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Proc.º n.º 386/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Em 25 de Junho de 2001 proferiu o relator decisão sumária do seguinte teor:-
'1. Nos autos de acção ordinária pendentes pelo 2º Juízo Cível do Tribunal de comarca de Aveiro e que, em 31 de Julho de 1990, foram instaurados por P..., Ldª, contra V..., Ldª, surpreende-se a junção, em 8 de Outubro de
1998, de um requerimento, subscrito pelo mandatário da ré, no qual dava conta de que, por incompatibilidade com a mandante, renunciava ao mandato, e a junção de um envelope, dirigido à ré, promanado do dito Tribunal e reenviado ao remetente, e onde se encontrava a nota de notificação nos termos do nº 1 do artº 39º do Código de Processo Civil, determinada pelo despacho de 12 daqueles mês e ano, proferido pelo Juiz do indicado Juízo.
Tendo, por sentença proferida em 3 de Janeiro de 1999 (por lapso escreveu-se 1998), sido a acção considerada parcialmente procedente, dela recorreu a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, recurso interposto por intermédio de uma advogada à qual a dita ré passou procuração em 21 de Janeiro de 1999, tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 23 de Novembro de
1999, negado provimento ao recurso, o que motivou que a mesma ré pedisse revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 21 de Setembro de
2000, a negou.
Em 28, também de Setembro de 2000, requereu a ré a entrega de cópia dactilografada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e, tendo-lhe sido entregue, em 23 de Outubro seguinte, um novo advogado, a quem foi passado substabelecimento, veio arguir a nulidade do não cumprimento do disposto no artº
39º do Código de Processo Civil tocantemente ao requerimento consubstanciador da renúncia ao mandato acima indicado.
No requerimento onde foi arguida essa nulidade pode ler-se, a dado passo:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ EM RESUMO E CONCLUSÂO
.............................................................................................................................................................................................................................................. IV - A presunção ‘juris et de jure’ do artº 205 do C.P.C. é manifestamente inconstitucional por violar as regras dos artº 13 e 20 nº 1 da Lei Fundamental; o primeiro dos quais gerou o artº 3-A do Código de Processo Civil. V - Mas no Estado de direito que se proclama no artº 2 da mesma lei, empenhado na construção de uma sociedade justa, como se afirma no artº 1º do referido diploma; tal princípio impõe-se não só às partes como ao próprio Estado e seus representantes, pelo que não se deveria ter respondido aos quesitos como se fez a fls. 641, tendo-se devolvida nos autos a notificação de fls. 640 e não decorrido sequer o prazo de vinte dias a que alude o artº 39 nº 3 do C.P.C. quando se procedeu ao julgamento de fls. 639, com violação ilícita do princípio do contraditório insito no artº 3 da Lei de Processo; aliás referido no douto acórdão do STJ a fls. 787. VI - Imbuído do autoritarismo que grassava neste país aquando da sua promulgação em 1939 e se mantinha na revisão de 1961, o C.P.C. tem sofrido enxertos e machadadas depois de Abril, mas mantém ainda aqui e além a infeliz estrutura autoritária da sua génese de que o artº 205 é paradigma, com presunções ‘juris et de jure’ contra as partes, a bem da ‘disciplina’ e a mal da Justiça e assim com violação de tais princípios consagrados na Constituição.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Janeiro de 2001, não tomou conhecimento da arguida nulidade.
Para tanto, expendeu:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Vê-se, pois, que a R. pretende se ordene a baixa dos presentes autos à 1ª instância a fim de o respectivo tribunal se pronunciar sobre as nulidades que agora argui, decorrentes do que ali se processou. O que, de imediato, leva a formular a seguinte pergunta: qual o destino do acórdão de fls. 735 e segs. dos autos, proferido por este Supremo Tribunal e contra o qual a requerente não deduziu qualquer nulidade?
Nem incluiu no objecto da revista que aquele julgou, as nulidades que agora arguiu.
Assim, por não ter o mínimo fundamento legal considera-se absurdo o requerimento da R., em apreço. É que ele esbarra com o trânsito em julgado do referido acórdão de fls. 735 e segs. conforme resulta do disposto nos arts. 666º, nº 1 e 2,668º, nº 1, 716º nº 1 e 726º, todos do Cód. Proc. Civ., já que o mesmo não foi objecto de arguição de qualquer nulidade.
Por conseguinte, uma vez que se encontra esgotado o poder jurisdicional deste Supremo Tribunal, decide-se não tomar conhecimento das nulidades processuais arguidas pela R.., que terão sido cometidas nas instâncias, bem como do requerimento que a mesma faz para que o processo baixe à
1ª instância, a fim de aquelas ali serem julgadas.
............................................................................................................................................................................................................................................’
A ré ainda veio arguir a nulidade deste acórdão, pretensão que foi indeferida por aresto de 13 de Março de 2001, no qual se pode ler:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Depois deste Supremo Tribunal ter proferido o acórdão que julgou improcedente o recurso de revista, negando-a, pretende a R., em requerimento dirigido ao Relator do processo, que este mande baixar os autos ao tribunal da
1ª instância a fim de apreciar nulidades que aí terão sido cometidas e repetir o julgamento lá feito. O que, logicamente importava a anulação de todo o processado a partir da fase de julgamento da 1ª instância, o que abrangia o acórdão que decidiu a revista. Acontece que tais poderes não são conferidos ao Relator pelo artº 700º do Cód, Proc. Civ. «ex vi» do art. 726º do mesmo Código.
Portanto, estando em causa a anulação do acórdão que julgou a revista em conformidade com o seu objecto, embora o requerimento se dirigisse ao Relator, só este Supremo Tribunal é que poderia apreciar e decidir o pedido feito pela recorrente.
Não obstante as nulidades arguidas serem imputadas à 1ª instância e se levantarem questões que transcendiam o objecto do recurso de revista.
Ao apreciar a arguição e requerimento de fls. 747 e segs. da R., este Supremo Tribunal verificou que o acórdão que proferira em 21 de Setembro de
2000, não fora objecto de qualquer reclamação ou arguição de nulidade, pelo que transitou em julgado, atento o preceituado nos art. 661º, nº 1, 668º nº 1, 716º, nº 1 e 726º, todos do Cód. Proc. Civ.. Daí que estivesse esgotado o poder jurisdicional, pelo que não tinha que apreciar e decidir o que a R. arguira e pedira a fls. 747 e segs. dos autos.
O que a R. teima em não admitir, quando é claríssimo que transitou em julgado o acórdão que decidiu a revista. Nem se diga, sob pena de se resvalar para o previsto na al. a) do n.º 2 do artº 456º do Cód, Proc. Civ., que o requerimento da R. dirigido ao Relator impediu o trânsito em julgado. Trata-se de um requerimento a arguir pretensas nulidades ocorridas na 1ª instância, a suscitar questões novas, porque fora do objecto do recurso de revista, pedindo a baixa do processo à comarca, para julgar aquelas nulidades e repetir a audiência de julgamento.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Fez então a ré juntar aos autos requerimento onde disse:-
‘Veiga e Jesus Ldª., porque está em tempo e tem legitimidade, não se conformando com o aliás, douto acordão de 13 de Março de
2001, dele pretende interpôr recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com as recentes alterações introduzidas pela Lei nº 13- -A/98, de 26 de Fevereiro, com vista à apreciação da constitucionalidade do artº. 205 do Código de Processo Civil, por violar as regras do artº 13 e 20 nº 1 da C.R.P.
A questão de constitucionalidade fundamento do presente recurso foi suscitada no requerimento de fls. 747 e segs., que o acórdão ora recorrido decidiu.
Nestes termos deve ser admitido o presente requerimento para subida ao Tribunal Constitucional, seguindo-se os termos posteriores’
O recurso veio a ser admitido por despacho prolatado em 3 de Abril de
2001 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Em primeiro lugar, há que anotar que o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal não obedece aos requisitos ínsitos nos números 1 e
2 do artº 75º-A, ainda da dita Lei.
Claro que essa circunstância seria ultrapassável se se recorresse ao disposto no nº 6 do aludido artº 75º-A. Todavia, o uso desse poder/dever representaria, in casu, a prática de um acto inútil, por isso que, de todo o modo, não se congregam os pressupostos do recurso.
Assim:-
Presume-se, pelos termos utilizados no requerimento de interposição de recurso, que a ré desejaria lançar mão da forma de impugnação a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Ora, como é sabido, um dos requisitos de tal recurso é, justamente, o de a peça jurisdicional que se intenta colocar sob a censura do Tribunal Constitucional ter feito aplicação, como ratio decidendi, de norma cuja compatibilidade com a Lei Fundamental foi, anteriormente à sua prolação, colocada em crise por banda de quem se quer servir daquele recurso.
O que se passa, porém, no caso sub iudicio, é que os acórdãos lavrados pelo Supremo Tribunal de Justiça - quer em 11 de Janeiro de 2001, quer em 13 de Março seguinte - de todo em todo, não fizeram apelo à norma vertida no artº 205º do diploma adjectivo civil para alcançar as decisões aí constantes (e isto supondo que, antes de serem tirados aqueles acórdãos, a ré suscitou de modo processualmente adequado a questão da incompatibilidade de tal norma com o Diploma Básico, questão acerca da qual, o mais legitimamente possível, se poderão suscitar acentuadas dúvidas).
Efectivamente, naqueles arestos, o que foi entendido é que se encontrava esgotado o poder jurisdicional do nosso mais alto tribunal da ordem dos tribunais judiciais, suportando-se, assim, nos artigos 661º, nº 1, 668º, nº
1, 716º, nº 1, e 726º, todos do Código de Processo Civil.
O artº 205º do mesmo corpo de leis adjectivas não foi minimamente convocado como suporte das decisões constantes de tais acórdãos.
Porque não foi aplicada o normativo acerca do qual a ré teria suscitado a sua inconstitucionalidade (cfr., porém e neste particular, o inciso entre parêntesis acima efectuado), não se reúne, no caso em espécie, um dos pressupostos do vertente recurso.
Termos em que do respectivo objecto se não toma conhecimento, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
É da transcrita decisão que a recorrente vem reclamar para a conferência, em síntese aduzindo que, como o Supremo Tribunal de Justiça tem seguido uma jurisprudência de harmonia com a qual tem decidido tomar conhecimento de questões que lhe não são postas, também deveria ter, in casu, tomado decisão acerca da inconstitucionalidade do artº 205º do Código de Processo Civil e, em consequência, tomado posição sobre a alegada nulidade cometida na 1ª instância. Rematou assim a sua peça consubstanciadora da reclamação:-
'17º. - Não enviando à primeira instância o processo para esta conhecer da nulidade cometida, nem apreciando a inconstitucionalidade que lhe foi suscitada
‘de modo processualmente adequado’, manteve-se o vício da violação dos artigos
13º e 20º nº 1 da C.R.P., tempestivamente invocados, pois que o suporte dos artigos 661º nº 1, 716º nº 1 e 726º do C.P.C., em que o Supremo se fixou, viola aqueles dispositivos ao não tomar conhecimento da inconstitucionalidade persistente da norma do artº 205º do C.P.C., tempestivamente invocada.
18º. - Doutra forma acabariam os recursos para o mais Alto Tribunal de todas as jurisdições se e quando não se conhecesse da inconstitucionalidade, mesmo que suscitada esta, de ‘modo processualmente adequado’!
19º. - Seria, como é o caso, um tremendo furo no sistema, que a lei de modo algum pode querer.
Está assim por apreciar, pelos tribunais da ordem dos tribunais judiciais a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 205º do C.P.C. lhes foi posta, podendo e devendo sê-lo, requerendo-se por isso que Vossas Excelências Venerandos Conselheiros, ordenem a baixa ao STJ para apreciação da inconstitucionalidade invocada, reconhecida que seja a inconstitucionalidade por este praticada, sanado que está o lapso cometido no requerimento de recurso da não invocação da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82'.
Respondendo à reclamação, a autora P..., Ldª veio sustentar o indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2. É por demais óbvia a improcedência da reclamação.
Como se alcança da transcrita decisão sub specie, o não conhecimento do objecto do recurso fundou-se na circunstância de o artº 205º do Código de Processo Civil não ter sido o fundamento jurídico da decisão tomada pelo aresto lavrado no Supremo Tribunal de Justiça e pretendido impugnar pela recorrente.
O fundamento foi, justamente, o de já se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional.
E isto não é minimamente posto em causa pela decidenda reclamação, da qual, aliás, até se extrai que a inconstitucionalidade residirá no facto de aquele Supremo Tribunal não ter analisado a nulidade alegadamente praticada na
1ª instância quando, na óptica da ora reclamante, o deveria ter feito, não obstante, no momento em que essa nulidade foi arguida, ter já havido juízo decisório por banda daquele Alto Tribunal . O que vale por dizer, por um lado e em boa verdade, que o arguido vício de desconformidade com a Lei Fundamental está, pois, direccionado para a decisão e não para uma norma jurídica; e, por outro - ainda que, por hipótese de raciocínio, se admitisse a perspectiva segundo a qual com isso se desejava suscitar uma inconstitucionalidade normativa
- que esta seria dirigida à ou às normas que regem o modo e o momento em que já não é lícito aos tribunais conhecerem de determinadas questões, por se encontrar esgotado o seu poder jurisdicional.
E que estas não foram as eleitas como objecto do requerimento de interposição de recurso, é questão da qual o Tribunal não duvida.
Termos em que se indefere a reclamação, destarte se não tomando conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 24 de Outubro de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa