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Processo nº 389/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Tributário), foi proferida a seguinte DECISÃO SUMÁRIA:
“1. A ..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional das decisões do Supremo Tribunal Administrativo
(Secção do Contencioso Tributário) que assim identifica: ‘a douta decisão proferida em 06.10.1999 e que lhe foi notificada Bem como do posterior recurso para o Pleno desse Supremo Tribunal por oposição de acórdãos e posterior pedido de esclarecimento que foi indeferido e confirmou aquela primeira decisão’ (quer a recorrente reportar-se ao acórdão de 6 de Outubro de 1999, que, em autos de oposição, negou provimento a um recurso jurisdicional por ela interposto de uma decisão do Tribunal Central Administrativo, e ao acórdão do Pleno, de 28 de Junho de 2000, que julgou ‘não verificada a alegada oposição de acórdãos, julgando-se findo o recurso’, e, por fim, ao acórdão do mesmo Pleno, de 28 de Março de 2001, que indeferiu um seu ‘pedido de aclaração’ desta última decisão).
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade diz a recorrente que ele ‘é interposto ao abrigo da al. b) do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro na redacção dada pela Lei nº 85/89, pela Lei nº 88/95 e Lei nº 13-A/98’ e pretende ‘ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artº 21º, alínea d) do ETAF com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida’ (citação que não se compreende, como se verá mais à frente), o que só pode ter a ver com aqueles acórdãos do Pleno, de 28 de Junho de 2000 e de 28 de Março de 2001, com origem num recurso ‘por oposição de julgados nos termos do disposto no artº 102 e ss da L.P.T.A.’.
E acrescenta ainda a recorrente naquele requerimento:
‘Tal interpretação da norma viola os artigos 203 e 266 da C. Republica Portuguesa e ainda os princípios da igualdade e da Justiça
A questão da inconstitucionalidade foi suscitada unicamente no requerimento de pedido de esclarecimento da decisão que não reconheceu a existência de acórdão contraditórios. E não o foi antes por ser de todo imprevisível para a ora recorrente
Na verdade, tendo a decisão interpretado de modo tão particular e restritivo a norma, não era exigível à recorrente que previsse que essa interpretação viria a ser possível e que viesse a ser adoptada na decisão
De facto, desintegrar presunções de gerência de facto de matéria de direito, era no caso concreto completamente imprevisível para a recorrente
E tal interpretação determinou a inconstitucionalidade em causa.
Até porque a ilegalidade decorrente de tal interpretação viola os supra citados normativos constitucionais
O uso inesperado e insólito de tal interpretação levou a que a recorrente não tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a possibilidade de aplicação da norma com tal interpretação’.
2. Tendo em conta o tipo de recurso de constitucionalidade de que se serviu a recorrente e o que ela invoca no respectivo requerimento, tudo está em saber se a questão de inconstitucionalidade por ela posta foi suscitada – e suscitada
‘unicamente’, como ela própria diz – ‘no requerimento de pedido de esclarecimento da decisão que não reconheceu a existência de acórdão contraditórios’.
A resposta só pode ser negativa, não podendo afirmar-se um ‘uso inesperado e insólito de tal interpretação’, não sendo, assim, ‘de todo imprevisível para a ora recorrente’ o decidido nos citados acórdãos do pleno da Secção.
Com efeito, tendo a recorrente desencadeado um recurso por oposição de acórdãos
(que foi admitido ‘nos termos do art. 30 al. b) do ETAF’), e pretendendo demonstrar que a presunção a que teria chegado o acórdão de 6 de Outubro de
1999 ‘está em contradição com o Acórdão desse Supremo Tribunal Administrativo de
13.05.98, publicado na Antologia de Acórdão de Francisco Rodrigues Pardal e Abílio Madeira Bordalo, Ano I, nº 3 Abril a Julho de 1998 da Almedina a fls 198 a 202’, não suscitou nas alegações apresentadas perante aquele pleno nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, nomeadamente quanto à interpretação e aplicação daquele normativo do artigo 30º, b). E o acórdão recorrido de 28 de Julho de 2000 limitou-se, aplicando tal norma, e na sequência de ‘jurisprudência uniforme’, a concluir o seguinte:
‘No acórdão recorrido estavam em causa dívidas à Segurança Social de 1993, tendo-se decidido que era aplicável o artigo 13º do CPT que entrara em vigor em
1 de Julho de 1991. Por seu turno, no acórdão fundamento estava em causa uma dívida de imposto de circulação do ano de 1988 ao qual se considerou ser aplicável o DL 68/87 então em vigor. Tanto basta para concluir que os acórdãos em questão não foram proferidos no âmbito do mesmo enquadramento jurídico pelo que inexiste oposição de acórdãos’.
Depois, pedindo a recorrente a aclaração desse acórdão, e dizendo que ‘o artº
30º do ETAF permite que o Pleno desse Tribunal se pronuncie a este respeito, mau grado poder entender-se que os dois acórdãos não terem sido proferidos no âmbito do mesmo enquadramento jurídico’, também não suscitou nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, a propósito desse preceito legal, não valendo como tal a simples citação dos artigos 266º e 203º, da Constituição e o que neles se prevê. Portanto, e contrariamente ao que invoca a recorrente, a
‘questão de inconstitucionalidade’ – e só pode ser relativa ao citado artigo
30º, b), do ETAF, não se compreendendo a referência à ‘norma do artº 21º, alínea d) do ETAF’, pois nem sequer existe esta alínea – nunca foi suscitada ‘no requerimento de pedido de esclarecimento da decisão que não reconheceu a existência de acórdão contraditórios’ (e impunha-se que o fizesse, face ao preceituado na questionada alínea b), do artigo 30º, e ao entendimento jurisprudencial uniforme relativamente às regras exigidas para que se verifique oposição de acórdãos, respeitando uma delas ao ‘enquadramento jurídico’ da questão, não podendo, aliás, a recorrente ignorar o que estava em causa no acórdão recorrido e no acórdão fundamento).
Tanto basta para concluir que não se verifica in casu o pressuposto processual específico da suscitação de questão de inconstitucionalidade durante o processo, não podendo, assim, tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta”.
B. Dela veio a recorrente “,nos termos do disposto no artº 78º-A nº 3 da Lei nº
28/82 de 15.11 com as alterações ocorridas reclamar para a Conferência”, confirmando simplesmente o que já havia dito no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e insistindo novamente que, “tendo a decisão do STA, antes da decisão proferida por contradição de acórdãos, interpretado de modo tão particular e restritivo a norma, não era exigível que previsse que essa interpretação viria a ser possível e que viesse a ser adoptada na decisão”. Pelo que, no seu entendimento, não se ponderou na Decisão reclamada “toda esta argumentação e ainda o facto de a violação do artº 21º do ETAF ter ocorrido na sua interpretação na douta decisão do STA de 06.10.99” (e para efeito juntou à reclamação fotocópias de várias decisões das instâncias, para demonstrar que “em variadíssimas oposições e recursos interpostos pela recorrente, em relação à mesma empresa mas tendo em conta outros períodos de tempo e por isso, valores diferentes, sempre a recorrente logrou obter êxito e nunca tal interpretação foi feita”).
C. A recorrida Fazenda Pública não apresentou nenhuma resposta à reclamação.
D. Cumpre decidir.
A reclamante nada adiantou de novo relativamente à posição assumida no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e a que foi dada resposta na Decisão reclamada.
Mesmo aceitando, numa óptica benevolente para a reclamante, a sua insistência em
“ver apreciada a inconstitucionalidade do artº 21º al. d) do ETAF com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida”, de 6 de Outubro de
1999, e com isso questionar a afirmação dessa decisão de que o “Supremo Tribunal Administrativo, nos processos inicialmente julgados pelos Tribunais Tributários de 1ª Instância e enquanto tribunal de revista que é – cfr. art. 21º nº 4 do ETAF -, apenas conhece de direito”, a verdade é que, como consta da Decisão reclamada, ela não suscitou nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa quanto àquele preceito do ETAF, não valendo como tal a simples citação dos artigos 266º e 203º, da Constituição e o que neles se prevê.
Na verdade, na peça processual que a recorrente considera relevante e que é aquela em que veio “nos termos do disposto no artigo 669 do C.P. Civil requerer esclarecimento sobre a sentença”, ou seja, o acórdão de 28 de Junho de 2000, ela limitou-se a invocar as citadas normas da Constituição e o que elas estatuem, acrescentando a seguir, mas identificando apenas o artigo 30º do ETAF:
“O artigo 30° do ET AF refere que compete ao Pleno da secção de Contencioso tributário conhecer dos recursos de acórdãos da Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e ausência de alteração substancial de regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma secção ou do respectivo pleno No caso presente o recurso assenta no facto de, por via de uma gerência de direito se presumir uma gerência de facto. Ora, o acórdão referido como contraditório e mesmo vários outros emanados desse Supremo Tribunal Administrativo defendem que não existe qualquer norma legal que estabeleça uma presunção relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presuma a partir da gerência de direito”.
Tanto basta para concluir que não assiste à reclamante nenhuma razão na censura apontada à Decisão reclamada.
E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta.
Lisboa, 20 de Novembro de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa