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Processo n.º 12/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e B. vêm recorrer, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, adiante referida como “LTC”), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de novembro de 2012 que indeferiu a reclamação para a conferência por eles apresentada da decisão proferida pela relatora dos autos naquele Tribunal, que, por sua vez, havia confirmado o indeferimento, com fundamento na sua extemporaneidade, do requerimento de interposição de recurso do acórdão proferido em 25 de maio de 2012 pela 2.ª Secção do Juízo de Família e Menores de Sintra.
Neste aresto foi determinado, ao abrigo da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, (adiante referida como “LPCJP”), e com referência a sete dos oito filhos menores dos ora recorrentes, o seguinte:
- A aplicação em favor dos menores da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção (alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP); e, em consequência,
- A inibição do exercício das responsabilidades parentais dos progenitores quanto a tais menores, nos termos do artigo 1978.º-A do Código Civil;
- Que a citada medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, não sujeita a revisão, se prolongue até ser decretada a adoção (artigo 62.º-A, n.º 1, da LPCJP);
- A proibição de visitas aos menores por parte da sua família natural (artigo 62.º-A, n.º 2, da LPCJP);
- A solicitação à Segurança Social, de seis em seis meses, de informação sobre os procedimentos em curso com vista à adoção;
- A notificação da Equipa de Crianças e Jovens para, em dez dias, indicar instituição onde os menores possam ser confiados com vista à sua futura adoção e a pessoa da instituição que possa ser nomeada como seu curador provisório (artigo 167.º da Organização Tutelar de Menores e artigo 62.º-A, n.º 2, da LPCJP);
- Para o efeito, deverá a Equipa de Crianças e Jovens solicitar junto da Equipa de Admissão e Gestão de Vagas a máxima prioridade com vista ao acolhimento destes menores e os bons ofícios da mesma Equipa para que indique uma instituição com vaga para os menores que são gémeos, de modo a não ficarem separados e poderem ser acolhidos em conjunto.
Resulta dos autos – nomeadamente da Ata de Debate Judicial de fls. 193 e 194 – que o acórdão proferido na primeira instância foi lido no dia da sua assinatura em sessão que durou das 16:00h às 17:00h, estando presentes, além da juíza presidente e da escrivã auxiliar: uma magistrada do Ministério Público; um dos dois juízes sociais; os dois progenitores, ora recorrentes; e a mandatária judicial, defensora dos menores, nomeada de acordo com o disposto no artigo 103.º, n.º 4, da LPCJP.
Tanto a defensora dos menores, como os ora recorrentes, não se conformando com o assim decidido, interpuseram recurso ao abrigo do artigo 123.º da LPCJP.
Todavia, os requerimentos correspondentes foram indeferidos por despacho de 4 de julho de 2012 com base na seguinte fundamentação (cfr. a respetiva cópia, a fls. 66 e 67):
« Requerimentos de interposição de recurso de fls. 734 e ss. e de fls. 750 e ss. do acórdão de fls. 661 e ss.:
Os presentes autos foram intentados em 26-11-2007, aplicando-se pois aos mesmos o regime processual civil anterior à reforma do Código de Processo Civil, efetuada pelo DL nº 303/2007, de 24-8, que apenas se aplica aos processos intentados a partir de 1-1-2008 – cfr. art. 12º do DL nº 303/2007, de 24-8.
Nos termos do disposto no artigo 124º da L.P.C.J.P (aprovada pela lei 147/99, alterada pela lei 31/2003, de 22-8), os recursos são assim processados e julgados como agravos em matéria cível.
Foram interpostos dois recursos da decisão aqui proferida, um pelos menores, representados pela Patrona nomeada, a fls. 734 e ss., e o outro pelos progenitores a fls. 750 e ss.
Em ambos foram logo juntas as alegações.
O requerimento de interposição de recurso de fls. 734 e ss, deu entrada em juízo em 11-6-2012.
Da mesma forma, o requerimento de interposição de recurso de fls. 750 e ss., foi remetido por aviso postal registado, entregue nos serviços dos correios dos Restauradores, Lisboa, no dia 11-6-2012 – cfr. pesquisa agora efetuada ao nº do registo que consta a fls. 750.
O acórdão foi notificado, em leitura pública no dia 25-5-2012 (cfr. acta de fls. 704-705), tendo estado presentes na diligência, para além dos demais, ambos os recorrentes, os progenitores e a Il. Patrona nomeada e em representação dos menores.
Nos termos do disposto no art. 685º-1, o prazo de interposição dos recursos no regime aqui aplicável é de 10 dias, contados da notificação da decisão.
Temos então a seguinte contagem:
25-05-2012 / Sex / Notificação presencial da decisão
26-05-2012 / Sáb / 1 / Primeiro dia do prazo
27-05-2012 / Dom / 2 /
28-05-2012 / Seg / 3
29-05-2012 / Ter / 4
30-05-2012 / Qua / 5
31-05-2012 / Qui / 6
01-06-2012 / Sex / 7
02-06-2012 / Sáb / 8
03-06-2012 / Dom / 9
04-06-2012 / Seg / 10 / Último dia do prazo
05-06-2012 / Ter / 1 / 1.º dia útil do 145.º-5-6 do CPC
06-06-2012 / Qui [sic] / 2 / 2.º dia útil do 145.º-5-6 do CPC
07-06-2012 / Qua / / Feriado nacional
08-06-2012 / Sex / 3 / 3.º dia útil do 145.º-5-6 do CPC
09-06-2012 / Sáb /
10-06-2012 / Dom /
11-06-2012 / Seg / / Interposição dos recursos
Isto é, o último dia para a prática dos atos seria o dia 8-6-2012, pelo que ao abrigo do disposto no art. 687º-3 do Código de Processo Civil, por intempestividade, indeferem-se os requerimentos de interposição de recurso apresentados pelos menores, representados pela Patrona nomeada a fls. 734 e ss. e o apresentado pelos progenitores a fls. 750 e ss.»
2. Novamente inconformados, os menores e os seus progenitores reclamaram desta decisão, ao abrigo do disposto no artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Os segundos – ou seja, os ora recorrentes – alegaram, no essencial (cfr. a reclamação de fls. 69 a 81):
« Os reclamantes fundamentam a sua posição nas seguintes considerações:
a) O acórdão recorrido aplica a medida de confiança de menor a instituição com vista a futura adoção, prevista na alínea g) do nº. 1 do artº. 35º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto (de ora em diante abreviadamente referida por LPCJP):, a sete crianças, quatro das quais nascidas, respetivamente, em 18.09.2008, 18.09.2008, 13.11.2009 e 25.11.2011, não se devendo entender que, pelo menos quanto a estas, se encontravam os respetivos processos de promoção e proteção pendentes à data da entrada em vigor do novo regime de recursos;
b) Natureza e alcance do acórdão impugnado, com impacto direto no direito da família, direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e, ainda, de grande peso emocional e psicológico, cuja cópia integral, não obstante ter sido pedida, não lhes foi de imediato entregue, só vindo a ser disponibilizada à ora reclamante no dia 28.05.2012;
c) Direito dos reclamantes, não representados por mandatário judicial, a receberem cópia integral do acórdão, sem a qual não pode ser apreendido, em toda a sua extensão, o sentido da decisão, e exercido, de forma efetiva, o direito ao recurso, previsto nos nº.s 1 e 2 do artigo 123º da LPCJP (necessariamente através de mandatário a constituir para o efeito);
d) Inconstitucionalidade material das normas acolhidas nos nº. 1 e 4 do artigo 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no art.º 685 do mesmo diploma, na interpretação sustentada pelo M.º Juiz a quo, segundo a qual, o prazo de interposição de recurso se inicia a contar da data da leitura do acórdão do tribunal colectivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial, não obstante terem os mesmos solicitado, imediatamente, cópia do acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue pela secretaria nessa data.
[Quanto à inconstitucionalidade da aplicação das normas previstas nos nºs 1 e 4 do art. 255º, conjugadas com o art. 685º, todos do CPC, na interpretação acolhida pelo despacho de indeferimento ora reclamado, o qual determina o início da contagem do prazo de interposição de recurso, para a parte não representada por mandatário judicial, da data da leitura do acórdão e não da data da entrega ou disponibilização de cópia integral da decisão e seus fundamentos – V, fls. 78 e ss.]
[Depois de se referirem ao “princípio da proteção da vida familiar e o da proteção e manutenção da família biológica”, acolhidos em textos de direito internacional (art. 8º da CEDH e arts. 5º, 9º, 16º e 20º da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança) e na Constituição Portuguesa (arts. 35º, nºs 5 e 6, 67º, 68º e 69º da Lei Fundamental), consideram os reclamantes que, c]omo bem evidencia o acórdão da Relação de Coimbra, de 19.04.2005, in www.dgsi.pt, a confiança para futura adoção traduz-se na privação quer do exercício quer da titularidade do poder paternal, desde que a Lei nº 31/2003, de 22 de agosto a colocou no mesmo plano da decisão de confiança judicial para fins de dispensa de consentimento dos pais do adotando.
Trata-se de matéria da maior relevância, na qual há que assegurar, quer através das normas processuais, quer, ainda, através da respetiva interpretação e aplicação ao caso concreto, de forma efetiva, o direito a um processo equitativo dominado pelo princípio do contraditório, entre outros, e pela efetiva garantia do direito ao recurso.
Entende-se inteiramente pertinente aplicar à presente situação o entendimento sustentado pelo Tribunal Constitucional a propósito da violação das garantias de defesa em relação ao acesso ao recurso em processo penal, considerando determinante para a aferição da concretização do direito de defesa, a possibilidade do arguido aceder ao texto integral da decisão condenatória contra si proferida, atendendo-se, para o efeito, ao momento do depósito judicial da sentença na secretaria (cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 75/1999, 61/1988 e 81/2012, entre outros).
Também aqui se está perante uma limitação ou restrição de direitos fundamentais: trata-se, sublinha-se, de decisão que extingue os vínculos da família biológica, cortando imediatamente o acesso e os contactos entre os menores e os reclamantes, seus pais biológicos (e não só, já que acaba por cortar também o contacto entre os próprios irmãos e entre todos eles e o resto da família biológica).
Nesta sede há que interpretar com a maior cautela as normas aplicáveis ao prazo de interposição do recurso por forma a garantir que o mesmo – tratando-se de sujeito com legitimidade para recorrer mas não representado por mandatário judicial – apenas se inicia com a notificação da decisão através da aplicação do disposto nos nºs 1 e 4 do art. 255º e não com a mera leitura do acórdão.
Na verdade, o direito ao recurso pressupõe o total conhecimento da decisão recorrida ou possibilidade de o obter, pelo que o prazo para a interposição do mesmo só se deverá contar a partir do momento em que o recorrente tem a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar, uma vez que só com a entrega da cópia da decisão integral é garantido o acesso ao teor completo e inteligível da decisão impugnanda a sujeito processual não representado por mandatário judicial.
Em consequência, o reconhecimento do direito a exigir e a receber, de imediato, cópia da decisão, maxime no caso de parte que não constitui mandatário (não sendo o patrocínio obrigatório), repercute-se, necessariamente, na determinação do termo a quo do prazo de interposição do recurso.
A contagem do prazo em momento anterior consubstancia uma limitação injusta e injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do curto prazo para a respetiva interposição, numa fase em que o sujeito processual ainda não sabe se tem fundamento para tal, precisamente porque, não tendo mandatário constituído, não pode, por causa que não lhe é imputável, analisar o texto da decisão que o afeta – neste sentido, entre mais, os Acórdãos nº 186/2004, de 23 de Março, publicado no DRE, II série de 11 de Maio de 2004, pág. 7302 e Acórdão nº 183/2006, de 08 de Março, publicado no DRE, II série de 17 de Abril de 2006, pág. 5705 e ss., todos do Tribunal Constitucional.
Interpretação distinta, como a que é feita pelo despacho ora reclamado, afronta princípios constitucionalmente protegidos, em particular o acolhido nos artigos 20º, nºs 5 e 6 do art- 36º e art. 67º da Constituição da República Portuguesa.
Por último, sublinham os reclamantes que, através da presente reclamação, mais não pretendem que ver assegurado o reconhecimento do seu direito ao recurso e, consequentemente, o reconhecimento do seu direito à participação em julgamento realizado de forma equitativa e orientado pela lealdade de procedimento (em que lhes seja assegurado, de forma efetiva, o direito a socorrerem-se dos meios de prova que entenderem dever utilizar para efeitos da manutenção da sua família natural).»
Distribuído o processo, a relatora no Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, em 3 de setembro de 2012, manter o despacho de não admissão dos dois recursos interpostos, invocando o seguinte (fls. 210 e ss.):
« Insurgem-se os reclamantes relativamente ao despacho proferido, o qual lhes indeferiu os recursos por serem considerados extemporâneos.
Ora, os presentes autos tiveram o seu início em 26-9-2007 quando o Ministério Público intentou processo de promoção e proteção a favor dos menores.
Tal processo inicialmente intentado relativamente aos menores C., D, E., F. e G. veio a ser alargado também a favor dos menores H., I., J. e K..
Atenta a data em que o processo entrou em juízo, a lei aplicável aos recursos era a então vigente, ou seja, a redação anterior a Decreto-Lei nº 303/2007, de 24/8. Com efeito, nos termos constantes do nº 1 do art. 685º do CPC., o prazo para a interposição dos recursos é de 10 dias, contados da notificação da decisão; se a parte for revel e não dever ser notificada nos termos do artigo 255º, o prazo corre desde a publicação da decisão.
Mais dispõe o nº2 do preceito que, tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente ou foi notificada para assistir ao ato; no caso contrário, o prazo corre nos termos do nº 1.
Ora, na situação em apreço, os recursos interpostos entraram em juízo no dia 11-6-2012.
O acórdão foi lido em 25-5-2012, em ato onde compareceram os recorrentes, os progenitores e a Patrona nomeada em representação dos menores.
Ora, a partir desta data começou a decorrer o prazo de 10 dias para a interposição dos respetivos recursos, pois, tratando-se duma sentença oral, ou seja, ditada para a ata ou lida em audiência, o prazo para interposição de recurso da mesma, conta-se do dia em que foi proferida, se a parte estiver notificada para assistir ao ato.
Porém, nos termos da contagem constante do despacho reclamado e que se mostra correta, os recursos apresentados excederam efetivamente o prazo legal para o efeito.
A questão em causa nada tem a ver com a urgência do processo, nem com a entrega de cópia da decisão.
A lei vigente aquando da instauração dos autos e que baliza a sua vida futura, não exigia a entrega de cópia aos interessados para efeitos de contagem de prazo para recorrer.
O conhecimento dos interessados foi de imediato, ou seja, ocorreu com a respetiva leitura do acórdão.
Não há que confundir leitura da sentença com a notificação da sentença, dado que, estando as partes presentes no próprio ato da leitura, as consequências são as mesmas.
Nem na situação em apreço assume qualquer relevo a idade dos menores, pois, esta não constitui qualquer marco decisivo, mas tão só, a apreciação da sua situação, a qual foi conhecida no âmbito do mesmo processo, o qual havia sido iniciado em 26-9-2007.
Assim, estando os reclamantes notificados para o ato, tendo comparecido ao mesmo por si ou por representação, o prazo para recorrer começou a correr a partir do dia em que foi proferida a decisão.
Ora, tendo os recursos sido interpostos em 11-6-2012, dúvidas não existem de que os mesmos são extemporâneos, dado já ter expirado o prazo para a sua interposição, não podendo ser admitidos.
Destarte, não assiste razão aos reclamantes.
3- Decisão:
Nos termos expostos, julgam-se improcedentes as reclamações, mantendo-se o despacho que não admitiu os recursos interpostos.»
3. Os ora recorrentes reclamaram desta decisão para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil, arguindo a sua nulidade com fundamento na “incompetência funcional da Exma. Senhora Desembargadora Relatora” – já que, sendo aplicável o regime processual civil anterior à reforma do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, a competência para decidir a reclamação em causa pertenceria ao Presidente do Tribunal da Relação – e na contradição entre a decisão e os respetivos fundamentos – “julgando aplicável ao caso em análise o regime jurídico dos recursos anterior ao cit. Decreto-Lei n.º 303/2007, decide causa para a qual apenas teria competência se ao caso fosse aplicável o novo regime dos recursos!” (cfr. fls. 217 e 218). Além disso, pugnaram os então reclamantes, caso assim não se entendesse, no sentido de o despacho reclamado ser reapreciado, tendo em vista aplicar ao caso sujeito o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 255.º do Código de Processo Civil (cfr. fls. 218 a 220):
« [É de] considerar que o prazo se deve ter por iniciado a contar da data da entrega pela secretaria da cópia integral do extenso acórdão, solicitada, sublinha-se, imediatamente após a leitura da decisão do mesmo e disponibilizada à reclamante, sem mandatário constituído, apenas no dia 28.05.2012.
No caso vertente, no entendimento dos ora reclamantes, tem plena aplicação o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 255.º do CPC, regime que deverá prevalecer sobre o disposto no artigo 260.º e n.º 3 do artigo 685.º do mesmo diploma (quando se entenda que um acórdão pode ser equiparado a despacho ou sentença oral).
Sustenta Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil: Novo Regime, pág. 113, 1.ª edição, Almedina 2007, que “a contagem do prazo se inicia com a notificação da decisão seja esta comunicada por escrito seja oralmente proferida perante a parte que esteve presente, sem embrago das demais situações particulares previstas nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 685.º, as quais devem ser reguladas em conjugação com o que se dispõe no art. 255.º”.
Interpretando o sentido e alcance das normas legais respeitantes ao regime das notificações, apura-se que ao n.º 4 do art.º 255.º do CPC subjaz a necessidade de especial proteção da parte que não esteja representada por mandatário, constituindo a regra aí consagrada, uma garantia de que a mesma parte disponha de um documento escrito que possa exibir, em tempo, a um profissional que a possa auxiliar, sendo a constituição de mandato obrigatória para efeitos de eventual recurso a interpor.
Em consequência, o reconhecimento do direito a exigir e a receber, de imediato, cópia da decisão, maxime no caso de parte que não constitui mandatário (não sendo o patrocínio obrigatório), repercute-se, necessariamente, na determinação do termo a quo do prazo de interposição de recurso.
A contagem daquele prazo em momento anterior consubstancia uma limitação injusta e injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do curto prazo para a respetiva interposição, numa fase em que o sujeito processual ainda não sabe se tem fundamento para tal, precisamente por que, não tendo mandatário constituído, não pode, por causa que não lhe é imputável, analisar o texto da decisão que o afeta – neste sentido, entre mais, os Acórdãos [do Tribunal Constitucional n.os 186/2004 e 183/2006].
Interpretação distinta, como a que é feita pela decisão singular ora reclamada, afronta princípios constitucionalmente protegidos, em particular o acolhido nos artigos 20.º, n.os 5 e 6 do art. 36.º e art. 67.º da Constituição da república Portuguesa.»
Por acórdão de 20 de novembro de 2012, o tribunal ora recorrido julgou improcedente a reclamação apresentada e manteve o despacho reclamado (cfr. fls. 229 a 231):
« [Em períodos de férias judiciais] o serviço urgente será efetuado pelos desembargadores de turno, sendo o relator a quem o processo for distribuído, o competente para o tramitar e não o Sr. Presidente do Tribunal da Relação.
Assim sendo, a decisão foi proferida pelo relator competente para o efeito, o qual analisou os pressupostos da situação concreta e os plasmou naquela.
Destarte, não há que revogar a decisão proferida, para remeter os autos ao Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa.
E, nada havendo a alterar no respeitante ao cerne do despacho proferido, de igual modo decai a questão subsidiária.
3. Decisão
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a reclamação apresentada, mantendo-se o despacho proferido.»
4. Deste acórdão vem interposto o presente recurso de constitucionalidade mediante requerimento com o seguinte teor (cfr. fls. 239 a 242):
«1. Entende-se que quer o acórdão proferido em 1ª instância quer o despacho proferido sobre a reclamação da não admissão de recurso e o douto aresto que o confirmou procederam à aplicação de normas ordinárias em termos contrários à Lei Fundamental;
2. Está em causa o despacho por via do qual o M.º Juiz a quo indeferiu o recurso instaurado pelos ora reclamantes em 11.06.2012 por entender que o acórdão impugnado foi notificado, em leitura pública no dia 25.05.2012.
3. Sublinham os Recorrentes, a especial natureza e alcance do acórdão proferido em 1ª instância, que aplica a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção, prevista na al. g) do nº 1 do artigo 35º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela lei 147/99 de 1 de Setembro, de ora em diante referida como LPCJP, a sete crianças, com impacto direto no direito da família, direitos fundamentais constitucionalmente protegidos e, ainda, de grande peso emocional e psicológico, cuja cópia integral, não obstante ter sido pedida, não foi de imediato entregue aos progenitores, só vindo a ser a mesma disponibilizada à ora recorrente no dia 28.05.2012;
4. Afigurando-se que assiste aos Recorrentes, então ainda não representados por mandatário judicial, o direito fundamental a receberem cópia integral do acórdão, sem a qual não pode ser apreendido, em toda a sua extensão, o sentido da decisão, e exercido, de forma efetiva, o direito ao recurso, previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 123º da LPCJP, necessariamente através de mandatário a constituir para o efeito;
5. Interpretação vigente em sede de processo penal perante a iminência da limitação de direitos fundamentais de igual ou menor relevância que no caso se mostram ofendidos.
6. Ao invés, entendeu o Mº Juiz a quo, e posteriormente a Exma. Senhora Juíza Desembargadora e o douto aresto ora recorrido que, ao ter lugar a leitura do acórdão, no dia 25.05.2012, tendo os reclamantes estado presentes, começou a correr, a partir desse dia, o prazo de interposição de recurso, não obstante não se ter garantido, de forma efetiva, a quem tinha legitimidade para recorrer, o conhecimento integral e ponderado da decisão, o que apenas se concretizou com a entrega da respetiva cópia, em 28.05.2012.
7. Acresce ainda que a própria decisão de mérito, proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, perfilha uma interpretação de normas legais desconforme com princípios fundamentais do ordenamento jurídico português com direta dignidade constitucional.
[…]
Assim, nos termos do disposto no artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, indica-se o seguinte:
a) O presente recurso é instaurado ao abrigo do artigo 280º nº 1 da CRP e da al. b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Dezembro;
b) Pretende-se que o Tribunal aprecie a constitucionalidade material da interpretação das normas acolhidas nos nºs 1 e 4 do artigo 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no art. 685º do mesmo diploma, na interpretação sustentada pelo Mº Juiz a quo, segundo a qual, o prazo de interposição de recurso de acórdão que aplica a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando a extinção do vínculo biológico entre os recorrentes e sete dos seus filhos, se inicia a contar da data da leitura do acórdão do tribunal coletivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial (não sendo a constituição de mandatário obrigatória), não obstante terem os mesmos solicitado, imediatamente, cópia do acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue nessa data.
c) O direito ao recurso pressupõe o total conhecimento da decisão recorrida ou possibilidade de o obter, pelo que o prazo para a interposição do mesmo só se deverá contar a partir do momento em que o recorrente tem a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar, ou seja só com a entrega da cópia da decisão integral é garantido o acesso ao teor completo e inteligível da decisão impugnanda a sujeito processual não representado por mandatário judicial.
d) Interpretação como a acolhida, quer no despacho de não admissão de recurso quer na decisão singular proferida pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora e, ainda, pelo acórdão sobre a mesma proferido na sequência de reclamação apresentada para o coletivo de juízes, afronta princípios constitucionalmente protegidos, em particular o acolhido nos artigos 20º e 36º da Constituição da República Portuguesa.
e) Esta questão da inconstitucionalidade foi suscitada expressamente na reclamação do despacho de não admissão de recurso e na reclamação para a conferência de Juízes.
f) Acresce que o acórdão proferido pelo Tribunal de 1ª instância pôs termo a um processo no qual não foi assegurado aos recorrentes o contraditório quanto à proposta medida de extinção do poder paternal, julgando o mesmo Tribunal cumprido o dever de notificação dos recorrentes, através de mero contacto telefónico efetuado convocando a recorrente para se apresentar no dia seguinte no julgamento.
g) A interpretação dada no acórdão impugnado ao disposto nos artigos 114º e 104º da LPCJP, conduzindo, no caso concreto a que os recorrentes se apresentassem no Tribunal ignorando em absoluto a medida proposta em concreto pelo Ministério Público, isto é, que o mesmo prepusera a medida de confiança a pessoa solicitada para adoção ou a instituição com vista a futura adoção (ou seja, o corte definitivo dos laços de filiação, inibidos que ficam desde logo os progenitores do exercício das respetivas responsabilidades parentais), viola princípio do contraditório consagrado constitucionalmente no nº 4 do artigo 20º da CRP.
h) O acórdão impugnado, ao fazer uma interpretação da norma contida na al. g) do artigo 35º e 38-A da LPCJP capaz de excluir os pais biológicos da possibilidade de se defenderem da aplicação desta medida, padece de inconstitucionalidade material por violação dos artigos 20º n. 1 e 4, 36º n.º 5 e 6 e artigo 67º da CRP, representando a referida interpretação acolhida pelo Tribunal da 1ª instância uma gravíssima violação ética ao direito convencional internacional e ao direito constitucional, vedando a possibilidade de participação efetiva dos recorrentes no debate judicial e afetando de forma irremediável a equidade na realização do próprio julgamento.
i) Finalmente a interpretação acolhida no acórdão impugnado ao concluir que no caso vertente – para sete dos nove menores – se verifica uma situação subsumível à alínea d) do n.º 1 do artigo 1978º do Código Civil, ordenando-se a referida medida por razões de ordem predominantemente económica, omitindo qualquer avaliação psicológica ou pedopsiquiátrica dirigida à qualidade dos vínculos existentes na família, configura uma frontal violação do princípio da proteção e da manutenção da família biológica de acordo com a prioridade estabelecida na Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças de 20 de Novembro de 1989 e no art. 67º CRP.
j) A mencionada interpretação do normativo em causa que conduziu à aplicação no caso vertente, da medida prevista na al. g) do artigo 35º da LPPCJP viola ainda o princípio da proporcionalidade e da necessidade plasmados no artigo 180 nº 2 da CRP, não existindo situação de perigo iminente capaz de sustentar a aplicação de tal medida (salienta-se que o processo de promoção e proteção em causa teve início em 26.09.2007).
k) Por último, decorre do acórdão impugnado que, na interpretação da norma contida no artigo 1978º do CC feita pelo Tribunal de 1ª instância, constitui fator negativo de apreciação da capacidade parental o nascimento de quatro filhos na pendência do processo.
l) A integração de cláusula com a exigência de realização de processo de laqueação de trompas contida em acordo de promoção e proteção, representa uma ingerência intolerável do Estado na esfera de autonomia da vida privada dos recorrentes, não podendo o respetivo incumprimento relevar como indício revelador da inexistência da capacidade parental.
m) Violando a interpretação perfilhada no acórdão impugnado sobre a apreciação da capacidade parental e a aplicação da medida acolhida na al. g) do artigo 35º da LPPCJP a dignidade e autonomia da pessoa humana e a própria liberdade religiosa dos ora recorrentes, acolhidas nos artigos 13º e 14º da CRP, incluindo o direito à objeção de consciência.
n) As questões relativas às inconstitucionalidades acima invocadas foram suscitadas no âmbito do recurso do acórdão proferido pela 1ª instância e na subsequente reclamação do despacho de não admissão do recurso.»
Já neste Tribunal, o relator, tendo em conta que a decisão recorrida – o acórdão de fls. 229 e seguintes - se limitou a apreciar as questões da competência da relatora no Tribunal da Relação de Lisboa para decidir a reclamação sobre a não admissão do recurso e da eventual extemporaneidade desse mesmo recurso, entendeu que, das várias questões identificadas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, apenas a primeira questão – respeitante à interpretação dos artigos 255.º, n.os 1 e 4, e 685.º, ambos do Código de Processo Civil – tinha por objeto normas efetivamente aplicadas na decisão recorrida, pelo que, por despacho de fls. 251, de 17 de janeiro de 2013, determinou o não conhecimento do recurso de constitucionalidade relativamente às restantes questões.
Posteriormente, veio a ser pedida pelos recorrentes a alteração do efeito fixado ao recurso de constitucionalidade (requerimento de fls. 254 a 259), pedido esse que, após vista ao Ministério Público, foi indeferido por despacho de 25 de fevereiro de 2013 (cfr. fls. 315 e ss.). Este despacho foi objeto de reclamação para a conferência (cfr. fls. 330 e ss.) e confirmado pelo Acórdão deste Tribunal n.º 210/2013, de 10 de abril de 2013 (cfr. fls. 452 e ss).
5. Tendo presente a mencionada delimitação do objeto do recurso, os recorrentes apresentaram as suas alegações (cfr. fls. 261 e ss.), concluindo do modo seguinte:
«1. Vem o presente recurso interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.º 70 da Lei 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão da conferência de Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, mantendo a decisão singular anteriormente proferida pela Sr.ª Juíza Relatora de turno, considera extemporâneo o recurso interposto do acórdão de 1.ª instância que aplica a medida de confiança de sete menores a instituição com vista a futura adoção;
2. O recurso interposto foi considerado extemporâneo por se ter entendido, para efeitos da determinação do início da contagem do prazo de recurso, que os recorrentes se devem considerar notificados do extenso acórdão, de mais de 40 páginas, na data da respetiva leitura, ocorrida a 25.05.12, uma vez que ambos se encontravam presentes, e não da data em que os mesmos tiveram acesso a cópia da decisão, imediatamente requerida, e disponibilizada pelo Tribunal em 28.05.2012;
3. Não tendo valorado o Tribunal o facto de serem os recorrentes estrangeiros, não terem mandatário constituído não sendo o patrocínio obrigatório, nem o facto de não ter ficado o acórdão imediatamente reproduzido em ata acessível às partes, nem lhes ter sido facultada cópia do mesmo nessa data, não obstante o haverem solicitado;
4. Entendem os recorrentes que a interpretação das normas legais aplicadas, designadamente as dos n.ºs 1 e 4 do art.º 255.º do CPC conjugadas com o disposto no n.º 2 do art.º 685.º do mesmo diploma (na versão dada pelo Dec-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), assim acolhidas pelo Tribunal recorrido, viola princípios fundamentais relacionados com as suas garantias processuais reconhecidas na Constituição (artigos 20º, nº 4, e 36º, nº 6), concretamente com o direito a um processo equitativo e o direito ao recurso,
5. A aplicação das medidas de promoção e proteção aplicadas aos referidos menores afeta, indubitavelmente, direitos fundamentais das próprias crianças e dos seus pais, ora recorrentes, designadamente o direito à proteção da família, à proteção da paternidade e maternidade e o direito à proteção contra a opressão e exercício abusivo da autoridade na família, consagrados, respetivamente, nos art.ºs 67.º, 68.º e 69.º da CRP;
6. Tais direitos são igualmente tutelados em sede de direito internacional, designadamente por via da Convenção dos Direitos da Criança, pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, vinculando os Tribunais na ordem interna, na sua atuação concreta, sendo eles próprios critérios de interpretação e decisão no caso concreto;
7. Decorre do normativo constante no n.º 6 do artigo 36º da CRP o princípio de reserva de juiz no que respeita a decisões que separem os filhos dos seus pais, sendo este princípio inseparável da necessária exigência de tal intervenção se desenvolver de acordo com um processo justo, leal e equitativo,
8. Tal princípio é reconhecidamente critério superior de interpretação das normas aplicáveis, em particular do artigo 685º do CPC, devendo orientar o Tribunal na interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, garantindo a efetiva igualdade material das partes como meio de realização do Direito.
9. Tratando-se, no caso vertente, de séria limitação ou mesmo da supressão total de direitos fundamentais dos recorrentes, com carácter irreversível após o trânsito em julgado, deveria o Tribunal ter garantido, a nível procedimental, a entrega da cópia do acórdão proferido e, consequentemente, o direito à defesa efetiva e ao recurso mediante a contagem do respetivo prazo de interposição da data em que os mesmos, ou o mandatário para o efeito constituído, puderam aceder ao teor integral do extenso acórdão;
10. O que se não compagina com a interpretação acolhida pelo Tribunal recorrido no sentido de rejeitar a necessidade de acolher uma interpretação normativa do art. 685º do CPC no sentido de contar o prazo de interposição de recurso da data em que os interessados têm acesso a cópia integral da decisão, não tendo estado os recorrentes acompanhados por advogado no ato da sua leitura, tendo solicitado de imediato aquela cópia e esta apenas lhes ter sido entregue em data posterior;
11. Sendo certo que entre o dia da leitura do acórdão e o dia da entrega da respetiva cópia não foi possível aos recorrentes aceder ao teor da decisão, até porque se trata de processo reservado, não acessível por meios informáticos;
12. Devendo, pelas razões expostas, e à semelhança do que se tem entendido estar garantido em relação ao direito de recurso em matéria penal e em sede de recurso de decisões jurisdicionais que afetem direitos fundamentais, considerar-se determinante o acesso ao texto integral do acórdão para a aferição do respetivo direito de recurso;
13. Isto é, a interpretação normativa expressamente acolhida pelo referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, admite a total irrelevância da disponibilização a interveniente processual não representado por advogado, não sendo o patrocínio obrigatório, de cópia integral da decisão proferida pela 1ª instância para efeitos de contagem do prazo de recurso.
14. Entendem os recorrentes que tal norma processual (consubstanciada nos n.ºs 1 e 4 do art.º 255.º do CPC, conjugados com o disposto no n.º 2 do art.º 685.º do mesmo diploma) interpretada no sentido de que a forma de contagem do prazo de recurso em nada depende da disponibilização ou do acesso à cópia integral da decisão judicial de que se pretende recorrer (aliás, de imediato requerida), implícita na interpretação judicial concreta que ora se impugna, viola princípios constitucionalmente garantidos (artigos 20º, nº 4, e 36º, nº 6, da CRP), padecendo de inconstitucionalidade material.
15. Devendo entender-se que os recorrentes, então não representados por mandatário judicial, apenas foram notificados da decisão aquando da entrega efetiva de cópia integral do acórdão, não sendo de interpretar e aplicar a norma do nº 3 do art.º 685º do CPC como o fez o Tribunal recorrido, pois que a mesma norma exige, numa interpretação normativa conforme às exigências constitucionais, nos casos em que a decisão seja proferida oralmente, que a mesma tenha ficado imediatamente reproduzida em ata e esta tenha ficado imediatamente disponível às partes;
16. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada expressamente na reclamação contra o despacho do juiz a quo de não admissão do recurso para a Relação e na reclamação para a conferência de Juízes da Relação contra o despacho da Juíza singular na Relação.
17. Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade material da interpretação das referidas normas acolhidos nos nºs 1 e 4 do art.º 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no nº 2 do art.º 685º do mesmo diploma (na versão atrás citada e atualmente correspondente ao n.º 3 do mesmo normativo), no sentido acolhido pela decisão recorrida, segundo a qual o prazo de interposição de recurso de acórdão que aplica a medida de confiança a instituição com vista à futura adoção, se inicia a contar da data da leitura pública do acórdão do Tribunal coletivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial, não sendo a constituição de mandato obrigatária, não obstante terem os mesmos solicitado imediatamente cópia do mesmo acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue nessa data;
18. Entendem os recorrentes que o direito ao recurso, constitucionalmente garantido, maxime em matéria de direitos fundamentais (tratando-se, no caso vertente, de extenso acórdão de mais de 40 páginas, não sujeito a revisão, provocando assim um corte irreversível nos vínculos com a família natural), pressupõe o conhecimento e possibilidade de apreensão integral da decisão,
19. Tratando-se de medida que importa a extinção de vínculo entre cada menor e a sua família natural, ao longo do desenvolvimento de todo o processo e, em especial, na fase de recurso, cabe ao Juiz exercer o controlo da garantia constitucional do contraditório efetivo, o qual decorre do princípio da igualdade material das partes,
20. Confrontado com progenitores de nacionalidade estrangeira, condição humilde, não assistidos por mandatário não sendo o patrocínio obrigatório, a interpretação de que os mesmos se consideram notificados para efeito de contagem de prazo de recurso a partir da data da leitura de acórdão de mais de 40 páginas, que aplica as referidas medidas de confiança judicial a instituição com vista a futura adoção a sete dos seus filhos menores, não lhes tendo sido entregue a cópia logo solicitada, ofende o direito à tutela jurisdicional efetiva e a processo equitativo consagrado no art. 20º da CRP.»
O Ministério Público contra-alegou (cfr. fls. 348 e ss.), formulando as seguintes conclusões:
«1) Em 26 de Setembro de 2007, o Ministério Público instaurou processo de promoção e proteção a favor de 7 menores, devidamente identificados nos autos, todos eles filhos de B. e de A., sendo, por isso, irmãos entre si;
2) Encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou alegações escritas e indicou prova, propondo, quanto a 5 dos menores, a aplicação de medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção;
3) Os progenitores dos menores não apresentaram alegações, havendo dúvidas sobre se terão sido devidamente notificados, previamente à realização do debate judicial, quer das alegações do Ministério Público, quer da prova por este apresentada;
4) Foi, então, proferido, em 1ª instância, Acórdão, pelo Juízo de Família e Menores de Sintra – 2ª Secção (Comarca da Grande Lisboa-Noroeste), em 25 de Maio de 2012, que determinou aplicar a sete menores, filhos dos recorrentes, a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos da alínea g) do nº 1 do art. 35º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) – Lei 147/99, de 1 de Setembro;
5) O referido Acórdão não ficou logo disponível, em suporte de papel, apenas tendo sido fornecida uma cópia 3 dias depois, ou seja, no dia 28 de Maio de 2012, aos progenitores dos menores;
6) Quer os menores, através da sua Patrona, quer os progenitores dos menores, através de mandatário constituído, interpuseram, em 11 de Junho de 2012, recurso deste Acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa;
7) Ambos os recursos foram, porém, rejeitados por extemporaneidade, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância, por terem sido apresentados 3 dias depois do termo do prazo previsto na lei para o efeito (cfr. arts. 685º, nº 1 e 687º, nº 3 do CPC);
8) Quer os menores, quer os seus progenitores reclamaram deste despacho, mas o Tribunal da Relação de Lisboa considerou, primeiro por decisão singular e depois por acórdão, improcedentes as reclamações apresentadas, confirmando, assim, o despacho recorrido;
9) Os progenitores dos menores interpuseram, então, recurso para este Tribunal Constitucional, tendo em vista “que o Tribunal aprecie a constitucionalidade material da interpretação das normas acolhidas nos nºs 1 e 4 do artigo 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no art. 685º do mesmo diploma, na interpretação sustentada pelo Mº Juiz a quo, segundo a qual, o prazo de interposição de recurso de acórdão que aplica a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando a extinção do vínculo biológico entre os recorrentes e sete dos seus filhos, se inicia a contar da data da leitura do acórdão do tribunal coletivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial (não sendo a constituição de mandatário obrigatória), não obstante terem os mesmos solicitado, imediatamente, cópia do acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue nessa data”;
10) O processo, que deu origem ao presente recurso, desenrola-se há 6 anos, envolve sete menores de uma mesma família, todos irmãos, e conduziu à retirada desses menores, em 8 de Junho de 2012, aos respetivos progenitores, confiando-os a instituição com vista a futura adoção;
11) Perante a gravidade de uma tal medida, que marcará indelevelmente o fim da convivência familiar entre os progenitores e os seus sete filhos, destruindo a ligação familiar existente entre eles, há que garantir que se encontram reunidas todas as condições para que a decisão judicial, que a decrete, se revele de indiscutível acerto, na defesa primacial dos interesses dos menores envolvidos;
12) Garantindo, por outro lado, que todos os interessados, maxime os diretamente visados – progenitores e os seus filhos menores – possam exprimir, devida e conscienciosamente, nos autos, a sua opinião fundamentada sobre a aplicação de uma medida tão gravosa quanto à referida;
13) Resulta da matéria de facto dada como provada, pela decisão de 1ª instância, que “a situação pessoal e social dos progenitores não se alterou de forma decisiva, persistindo um quadro de grande instabilidade pessoal, com reflexos diretos no capítulo das competências parentais e da prestação de cuidados face aos outro”;
14) Por outro lado, “o quadro fáctico traçado não permite pensar na possibilidade de manutenção dos menores no agregado familiar materno já que a mãe não reúne quaisquer condições que permitam proporcionar aos menores um ambiente familiar minimamente estável, saudável e adequado à satisfação das suas necessidades mais elementares e muito menos ao livre e harmonioso desenvolvimento da sua personalidade”;
15) E, ainda, que “ambos os progenitores não conseguem perceber a gravidade da situação em que se encontram os menores, nomeadamente, não identificam o absentismo escolar, o facto de as irmãs mais velhas cuidarem dos mais novos e as gravidezes das filhas L. e C. como constituindo problemas até porque a própria progenitora foi mãe pela primeira vez aos 16 anos de idade”;
16) Há dúvidas, porém, sobre se o mesmo Tribunal ponderou devidamente todos os elementos relativos à evolução do comportamento dos progenitores dos menores, tendo em vista definir se ainda se manteria, na altura da decisão, a mesma situação que tinha levado à intervenção inicial do Ministério Público, no âmbito do processo de promoção e proteção que instaurou;
17) Ora, perante um tal quadro de circunstâncias, não pode deixar de se atribuir relevância ao facto de, durante todo o processo de promoção e proteção, os progenitores dos menores não terem sido assistidos por mandatário qualificado, que lhes fizesse compreender o que estava verdadeiramente em jogo;
18) Com efeito, em processos de jurisdição voluntária, como é o caso dos autos, a constituição de mandatário não é obrigatória, salvo na fase de recurso (cfr. art. 1409º, nº 4 do CPC e art. 103º da LPCJP), não sendo, sequer, obrigatória a constituição de advogado para os pais no debate judicial, mas apenas para a criança ou jovem (cfr. art. 103º, nº 4 da LPCJP);
19) Uma tal falta de patrocínio por profissional qualificado é particularmente delicada num processo, que poderá terminar – como no caso dos autos – com a retirada dos menores aos seus progenitores, com vista à sua futura adoção, ou seja, com a medida mais gravosa que pode ocorrer no seio de uma família;
20) Sobretudo, se houver fundadas dúvidas sobre se os progenitores dos menores foram devidamente notificados, antes da audiência de julgamento, que uma tal medida poderia vir a ser decretada pelo tribunal;
21) Por outro lado, nem os menores, nem os respetivos progenitores puderam contestar, perante o Tribunal da Relação de Lisboa, o bem fundado da decisão de 1ª instância, uma vez que ambos os recursos foram considerados extemporâneos.
22) Ou seja, os diretamente visados por uma medida, que envolverá a dissolução da unidade familiar, não puderam exprimir, perante um tribunal de recurso, a sua opinião sobre a aplicação de uma tal medida;
23) Tudo, com base no argumento de terem passado escassos 3 dias sobre o termo do prazo de que dispunham para o efeito, apesar da gravidade da medida em jogo, que se traduz na privação quer do exercício, quer da titularidade do poder paternal;
24) Sendo certo que que o acórdão do Tribunal Coletivo, composto de 42 págs., proferido em processo de especial complexidade, não foi de imediato disponibilizado em papel, tendo os menores dele tomado conhecimento apenas em 29 de Maio de 2012, ou seja, 4 dias depois da sua leitura pública;
25) Por seu lado, os seus progenitores, “pessoas humildes, com pouca instrução e posses e, como se disse, sem mandatário constituído, pediram, de imediato, que lhes fosse facultada cópia da decisão, para melhor compreensão da mesma”, tendo tal cópia sido entregue apenas no dia 28 de Maio de 2012, ou seja, 3 dias depois da leitura pública do mesmo Acórdão;
26) Não havendo, por outro lado, razões para duvidar que “o processo (ou processos) em causa, constituído por três extensos volumes, é de natureza confidencial, não estando acessível ao mandatário através do sistema informático Citius, não é suscetível de ser confiado para consulta no seu escritório, nem teve o mesmo mandatário permissão de proceder à reprodução mecânica de qualquer documento sem prévia autorização do tribunal, estando a decorrer o prazo de recurso”;
27) Este Tribunal Constitucional tem entendido, embora em matéria penal, que:
- “o direito ao recurso implica, naturalmente, que o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito”, o que “pressupõe a plena estabilidade e inteligibilidade da decisão recorrida”;
- “a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença», antes exige o acesso ao texto da sentença, o que apenas se torna possível com o seu depósito na secretaria”;
- “a mera leitura da sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do recurso”:
- relativamente ao início do prazo para apresentação do requerimento de interposição de recurso em processo penal, “tal prazo só pode iniciar-se quando o arguido (assistido pelo seu defensor), atuando com a diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, atuando diligentemente) acesso aos respetivos suportes, consoante o método de registo utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação magnetofónica ou audiovisual)”;
- “o Tribunal Constitucional atendeu sempre à efetiva possibilidade de exercício do direito ao recurso e ponderou o valor do conhecimento pessoal pelo arguido do conteúdo decisório que o afeta na concretização dessa oportunidade”.
28) No entanto, de acordo com o art. 124º da LPCJP, “os recursos são processados e julgados como os agravos em matéria cível”;
29) Por outro lado, nos termos do art. 126º do mesmo diploma, “ao processo de promoção e proteção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recursos, as normas relativas ao processo civil de declaração sob a forma sumária”;
30) Sendo certo, por último que, nos termos do art. 100º do mesmo diploma, “o processo judicial de promoção dos direitos e proteção das crianças e jovens em perigo, doravante designado processo judicial de promoção e proteção, é de jurisdição voluntária”;
31) Ora, relativamente à garantia de acesso ao direito e aos tribunais, este Tribunal Constitucional tem entendido:
- 'Para além do direito de ação, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a prazos razoáveis de ação ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo, baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efetive toda a atividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.
- Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual «a proibição da indefesa», que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efetiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses”;
32) Relativamente ao problema da notificação da decisão em matéria cível e ao prazo para a interposição do respetivo recurso, considerou, designadamente, este Tribunal Constitucional, que “a solução consagrada no nº2 do artigo 685º do Código de Processo Civil não constitui limitação ou restrição do direito de interpor recurso. A norma fixa tão somente o momento a partir do qual se conta o prazo de oito dias [na versão atual, de dez dias] para interposição do recurso de decisões proferidas oralmente: a data em que foram proferidas, desde que as decisões estejam reproduzidas no processo e desde que a parte tenha estado presente ou tenha sido notificada para assistir ao ato”;
33) E, ainda, que “a norma do artigo 685º, nº2, do Código de Processo Civil assenta numa presunção de conhecimento de decisões, desde que a parte ou o seu mandatário tenham sido devidamente notificados para a diligência processual no âmbito da qual os despachos ou sentenças foram oralmente proferidos. Ou, mais propriamente, a disposição estabelece um ónus para as partes de se informarem sobre o conteúdo de certas decisões”;
34) Ora, nos presentes autos, muito embora os recorrentes estivessem presentes no momento da leitura da sentença, a mesma sentença não estava, aparentemente, ainda reproduzida no processo, uma vez que só 3 dias depois foi fornecida uma sua cópia aos progenitores dos menores;
35) Por outro lado, é duvidoso, como se referiu anteriormente, que os mesmos recorrentes tenham sido devidamente notificados para a diligência processual, no âmbito do qual a sentença foi oralmente proferida, pelo que não há, aqui, lugar a uma presunção de conhecimento da mesma decisão, sendo muito provável, pelo contrário, que os recorrentes nem sequer conhecessem a possível medida que poderia ser decretada na audiência em que participaram;
36) Acresce, que os mesmos recorrentes não estavam assistidos por advogado, pelo que, pelo menos nesse momento, não estava suficientemente acautelado o seu direito efetivo de interpor recurso, ou seja, de exercer o contraditório;
37) Crê-se estar, por esses motivos, perante uma situação em que a “violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efetivos para os seus interesses”;
38) Por outro lado, estando-se no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, é duvidoso que a instância recorrida haja adotado, na interpretação do quadro legal aplicável, “as medidas mais adequadas à prossecução do interesse que lhe cabe acautelar”;
39) Ou que haja devidamente acautelado, que, neste tipo de processos, “a função exercida pelo juiz não é tanto de intérprete e aplicante da lei, como de verdadeiro gestor de negócios – negócios que a lei coloca sob a fiscalização do Estado através do poder judicial”;
40) Crê-se, por isso, que valerão aqui as preocupações sempre manifestadas por este Tribunal Constitucional quando considera, embora em matéria penal, como se viu, que
- “o direito ao recurso implica, naturalmente, que o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito”, o que “pressupõe a plena estabilidade e inteligibilidade da decisão recorrida”;
- “a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença», antes exige o acesso ao texto da sentença, o que apenas se torna possível com o seu depósito na secretaria”;
[41)-44): a interpretação da instância recorrida também suscita sérias preocupações sob o ponto de vista da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, como decorre, desde logo, dos casos “P., C. and S. v. the United Kingdom” – Sentença de 16 de Julho de 2002 – §§ 136-137; “Pini and others v. Romania” – Sentença de 22 de Junho de 2004 – §§ 155 e 158; “Pontes contra Portugal” – Sentença de 10 de Abril de 2012 – §§ 74-76, 79, 95 e 98; e “Assunção Chaves contra Portugal” – Sentença de 31 de Janeiro de 2012 – §§ 70, 71, 80, 82 e 87]
[Assim, deverá o Tribunal Constitucional]:
a) conceder provimento ao presente recurso de constitucionalidade, revogando, desta forma, o Acórdão recorrido, de 20 de Novembro de 2011, do Tribunal da Relação de Lisboa;
b) considerar, nessa medida, materialmente inconstitucional a “interpretação das normas acolhidas nos nºs 1 e 4 do artigo 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no art. 685º do mesmo diploma, na interpretação sustentada pelo Mº Juiz a quo, segundo a qual, o prazo de interposição de recurso de acórdão que aplica a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando a extinção do vínculo biológico entre os recorrentes e sete dos seus filhos, se inicia a contar da data da leitura do acórdão do tribunal coletivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial (não sendo a constituição de mandatário obrigatória), não obstante terem os mesmos solicitado, imediatamente, cópia do acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue nessa data.”»
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
A) A questão de constitucionalidade
6. Atentos os requisitos do objeto do recurso de constitucionalidade e os poderes de cognição do Tribunal Constitucional previstos no artigo 79.º-C da LTC, cumpre começar por precisar qual a norma aplicada pela decisão recorrida cuja constitucionalidade deve ser apreciada.
O despacho de não admissão do recurso interposto na primeira instância, depois de considerar aplicável, a título subsidiário, o Código de Processo Civil, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto – decisão que aqui não cabe sindicar -, fundou-se no entendimento de que os então reclamantes foram notificados presencialmente do acórdão de 25 de maio de 2012 que determinou em favor dos seus filhos menores a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, uma vez que assistiram à respetiva leitura pública. Assim, o prazo de dez dias para recorrer de tal decisão começou a contar no dia seguinte, sábado, 26 de maio de 2012. O preceito legal em que se baseou o juiz da primeira instância foi o artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, na redação mencionada: “tratando-se de despachos ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo [de dez dias para a interposição dos recursos previsto no n.º 1] corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente”.
Logo na reclamação deste despacho para o presidente do tribunal da relação, os ora recorrentes invocaram que o entendimento nele perfilhado, nomeadamente por não ponderar a circunstância de os mesmos recorrentes não terem advogado constituído no processo nem a falta de disponibilização de cópia da decisão que logo a seguir à leitura do acórdão haviam requerido, punha em causa o seu direito a um processo equitativo e a garantia do direito ao recurso. Na presente sede não relevam as considerações que na mesma ocasião também fizeram sobre o que corresponderia à interpretação e aplicação do «melhor direito» - em especial a articulação entre o artigo 255.º, n.os 1 e 4, e o artigo 685.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil – mas apenas a circunstância de os mesmos recorrentes terem invocado que “a contagem do prazo [para recorrerem] em momento anterior [ao da disponibilização de cópia da decisão a cuja leitura assistiram] consubstancia uma limitação injusta e injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do curto prazo para a respetiva interposição, numa fase em que o sujeito processual ainda não sabe se tem fundamento para tal, precisamente porque, não tendo mandatário constituído, não pode, por causa que não lhe é imputável, analisar o texto da decisão que o afeta”, referindo, a propósito, os Acórdãos deste Tribunal n.os 186/2004 e 183/2006.
O despacho que decidiu esta reclamação reitera a decisão reclamada no que se refere ao entendimento do artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, acrescentando expressamente que “a lei vigente aquando da instauração dos autos e que baliza a sua vida futura, não exigia a entrega de cópia aos interessados para efeitos de contagem do prazo para recorrer. O conhecimento dos interessados foi de imediato, ou seja, ocorreu com a respetiva leitura do acórdão”, pelo que “estando os reclamantes notificados para o ato, tendo comparecido ao mesmo por si ou por representação, o prazo para recorrer começou a correr a partir do dia em que foi proferida a decisão” (itálicos aditados). Deste modo, na interpretação daquele artigo feita pela relatora no tribunal recorrido, a simples presença dos ora recorrentes na audiência em que se procedeu à leitura do acórdão que determinou a confiança dos menores a instituição com vista a futura adoção foi suficiente para desencadear o início da contagem do prazo para a interposição do recurso de tal decisão.
O acórdão recorrido, pelo seu lado, e como já mencionado, limitou-se a afirmar nada haver a alterar no respeitante “ao cerne” do despacho proferido pela relatora na segunda instância.
No seu requerimento de interposição do presente recurso, os recorrentes identificam a seguinte interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada (cfr. a alínea b) da respetiva conclusão):
«[A] interpretação das normas acolhidas nos nºs 1 e 4 do artigo 255º do CPC, conjugadas com a norma acolhida no art. 685º do mesmo diploma, na interpretação sustentada pelo Mº Juiz a quo, segundo a qual, o prazo de interposição de recurso de acórdão que aplica a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando a extinção do vínculo biológico entre os recorrentes e sete dos seus filhos, se inicia a contar da data da leitura do acórdão do tribunal coletivo, encontrando-se os progenitores presentes e não representados por mandatário judicial (não sendo a constituição de mandatário obrigatória), não obstante terem os mesmos solicitado, imediatamente, cópia do acórdão e não lhes ter sido a mesma entregue nessa data.»
Esta formulação, por confronto com as decisões adotadas nas instâncias, contém aquela que foi a ratio decidendi que conduziu à não admissão, por extemporaneidade, dos recursos interpostos do acórdão de 25 de maio de 2012 que aplicou em favor dos menores a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção: a interpretação normativa extraída do artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto), aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 126.º da LPCJP, segundo a qual a contagem do prazo para recorrer de decisão judicial que aplique a medida de promoção e proteção de confiança de menores a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista naquela Lei tem início a partir do dia da respetiva leitura, desde que a ela tenham assistido os interessados, mesmo quando não tenham advogado constituído no processo nem lhes seja facultada no dia da leitura da decisão uma cópia da mesma por eles requerida.
Saliente-se que a pertinência da integração nesta formulação dos aspetos circunstanciais da falta de constituição de advogado e da falta de entrega, no mesmo dia da leitura do acórdão, de cópia deste, conforme requerido, resulta de os mesmos terem sido invocados nos autos pelos recorrentes logo na reclamação do despacho de não admissão do recurso proferido na primeira instância e nos seus impulsos impugnatórios posteriores e não terem sido nem infirmados nem contestados. De resto, o Ministério Público, ora recorrido, reconhece nas suas contra-alegações aquelas duas circunstâncias (cfr., respetivamente, as conclusões 17 e 18 e a conclusão 5).
À semelhança do que este Tribunal tem entendido em casos anteriores (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 140/2001), no presente caso podem, por conseguinte considerar-se adquiridas no e para o processo a falta de constituição de advogado e a falta de entrega, logo a seguir à leitura do acórdão, da requerida cópia do mesmo. Tais circunstâncias, enquanto pressupostos aditados à previsão do artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, conformam o entendimento com que o mesmo preceito foi aplicado e é agora questionado sob o ponto de vista da respetiva constitucionalidade.
Por outro lado, a referência à aplicação subsidiária do citado artigo 685.º - o mesmo é dizer, ao contexto normativo da LPCJP – mostra-se indispensável para compreender que, diversamente do que sucede em geral no âmbito do processo civil (cfr. o artigo 32.º, n.º 1, alínea b), do pertinente Código), neste processo de jurisdição voluntária, para os pais, a constituição de advogado só é obrigatória na fase de recurso (cfr. os artigos 100.º e 103.º da LPCJP e os artigos 32.º, n.º 1, alínea c), e 1409.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
No tocante aos parâmetros constitucionais violados, os recorrentes mencionam o direito ao recurso, o direito de defesa e o direito a um processo equitativo. Por outro lado, atenta a importância dos bens jurídico-constitucionais em causa, nomeadamente a subsistência e continuidade do relacionamento entre os pais e os seus filhos biológicos, os recorrentes e o Ministério Público postulam a aplicação de garantias similares às consignadas no processo penal – um ordenamento especialmente vocacionado para a defesa dos bens jurídicos mais importantes, como sucede em relação à defesa da dignidade e da liberdade do arguido.
7. Os despachos reclamados nas instâncias e o acórdão ora recorrido não chegam a formular expressamente um juízo de não inconstitucionalidade sobre a mencionada interpretação normativa do artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil; aliás, aquelas três decisões omitem qualquer referência à questão de constitucionalidade.
Contudo, tal omissão não obsta a que deva considerar-se suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa perante a instância competente para a decisão da reclamação, a decidir pela mesma no exercício do seu poder-dever de não aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. o artigo 204.º da Constituição). As questões dessa natureza integram os poderes de cognição do tribunal, em termos de, no caso de ter havido suscitação pelas partes, a decisão do caso proferida pelo tribunal implicar um juízo positivo ou negativo de inconstitucionalidade, ainda que implícito. Aliás, por isso mesmo, é que a Constituição se basta com a suscitação da inconstitucionalidade de norma aplicada num dado caso concreto para abrir a via recursória para o Tribunal Constitucional, não exigindo uma pronúncia expressa do tribunal a quo (cfr. o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição).
B) Apreciação do mérito da questão de constitucionalidade suscitada
8. Os n.os 1 e 2 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, e que foi aquela considerada aplicável aos presentes autos segundo as instâncias, estabelecem o seguinte:
«1 – O prazo para a interposição dos recursos é de dez dias, contados da notificação da decisão; […]
2 – Tratando-se de despacho ou sentenças orais, reproduzidos no processo, o prazo corre do dia em que foram proferidos, se a parte esteve presente ou foi notificada para assistir ao ato; no caso contrário, o prazo corre nos termos do n.º 1.»
Como referido, estes preceitos foram entendidos no sentido de o prazo para recorrer de decisão a cuja leitura tenham assistido os interessados se contar a partir desse dia, mesmo quando os interessados não tenham advogado constituído nem lhes seja disponibilizada, nesse mesmo dia, uma cópia da decisão por eles imediatamente requerida.
Será este entendimento compatível com a Constituição?
9. Em jurisprudência uniforme e constante, tem o Tribunal Constitucional recordado que, embora a Constituição não enuncie expressamente indicações tão precisas e densas para a conformação infraconstitucional das normas do processo civil – diferentemente do que sucede em relação ao domínio do processo penal - é, todavia, inquestionável que as regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes ao texto constitucional, de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, determinadas exigências impreteríveis e que são um direto corolário da ideia de Estado de direito democrático, porquanto um dos elementos estruturantes deste modelo de Estado é justamente a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar (cfr. o Acórdão n.º 271/95). Com efeito, sendo através do processo que os tribunais desempenham a função jurisdicional, e sendo também por intermédio dele que os cidadãos têm acesso à tutela estadual dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podem as normas que o conformam deixar de refletir princípios que estruturam todo o sistema da Constituição, sem prejuízo, naturalmente, de se considerar que o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário na conformação do processo civil é o da garantia do processo justo ou equitativo (cfr. o Acórdão n.º 413/2010). É a esta luz que se têm de entender os direitos de acesso aos tribunais e a um processo equitativo consignados no artigo 20.º, n.os 1 e 4 desse normativo.
Com efeito, o direito de acesso aos tribunais, enquanto fundamento do direito geral à proteção jurídica, traduz-se na possibilidade de deduzir junto de um órgão independente e imparcial com poderes decisórios uma dada pretensão (o pedido de tutela jurisdicional para um direito ou interesse legalmente protegido), pelo que implica uma série de interações entre quem pede (autor), quem é afetado pelo pedido (réu) e quem decide (juiz), a que corresponde o processo. E a disciplina deste último – o processo em sentido normativo – encontra-se submetida à exigência do processo equitativo: o procedimento de conformação normativa deve ser justo e a própria conformação deve resultar num “processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anot. XVI ao artigo 20.º, p. 415). Se tal exigência não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, a mesma “impõe, antes de mais, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialética que elas protagonizam no processo (Ac. n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por isso, a efetividade do direito de defesa no processo, bem como dos princípios do contraditório e da igualdade de armas” (cfr. Rui Medeiros in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 20.º, p. 441). Acresce que, como notam os Autores das duas obras citadas, na densificação do princípio em análise desempenha um relevo especial a jurisprudência constitucional e, outrossim, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa ao artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, epigrafado precisamente «Direito a um processo equitativo» (v. idem, ibidem).
Por outro lado, uma vez que os direitos em causa devem estar presentes em toda e qualquer forma de processo jurisdicional, é possível mobilizar para efeitos da aludida densificação não apenas as decisões deste Tribunal que incidiram diretamente sobre normas do processo civil, mas também aquelas que, proferidas no âmbito de processos de outra natureza, nomeadamente penal ou administrativa, “não tiveram como parâmetro – ou parâmetro exclusivo – princípios garantísticos típicos ou específicos desses processos”, como, por exemplo, o das garantias de defesa do arguido (cfr., no sentido da admissibilidade da transposição de precedentes penais para o âmbito processual civil, Carlos Lopes do Rego, “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil” in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 839). Nessa linha, entendendo-se a exposição das razões de facto e de direito de uma dada pretensão, com sujeição ao contraditório da parte contrária, perante o tribunal antes que este tome a sua decisão como uma manifestação do direito de defesa dos interessados perante os tribunais, tal direito, juntamente com o princípio do contraditório, não pode deixar de ser visto como “uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente. Por isso, embora só estejam [- o direito de defesa e o princípio do contraditório -] expressamente consagrados na Constituição no âmbito do processo penal, [os mesmos] apresentam-se como normas de alcance geral” (cfr. Rui Medeiros, ob. cit., anot. XX ao artigo 20.º, pp. 442-443).
E é, nesta perspetiva, que muitos dos princípios considerados aplicáveis aos recursos em matéria penal são generalizáveis ou transponíveis para outros domínios processuais.
10. Como o Tribunal Constitucional afirmou no seu Acórdão n.º 287/90, embora a garantia da via judiciária do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição se traduza prima facie no direito de recurso a um tribunal para obter dele uma decisão sobre a pretensão perante o mesmo deduzida, deve incluir-se ainda na mesma garantia a proteção contra atos jurisdicionais. Isto é, o direito de ação incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra atos jurisdicionais, o qual, obviamente, só pode ser exercido mediante o recurso para (outros) tribunais: “o direito (subjetivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de impugnarem atos jurisdicionais e ainda tornar mais provável, em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância”.
No mesmo aresto, todavia, este Tribunal também advertiu que daquela proposição não decorre a existência de um ilimitado direito de recurso, extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabelecimento de alçadas. O Tribunal considerou, então, que, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, tal direito não é um direito absoluto — irrestringível. Diferentemente, o que se pode retirar, inequivocamente, das disposições conjugadas dos artigos 20.º e [atual] 210.º da Constituição, em matérias diversas da penal, é que existe um genérico direito de recurso dos atos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in toto ou afetá-lo substancialmente. Esta orientação foi posteriormente reafirmada por diversas vezes (cfr., entre outros, os Acórdãos n.os 210/92, 346/92, 403/94, 475/94, 95/95, 270/95, 336/95, 489/95, 715/96, 1124/96, 328/97, 234/98, 276/98, 638/98, 202/99, 373/99, 415/2001, 261/2002, 302/2005, 689/2005, 399/2007 e 500/2007).
No Acórdão n.º 40/2008 admitiu-se ainda que, para além dos casos que relevam do direito de defesa do arguido em processo penal, seria também sustentável que, sendo constitucionalmente assegurado o acesso aos tribunais contra quaisquer atos lesivos dos direitos dos cidadãos (maxime dos direitos, liberdades e garantias), sejam esses atos provenientes de particulares ou de órgãos do Estado, se garantisse o direito à impugnação judicial de atos dos tribunais (sejam eles decisões judiciais ou atuações materiais) que constituíssem a causa primeira e direta da afetação de tais direitos. Considerou-se, então, que quando a atuação de um tribunal, por si mesma, afeta, de forma direta, um direito fundamental de um cidadão, mesmo fora da área penal, a este deveria ser reconhecido o direito à apreciação judicial dessa situação; mas quando a afetação do direito fundamental do cidadão tivesse tido origem numa atuação da Administração ou de particulares e esta atuação já tivesse sido objeto de controlo jurisdicional, então não seria em todos os casos constitucionalmente imposta uma reapreciação judicial dessa decisão de controlo (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n.os 44/2008 e 197/2009).
Por outro lado, fora do âmbito em que se considera constitucionalmente imposto que o legislador ordinário consagre um segundo grau de jurisdição, se este decidir prever esse segundo grau em determinadas situações, daí não se segue que o legislador tenha irrestrita liberdade na regulação desse recurso. O Tribunal Constitucional sempre tem entendido que se o legislador, apesar de a tal não estar constitucionalmente obrigado, prevê, em certas situações, um duplo ou triplo grau de jurisdição, na respetiva regulamentação não lhe é consentido adotar soluções desrazoáveis, desproporcionadas ou discriminatórias, devendo considerar-se vinculado ao respeito do direito a um processo equitativo e aos princípios da igualdade e da proporcionalidade (cfr. o Acórdão n.º 197/2009). Como se referiu no Acórdão n.º 628/2005, a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota na dimensão que impõe a previsão pelo legislador ordinário de um grau de recurso, pois “tal garantia, conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios (assim, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 1229/96 e 462/2003) […]”.
11. Este aspeto da disciplina equitativa do direito de recurso tem suscitado diversas questões na jurisprudência, a propósito da conexão entre o conhecimento da decisão a impugnar e o termo inicial da contagem do prazo para recorrer, isto é, o “evento a partir do qual o prazo começa a correr”, que não se inclui na sua contagem (cfr. o artigo 279.º, alínea b), do Código Civil). Da jurisprudência deste Tribunal - versando principalmente o recurso de sentenças condenatórias no domínio penal, mas que, como referido, e por estarem em causa os direitos de acesso aos tribunais e ao processo equitativo, é transponível para outros domínios – decorre que o exercício do direito ao recurso pressupõe a cognoscibilidade da decisão que se pretende impugnar, aferindo-se tal cognoscibilidade em razão da possibilidade de o interessado, atuando com a diligência devida, ter acesso efetivo ao teor, completo e inteligível, da decisão em causa (cfr. as sínteses constantes, por exemplo, dos Acórdãos n.os 545/2006 e 81/2012). Embora a Constituição não preveja expressamente o direito à notificação das decisões judiciais – ao invés do que sucede em relação aos atos administrativos (artigo 268.º, n.º 3) – o dever de notificar as decisões suscetíveis de impugnação é de considerar “como um elemento integrador do próprio princípio do Estado de direito democrático que enforma toda a Lei Fundamental (cfr. o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa)” (assim, v. o Acórdão n.º 199/86), pois, de outro modo, não é possível acautelar satisfatoriamente que os destinatários das decisões judiciais tenham conhecimento do seu conteúdo, nomeadamente para contra ela poderem reagir através dos meios processuais adequados (cfr. o Acórdão n.º 183/98; sobre a diferença entre notificação e publicação, a propósito dos atos administrativos, e a sua relevância constitucional, v. o Acórdão n.º 72/2009; especificamente sobre a jurisprudência constitucional referente às exigências da notificação de atos processuais de modo a prevenir situações de «indefesa», v. o Acórdão n.º 439/12).
Saliente-se ainda que, em todos os casos até aqui analisados por este Tribunal, o interessado – seja ele o arguido em processo penal, ou outro – encontra-se assistido ou acompanhado por advogado, pelo que as exigências quanto à cognoscibilidade da decisão e quanto à diligência posta no conhecimento da decisão valem tanto para o interessado, como para o seu mandatário judicial. Assim: o «poder conhecer» significa poder apreender e compreender o sentido e alcance da decisão; a «diligência devida» compreende os direitos de informação, exame de processos e pedido de certidões próprios dos advogados (cfr. o artigo 74.º do Estatuto da Ordem dos Advogados). Nestes termos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem consagrado o entendimento de que a efetividade do direito ao recurso impõe que o requerente seja posto em condições de optar esclarecidamente por conformar-se com a decisão ou impugná-la (assim, cfr. o Acórdão n.º 326/2012).
Tal exigência – insista-se – vale em todos os domínios processuais, incluindo o processo civil. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 606/2007:
«[A]pesar de em processo civil não estar constitucionalmente assegurado um direito ao recurso das decisões judiciais, nos casos em que o legislador ordinário o prevê, devem as normas processuais que o regulamentam garantir que previamente o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente o sentido e os fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz desse seu direito.
Na verdade, só o conhecimento do conteúdo da decisão e do raciocínio argumentativo que lhe subjaz permite a formação consciente da vontade de recorrer, pelo que o início do decurso de um prazo perentório para a interposição do recurso só pode ocorrer a partir do momento em que seja exigível às partes esse conhecimento.»
12. A questão da cognoscibilidade das decisões coloca-se com particular acuidade quando as mesmas são ditadas para as atas ou simplesmente lidas em audiência.
No seu Acórdão n.º 183/98 – em que se fez um resumo do historial das sentenças orais no processo civil – este Tribunal entendeu que a simples assistência do interessado – mas um interessado que era advogado em causa própria - à leitura da decisão seria suficiente para este se ter como notificado da mesma e se poder iniciar a contagem do pertinente prazo de recurso:
«[O] recorrente, advogado em causa própria, esteve presente na audiência onde foi ditada a sentença e foi advertido de que se considerava notificado da mesma. A partir da data deste evento iniciou-se indiscutivelmente o prazo para interposição do eventual recurso de decisão, sendo certo que a circunstância de não ter sido entregue cópia da decisão ao recorrente não o impedia de obter - durante o prazo de interposição do recurso de agravo que era de oito dias (art. 75º, nº1, do Código de Processo do Trabalho) - cópia da ata onde a mesma se encontrava, desde que tivesse agido com a diligência devida.
De harmonia com o exposto, nenhuma censura de natureza constitucional pode ser dirigida ao acórdão recorrido quando aplicou os arts. 157º, nº 3, e 254º, nº 1, do Código de Processo Civil com a interpretação impugnada pelo recorrente: tendo ouvido ditar a decisão de absolvição da ré da instância, o autor, ora recorrente, estava em condições de preparar o requerimento de interposição do recurso, o qual deve conter logo a correspondente alegação (art. 76º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho). Sendo a sentença muito curta e extremamente sucinta na sua fundamentação e podendo o recorrente obter em tempo útil cópia da ata onde estava exarada (cfr. art. 174º, nº 1, do Código de Processo Civil), estava em condições de eficazmente impugnar por recurso essa decisão. De facto, estando ciente do teor da decisão e tendo sido advertido, sem oposição por parte dele, de que tinha sido notificado da mesma sentença, o recorrente, advogado em causa própria, não pode sustentar que a interpretação das normas aplicadas lhe negou a tutela judicial efetiva, por o ter colocado em situação de indefesa, no plano fáctico.»
No Acórdão n.º 228/99, o Tribunal Constitucional apreciou a constitucionalidade do mesmo artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil em causa nos presentes autos. Nesse aresto, depois de se analisar a solução legal à luz do interesse constitucional na celeridade da administração da justiça assumido no artigo 20.º, n.os 4 e 5, da Constituição, o Tribunal entendeu ser uma garantia suficiente do direito ao recurso a possibilidade de obter dentro do prazo de recurso já iniciado cópia da ata donde conste a decisão oral a impugnar:
«A norma do artigo 685º, nº2, do Código de Processo Civil assenta numa presunção de conhecimento de decisões, desde que a parte ou o seu mandatário tenham sido devidamente notificados [- in casu o mandatário judicial havia sido notificado para a audiência de julgamento -] para a diligência processual no âmbito da qual os despachos ou sentenças foram oralmente proferidos. Ou, mais propriamente, a disposição estabelece um ónus para as partes de se informarem sobre o conteúdo de certas decisões.
É o interesse público que aqui sobreleva, a necessidade de não atrasar o prosseguimento dos autos com o decurso dos prazos de notificação às partes das decisões proferidas oralmente, em diligências em que estiveram presentes (ficando desde logo cientes do seu conteúdo) ou para as quais foram notificadas (tendo nesse caso o ónus de se informar sobre o respetivo conteúdo).
[…]
No caso em apreço não existe qualquer 'violência', como sustenta a recorrente, nem sequer uma 'decisão surpresa'. A exigência de que as decisões proferidas oralmente estejam reproduzidas no processo – pressuposto de aplicação do regime do artigo 685º, nº 2, do Código de Processo Civil – acautela suficientemente o conhecimento do conteúdo dos atos, de modo que a parte possa exercer o contraditório, maxime, o direito de interpor recurso. Apenas se exige à parte faltosa que seja diligente, suprindo a sua ausência no ato processual para o qual se encontrava devidamente notificada.
[…]
Embora tendo como objetivo acelerar a marcha processual, a norma do artigo 685º, nº 2, do Código de Processo Civil contém as exigências suficientes para que a parte não fique desprovida de meios que lhe permitam exercer o seu direito de recorrer de decisões proferidas oralmente. Em primeiro lugar, porque o prazo de interposição do recurso só começa a correr a partir do dia em que a decisão foi proferida, se a parte tiver sido notificada para assistir ao ato processual; em segundo lugar, porque é pressuposto de aplicação do regime a possibilidade do conhecimento das decisões através da consulta dos autos.»
Contudo, no Acórdão n.º 148/2001 – proferido num recurso interposto de decisão condenatórias em processo penal, mas fundado também no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição - o Tribunal Constitucional foi mais exigente no que se refere à efetivação do direito ao recurso. Partindo da jurisprudência que reconhece o direito a exigir a entrega de cópia legível da decisão (cfr., sobretudo, o Acórdão n.º 444/91), o Tribunal considerou que o mesmo direito não pode deixar de se repercutir na determinação do termo a quo do prazo de interposição de recurso e afirmou que o interesse acautelado pelo mesmo direito não é suficientemente tutelado pela simples leitura da sentença na presença do interessado, mesmo quando acompanhado por mandatário judicial constituído:
«Na verdade, a finalidade de tal direito, ou seja, a possibilidade de o arguido ter acesso ao conteúdo integral das decisões que o afetam consubstancia um dos requisitos necessários para que a contagem do prazo de recurso se possa legitimamente iniciar a partir de uma determinada data.
Pode então afirmar-se que o direito ao recurso, pressupondo um total conhecimento do teor da decisão recorrida (ou a possibilidade de o obter), impõe que o prazo para a interposição do recurso só se conte a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar.
No caso em apreciação tal momento apenas se verificou quando o recorrente foi notificado do texto da sentença, sob a forma dactilografada da decisão (uma vez que a versão manuscrita foi considerada no processo como ilegível). Foi só a partir desse momento que o direito ao recurso pôde ser eficazmente exercido pelo arguido.
A contagem do prazo de recurso em momento anterior consubstancia, pois, uma limitação injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do prazo numa fase em que o sujeito processual ainda não sabe se quer recorrer (se tem fundamento para tal), precisamente porque não pode (por causa que não lhe é imputável) analisar o texto da decisão que o afeta.
[…]
[Por outro lado,] a mera leitura da sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do recurso. Com efeito, a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença.
Por último, […] também não se considera razoável a exigência de interposição de recurso por declaração na ata, nos termos do artigo 411º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal, apresentando o defensor do arguido, posteriormente, a respetiva motivação se efetivamente vier a decidir impugnar a sentença. Na verdade, antes da análise do teor da decisão, o sujeito processual não pode formar convenientemente a sua decisão de recorrer, não lhe sendo exigível a prática de atos cuja utilidade não é possível avaliar no momento da sua prática.» (itálicos aditados)
V. também os Acórdãos n.os 75/99, 363/2000, 202/2001, 87/2003, 36/2004 e 545/2006.
No seu Acórdão n.º 186/2004 este Tribunal equacionou a questão de saber “se representa, ou não, restrição intolerável do direito de recurso a imposição do dever de apresentação da motivação do recurso penal nos 15 dias subsequentes à leitura (na íntegra ou por súmula) da mesma, mas antes de os recorrentes terem acesso ao texto escrito da sentença recorrida”, considerando ser a “a primeira vez que a conformidade constitucional desta específica dimensão normativa vem colocada ao Tribunal Constitucional” (sem prejuízo da anterior confrontação com situações similares). E, fundado nas formulações do citado Acórdão n.º 148/2001, o Tribunal reconheceu expressamente que:
«”[A] mera leitura da sentença na presença do arguido e do seu defensor oficioso no mínimo pode não permitir uma completa apreensão do teor da sentença para efeito de motivação do recurso”, pois “a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença”, antes exige o acesso ao texto da sentença, o que apenas se torna possível com o seu depósito na secretaria. Impor ao arguido a apresentação da motivação do recurso da sentença sem ter acesso ao texto definitivo desta constitui um constrangimento intolerável do direito de acesso aos tribunais e especificamente do direito de recurso penal, violador dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP.»
Em suma, o direito de defesa, como decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo, postula que os destinatários de uma decisão judicial tenham acesso direto - ou possam tê-lo - ao seu conteúdo, de modo a poderem contra ela reagir através dos meios processuais adequados, em especial, e desde que admissível, o direito ao recurso (cfr. Rui Medeiros, ob. cit., anot. XX ao artigo 20.º, pp. 448-449). De outro modo, cria-se uma situação de «indefesa» constitucionalmente proibida pelo artigo 20.º, n.os 1 e 4.
Com efeito, são inconstitucionais as normas que, ao preverem a comunicação de atos processuais, maxime decisões finais, presumam o seu conhecimento pelos destinatários, sem que tais presunções sejam rodeadas das cautelas necessárias a garantir a possibilidade de conhecimento efetivo do ato por um destinatário normalmente diligente, ou seja, caso o sistema não ofereça suficientes garantias de assegurar que o ato de comunicação tenha sido colocado na área de cognoscibilidade dos seus destinatários, em termos de eles poderem eficazmente exercer os seus direitos de defesa. Em especial, nos casos em que os interessados tomam conhecimento da decisão em virtude de assistirem à sua leitura (ou, tratando-se de sentenças orais, de presenciarem a sua prolação), e considerarem, logo nesse momento, que para apreenderem todo o seu alcance e sentido necessitam de uma cópia da mesma, deve entender-se que somente com a disponibilização de tal cópia é que o ato de comunicação daquilo que foi decidido fica completo; só então é que se consuma a notificação da decisão, para efeitos de contagem do prazo de recurso, pois somente através de tal documento se pode considerar que o interessado dispõe de todos os meios para compreender o sentido e alcance da decisão tomada relativamente aos seus direitos ou interesses em causa no processo.
13. Com referência à norma objeto do presente recurso de constitucionalidade, cumpre começar por recordar que está em causa a aplicação da mais gravosa e intrusiva das medidas de promoção e proteção previstas na LPCJP: a confiança de menores a terceiros com vista a futura adoção (cfr. o artigo 35.º, n.º 1, alínea g), daquela Lei). Trata-se de uma medida que implica, a prazo, a dissolução dos vínculos jurídicos decorrentes da parentalidade e determina a separação física imediata e sem direito de visita entre pais e filhos (cfr. supra no n.º 1 a parte pertinente do dispositivo do acórdão de 25 de maio de 2012 da 2.ª Secção do Juízo de Família e Menores de Sintra). É aqui retirado aos pais o direito fundamental à educação e manutenção dos filhos, o que pode ser justificado em razão da funcionalização desse mesmo direito pessoal aos direitos fundamentais dos filhos: é um direito que contribui para a plena realização pessoal dos pais; mas é simultaneamente um dever para com os filhos – daí o conceito de responsabilidade parental e o expresso reconhecimento de deveres de proteção por parte do Estado (cfr. os artigos 68.º e 69.º da Constituição). Por força do disposto no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição, tal medida pressupõe a verificação do incumprimento dos deveres fundamentais dos pais para com os filhos e é necessariamente decretada por decisão judicial. Devido aos direitos em causa, não cabe a menor dúvida de que o recurso desta decisão – previsto no artigo 123.º, n.º 1, da LPCJP - é constitucionalmente devido, de harmonia com a jurisprudência do Acórdão n.º 40/2008 deste Tribunal. Daqui decorre uma exigência acrescida quanto à observância dos direitos de defesa dos recorrentes por parte da legislação infraconstitucional. Em especial, não se vislumbram razões para que as cautelas e as garantias quanto a tais direitos sejam menores do que as consagradas no domínio processual penal.
Um segundo aspeto a considerar prende-se com a circunstância de nos processos de promoção e proteção instaurados nos tribunais ao abrigo da LPCJP, a constituição de advogado pelos pais ser facultativa, exceto na fase de recurso (cfr. o artigo 103.º da citada Lei e o artigo 1409.º, n.º 4, do Código de Processo Civil). Portanto, se a decisão final é lida pelo juiz presidente no termo do debate judicial (cfr. o artigo 122.º da LPCJP), pode acontecer – sem que a parte interessada deva sofrer qualquer desvantagem processual por isso – que os pais assistam à leitura da decisão que decrete medidas de promoção e proteção sem terem constituído advogado no processo. Nesses casos, devendo o recurso de tal decisão ser interposto por requerimento assinado por advogado (cfr. o artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil), tem de se assegurar à parte não representada por advogado um meio idóneo para esta lhe poder comunicar o conteúdo da decisão, de modo a que os dois possam discutir com base em informação objetiva a oportunidade, legalidade e conveniência de um eventual recurso. Para o efeito, a simples descrição pelo interessado do que se passou no debate judicial e da leitura da decisão a que tenha assistido é claramente insuficiente.
Acresce que as decisões dos processos de promoção e proteção instaurados ao abrigo da LPCJP nunca são simples. São antecedidas de um debate judicial perante um coletivo de juízes, em que a prova produzida deve ser documentada (cfr. os artigos 114.º a 119.º, todos da LPCJP) e pressupõem uma deliberação formal do tribunal coletivo, a seguir ao termo daquele debate (cfr. o artigo 120.º do mesmo diploma). O respetivo conteúdo encontra-se minuciosamente descrito na lei (cfr. o artigo 121.º da LPCJP, sob a epígrafe “Decisão”):
«1 - A decisão inicia-se por um relatório sucinto, em que se identifica a criança ou jovem, os seus pais, representante legal, ou a pessoa que tem a guarda de facto e se procede a uma descrição da tramitação do processo.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação que consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na sua valoração e exposição das razões que justificam o arquivamento ou a aplicação de uma medida de promoção e proteção, terminando pelo dispositivo e decisão.»
É, por conseguinte, manifesto que a mera assistência à leitura de uma decisão com este conteúdo por quem não é um profissional do foro - para mais direta e pessoalmente envolvido com a matéria em causa - não garante a apreensão e compreensão do que foi decidido e sua fundamentação. Embora presente no ato da sua leitura, não é de presumir que um progenitor afetado nas suas responsabilidades parentais por uma decisão que decrete medida de promoção e proteção em favor de um dos seus filhos tenha condições para apreender tudo o que foi decidido e suas implicações e fique habilitado a discutir com um advogado se e como pode exercer os seus direitos de defesa contra aquela decisão. A exigência legal de constituição de advogado nos recursos contraria ou ilide uma tal presunção.
Aliás, mesmo que o progenitor em causa já se encontre acompanhado por advogado no momento de leitura da decisão, é de entender, conforme a jurisprudência deste Tribunal anteriormente citada, que “a interposição de um recurso pressupõe uma análise minuciosa da decisão que se pretende impugnar, análise essa que não é de todo possível realizar por mero apelo à memória da leitura do texto da sentença” (cfr. os Acórdãos n.os 148/2001 e 186/2004).
Deste modo, é em qualquer caso exigível, por força do artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, e desde que requerido imediatamente pelos interessados – as partes ou os seus mandatários judiciais - o acesso dos mesmos ao suporte escrito da decisão que lhes é comunicada por via oral, como garantia de que a decisão em apreço seja colocada na área de cognoscibilidade dos seus destinatários, em termos de estes poderem eficazmente exercer os seus direitos de defesa. É este o crivo relevante.
Assim, contrariamente ao afirmado no despacho proferido pela relatora no tribunal recorrido, e que foi objeto de confirmação expressa pelo acórdão recorrido, a lei vigente, interpretada em conformidade com a Constituição, exigia “a entrega de cópia [da decisão] aos interessados para efeitos de contagem de prazo para recorrer”, já que, pelas razões expostas, embora estes possam tomar conhecimento imediato da existência da decisão, o que “ocorreu com a respetiva leitura do acórdão”, a simples assistência dos mesmos a tal leitura não garante sempre, nem deve fazer presumir, que, a partir desse momento, estes fiquem habilitados a formar um juízo consciente e ponderado sobre as possibilidades, as vantagens e os inconvenientes de um eventual recurso dessa decisão. Com efeito, somente a disponibilização de cópia, previamente requerida, permite garantir esse resultado: que os interessados fiquem em condições de discutir com os seus advogados a estratégia de defesa a adotar relativamente à decisão judicial que decrete medida de promoção e proteção em favor dos seus filhos. Por isso, também, só a partir desse momento – do momento em que a cópia do acórdão lhes seja disponibilizada - se deve começar a contar o prazo para recorrerem de tal decisão.
Decorre do exposto que também neste contexto da notificação de sentenças lidas ou proferidas oralmente é válida a correlação entre o direito ao recurso e o direito a exigir a entrega de cópia de tal decisão, afirmado a propósito de sentenças manuscritas que os destinatários não conseguem ler (cfr., em especial, o Acórdão n.º 445/91 e, depois, o Acórdão n.º 148/2001): pressupondo o direito ao recurso um total conhecimento do teor da decisão recorrida (ou a possibilidade de o obter), impõe-se que o prazo para a interposição do recurso só se conte a partir do momento em que o recorrente tenha a possibilidade efetiva de apreender o conteúdo integral da decisão que pretende impugnar. A contagem do prazo de recurso a partir de momento anterior, nomeadamente da leitura do acórdão, consubstancia, pois, uma limitação injustificada do direito ao recurso, uma vez que implica o decurso do prazo numa fase em que os sujeitos processuais interessados ainda não sabem se querem recorrer (se têm fundamento para tal), precisamente porque não podem (por causa que não lhe é imputável) analisar o texto da decisão que os afeta
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 20, n.os 1 e 4 da Constituição, a interpretação normativa extraída do artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto), aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 126.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, segundo a qual a contagem do prazo para recorrer de decisão judicial que aplique a medida de promoção e proteção de confiança de menores a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção prevista naquela Lei tem início a partir do dia da respetiva leitura, desde que a ela tenham assistido os interessados, mesmo quando não tenham advogado constituído no processo nem lhes seja facultada no dia da leitura da decisão uma cópia da mesma por eles requerida; e, em consequência,
b) Determinar a reforma da decisão recorrida, de harmonia com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 10 de maio de 2013. – Pedro Machete – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura (com declaração de voto) – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanho a decisão e os seus fundamentos, no que respeita à dimensão normativa aqui em questão, que contempla a contagem do prazo de recurso de acórdão materializado em texto escrito, lido em ato público, sem que o interessado tenha tido possibilidade de conhecer e apreciar plenamente o conteúdo dessa decisão judicial através de cópia da mesma, a qual solicitou logo após a leitura.
Quanto às decisões orais, ditadas para a ata ou para o auto, e que apenas aí encontram suporte, nos termos do n.º 3 do artigo 157.º do Código de Processo Civil, acompanho a doutrina do Acórdão n.º 228/99, ou seja, que sendo a ato ou o auto onde se encontra inserida a reprodução da decisão judicial oral – por regra dotada de maior simplicidade e concisão, facilitando a cognoscibilidade – acessível ao interessado no próprio dia em que foi proferida a pronúncia judicial, nada obsta a que se inicie de imediato a contagem do prazo de recurso, de acordo o artigo 685.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto).
Fernando Vaz Ventura