critério normativo – por natureza – distanciado do momento de aplicação feita 
 pelo Tribunal a quo, sendo que o imputado vício de violação de lei não equivale 
 tout court à suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa que, por 
 definição, se há-de ter por apartada da sindicância do acerto lógico-jurídico da 
 subsunção do caso em apreço à norma.
 
             Tanto basta para julgar improcedente a reclamação.
 
             Refira-se ainda, no entanto, que o reclamante na resposta ao parecer 
 do Ministério Público e tal como havia enunciado na reclamação, alegou que “o 
 arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior a 
 inconstitucionalidade ora invocada – pela simples razão de não poder prever que 
 a mesma se registaria em fase de Recurso”, razão pela qual sustenta que “o 
 recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal 
 Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade: a) do art. 70º e 
 
 71º, do C.P.P., interpretado e aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça no 
 sentido de «... ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da 
 pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou 
 correctamente o art. 71 do CP, não cumprindo com o principio constitucional da 
 adequação e da proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas 
 uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para 
 aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.», violando o art. 32° nº 1 da 
 Constituição”.
 
             Tais menções justificam duas observações.
 
             A primeira para dar conta de que a “reformulação” formal da 
 definição do objecto do recurso não afasta o juízo supra formulado quanto à sua 
 inidoneidade, porquanto a controvertida questão de constitucionalidade não deixa 
 de se encontrar referida à aplicação do critério legal.
 
             A segunda, para rebater a afirmação de impossibilidade de prévia 
 suscitação do problema da inconstitucionalidade, relembrando que o reclamante 
 afirmara expressis verbis, em momento anterior – aquando da interposição do 
 recurso –, que as “inconstitucionalidades [foram] invocadas previamente no seu 
 recurso do 1° Juízo Criminal da Maia para o Tribunal da Relação do Porto”.
 
             E, quanto a esta questão particular, o certo é que, nem no recurso 
 interposto para a Relação, nem tão-pouco no recurso de constitucionalidade se 
 encontra suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma.
 
             No entanto, independentemente disso, poderá referir-se, a título de 
 obiter dictum, que o acórdão do Tribunal da Relação não constitui qualquer 
 
 “decisão surpresa” em face do julgado anterior, nem aplica, também perante esse 
 juízo, qualquer norma numa dimensão imperscrutável sub species constitutionis, 
 como resulta, claramente, justificado em face dos fundamentos normativos aí 
 mobilizados, os quais se encontram, aliás, em sintonia com a decisão da 1.ª 
 Instância. 
 
  
 C – Decisão
 
  
 
             8 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide 
 indeferir a presente reclamação.
 
  
 
             Custas pelo Reclamante, com taxa de justiça fixada em 20 (vinte) 
 Ucs.
 Lisboa, 23 de Dezembro de 2008
 Benjamim Rodrigues
 Joaquim de Sousa Ribeiro
 Rui Manuel Moura Ramos