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Processo n.º 98/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério da Saúde, a Administração Regional de Saúde do Alentejo e B., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de acórdão daquele Tribunal.
2. Por despacho de 27 de fevereiro de 2013, foi o recorrente convidado a aperfeiçoar o requerimento de recurso.
3. Após a apresentação de requerimento de aperfeiçoamento, veio a mandatária do recorrente, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 39.º do Código de Processo Civil, renunciar ao mandato, requerendo a notificação desta renúncia ao mandante.
4. Por despacho proferido em 9 de abril de 2013, foi ordenada a notificação do recorrente do teor do requerimento de renúncia aludido. Este despacho tem o seguinte teor:
«Notifique o Recorrente do teor de fls. 691, para que constitua novo mandatário no prazo de vinte dias, advertindo que, na sua inércia, não terá seguimento o recurso, face ao n.º 1 do artigo 83.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) e 69.º do mesmo diploma, que remete para o disposto nos artigo 33.º e 39.º do Código de Processo Civil».
5. Deste despacho vem agora o recorrente, ainda através da mesma mandatária, apresentar reclamação, requerendo:
«1 – [que] o despacho de 09-04-2013, aqui reclamado, seja todo ele anulado ou revogado e substituído por outra decisão, em conferência, salvo se for entendido justificadamente que a presente reclamação, por simplicidade, deve ser decidida por juiz singular, pela Senhora Conselheira Relatora,
2 – que tal decisão, a recair nesta reclamação, seja notificada pela Secretaria pessoalmente ao Recorrente/mandante, bem como do requerimento da renúncia, de fls. 691, e envolvendo ainda a mencionada notificação pessoal a indicação a dar ao Recorrente/mandante para no prazo de 20 (vinte) dias, contado da notificação pessoal do Recorrente/mandante, este constituir mandatário, com a advertência de que a instância do recurso se suspenderá em caso de inércia na constituição de mandatário, nos termos previstos nos artigo 39.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, e 291.º, n.º 3, todos do CPC».
Como fundamentos do assim requerido, invoca, fundamentalmente, o seguinte:
«4.
Ora, o mencionado requerimento – de renúncia ao mandato – foi apresentado nos autos, como nele consta “nos termos e para os efeitos previstos no artigo 39.º do Código de Processo Civil“
5.
No entanto, no despacho de 10-04-2013, aqui reclamado, foi decidido que o recurso jurisdicional dos autos não terá seguimento em caso de, decorrido o prazo de 20 dias, se verificar inércia do Recorrente mediante ausência de constituição de mandatário
Ora, sendo certo, como é, que o prazo de vinte dias para o Recorrente constituir novo mandatário é o previsto no artigo 39.º do CPC – preceito invocado no requerimento de renuncia ao mandato – a verdade é que a cominação ou sanção de, não ter seguimento o recurso, a verificar-se inércia na constituição de mandatário por banda do Recorrente, já não consta prevista no artigo 39.º do CPC
6.
Embora sendo certo que – nos termos do artigo 32.º, n.º 1, alínea c), do CPC – nos recursos é obrigatória a constituição de advogado, o certo é que o Recorrente quando interpôs o presente recurso, perante o TC, tinha constituído a aqui mandatária sua mandataria nos autos
7.
A sanção que consiste em não ter seguimento o recurso está prevista no artigo 33.º do CPC para ser aplicada, como consta da epígrafe do mesmo artigo 33.º do CPC, quando se verifica “ falta de constituição de advogado “, devendo o primeiro segmento do mencionado artigo “ se a parte não constituir advogado “, ser interpretada em consonância com a epígrafe do mesmo artigo, isto é, o preceituado no artigo 33.º do CPC só deve aplicar-se quando nunca a parte ou recorrente tiver antes constituído mandatário
8.
Quando existir mandatário constituído nos autos, como é o caso do presente recurso jurisdicional, em que pelo requerimento de fls. 691 foi renunciado ao mandato já antes outorgado como consta em procuração já antes juntada aos autos, não se aplica o disposto no artigo 33.º do CPC mas sim o disposto no artigo 39.º do CPC, que rege sobre, revogação e renuncia ao mandato, já antes constituído, como decorre da sua epígrafe
9.
Neste sentido pode ver-se, José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto in Código de Processo Civil, Anotado, Volume 1.º, Coimbra Editora, 1999, página 73:
“
Havendo (…) renúncia do mandato, rege o art. 39. “
10.
Isto é, o campo de aplicação do artigo 39.º do CPC é distinto do campo de aplicação do artigo 33.º do CPC,
11.
Assim, o Tribunal, pelo Senhor Relator, com o devido respeito, não deveria ter aplicado no despacho de 09-04-2013, a supra assinalado cominação ou sanção, preceituada no artigo 33.º do CPC, por não se verificar o facto da inexistência ab initio, isto é, no momento de interposição do recurso para o TC, de procuração, pressuposto esse que era necessário para que pudesse ser aplicado a norma constante do artigo 33.º do CPC
12.
Aplicar a sanção de não ter seguimento o recurso, a verificar-se inércia na constituição de mandatário por banda do Recorrente só pode significar que inexiste procuração nos autos, o que não é manifestamente o caso, porquanto existe nos autos procuração outorgada à aqui mandatária e a mesma encontra-se ainda válida, enquanto não for o Recorrente notificado da renuncia apenas nos termos preceituados no artigo 39.º do CPC, aplicável à renuncia ao mandato, o que ainda não sucedeu,
13.
O Recorrente, mantem todo o interesse que o TC aprecie o recurso dos autos e nunca a aqui mandatária, mediante o requerimento de renúncia, de fls. 691, quis coartar o interesse do Recorrente, nem tal renúncia consubstanciou qualquer desistência do Recorrente do Recurso
14.
Dispõe o artigo 39.º do CPC, na parte que interessa, no seu n.º 1, que “ (…) a renúncia do mandato é notificada, (…) ao mandatário ou mandante “, e no seu n.º 2, que, “ Os efeitos da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo dos números seguintes; a renuncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3 ” e, no seu n.º 3, que “ Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; “
15.
Assim, no requerimento de renúncia ao mandato, de fls. 691, com o devido respeito, deveria ter recaído decisão a ordenar à Secretaria que notificasse o Recorrente da renúncia ao mandato e para no prazo de 20 (vinte) dias, contado da notificação pessoal da renuncia ao Recorrente/mandante, constituir mandatário, com a advertência de que a instância do recurso se suspenderia em caso de inércia na constituição de mandatário, nos termos previstos nos artigo 39.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, do CPC
16.
Mas diversamente, o que sucedeu foi a prolação da decisão, constante no despacho de 09-04-2013, de que o recurso não teria seguimento em caso de se verificar a inércia do Recorrente não constituição de mandatário,
17.
Tal decisão visou condenar o Recorrente a não ter seguimento o seu recurso, perante o TC, quando não foi isso que a aqui mandatário pediu no requerimento de renuncia de fls. 691, no qual invocou o disposto no artigo 39.º do CPC, logo todas as suas normas aplicáveis ao caso de renuncia ao mandato
18.
Ora, a decisão, tomada no despacho de 09-04-2013, de não ter seguimento o recurso, em caso de inércia do Recorrente na constituição de mandatário, além de ser diversa da requerida, por aplicação das pertinentes normas do artigo 39.º do CPC, é mais gravosa para o Recorrente do que a decisão de suspensão de instância em caso de inércia,
19.
Assim sendo, foi decidido, no despacho de 09-04-2013, condenar em objeto diverso do pedido, razão porque o despacho de 09-04-2013, incorreu na nulidade prevista no último segmento da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, devendo ser todo anulado, o que aqui se requer,
20.
Mais, as normas dos artigos 33.º e 39.º do CPC não deviam ter sido aplicadas em simultâneo, por impossibilidade de facto e jurídica da sua aplicação simultânea, por terem campos de aplicação distintos, como alegado supra, sendo obviamente impossível a qualquer mandatário renunciar a procuração que nunca tivesse antes apresentado nos autos,
21.
O que significa, que tudo o decidido – no despacho de 09-04-2013, aqui reclamado, mediante a aplicação conjunta do preceituado nos artigos 33.º e 39.º do CPC – padece de incongruência redundante em impossibilidade jurídica e de facto sendo assim correspondemente impossível notificar o Recorrente da renuncia ao mandato,
22.
Assim sendo, por incongruência e impossibilidade, os fundamentos do decidido no despacho de 10-04-2013 estão em oposição com a decisão, devendo o assinalado despacho ser todo anulado por ter incorrido na nulidade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, o que aqui se requer
23.
Sendo entendido que não se verificam as nulidades do despacho acima alegadas, é de se entender que o despacho de 09-04-2013, aqui reclamado, ficou incurso em nulidade processual, porquanto o Recorrente não foi notificado da renúncia ao mandato e, simultaneamente, de despacho nela recaído a ordenar à Secretaria que notificasse o Recorrente da renuncia ao mandato no prazo de 20 (vinte) dias com a advertência de que a instância do recurso se suspenderia em caso de inércia na constituição de mandatário, nos termos previstos nos artigo 39.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3, do CPC, o que ainda subsidiariamente aqui vai arguido
24.
Compreendendo-se tal relação de subsidiariedade com as alegadas nulidades do próprio despacho, porquanto a ora alegada nulidade processual a ser entendido que existe, sempre deriva, por ter sido causada, pelas supra alegadas nulidades do próprio despacho de 09-04-20134
25.
E a, finalmente, a ser entendido que não se verificam as supra alegadas nulidades do próprio despacho de 09-04-2013, então, sempre o mesmo, pelos motivos alegados supra incorreu em violação do preceituado nos artigo 33.º e 39.º, n.º 1, n.º 2, e n.º 3, do CPC, devendo ser revogado
26.
A aplicação, em despacho que deva recair em requerimento de renúncia ao mandato, apenas do disposto no artigo 39.º do CPC – para o qual remetem o n.º 1 do artigo 83.º da Lei n.º 38/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) e 69.º do mesmo diploma – afastando o disposto no artigo 33.º do CPC, com a consequência de ser suspendida e instância de recurso em vez de o mesmo não ter seguimento, é a solução que melhor combina a necessidade de defesa do Recorrente, contra a decisão impugnada mediante o presente recurso para o TC, com qualquer vicissitude inerente a eventual dificuldade do Recorrente em conseguir apresentar mandatário nos autos no prazo de vinte dias, sejam quais forem os motivos de tal dificuldade no caso de tal suceder,
27.
Pois suspendendo-se a instância de recurso, em caso de surgir qualquer dificuldade ao Recorrente, de modo que não consiga de 20 (vinte) dias apresentar novo mandatário nos autos, restar-lhe-á ainda até um ano – nos termos previstos no n.º 3 do artigo 291.º do CPC – para apresentar novo mandatário nos autos sem ver perdido o recurso apresentado perante o TC
28.
Tal solução, resultante da aplicação do disposto no artigo 39.º,n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do CPC e com afastamento do disposto no artigo 33.º do CPC – é ainda a que melhor se compagina com o disposto no artigo 291.º do CPC, segundo o qual, “ Os recursos são julgados desertos pela falta de alegação do recorrente ou quando, por inércia deste, estejam parados durante mais de um ano “ ( n.º 2 ) e, “tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, o recurso é julgado deserto se decorrer mais de um ano sem que se promovam os termos do incidente.” ( n.º 3)
29.
Ora, cabendo, como cabe, apreciar o requerimento de renúncia ao mandato, constante do requerimento de fls. 691, não deve o presente recurso, ser julgado deserto pela falta de alegação do recorrente – o que só poderia suceder por aplicação do disposto no primeiro segmento do n.º 2 do artigo 291.º do CPC, o que não é o caso – porquanto, depois de o Recorrente ter respondido a anterior despacho de aperfeiçoamento, e tendo pago a multa devida nos termos do artigo 145.º do CPC por apresentação dessa resposta nos três dias úteis a que se refere o mencionado artigo 145.º do CPC, ainda não foi apreciado o requerimento de aperfeiçoamento do recurso, pois cabe apreciar o requerimento de renuncia ao mandato, constante do requerimento de fls. 691, a consequência
30.
Em requerimento de renúncia ao mandato apreciado em instância de recurso, incluindo perante o TC, deve recusar-se decisão aplicadora de normas extraídas dos artigos 33.º, 39.º, n.º 1, n.º 2, e n.º 3, e 291.º, n.º 2, e n.º 3, todas do CPC, e do n.º 1 do artigo 83.º da Lei n.º 38/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) e do artigo 69.º do mesmo diploma, cujos efeitos sejam os de restringir o direito de quem seja Recorrente em constituir mandatário até um ano após sua notificação da renuncia ao mandato e a ponto de o recurso não ter seguimento se no prazo de vinte dias, contados da notificação ao Recorrente da renúncia, não for constituído novo mandatário
31.
Tias normas quando aplicadas na menciona interpretação, por encurtarem demasiado, e por forma não razoável, por desproporcionada, o direito do recorrente a constituir novo mandatário, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da proporcionalidade, da proibição da indefesa, do direito a constituir mandatário em prazo razoável, e assim também do direito ao recurso, por não se conformarem com as pertinentes normas constantes dos artigos 8.º, 18.º, 20.º e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e por violação dos mesmo direitos constantes da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”
6. Notificados da reclamação, os recorridos nada disseram.
7. A carta registada expedida para notificação do recorrente da renúncia apresentada pela sua mandatária, apesar de expedida para a morada indicada nos autos, viria devolvida, com o registo: “não atendeu” (fls. 712-713).
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
8. O recorrente vem arguir a nulidade do despacho que ordenou a sua notificação da renúncia ao mandato apresentada nos autos pela sua mandatária.
9. Como fundamento da nulidade invoca:
- condenação em objeto diverso do pedido (artigo 668.º, n.º 1, e) do Código de Processo Civil, adiante CPC);
- oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 668.º, n.º 1, c) do CPC);
Subsidiariamente, suscita ainda
- nulidade processual por o recorrente não ter sido notificado da renúncia ao mandato e, simultaneamente, do despacho sobre a mesma recaído.
Finalmente, sustenta a inconstitucionalidade material das normas invocadas, «na mencionada interpretação, por encurtarem demasiado, e por forma não razoável, por desproporcionada, o direito do recorrente a constituir novo mandatário».
10. Como primeiro fundamento da reclamação apresentada do despacho em referência, invoca o recorrente a nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, e) do CPC, pretendendo que aquele despacho condenou em objeto diferente do pedido.
O artigo 666.º, n.º 3 do CPC manda aplicar aos despachos, até onde se mostrar possível, os fundamentos da nulidade das sentenças.
O vício previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC colhe o seu fundamento no princípio do dispositivo, vigente em processo civil (artigo 264.º do CPC). Segundo este princípio, cabe às partes a iniciativa e o impulso processual, a elas pertencendo, em exclusivo, a definição do objeto do litígio através da formulação das respetivas pretensões quanto ao mérito da causa.
O despacho em apreciação não tem, todavia, qualquer incidência sobre o mérito do recurso.
Os efeitos da omissão do ato de constituição de novo mandatário nos autos, na sequência da renúncia do primitivo mandatário constituído, têm natureza meramente processual, não se encontrando na disponibilidade das partes. Estas podem concordar ou discordar da cominação fixada para aquela omissão, o que não podem é vincular o juiz à interpretação que elas próprias fazem das normas processuais que disciplinam o procedimento legalmente previsto.
Assim, nem mesmo fazendo um esforço de adaptação do fundamento de nulidade previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º ao despacho aqui reclamado, é possível aceitar a verificação deste vício arguido.
11. Pretende, em segundo lugar, o reclamante que o despacho reclamado incorre em contradição entre os fundamentos invocados e a decisão preferida (artigo 668.º, n.º 1, c) do CPC). Refere-se à indicação dos artigos 33.º e 39.º do CPC feita no despacho reclamado, salientando a “impossibilidade de facto e jurídica da sua aplicação simultânea, por terem campos de aplicação distintos (…), sendo obviamente impossível a qualquer mandatário renunciar a procuração que nunca tivesse antes apresentado nos autos”.
O vício da decisão previsto no artigo 668.º, n.º 1, c) consiste na verificação de oposição entre os fundamentos e a decisão, traduzindo num vício no raciocínio do julgador/decisor, na medida em que a fundamentação expressa aponta num sentido diferente do vertido na decisão proferida. Este vício ocorre, portanto, quando os fundamentos invocados na decisão conduzem a uma decisão diferente da produzida.
Não se ignora a diferença de campos de aplicação dos artigos 33.º e 39.º do CPC. Enquanto o primeiro se aplica à falta de constituição de advogado nos processos em que aquela constituição é obrigatória (artigo 32.º do CPC), o segundo rege para a revogação ou renúncia do mandato constituído.
Diferentemente, porém, do pretendido pelo reclamante, o despacho reclamado não aplica simultaneamente aqueles dois preceitos legais, limitando-se a aludir à remissão para aquelas normas do Código de Processo Civil resultante do artigo 69.º da LTC.
O que o despacho reclamado determina é a notificação do recorrente para constituir novo mandatário no prazo ali fixado, na sequência da renúncia apresentada pela sua mandatária. De seguida enuncia a cominação prevista para o caso de o recorrente não constituir novo mandatário no prazo indicado: o não seguimento do recurso. Como suporte jurídico do assim decidido invoca-se o disposto nos artigos 83.º e 69.º da LTC, bem como nos artigos 33.º e 39.º do CPC. Nenhuma contradição se verifica, pois, entre os fundamentos invocados e a decisão proferida.
Improcedem, assim, as nulidades invocadas.
12. Subsidiariamente, sustenta ainda o reclamante, a nulidade processual consistente no facto de o recorrente não ter sido notificado da renúncia ao mandato e, simultaneamente, do despacho sobre a mesma recaído.
Esta invocação assenta, todavia, num pressuposto que não se verifica. Os autos demonstram, na verdade, que a carta expedida para notificação do recorrente em cumprimento do despacho ora reclamado, dá conhecimento do requerimento de renúncia ao mandato, apresentado pela sua advogada, bem como do teor do próprio despacho que sobre a renúncia recaiu, informando, finalmente, o recorrente para constituir novo mandatário no prazo de vinte dias, sob pena de não ter seguimento o recurso (cfr. fls. 696).
Se o recorrente não foi, com efeito, ainda notificado nos termos ordenados, tal deve-se unicamente à circunstância de a carta expedida para o efeito ter sido devolvida, apesar de enviada para a morada indicada nos autos e não à ocorrência de qualquer nulidade processual.
13. Por último sustenta o recorrente a inconstitucionalidade material das normas invocadas, «na mencionada interpretação, por encurtarem demasiado, e por forma não razoável, por desproporcionada, o direito do recorrente a constituir novo mandatário». Concretamente, pretende o recorrente que «em requerimento de renúncia ao mandato apreciado em instância de recurso, incluindo perante o TC, deve recusar-se decisão aplicadora de normas extraídas dos artigos 33.º, 39.º, n.º 1, n.º 2, e n.º 3, e 291.º, n.º 2, e n.º 3, todas do CPC, e do n.º 1 do artigo 83.º da (…) (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) e do artigo 69.º do mesmo diploma, cujos efeitos sejam os de restringir o direito de quem seja Recorrente em constituir mandatário até um ano após sua notificação da renúncia ao mandato e a ponto de o recurso não ter seguimento se no prazo de vinte dias, contados da notificação ao Recorrente da renúncia, não for constituído novo mandatário».
Como já acima aludido, o despacho reclamado limita-se a determinar a notificação do recorrente para constituir novo mandatário, dada a obrigatoriedade da sua constituição nos recursos para o Tribunal Constitucional (artigo 83.º da LTC), anunciando, de seguida, a cominação prevista para o caso de o recorrente não constituir mandatário no prazo indicado. É neste último ponto que reside a discordância do reclamante, já que, em seu entender, a cominação para a omissão de constituição de novo mandatário deveria ser a prevista no artigo 39.º, n.º 3 do CPC – suspensão da instância - e não a prevista no artigo 33.º daquele diploma legal – não ter seguimento o recurso -, devendo, em consequência, os autos aguardar pelo prazo da deserção da instância de recurso que é de um ano (artigo 291.º, n.º 2 do CPC).
Uma tal interpretação ignora, todavia, as especificidades da instância de recurso, e, em especial, do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.
De acordo com o regime previsto no artigo 78.º da LTC, a interposição de recurso perante o Tribunal Constitucional implica, em regra, a suspensão do andamento do processo-base e da própria eficácia da decisão impugnada. Em face desta suspensão impõe-se que a definição da cominação para a falta de constituição de novo mandatário, no caso de renúncia do advogado constituído, corresponda à solução mais adequada ao equilíbrio dos vários interesses em confronto, na linha, de resto, das diferenças de regime estabelecidas para as diversas situações previstas nos n.º 3 do artigo 39.º do CPC, ao diferenciar a consequência da falta de constituição de mandatário por parte do autor e por parte do réu nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado e se verifica renúncia ou revogação de mandato. Assim, enquanto a falta de constituição de novo mandatário por parte do autor conduz à suspensão da instância, já na falta de constituição de mandatário por parte do réu o processo segue os seus termos, à revelia deste. Percebe-se a razão da diferença: não prejudicar a parte contrária. É, de novo, a mesma ordem de razões que preside aos efeitos previstos para a falta de constituição de novo mandatário no pedido-reconvencional (artigo 39.º, n.º 6 do CPC: se o réu tiver deduzido reconvenção, esta fica sem efeito, quando for dele a falta; sendo a falta do autor, seguirá o pedido reconvencional, decorridos que sejam dez dias sobre a suspensão da ação).
A mesma preocupação não pode deixar de estar presente, também, na cominação a fixar para a falta de constituição de novo mandatário por parte do recorrente, designadamente no recurso para o Tribunal Constitucional.
Sendo obrigatória a constituição de advogado nos recursos para o Tribunal Constitucional, no caso de renúncia ou revogação do mandatário do recorrente haverá que proceder-se às notificações previstas no n.º 1 do artigo 39.º do CPC (notificação da renúncia ou revogação tanto ao mandatário como ao mandante e ainda à parte contrária). Se o recorrente deixar passar o prazo para o efeito concedido, sem constituir novo mandatário, deverá, porém, seguir-se a cominação estabelecida no artigo 33.º do CPC: o recurso não terá seguimento. Outra solução, designadamente a propugnada pelo reclamante, afigurar-se-ia como desadequada, e desproporcionada, ao deixar na inteira disponibilidade do recorrente a possibilidade de provocar a paralisação do processo por um ano, adiando os efeitos da decisão judicial, pelo mesmo tempo. A suspensão da instância de recurso de constitucionalidade, até ao limite de um ano, redundaria, necessariamente, em prejuízo da tutela efetiva, e em tempo útil, dos interesses e direitos do(s) recorrido(s), além de abrir espaço a todas as consequências possíveis, designadamente na relação jurídica processual e substantiva, decorrentes do decurso do tempo.
Ora, o princípio do processo justo (artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa) não se compadece com uma conformação do processo no interesse apenas de uma das partes, antes exigindo um justo equilíbrio na proteção dos interesses de todos os intervenientes na lide.
14. Importa, por fim, extrair as necessárias consequências do indeferimento da reclamação apresentada nos autos.
A notificação ao recorrente da renúncia ao mandato do seu advogado tem uma função meramente informativa, pelo que não tem de traduzir-se numa notificação pessoal, antes devendo seguir o regime regra das formalidades previstas para as notificações em geral.
Em regra, as notificações processam-se por via postal com carta registada. (artigos 254.º, n.os 1, 3, 4 e 6 e 255.º, n.º 1 do CPC).
No caso em presença, a notificação ao recorrente da renúncia do mandato apresentada pela sua advogada foi feita por carta registada enviada para a morada daquele constante dos autos, e sendo assim, a devolução da referida carta com a menção “não atendeu”, não inibe os efeitos da notificação que, por conseguinte, não pode deixar de considerar-se feita e produzir os devidos efeitos.
Em conformidade, decorrido que se mostra o prazo concedido ao recorrente para constituir novo mandatário, sem que o tenha feito, não poderá o recurso ter seguimento, devendo os autos ser devolvidos ao tribunal recorrido.
III – Decisão
15. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, ordenando-se a devolução dos autos ao tribunal recorrido.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.